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Document 62011CJ0059

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de julho de 2012.
Association Kokopelli contra Graines Baumaux SAS.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Nancy.
Agricultura — Diretivas 98/95/CE, 2002/53/CE, 2002/55/CE e 2009/145/CE — Validade — Produtos hortícolas — Venda, no mercado nacional, de sementes hortícolas que não figuram no catálogo oficial comum das variedades das espécies de produtos hortícolas — Inobservância do regime de autorização prévia de introdução no mercado — Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura — Princípio da proporcionalidade — Liberdade empresarial — Livre circulação de mercadorias — Igualdade de tratamento.
Processo C‑59/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:447

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de julho de 2012 ( *1 )

«Agricultura — Diretivas 98/95/CE, 2002/53/CE, 2002/55/CE e 2009/145/CE — Validade — Produtos hortícolas — Venda, no mercado nacional, de sementes hortícolas que não figuram no catálogo oficial comum das variedades das espécies de produtos hortícolas — Inobservância do regime de autorização prévia de introdução no mercado — Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura — Princípio da proporcionalidade — Liberdade empresarial — Livre circulação de mercadorias — Igualdade de tratamento»

No processo C-59/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela cour d’appel de Nancy (França), por decisão de 4 de fevereiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de fevereiro de 2011, no processo

Association Kokopelli

contra

Graines Baumaux SAS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis (relatora) e D. Šváby, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

em representação da association Kokopelli, por B. Magarinos Rey, avocat,

em representação da Graines Baumaux SAS, por P. de Jong, C. Ronse e S. Lens, avocats,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues, B. Cabouat e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

em representação do Conselho da União Europeia, por P. Mahnič Bruni e E. Sitbon Bercain, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Bianchi e Z. Malůšková, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 19 de janeiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade das Diretivas:

98/95/CE do Conselho, de 14 de dezembro de 1998, que altera, no que diz respeito à consolidação do mercado interno, às variedades de plantas geneticamente modificadas e aos recursos genéticos vegetais, as Diretivas 66/400/CEE, 66/401/CEE, 66/402/CEE, 66/403/CEE, 69/208/CEE, 70/457/CEE e 70/458/CEE relativas à comercialização de sementes de beterraba, sementes de plantas forrageiras, sementes de cereais, batatas de semente, sementes de plantas oleaginosas e de fibras e sementes de produtos hortícolas e ao catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas (JO L 25, p. 1),

2002/53/CE do Conselho, de 13 de junho de 2002, que diz respeito ao catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas (JO L 193, p. 1),

2002/55/CE do Conselho, de 13 de junho de 2002, respeitante à comercialização de sementes de produtos hortícolas (JO L 193, p. 33), e

2009/145/CE da Comissão, de 26 de novembro de 2009, que prevê certas derrogações à admissão de variedades autóctones de produtos hortícolas e outras variedades tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e ameaçadas pela erosão genética e de variedades de produtos agrícolas sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, e à comercialização de sementes dessas variedades autóctones e outras variedades (JO L 312, p. 44).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a association Kokopelli (a seguir «Kokopelli») à Graines Baumaux SAS (a seguir «Baumaux»), a propósito da comercialização de sementes de produtos hortícolas.

Quadro jurídico

Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura

3

Através da Decisão 2004/869/CE do Conselho, de 24 de fevereiro de 2004, foi autorizada a celebração, em nome da Comunidade Europeia, do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (JO L 378, p. 1, a seguir «Tirfaa»).

4

Segundo o artigo 1.o do Tirfaa, este tem por objetivos «a conservação e a utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, e a partilha justa e equitativa dos benefícios resultantes da sua utilização de harmonia com a Convenção sobre a Diversidade Biológica, em prol de uma agricultura sustentável e da segurança alimentar».

5

O artigo 5.o do Tirfaa prevê:

«5.1.   Cada parte contratante, sob reserva da sua legislação nacional e em colaboração com outras partes contratantes, quando for caso disso, promoverá uma abordagem integrada da prospeção, conservação e utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, devendo, nomeadamente, segundo as circunstâncias:

[...]

c)

Promover ou apoiar, conforme o caso, os esforços dos agricultores e das comunidades locais no sentido de gerir e conservar na exploração os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura;

[...]»

6

O artigo 6.o do Tirfaa estipula:

«6.1.   As partes contratantes definirão e manterão políticas e disposições jurídicas adequadas à promoção da utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.»

7

Em conformidade com o artigo 7.o, n.o 7.1, do Tirfaa, «[c]ada parte contratante integrará, se for caso disso, nas suas políticas e programas agrícolas e de desenvolvimento rural as atividades referidas nos artigos 5.° e 6.°, e cooperará com as demais partes contratantes, diretamente ou por intermédio da [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)] e outras organizações internacionais competentes, nos domínios da conservação e utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura».

8

O artigo 9.o do Tirfaa prevê:

«9.1.   As Partes Contratantes reconhecem o enorme contributo, passado e futuro, das comunidades locais e autóctones e dos agricultores de todas as regiões do mundo, especialmente dos centros de origem e diversidade das culturas, para a conservação e valorização dos recursos fitogenéticos que constituem a base da produção alimentar e agrícola no mundo inteiro.

[...]

9.3.   Nada no presente artigo deverá ser interpretado como limitativo dos direitos que possam assistir aos agricultores de conservar, utilizar, trocar e vender sementes e material de propagação produzidos na exploração, sob reserva das disposições da legislação nacional e segundo as circunstâncias.»

Direito da União

Diretiva 2002/55

9

A Diretiva 2002/55 estabelece um catálogo comum das variedades das espécies de produtos hortícolas.

10

Os considerandos 2 a 4 e 12 desta diretiva têm a seguinte redação:

«(2)

A produção de sementes de produtos hortícolas ocupa um lugar importante na agricultura da Comunidade.

(3)

Os resultados satisfatórios na cultura de produtos hortícolas dependem, em larga medida, da utilização de sementes adequadas.

(4)

Uma maior produtividade das culturas de produtos hortícolas na Comunidade será obtida pela aplicação, por parte dos Estados-Membros, de regras unificadas e tão rigorosas quanto possível no que diz respeito à escolha das variedades admitidas à comercialização.

[…]

(12)

As sementes das variedades inscritas no catálogo comum das variedades não devem ser submetidas, no interior da Comunidade, a qualquer restrição à comercialização quanto à variedade.»

11

A Diretiva 2002/55, nos termos do seu artigo 1.o, «é aplicável à produção destinada à comercialização, e à comercialização de sementes de produtos hortícolas na Comunidade».

12

O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros determinarão que as sementes de produtos hortícolas só podem ser certificadas, controladas enquanto sementes-tipo e comercializadas se a sua variedade for oficialmente admitida em, pelo menos, um Estado-Membro.»

13

Para a admissão de variedades nos catálogos oficias, o artigo 4.o, n.os 1 e 4, da referida diretiva prevê:

«1.   Os Estados-Membros velarão por que uma variedade só seja admitida se for distinta, estável e suficientemente homogénea.

[...]

4.   No interesse da conservação dos recursos genéticos vegetais em conformidade com o n.o 2 do artigo 44.o, os Estados-Membros podem não respeitar os critérios de admissão referidos na primeira frase do n.o 1, desde que sejam fixadas condições específicas de acordo com o procedimento referido no n.o 2 do artigo 46.o, tendo em consideração o disposto no n.o 3 do artigo 44.o»

14

O artigo 5.o da Diretiva 2002/55 tem a seguinte redação:

«1.   Uma variedade é distinta se, qualquer que seja a origem, artificial ou natural, da variação inicial que lhe deu origem, se distinguir claramente, por um ou vários carateres importantes, de todas as outras variedades conhecidas na Comunidade.

Os carateres deverão poder ser reconhecidos e descritos com precisão.

[...]

2.   Uma variedade é estável se, na sequência das suas reproduções ou multiplicações sucessivas ou no fim de cada ciclo, quando o obtentor definiu um ciclo especial de reproduções ou de multiplicações, permanecer conforme à definição dos seus carateres essenciais.

3.   Uma variedade é suficientemente homogénea se as plantas que a compõem — abstraindo as raras aberrações — forem, tendo em conta as particularidades do sistema de reprodução das plantas, semelhantes ou geneticamente idênticas para o conjunto dos carateres reunidos para esse efeito.»

15

O artigo 44.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2002/55 dispõe:

«2.   De acordo com o procedimento referido no n.o 2 do artigo 46.o, serão estabelecidas condições específicas para ter em conta a evolução verificada no tocante à conservação in situ e à utilização sustentável dos recursos genéticos vegetais através do cultivo e da comercialização de sementes de:

a)

Raças primitivas e variedades tradicionalmente cultivadas em localidades e regiões determinadas e ameaçadas de erosão genética, sem prejuízo do disposto no Regulamento (CE) n.o 1467/94 do Conselho, de 20 de junho de 1994, relativo à conservação, caracterização, recolha e utilização dos recursos genéticos na agricultura [JO L 159, p. 1];

b)

Variedades sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições.

3.   As condições específicas referidas no n.o 2 incluirão, nomeadamente:

a)

No caso da alínea a) do n.o 2, as raças primitivas e as variedades serão admitidas em conformidade com o disposto na presente diretiva. Serão tidos em conta, em especial, os resultados de avaliações não oficiais e os conhecimentos adquiridos com a experiência prática durante o cultivo, a reprodução e a utilização, bem como as descrições pormenorizadas das variedades e respetivas denominações, tal como foram notificadas ao Estado-Membro em questão, elementos que, caso sejam considerados conclusivos, darão lugar à isenção do requisito do exame oficial. Após a sua admissão, essa raça primitiva ou essa variedade serão incluídas no catálogo comum com a menção ‘variedade de conservação’;

b)

No caso das alíneas a) e b) do n.o 2, restrições quantitativas adequadas.»

16

Nos termos do artigo 48.o da Diretiva 2002/55:

«1.   De acordo com o procedimento referido no n.o 2 do artigo 46.o, poderão ser estabelecidas condições específicas para ter em conta a evolução verificada nos seguintes domínios:

[...]

b)

Condições de comercialização relacionadas com a conservação in situ e a utilização sustentável dos recursos genéticos vegetais, incluindo misturas de sementes de espécies que abranjam igualmente espécies enumeradas no artigo 1.o da Diretiva [2002/53] e estejam associadas a habitats específicos naturais e seminaturais e ameaçadas pela erosão genética;

[...]

2.   As condições específicas a que se refere a alínea b) do n.o 1 incluem, em especial, os seguintes aspetos:

a)

As sementes destas espécies devem ser de proveniência conhecida, aprovada pela entidade responsável, em cada Estado-Membro, pela comercialização de sementes em áreas definidas;

b)

Adequadas restrições quantitativas.»

Diretiva 2009/145

17

A Diretiva 2009/145 dá execução aos artigos 4.°, n.o 4, 44.°, n.o 2, e 48.°, n.o l, alínea b), da Diretiva 2002/55, com a finalidade de conservar os recursos genéticos das plantas.

18

Nos termos dos considerandos 1 a 3 e 14 da Diretiva 2009/145:

«(1)

As questões associadas à biodiversidade e à preservação dos recursos fitogenéticos adquiriram importância ao longo dos últimos anos, conforme demonstrado pelos diferentes progressos verificados a nível internacional e comunitário. A título de exemplo, são de citar a Decisão 93/626/CEE do Conselho, de 25 de outubro de 1993, relativa à celebração da Convenção sobre a Diversidade Biológica [JO L 309, p. 1], a Decisão [2004/869], o Regulamento (CE) n.o 870/2004 do Conselho, de 24 de abril de 2004, que estabelece um programa comunitário de conservação, caracterização, recolha e utilização dos recursos genéticos na agricultura e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1467/94 [JO L 162, p. 18], e o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) [JO L 277, p. 1]. Devem ser estabelecidas condições específicas, ao abrigo da Diretiva [2002/55] para ter em conta estas questões no que se refere à comercialização de sementes de produtos hortícolas.

(2)

A fim de assegurar a conservação in situ e a utilização sustentável dos recursos fitogenéticos, as variedades autóctones de produtos hortícolas e outras variedades tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e ameaçadas pela erosão genética (variedades de conservação) devem ser cultivadas e comercializadas ainda que não cumpram os requisitos gerais respeitantes à admissão de variedades e à comercialização de sementes. Para além do objetivo geral de proteção dos recursos fitogenéticos, o interesse especial em preservar estas variedades encontra-se no facto de estarem especialmente bem adaptadas a determinadas condições locais.

(3)

A fim de assegurar a utilização sustentável dos recursos fitogenéticos, as variedades sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições (variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições), devem ser cultivadas e comercializadas ainda que não cumpram os requisitos gerais respeitantes à admissão de variedades e à comercialização de sementes. Para além do objetivo geral de proteção dos recursos fitogenéticos, o interesse especial em preservar estas variedades encontra-se no facto de estarem aptas a serem cultivadas em determinadas condições climatéricas, pedológicas e agro-técnicas (tais como, cuidados manuais, colheitas sucessivas).

[…]

(14)

Três anos depois, a Comissão deve avaliar se são eficazes as medidas previstas na presente diretiva, nomeadamente as disposições relativas às restrições quantitativas à comercialização de sementes de variedades de conservação e de variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições.»

19

O artigo 1.o da Diretiva 2009/145 dispõe:

«1.   No que se refere às espécies de produtos hortícolas abrangidas pela Diretiva [2002/55], a presente diretiva define determinadas derrogações relativamente à conservação in situ e à utilização sustentável de recursos fitogenéticos através do cultivo e da comercialização:

a)

Para aceitação da admissão nos catálogos nacionais de variedades das espécies de produtos agrícolas, conforme previsto na Diretiva [2002/55], de variedades autóctones e outras variedades tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e ameaçadas pela erosão genética, a seguir designadas ‘variedades de conservação’;

b)

Para aceitação da admissão nos catálogos referidos na alínea a) de variedades sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, a seguir designadas ‘variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições’; e

c)

Para a comercialização de sementes de tais variedades de conservação e variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições.

2.   Salvo disposições em contrário na presente diretiva, é aplicável a Diretiva [2002/55].»

20

O artigo 35.o da Diretiva 2009/145 prevê:

«A Comissão deve avaliar, até 31 de dezembro de 2013, a aplicação da presente diretiva.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

21

A Kokopelli é uma associação sem fins lucrativos que vende sementes de variedades hortícolas e florais antigas, provenientes da agricultura biológica, e que põe à disposição dos seus aderentes variedades hortícolas pouco cultivadas em França.

22

A Baumaux dedica-se à exploração e à comercialização de sementes florais e hortícolas. Em 2005, esta sociedade intentou uma ação fundada em concorrência desleal contra a Kokopelli, na qual reclama, designadamente, uma indemnização de 50000 euros e o fim da publicidade a estas variedades comercializadas pela Kokopelli.

23

Por sentença de 14 de janeiro de 2008, o tribunal de grande instance de Nancy condenou a Kokopelli no pagamento de uma indemnização por concorrência desleal à Baumaux. Este órgão jurisdicional reconheceu que a Kokopelli e a Baumaux desenvolviam a sua atividade no setor das sementes antigas ou de coleção, comercializavam 233 produtos idênticos ou semelhantes e visavam ambas a mesma clientela de jardineiros amadores, pelo que estavam em situação de concorrência. O órgão jurisdicional considerou, por isso, que a Kokopelli praticava atos de concorrência desleal, ao pôr à venda sementes hortícolas que não figuravam no catálogo francês nem no catálogo comum das variedades das espécies de produtos hortícolas.

24

A Kokopelli interpôs recurso desta decisão para a cour d’appel de Nancy.

25

Foi nestas condições que a cour d’appel de Nancy decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[A]s Diretivas 98/95/CE, 2002/53/CE e 2002/55/CE do Conselho e 2009/145 da Comissão são válidas à luz dos direitos e princípios fundamentais seguintes da União Europeia, a saber, do livre exercício de uma atividade económica, da proporcionalidade, da igualdade ou da não discriminação, da livre circulação de mercadorias, e dos compromissos assumidos nos termos do [Tirfaa], designadamente, [na medida em que impõem] condicionalismos de produção e de comercialização às sementes e [plântulas] antigas?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

26

A Baumaux considera que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível por a Kokopelli não poder invocar a invalidade das diretivas controvertidas, uma vez que estas não implicam nenhum direito nem nenhuma obrigação para os particulares. A Kokopelli apenas pode contestar a validade da legislação nacional que transpõe essas diretivas.

27

Além disso, a Baumaux entende que a referência à Diretiva 98/95 não é pertinente para efeitos da solução do litígio no processo principal. A Diretiva 2002/53 tão-pouco é pertinente, na medida em que respeita exclusivamente ao comércio das variedades das espécies de plantas agrícolas, uma vez que resulta dos factos do litígio que a Kokopelli pretende comercializar exclusivamente sementes de produtos hortícolas. A Baumaux acrescenta que, tendo a Diretiva 2009/145 sido adotada muito depois de a Baumaux ter intentado a sua ação contra a Kokopelli, a sua validade não tem nenhuma incidência na solução do referido litígio.

28

A este respeito, há que recordar que quando uma questão relativa à validade de um ato adotado pelas instituições da União Europeia é suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, compete a este órgão jurisdicional julgar se é necessária uma decisão sobre esse aspeto, para proferir a sua decisão, e, consequentemente, solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre essa questão. Por conseguinte, na medida em que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional tenham por objeto a validade de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar-se (acórdão de 8 de julho de 2010, Afton Chemical, C-343/09, Colet., p. I-7027, n.o 13 e jurisprudência referida).

29

O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando, nomeadamente, for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra do direito da União, solicitadas pelo órgão jurisdicional nacional, não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou quando o problema for de natureza hipotética (acórdão Afton Chemical, já referido, n.o 14).

30

A este respeito, há que recordar que a Diretiva 2002/53 é relativa ao catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas. Uma vez que decorre da decisão de reenvio que o litígio no processo principal respeita à comercialização, pela Kokopelli, de sementes de produtos hortícolas, não há que analisar a validade da referida diretiva.

31

Há também que precisar que a Diretiva 98/95 é um ato jurídico modificativo das Diretivas 66/400/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de sementes de beterrabas (JO 1966, 125, p. 2290; EE 03 F1 p. 166), 66/401/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de sementes de plantas forrageiras (JO 1966, 125, p. 2298; EE 03 F1 p. 174), 66/402/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de sementes de cereais (JO 1966, 125, p. 2309; EE 03 F1 p. 185), 66/403/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de batatas de semente (JO 1966, 125, p. 2320; EE 03 F1 p. 196), 69/208/CEE do Conselho, de 30 de junho de 1969, relativa à comercialização de sementes de plantas oleaginosas e de fibras (JO L 169, p. 3; EE 03 F3 p. 119), 70/457/CEE do Conselho, de 29 de setembro de 1970, que diz respeito ao catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas (JO L 225, p. 1; EE 03 F4 p. 48), e 70/458/CEE do Conselho, de 29 de setembro de 1970, respeitante à comercialização das sementes de produtos hortícolas (JO L 225, p. 7; EE 03 F4 p. 54), e que as disposições destas últimas diretivas foram codificadas pelas Diretivas 2002/53 e 2002/55. Nestas condições, também não há que analisar a validade da Diretiva 98/95.

32

No que diz respeito à Diretiva 2009/145, está assente que esta foi adotada em 2009, ou seja, após a ação fundada em concorrência desleal intentada pela Baumaux contra a Kokopelli. Contudo, como o advogado-geral salientou no n.o 48 das suas conclusões, a análise da validade desta diretiva poderia ser útil para o órgão jurisdicional de reenvio, para efeitos da resolução do litígio no processo principal.

33

Por conseguinte, não é manifesto que a apreciação da validade das Diretivas 2002/55 e 2009/145 não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou que diga respeito a um problema hipotético.

34

Além disso, há que recordar que, no sistema completo de vias de recurso e de meios processuais instituído pelo Tratado FUE a fim de garantir a fiscalização da legalidade dos atos das instituições, as pessoas singulares ou coletivas que não possam, em virtude dos requisitos de admissibilidade previstos no quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE, impugnar diretamente atos da União de alcance geral têm a possibilidade, conforme os casos, de invocar a invalidade de tais atos, quer a título incidental, ao abrigo do artigo 277.o TFUE, perante o juiz da União, quer perante os órgãos jurisdicionais nacionais, e de levar estes, que não são competentes para declararem eles próprios a invalidade dos referidos atos, a interrogar a este respeito o Tribunal de Justiça através de questões prejudiciais (acórdão Afton Chemical, já referido, n.o 18).

35

Ora, basta declarar que, inquestionavelmente, a Kokopelli não tinha legitimidade para interpor um recurso destinado a obter a anulação das Diretivas 2002/55 e 2009/145 com base nos artigos 230.° CE e 263.° TFUE. Consequentemente, tem o direito de invocar, no âmbito de um recurso interposto nos termos do direito nacional, a invalidade destas diretivas, embora não tenha interposto um recurso de anulação contra elas, no órgão jurisdicional da União, no prazo previsto nos referidos artigos (v., neste sentido, acórdão Afton Chemical, já referido, n.os 19 a 25).

36

Resulta do exposto que a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio é admissível na medida em que respeita à validade das Diretivas 2002/55 e 2009/145.

Quanto ao mérito

37

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, em substância, sobre a validade das Diretivas 2002/55 e 2009/145 à luz dos princípios do livre exercício de uma atividade económica, da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da livre circulação de mercadorias, bem como à luz dos compromissos assumidos pela União nos termos do Tirfaa.

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

38

Resulta de jurisprudência assente que o princípio da proporcionalidade, cuja alegada violação deve ser analisada em primeiro lugar, faz parte dos princípios gerais do direito da União e exige que os meios postos em prática por uma disposição do direito da União sejam aptos a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do que é necessário para os alcançar (acórdãos de 6 de dezembro de 2005, ABNA e o., C-453/03, C-11/04, C-12/04 e C-194/04, Colet., p. I-10423, n.o 68; de 7 de julho de 2009, S.P.C.M. e o., C-558/07, Colet., p. I-5783, n.o 41; e de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C-58/08, Colet., p. I-4999, n.o 51).

39

No que respeita à fiscalização jurisdicional dos requisitos referidos no número anterior, importa recordar que, em matéria de política agrícola comum, o legislador da União dispõe de um amplo poder de apreciação que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 40.° TFUE e 43.° TFUE lhe atribuem e que o Tribunal de Justiça já decidiu, em várias ocasiões, que só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada neste domínio, relativamente ao objetivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afetar a legalidade dessa medida (v. acórdãos de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colet., p. I-4973, n.os 89 e 90; de 13 de dezembro de 1994, SMW Winzersekt, C-306/93, Colet., p. I-5555, n.o 21; e de 2 de julho de 2009, Bavaria e Bavaria Italia, C-343/07, Colet., p. I-5491, n.o 81).

40

Contudo, embora a importância dos objetivos prosseguidos possa justificar restrições que têm consequências negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores económicos (acórdão de 17 de julho de 1997, Affish, C-183/95, Colet., p. I-4315, n.o 42), importa verificar que, no âmbito da apreciação dos condicionalismos ligados a diferentes medidas possíveis, o legislador da União teve plenamente em conta os interesses em presença, além do objetivo principal prosseguido (acórdão de 12 de janeiro de 2006, Agrarproduktion Staebelow, C-504/04, Colet., p. I-679, n.o 37).

41

No presente caso, importa analisar se o regime de admissão das sementes das variedades de produtos hortícolas previsto pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145 viola o princípio da proporcionalidade. Com efeito, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 limita a certificação, o controlo enquanto sementes-tipo e a comercialização das sementes de produtos hortícolas àquelas cuja variedade foi oficialmente admitida em, pelo menos, um Estado-Membro. Ora, para ser admitida nos catálogos oficiais, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, uma variedade deve ser distinta, estável e suficientemente homogénea.

42

A Kokopelli alega que está impossibilitada de comercializar as sementes das variedades de produtos hortícolas «antigas», uma vez que, tendo em conta as suas características próprias, estas não podem cumprir os critérios de distinção, de estabilidade e de homogeneidade e são, assim, excluídas injustificadamente dos catálogos oficiais.

43

A este respeito, resulta dos considerandos 2 a 4 da Diretiva 2002/55 que o primeiro objetivo das regras relativas à admissão das sementes das variedades de produtos hortícolas consiste em melhorar a produtividade das culturas de produtos hortícolas na União. Este objetivo faz expressamente parte dos objetivos da política agrícola comum, como prevista no artigo 39.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

44

A fim de assegurar uma produtividade acrescida das referidas culturas, o estabelecimento, no quadro de regras uniformes e tão rigorosas quanto possível no que respeita à escolha das variedades admitidas à comercialização, de um catálogo comum das variedades das espécies de produtos hortícolas com base em catálogos nacionais afigura-se suscetível de garantir o referido objetivo.

45

Com efeito, tal regime de admissão, que exige que as sementes das variedades de produtos hortícolas sejam distintas, estáveis e homogéneas, permite a utilização de sementes adequadas e, por conseguinte, uma produtividade acrescida da agricultura, baseada na fiabilidade das características das referidas sementes.

46

Além disso, a Diretiva 2002/55, nos termos do seu artigo 1.o, é aplicável à produção destinada à comercialização e à comercialização de sementes de produtos hortícolas na União. O seu considerando 12 precisa que as sementes das variedades inscritas no catálogo comum não devem ser submetidas, no interior da União, a restrições à comercialização quanto à variedade.

47

Assim, a Diretiva 2002/55 visa também estabelecer o mercado interno das sementes de produtos hortícolas, assegurando a sua livre circulação na União. Neste caso, o regime de admissão previsto por esta diretiva é suscetível de contribuir para a realização deste objetivo, uma vez que garante que as sementes comercializadas nos vários Estados-Membros cumprem as mesmas exigências.

48

Resulta igualmente do seu artigo 4.o, n.o 4, que a Diretiva 2002/55 visa a conservação dos recursos genéticos vegetais. Os Estados-Membros podem, assim, afastar-se dos critérios de admissão referidos no artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva, segundo os procedimentos previstos nos artigos 44.°, n.o 3, e 46.°, n.o 2, da mesma.

49

A este respeito, o regime de admissão derrogatório previsto pela Diretiva 2009/145, que se aplica às sementes de raças primitivas e de variedades tradicionalmente cultivadas em localidades e regiões determinadas e ameaçadas pela erosão genética (variedades de conservação), bem como às sementes de variedades sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, afigura-se suscetível de assegurar a conservação dos recursos genéticos das plantas.

50

Daqui resulta que o regime de admissão previsto pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145 é adequado para permitir alcançar os objetivos visados por estas.

51

No que respeita à questão de saber se este regime vai além do que é necessário para alcançar estes objetivos, a Kokopelli alega que o referido regime constitui a forma mais restritiva de regulamentar o exercício de uma atividade económica.

52

O Conselho da União Europeia salienta que a Kokopelli não indicou as razões por que entende que o referido regime de admissão é manifestamente desproporcionado face aos objetivos prosseguidos. Esta instituição considera, em todo o caso, que outras medidas menos restritivas, como a rotulagem, não constituiriam um meio igualmente eficaz para garantir o objetivo de produtividade visado pela Diretiva 2002/55, visto que permitiria a venda e o cultivo de sementes potencialmente prejudiciais ou que não asseguram uma produção agrícola ótima.

53

A este respeito, há que salientar que, a fim de assegurar uma produtividade agrícola acrescida, as sementes comercializadas no mercado interno devem fornecer as garantias necessárias para uma utilização ótima dos recursos agrícolas.

54

Neste contexto, é forçoso reconhecer que o legislador da União tinha razões para considerar que o regime de admissão previsto pela Diretiva 2002/55 era necessário para que os produtores agrícolas obtivessem uma produtividade fiável e de qualidade em termos de rendimento.

55

Com efeito, antes de mais, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 exige que uma variedade de produtos hortícolas seja distinta, no sentido de que, qualquer que seja a origem, artificial ou natural, da variação inicial que lhe deu origem, se distingue claramente, por um ou vários carateres importantes, de todas as outras variedades conhecidas na União. Este caráter distinto fornece assim aos produtores agrícolas as informações necessárias quanto às características próprias das diferentes sementes e permite-lhes efetuar uma escolha que lhes garanta um rendimento ótimo.

56

Em seguida, o artigo 5.o, n.o 2, desta diretiva enuncia que uma variedade é estável se, na sequência das suas reproduções ou multiplicações sucessivas, ou no fim de cada ciclo, quando o obtentor definiu um ciclo especial de reproduções ou de multiplicações, permanecer conforme à definição dos seus carateres essenciais. O critério relativo à estabilidade garante, assim, que as características qualitativas próprias de uma semente admitida permaneçam constantes ao longo dos anos.

57

Por fim, segundo o artigo 5.o, n.o 3, da referida diretiva, a exigência de homogeneidade refere-se a uma situação em que as plantas que compõem uma variedade são, tendo em conta as particularidades do sistema de reprodução das plantas, semelhantes ou geneticamente idênticas para o conjunto dos carateres reunidos para esse efeito. O critério relativo à homogeneidade, ao garantir que as sementes vendidas sob um determinado nome apresentam todas as mesmas características genéticas, favorece um rendimento ótimo.

58

Por conseguinte, a obrigação de inscrição nos catálogos oficiais assim como os correspondentes critérios de admissão permitem a descrição da variedade e a verificação da estabilidade e da homogeneidade desta, a fim de garantir que as sementes de uma variedade possuam as qualidades necessárias para assegurar uma produção agrícola elevada, de qualidade, fiável e permanente ao longo do tempo.

59

Nestas circunstâncias, nomeadamente tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe no domínio da política agrícola comum, que implica escolhas de natureza económica em que deve efetuar apreciações e avaliações complexas, o legislador da União podia legitimamente considerar que outras medidas, como a rotulagem, não permitiriam alcançar o mesmo resultado que uma regulamentação como a que está em causa, que estabelece um regime de admissão prévia das sementes das variedades de produtos hortícolas, e que esta era, portanto, adequada tendo em conta os objetivos que o referido legislador pretende prosseguir.

60

Com efeito, uma medida menos restritiva, como a rotulagem, não constituiria um meio igualmente eficaz, visto que permitiria a venda e, por consequência, o cultivo de sementes potencialmente prejudiciais ou que não permitissem assegurar uma produção agrícola ótima. Daqui resulta que a regulamentação controvertida não pode ser considerada manifestamente inadequada tendo em conta os referidos objetivos.

61

Deste modo, o legislador da União não violou o princípio da proporcionalidade, uma vez que, embora esta regulamentação possa ter consequências negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores económicos, há que reconhecer que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo regime de admissão previsto pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145, que visa, nomeadamente, garantir uma produtividade agrícola acrescida e assegurar a livre circulação das sementes admitidas, o referido regime favorece ao mesmo tempo os interesses económicos dos produtores agrícolas e dos operadores que comercializam sementes de produtos hortícolas admitidos.

62

No que respeita aos operadores, como a Kokopelli, que põem à venda «variedades antigas» que não satisfazem os requisitos estabelecidos nos artigos 4.°, n.o 1, e 5.° da Diretiva 2002/55, há que recordar que esta prevê, nos seus artigos 44.°, n.o 2, e 48.°, n.o 1, alínea b), a fixação de condições específicas de admissão e de comercialização no que respeita às variedades de conservação e às variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições.

63

Em particular, o artigo 44.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2002/55 prevê que as sementes das variedades de conservação podem ser admitidas no catálogo da União, sem exame oficial, com base, nomeadamente, em resultados de avaliações não oficiais e na experiência adquirida durante o seu cultivo. Além disso, o artigo 44.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva prevê que se devem aplicar restrições quantitativas adequadas às variedades de conservação e às variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições. A este respeito, a Diretiva 2009/145 foi adotada em aplicação dos referidos artigos da Diretiva 2002/55.

64

As Diretivas 2002/55 e 2009/145 têm em conta os interesses económicos dos operadores, como a Kokopelli, uma vez que não excluem a comercialização das «variedades antigas». É certo que a Diretiva 2009/145 impõe restrições geográficas, quantitativas e de acondicionamento no que respeita às sementes das variedades de conservação assim como às desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, mas essas restrições inscrevem-se no contexto da conservação dos recursos fitogenéticos.

65

Além disso, como alegam as instituições que apresentaram observações escritas, o legislador da União não tinha por objetivo a liberalização do mercado das sementes das variedades de conservação e das desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, mas procurava flexibilizar as regras de admissão evitando que surgisse um mercado paralelo destas sementes, que poderia entravar o mercado interno das sementes das variedades de produtos hortícolas.

66

Por outro lado, há que recordar que o artigo 35.o da Diretiva 2009/145 exige que a Comissão avalie a aplicação desta até 31 de dezembro de 2013. O considerando 14 desta diretiva confirma que a Comissão deve avaliar, ao fim de três anos, a eficácia, nomeadamente, das disposições relativas às restrições quantitativas aplicáveis à comercialização de sementes das variedades de conservação e das variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições. A referida diretiva é, por conseguinte, suscetível de ser alterada em função dos resultados das verificações realizadas.

67

Deste modo, o legislador da União considerou com razão que a forma adequada de conciliar os objetivos visados pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145, recordados nos n.os 43 a 49 do presente acórdão, assim como os interesses de todos os operadores económicos em causa consistia em prever um regime de admissão geral para a comercialização das sementes-tipo bem como condições específicas de cultivo e de comercialização para as sementes das variedades de conservação e das variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições.

68

Há também que observar que, tendo em conta a importância que o objetivo de produtividade reveste no âmbito do artigo 39.o TFUE, medidas que permitam assegurar o desenvolvimento racional da produção agrícola assim como uma utilização ótima dos fatores de produção, como as que estão em causa, mesmo que sejam suscetíveis de ter consequências económicas negativas para certos operadores, não se afiguram, tendo em conta os interesses económicos dos referidos operadores, manifestamente desproporcionadas em relação ao fim que prosseguem.

69

Decorre das considerações que precedem que as Diretivas 2002/55 e 2009/145 não violam o princípio da proporcionalidade.

Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

70

Segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento, ou da não discriminação, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que esse tratamento seja objetivamente justificado (acórdãos de 17 de outubro de 1995, Fishermen’s Organisations e o., C-44/94, Colet., p. I-3115, n.o 46; de 9 de setembro de 2004, Espanha/Comissão, C-304/01, Colet., p. I-7655, n.o 31; de 8 de novembro de 2007, Espanha/Conselho, C-141/05, Colet., p. I-9485, n.o 40; e de 15 de maio de 2008, Espanha/Conselho, C-442/04, Colet., p. I-3517, n.o 35).

71

A Kokopelli alega que o regime de admissão imposto pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145 estabelece uma diferença de tratamento injustificada entre as sementes das variedades de conservação e as sementes-tipo que podem ser admitidas nos catálogos oficiais. Com efeito, tendo em conta o referido regime, a Kokopelli considera estar impossibilitada de comercializar as sementes das variedades de conservação.

72

Há que constatar que, tendo em conta as suas características próprias, as sementes-tipo e as sementes das variedades de conservação se encontram em situações diferentes. Com efeito, as sementes das variedades de conservação não satisfazem, em princípio, as exigências estabelecidas nos artigos 4.°, n.o 1, e 5.° da Diretiva 2002/55. São tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e estão ameaçadas pela erosão genética.

73

É tendo em conta as características próprias das diferentes variedades de sementes que o regime de admissão estabelecido pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145 prevê, por um lado, regras gerais no que respeita à comercialização das sementes-tipo e, por outro, condições específicas de cultivo e de comercialização para as sementes das variedades de conservação.

74

Com efeito, as referidas condições específicas inscrevem-se no contexto da conservação in situ e da utilização sustentável dos recursos fitogenéticos.

75

A este respeito, os considerandos 2 e 3 da Diretiva 2009/145 enunciam que, além do objetivo geral de proteção dos recursos fitogenéticos, o interesse especial em preservar as variedades de conservação está no facto de serem especialmente bem adaptadas a determinadas condições locais e poderem ser cultivadas em determinadas condições climatéricas.

76

Daqui decorre que, ao fixar, na Diretiva 2002/55 e também na Diretiva 2009/145, adotada para dar execução à primeira, condições específicas de cultivo e de comercialização no que respeita às sementes das variedades de conservação, o legislador da União tratou de maneira diferente situações diferentes. Por conseguinte, as referidas diretivas não violam o princípio da igualdade de tratamento.

Quanto à inobservância do princípio do livre exercício de uma atividade económica

77

Resulta de jurisprudência assente que o direito de exercer livremente uma atividade económica faz parte dos princípios gerais do direito da União. Não obstante, estes princípios não constituem prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração atendendo à sua função na sociedade. Consequentemente, o direito de exercer livremente uma atividade económica pode ser acompanhado de restrições, na condição de essas restrições responderem efetivamente aos objetivos de interesse geral prosseguidos pela União e de não constituírem, em relação ao fim prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável suscetível de atentar contra a substância dos direitos assim garantidos (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter, 265/87, Colet., p. 2237, n.o 15, e de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C-154/04 e C-155/04, Colet., p. I-6451, n.o 126).

78

No presente processo, é verdade que o regime de admissão das sementes de produtos hortícolas previsto pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145 é suscetível de restringir o livre exercício da atividade profissional dos comerciantes de sementes antigas, como a Kokopelli.

79

Contudo, as regras enunciadas nos artigos 3.° a 5.° da Diretiva 2002/55 visam melhorar a produtividade das culturas de produtos hortícolas na União, a criação do mercado interno das sementes de produtos hortícolas, assegurando a sua livre circulação na União, assim como a conservação dos recursos genéticos das plantas, que constituem objetivos de interesse geral. Ora, como resulta dos fundamentos do presente acórdão relativos à alegada violação do princípio da proporcionalidade, não se afigura que estas regras e as medidas que consagram apresentem um caráter inadequado à realização destes objetivos, e não se pode considerar que o obstáculo ao livre exercício de uma atividade económica, constituído por tais medidas, tendo em conta os fins prosseguidos, infrinja de maneira desproporcionada o direito ao exercício desta liberdade.

Quanto à inobservância do princípio da livre circulação de mercadorias

80

Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a proibição de restrições quantitativas e de medidas de efeito equivalente, prevista no artigo 34.o TFUE, aplica-se não apenas às medidas nacionais mas também às medidas adotadas pelas instituições da União (v. acórdão de 17 de maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171, n.o 15, e acórdão Alliance for Natural Health e o., já referido, n.o 47).

81

A este respeito, deve recordar-se que o regime de admissão previsto pelas Diretivas 2002/55 e 2009/145, como decorre dos n.os 43 a 47 do presente acórdão, contribui para melhorar a produtividade das culturas de produtos hortícolas na União e para estabelecer o mercado interno das sementes de produtos hortícolas, assegurando a sua livre circulação na União. Por conseguinte, o referido regime é mais suscetível de favorecer a livre circulação das mercadorias do que de a restringir.

Quanto à inobservância do Tirfaa

82

O Tirfaa, segundo o seu artigo 1.o, tem por finalidade principal a conservação e a utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.

83

A este respeito, a Kokopelli considera que o regime de admissão previsto pela Diretiva 2002/55 não respeita as disposições do Tirfaa.

84

Resulta de jurisprudência assente que, nos termos do artigo 216.o, n.o 2, TFUE, quando a União celebra acordos internacionais, as instituições da União estão vinculadas por tais acordos e, por conseguinte, estes primam sobre os atos da União (acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C-366/10, Colet., p. I-13755, n.o 50).

85

A validade do ato da União em causa, à luz das regras do direito internacional, pode ser apreciada quando a União está vinculada por estas regras e quando a natureza e a economia do tratado internacional em causa não se oponham a tal e as suas disposições, do ponto de vista do seu conteúdo, sejam incondicionais e suficientemente precisas (v., neste sentido, acórdão Air Transport Association of America e o., já referido, n.os 51 a 54).

86

A este respeito, há que recordar que, enquanto parte contratante, a União está vinculada pelo Tirfaa. Contudo, como observou a advogada-geral no n.o 53 das suas conclusões, o referido tratado não contém nenhuma disposição que, do ponto de vista do seu conteúdo, seja incondicional e suficientemente precisa para pôr em causa a validade das Diretivas 2002/55 e 2009/145.

87

Com efeito, o artigo 5.o, n.o 5.1, do Tirfaa, nomeadamente, prevê que cada parte contratante, sob reserva da sua legislação nacional e em colaboração com outras partes contratantes, quando for caso disso, promoverá uma abordagem integrada da prospeção, conservação e utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, devendo, nomeadamente, segundo as circunstâncias, tomar um certo número de medidas.

88

Além disso, nos termos do artigo 6.o deste tratado, as partes contratantes definirão e manterão políticas e disposições jurídicas adequadas à promoção da utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.

89

Assim, estas previsões deixam à apreciação dos Estados-Membros as medidas que considerem necessárias em cada caso.

90

Além disso, o artigo 9.o do Tirfaa, invocado pela Kokopelli, prevê que as partes contratantes reconhecem o enorme contributo, passado e futuro, das comunidades locais e autóctones e dos agricultores de todas as regiões do mundo, especialmente dos centros de origem e diversidade das culturas, para a conservação e valorização dos recursos fitogenéticos que constituem a base da produção alimentar e agrícola no mundo inteiro.

91

O artigo 9.o, n.o 9.3, deste tratado estipula que nada no presente artigo deverá ser interpretado como limitativo dos direitos que possam assistir aos agricultores de conservar, utilizar, trocar e vender sementes e material de propagação produzidos na exploração, sob reserva das disposições da legislação nacional e segundo as circunstâncias.

92

Por conseguinte, o referido artigo também não comporta uma obrigação suficientemente incondicional e precisa para pôr em causa a validade das Diretivas 2002/55 e 2009/145.

93

Resulta do conjunto das considerações precedentes que o exame da questão submetida não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade das Diretivas 2002/55 e 2009/145.

Quanto às despesas

94

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O exame da questão submetida não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade das Diretivas 2002/55/CE do Conselho, de 13 de junho de 2002, respeitante à comercialização de sementes de produtos hortícolas, e 2009/145/CE da Comissão, de 26 de novembro de 2009, que prevê certas derrogações à admissão de variedades autóctones de produtos hortícolas e outras variedades tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e ameaçadas pela erosão genética e de variedades de produtos agrícolas sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, e à comercialização de sementes dessas variedades autóctones e outras variedades.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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