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Document 62011CC0367
Opinion of Mr Advocate General Cruz Villalón delivered on 19 July 2012. # Déborah Prete v Office national de l'emploi. # Reference for a preliminary ruling: Cour de cassation - Belgium. # Freedom of movement for persons - Article 39 EC - National of a Member State seeking employment in another Member State - Equal treatment - Tideover allowance for young persons seeking their first job - Grant subject to completion of at least six years’ studies in the host State. # Case C-367/11.
Conclusões do advogado-geral Cruz Villalón apresentadas em 19 de Julho de 2012.
Déborah Prete contra Office national de l'emploi.
Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - Bélgica.
Livre circulação de pessoas - Artigo 39.º CE - Cidadão de um Estado-Membro à procura de emprego noutro Estado-Membro - Igualdade de tratamento - Subsídios de inserção a favor de jovens à procura do primeiro emprego - Atribuição subordinada à condição de ter efetuado estudos durante pelo menos seis anos no Estado de acolhimento.
Processo C-367/11.
Conclusões do advogado-geral Cruz Villalón apresentadas em 19 de Julho de 2012.
Déborah Prete contra Office national de l'emploi.
Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - Bélgica.
Livre circulação de pessoas - Artigo 39.º CE - Cidadão de um Estado-Membro à procura de emprego noutro Estado-Membro - Igualdade de tratamento - Subsídios de inserção a favor de jovens à procura do primeiro emprego - Atribuição subordinada à condição de ter efetuado estudos durante pelo menos seis anos no Estado de acolhimento.
Processo C-367/11.
Court reports – general
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:501
PEDRO CRUZ VILLALÓN
apresentadas em 19 de julho de 2012 ( 1 )
Processo C-367/11
Déborah Prete
contra
Office national de l’emploi
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Bélgica)]
«Livre circulação de trabalhadores — Subsídio a favor de jovens à procura do primeiro emprego — Direito dos candidatos a emprego a beneficiar de subsídio — Atribuição do subsídio subordinada à frequência de pelo menos seis anos de estudos no Estado de acolhimento — Discriminação indireta — Proporcionalidade»
1. |
A Cour de cassation belga submete o presente pedido de decisão prejudicial, para que o Tribunal de Justiça se pronuncie uma vez mais sobre o sistema belga de prestações sociais à primeira inserção no mercado de trabalho (a seguir «subsídios de inserção») para jovens candidatos a emprego. Depois dos acórdãos Deak ( 2 ), Kziber ( 3 ), Comissão/Bélgica ( 4 ), D’Hoop ( 5 ) e Ioannidis ( 6 ), a ordem jurídica belga sofreu diversas alterações a fim de permitir uma adaptação progressiva às exigências da livre circulação de pessoas e trabalhadores. No entanto, a última reforma continua a suscitar dúvidas, uma vez que se exige que os candidatos ao referido subsídio tenham frequentado anteriormente um estabelecimento de ensino belga pelo menos durante seis anos. Esta condição é extensiva aos nacionais de outros Estados-Membros que tenham feito os seus estudos noutros Estados que não a Bélgica, como é o caso da recorrente no processo principal. |
2. |
O presente processo permitirá ao Tribunal de Justiça desenvolver a sua jurisprudência no que respeita às prestações sociais dos candidatos a emprego. Esta matéria, que após o acórdão Collins ( 7 ) tem sido objeto de uma constante evolução jurisprudencial e legislativa, continua a necessitar de esclarecimentos por parte do Tribunal de Justiça, em especial no que se refere à existência de um vínculo entre o candidato a emprego e o Estado de acolhimento, questão delicada que justifica a apresentação das presentes conclusões. |
I — Quadro legal
A — Quadro legal da União
3. |
Nos termos do artigo 18.o CE (artigo 21.o TFUE), «qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adotadas em sua aplicação». |
4. |
O artigo 39.o CE (artigo 45.o TFUE), relativo à livre circulação de trabalhadores, dispõe o seguinte: «1. A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na Comunidade. 2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. 3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito a:
[…]» |
5. |
O Regulamento (CEE) n.o 1612/68, relativo à livre circulação dos trabalhadores na comunidade (recentemente revogado pelo Regulamento 492/11) ( 8 ), prevê, nos seus artigos 3.° e 7.°, o seguinte: «Artigo 3.o 1. No âmbito do presente regulamento, não são aplicáveis as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nem as práticas administrativas de um Estado-Membro:
[…] Artigo 7.o 1. O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado. 2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais. […]» |
B — Quadro jurídico nacional
6. |
Nos termos do artigo 36.o, n.o 1, do Real Decreto de 25 de novembro de 1991, de regulamentação do desemprego, para poder beneficiar dos subsídios de inserção, o jovem trabalhador deve preencher as seguintes condições:
[…]» |
7. |
A alínea j) acima referida foi introduzida pelo Real Decreto de 11 de fevereiro de 2003, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo D’Hoop. |
II — Factos
8. |
D. Prete nasceu em 1981, tem nacionalidade francesa e está casada com um nacional belga desde 2001. Reside com o marido na Bélgica desde o ano em que casou e, pouco tempo depois, em 1 de fevereiro de 2002, inscreveu-se no serviço de emprego belga como candidata a emprego. |
9. |
De 3 a 8 de junho de 2002, e em 5 de setembro de 2002, D. Prete desenvolveu uma atividade laboral no âmbito de um contrato de trabalho com termo certo. |
10. |
Em 1 de junho de 2003 requereu às autoridades belgas os subsídios de inserção, prestações concedidas aos jovens que concluem os seus estudos e se encontram à procura do primeiro emprego. O pedido foi indeferido por decisão de 11 de setembro de 2003 por se verificar, nos termos do Real Decreto de 25 de novembro de 1991, que D. Prete não tinha frequentado pelo menos seis anos de estudos na Bélgica. |
11. |
Na verdade, D. Prete frequentou o ensino secundário em França, onde obteve um diploma designado baccalauréat profissionnel (diploma de fim de estudos secundários do ensino profissional), na área de secretariado. Por conseguinte, não preenchia um dos requisitos essenciais previstos no referido Real Decreto. |
12. |
Desta decisão foi interposto recurso no Tribunal du travail de Tournai (Bélgica) em primeira instância, que julgou procedente o recurso. No entanto, o organismo recorrido, o Office national de l’emploi, recorreu dessa sentença. Em segunda instância, a Cour du travail de Mons (Bélgica), confirmou a legalidade da decisão administrativa de recusa, o que deu origem à interposição de recurso, a instâncias de D. Prete, para a Cour de cassation belga, que submete a presente questão prejudicial. |
III — A questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça
13. |
Em 11 de julho de 2011 deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation belga, no qual se formulam as seguintes questões:
|
14. |
Apresentaram observações escritas o representante de D. Prete, os Governos do Reino da Bélgica e da República Checa, bem como a Comissão. |
IV — Questões submetidas pela Cour de cassation
15. |
A título prévio, saliento que as duas perguntas colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio referem-se essencialmente a uma mesma questão: a eventual violação de uma ou mais liberdades de circulação. Enquanto a primeira pergunta refere a existência de uma restrição, a segunda questiona-nos sobre as eventuais justificações no caso de a regulamentação belga configurar efetivamente uma restrição. |
16. |
Ora, o órgão jurisdicional de reenvio tem também algumas dúvidas no que respeita à liberdade aplicável a este caso. Na sua primeira pergunta refere os artigos 12.° CE, 17.° CE, 18.° CE e 39.° CE, e fá-lo em termos alternativos, dando assim a entender que reclama a colaboração do Tribunal de Justiça para a determinação da norma pertinente. |
17. |
Com efeito, no presente caso estamos perante uma candidata a emprego francesa que reside na Bélgica, onde se casou com um nacional belga, e que requer um subsídio de inserção previsto para aqueles que concluíram os seus estudos e pretendem integrar-se no mercado de trabalho belga. Assim, cruzam-se aqui várias vertentes (estudante, candidato a emprego, trabalhador e, por fim, cônjuge de um nacional de um Estado-Membro) que poderão justificar a coexistência de diversas liberdades. |
18. |
Vista sob esta perspetiva a questão de interpretação colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, começarei por abordar o âmbito temporal e material das disposições aplicáveis a este processo. Em seguida abordarei a apreciação da eventual violação da liberdade em causa em dois passos: primeiro, a questão de saber se estamos perante uma restrição à liberdade e, segundo, a valoração da justificação invocada pelo Reino da Bélgica, baseada na inexistência de uma ligação entre a recorrente e o Estado de acolhimento. |
V — Análise
A — Âmbito temporal e material das normas aplicáveis ao presente processo
19. |
Antes de mais, é necessário começar por definir se a situação em que se encontra D. Prete é regida pelas disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009, ou pelas contidas no Tratado que institui a Comunidade Europeia já revogado. |
20. |
Dos autos consta que D. Prete requereu o subsídio de inserção em 1 de junho de 2003. Em 11 de setembro desse mesmo ano viu o seu pedido recusado pelas autoridades belgas. Assim, a legislação aplicável a este pedido era a vigente em 2003, no caso o Tratado que institui a Comunidade Europeia. Assim, são as disposições desse texto legal que devem ser interpretadas no presente processo prejudicial. |
21. |
Dito isto, a questão que surge de imediato é a referente aos artigos do Tratado que institui a Comunidade Europeia aplicáveis aos autos. Por um lado, D. Prete pede um subsídio destinado a facilitar a inserção dos jovens no mercado laboral, de modo que podia ser considerada na situação de candidata a emprego. Por outro lado, consta dos autos que, antes de requerer o subsídio, já tinha trabalhado embora pontualmente e de forma extremamente curta e pontual. A tudo isso acresce o facto de se encontrar casada com um nacional belga e de, ao requerer o subsídio, preencher a condição relativa à frequência de estudos num estabelecimento de ensino, o que podia justificar a aplicação do artigo 18.o CE. |
22. |
Não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça tem oportunidade de apreciar os requisitos dos subsídios de inserção belgas à luz das liberdades fundamentais. Já nos anos oitenta a nossa jurisprudência analisou estas prestações, que designou por «vantagens sociais» na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68 ( 9 ). O acórdão D’Hoop confirmou a aplicabilidade a estas prestações não só do Regulamento n.o 1612/68, mas também do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade previsto no artigo 12.o CE ( 10 ). Mais tarde, no acórdão Collins, o Tribunal de Justiça declarou que a recusa de um subsídio de inserção no mercado de trabalho a um candidato a emprego, nacional de outro Estado-Membro, podia apreciar-se à luz do artigo 39.o CE, relativo à livre circulação de trabalhadores ( 11 ). Assim, e no caso específico dos subsídios de inserção belgas, o Tribunal de Justiça declarou no processo Ioannidis que «não é possível excluir do âmbito de aplicação do artigo 39.o, n.o 2, CE uma prestação de natureza financeira destinada a facilitar o acesso ao emprego no mercado de trabalho de um Estado-Membro» ( 12 ). Por conseguinte, e na medida em que D. Prete requer uma prestação na sua qualidade de candidata a emprego, a disposição pertinente prima facie é o artigo 39.o, n.o 2, CE. |
23. |
O facto de a prestação estar sujeita à condição de ter sido estudante ou o facto de D. Prete ser cônjuge de um nacional belga não justificam a apreciação deste assunto à luz da livre circulação de pessoas. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, na medida em que se verifique uma circunstância que converta a recorrente em titular de uma liberdade económica, como o é a livre circulação de trabalhadores, esta última é aplicada prioritariamente em relação à livre circulação de pessoas prevista no artigo 18.o CE. |
24. |
Todavia, convém igualmente esclarecer um outro ponto, uma vez que D. Prete já tinha trabalhado várias vezes antes de requerer o subsídio, embora tenham sido empregos com uma duração total muito reduzida: uma semana e um dia. Assim, há que indagar se esta circunstância faz dela uma «trabalhadora» e não uma «candidata a emprego», questão que levaria a uma interpretação diferente das normas aplicáveis a este caso. |
25. |
A este respeito, o Tribunal de Justiça, que em diversas ocasiões salientou a natureza autónoma do conceito «trabalhador», considera que do mesmo se excluem as atividades que se apresentem como puramente «marginais e acessórias» ( 13 ). No processo Raulin, o Tribunal de Justiça declarou que se deve tomar em consideração o caráter irregular e a duração limitada das prestações efetivamente efetuadas no âmbito de um contrato de trabalho ocasional ( 14 ). Embora não haja dúvidas de que é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete apreciar, à luz dos factos trazidos ao processo, se se trata de uma atividade meramente ocasional, os elementos constantes do presente processo prejudicial são suficientemente elucidativos para fornecer uma resposta ao órgão jurisdicional de reenvio e confirmar que D. Prete não é uma «trabalhadora» na aceção estrita do Tratado CE. |
26. |
Nestas circunstâncias, e em face do caráter ocasional e, por conseguinte, marginal e acessório da atividade desenvolvida no ano de 2002 por D. Prete, considero que lhe deve ser dado o tratamento específico de um candidato a emprego, com as consequências daí decorrentes. |
B — Existência de uma restrição à livre circulação de trabalhadores no caso de um candidato a emprego
27. |
Neste momento, convém verificar se uma disposição interna que condicione a concessão de um subsídio de inserção ao facto de ter estudado na Bélgica pelo menos seis anos durante o período de estudos primários ou secundários constitui uma restrição à livre circulação de trabalhadores, aplicada, neste caso, a um candidato a emprego. |
28. |
Chegados a este ponto, o facto de D. Prete ser um candidato a emprego e não um trabalhador aconselha a efetuar uma análise específica à luz das disposições e da jurisprudência aplicáveis a este tipo de sujeitos. |
29. |
Do mesmo modo, há que responder pela negativa à questão de saber se o Regulamento n.o 1612/68, e designadamente os seus artigos 3.° e 7.°, influenciam de alguma forma o presente processo. Na verdade, o referido texto garante o princípio da não discriminação dos trabalhadores e dos membros das suas famílias no acesso às «vantagens sociais» ( 15 ). Todavia, o fundamento desta garantia no caso dos candidatos a emprego não se encontra no referido regulamento, mas diretamente no Tratado. Já anteriormente ao acórdão Collins o Tribunal de Justiça excluía esta categoria de pessoas do acesso às prestações sociais. E embora esse acórdão tenha alterado esta abordagem à luz das disposições do Tratado em matéria de cidadania, não se pronunciou especificamente sobre a incidência dessas disposições no Regulamento n.o 1612/68 ( 16 ). Por conseguinte, o direito reclamado por D. Prete baseia-se diretamente no artigo 39.o CE, interpretado à luz da cidadania da União. |
30. |
Assim, circunscrevendo-nos ao âmbito exclusivo do Tratado, há que lembrar que o n.o 2 do referido artigo 39.o CE proclama a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e às demais condições de trabalho. Como bem se sabe, esta proibição abrange igualmente os candidatos a emprego e refere-se a discriminações diretas e indiretas em razão da nacionalidade ( 17 ). Desde o acórdão Collins, no qual o Tribunal de Justiça efetuou uma inflexão jurisprudencial, a norma proíbe igualmente toda e qualquer forma de discriminação no acesso às prestações de inserção no mercado de trabalho. |
31. |
Neste processo, o artigo 36.o, n.o 1, ponto 2, do Real Decreto de 25 de novembro de 1991, e em especial a sua alínea j), prevê que, para ter direito aos subsídios de inserção é necessário ter frequentado, pelo menos durante seis anos, um estabelecimento de ensino criado, reconhecido ou subvencionado por uma comunidade. Este requisito também se aplica aos candidatos a emprego que tenham feito os seus estudos noutro Estado-Membro e cujo título tenha sido reconhecido na Bélgica, como é o caso de D. Prete. |
32. |
No acórdão D’Hoop, e referindo-se a um nacional belga que tinha feito os seus estudos em França, o Tribunal de Justiça declarou que a condição da conclusão dos estudos do ciclo secundário num estabelecimento de ensino belga «coloca, assim, certos nacionais numa situação de desvantagem pelo simples facto de terem exercido o seu direito de livre circulação a fim de seguirem estudos noutro Estado-Membro» ( 18 ). Pouco tempo mais tarde, no acórdão Ioannidis e, aqui, referindo-se a um nacional de outro Estado-Membro que solicitava um subsídio de inserção para acesso ao mercado de trabalho belga, o Tribunal de Justiça declarou que a condição da conclusão dos estudos do ciclo secundário num estabelecimento de ensino belga «é suscetível de prejudicar principalmente os nacionais de outros Estados-Membros» ( 19 ). Este acórdão continuou o raciocínio concluindo que «a referida condição [conclusão dos estudos do ciclo secundário na Bélgica] é suscetível de ser mais facilmente preenchida pelos cidadãos nacionais» ( 20 ). |
33. |
O Reino da Bélgica alterou a sua regulamentação interna na sequência dos acórdãos D’Hoop e Ioannidis, mas introduziu a referida condição de seis anos de estudos num estabelecimento de ensino belga, que continua a colocar os nacionais belgas numa posição mais vantajosa que a dos nacionais de outros Estados-Membros. Tanto a condição em si mesma como o extenso período de tempo exigido constituem um desincentivo para os nacionais de outros Estados-Membros que pretendam exercer o direito à livre circulação. |
34. |
Assim, e à luz dos argumentos expostos, considero que o artigo 36.o, n.o 1, ponto 2, do Real Decreto de 25 de novembro de 1991, e em especial a sua alínea j), aplicado a um candidato a emprego que requer um subsídio de inserção, constitui uma restrição à livre circulação de trabalhadores constante do artigo 39.o CE. |
35. |
Resta agora esclarecer se a restrição contemplada no direito belga pode ser justificada à luz do Tratado CE, questão sobre a qual incide a segunda pergunta submetida pela Cour de cassation. |
C — A justificação da restrição
36. |
Sob a forma de uma segunda e última pergunta, o órgão jurisdicional de reenvio vem questionar se determinados dados, tais como a duração dos períodos de residência na Bélgica de D. Prete, o seu casamento com um nacional belga e a sua inscrição como candidata a emprego na administração belga constituem elementos suficientes para afastar a justificação da restrição à livre circulação de trabalhadores. Em suma, coloca-se ao Tribunal de Justiça a questão de saber quais são os níveis específicos de integração no Estado de acolhimento necessários para garantir o direito a receber um subsídio de inserção. |
37. |
Como salientou acertadamente a Comissão, o Tribunal de Justiça referiu-se por diversas vezes à condição da integração no sentido de garantir o direito às prestações sociais de quem exerce a livre circulação no território da União, mas é importante distinguir o âmbito específico em que, em cada delas, a jurisprudência se pronunciou. Assim, a doutrina deste Tribunal relativa aos estudantes e enunciada em acórdãos como Bidar ( 21 ), Förster ( 22 ), Morgan ( 23 ) e Comissão/Países Baixos ( 24 ), refere-se à integração exigida aos que exercem a livre circulação para estudar noutro Estado-Membro. É lógico que o critério desenvolvido pelo Tribunal de Justiça nestes casos não é automaticamente extensível aos candidatos a emprego, cujo sentido é estritamente económico e se prende com os objetivos de uma liberdade de circulação diferente da aplicável aos estudantes. Por conseguinte, é importante delimitar o âmbito da nossa jurisprudência e identificar os critérios de integração especificamente aplicáveis aos candidatos a emprego que requerem um subsídio de inserção. |
38. |
O acórdão de referência neste ponto, como tenho vindo a referir, é o que foi proferido no processo Collins ( 25 ). Nesse caso, o Tribunal de Justiça alterou a sua jurisprudência anterior e, na sequência da entrada em vigor da cidadania da União, chegou à conclusão de que uma prestação de inserção no mercado de trabalho faz parte das medidas nacionais sujeitas à livre circulação de trabalhadores aplicada aos candidatos a emprego. O acórdão Collins considerou que uma condição de nacionalidade para permitir o acesso a estas prestações constitui um obstáculo à livre circulação de trabalhadores, mas em seguida acrescentou tratar-se de uma medida justificada «se se baseasse em considerações objetivas, independentes da nacionalidade das pessoas em causa e proporcionadas ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional» ( 26 ). |
39. |
Entre os objetivos legitimamente prosseguidos pelos Estados, o Tribunal de Justiça salientou no referido acórdão a existência de «uma conexão entre as pessoas que requerem o benefício desse subsídio e o seu mercado de trabalho [o do Estado de acolhimento]» ( 27 ). Assim, a jurisprudência admite que um Estado anfitrião exija aos candidatos a emprego procedentes de outros Estados-Membros que comprovem um certo grau de integração. Esta integração pode referir-se à existente entre o candidato a emprego e o mercado de trabalho, mas também se pode tratar da conexão entre o candidato a emprego e a sociedade do Estado de acolhimento, seja através da existência de relações familiares ou afetivas com nacionais desse Estado ou de uma permanência prolongada. |
40. |
Aplicando estes critérios ao caso dos autos, observamos que, em primeiro lugar, a medida em questão, a condição de pelo menos seis anos de estudos num estabelecimento de ensino belga, é uma medida «objetiva» e «independente da nacionalidade da pessoa em causa». Trata-se de uma condição regulamentada que, além do mais, não faz ela própria distinções entre nacionais belgas não nacionais belgas, de modo a satisfazer a primeira das exigências discriminadas na jurisprudência. |
41. |
No entanto, o ponto que suscita maiores dúvidas é o que diz respeito à proporcionalidade da medida em questão, cuja análise se deve agora efetuar à luz de uma vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça. |
42. |
Uma condição de um mínimo de seis anos de estudos num estabelecimento de ensino belga funciona, efetivamente, como uma condição objetiva cuja finalidade é garantir que o requerente de um subsídio de inserção tenha uma conexão suficiente com o Estado belga. Ora, para que a medida seja proporcionada em face dos objetivos prosseguidos tem que ser adequada, necessária e proporcionada em sentido estrito. Embora tenha acabado de dizer que a medida serve objetivamente para garantir a integração (e portanto passa no teste da adequação), já a necessidade e proporcionalidade estrita da mesma suscitam mais dúvidas. |
43. |
Já no processo D’Hoop, e relativamente ao mesmo subsídio do presente, o Tribunal de Justiça recusou uma condição de acesso baseada no lugar de obtenção do diploma de estudos secundários. O Tribunal de Justiça considerou que essa medida tinha um caráter «demasiado genérico e exclusivo», na medida em que «privilegia indevidamente um elemento que não é necessariamente representativo do grau real e efetivo de ligação entre o requerente dos subsídios de inserção e o mercado geográfico do trabalho, com exclusão de qualquer outro elemento representativo». |
44. |
Deste ponto de vista, uma condição de duração dos estudos na Bélgica equivale de facto a uma condição de residência, pois é evidente que um menor fará os seus estudos no Estado-Membro em que reside. Por outro lado, esta condição também se assemelha às condições que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de apreciar (e condenar) nos referidos processos D’Hoop e Ioannidis, pois um período de estudos de seis anos é suficientemente extenso para beneficiar, na grande maioria dos casos, os estudantes que completam os seus estudos nos estabelecimentos de ensino belgas. Trata-se, portanto, de uma medida ainda mais prejudicial que a anteriormente censurada pelo Tribunal de Justiça, pois não só exige de facto uma ligação com um estabelecimento de ensino belga, como ainda a prolonga no tempo por um período evidentemente excessivo. |
45. |
Com efeito, uma ligação prévia de seis anos para quem se candidata a emprego pressupõe um período de tempo muito prolongado, ainda mais extenso que o requerido às pessoas economicamente inativas, o qual, como é sabido, chega aos cinco anos ( 28 ). O Tribunal de Justiça avalizou esta ligação temporal para o caso dos estudantes, mas também insistiu no facto de que se trata de uma condição que só se aplica a pessoas que não desenvolvam qualquer atividade económica ( 29 ). |
46. |
O caso dos candidatos a emprego é diferente. Embora não sejam indivíduos economicamente ativos em sentido estrito, é indiscutível que, pelo mero facto de procurarem um emprego, os Tratados atribuem a estes sujeitos um estatuto idêntico ao daqueles que se consideram como circulando em função de critérios económicos. Como já salientei no n.o 30 destas conclusões, a partir do acórdão Collins o Tribunal de Justiça alargou a proteção de que beneficiavam os candidatos a emprego também à vertente das prestações, impedindo assim que este grupo de pessoas seja discriminado no acesso a prestações destinadas a facilitar a sua inserção no mercado de trabalho. |
47. |
Assim, estamos perante uma condição excessivamente genérica e fácil de substituir por exigências alternativas menos prejudiciais que me levam a concluir tratar-se de uma medida desproporcionada. Avaliação que se confirma se atentarmos nas circunstâncias do caso concreto. |
48. |
Tal como consta no despacho de reenvio, D. Prete reside no Reino da Bélgica desde 2001, data em que casou com um nacional belga. Dois anos mais tarde, e depois de se ter inscrito no correspondente centro de emprego, requereu o subsídio de inserção. Apesar de possuir o título exigido, de ter residido legalmente na Bélgica durante dois anos, de ter um vínculo matrimonial com um nacional belga e de estar inscrita nos serviços de emprego belgas, pode afirmar-se que a recorrente não tem uma ligação suficientemente caracterizada com o mercado de trabalho e com a realidade social do Estado anfitrião? Se, num caso como o destes autos, a legislação belga considera que estamos perante um caso de integração insuficiente, parece razoável concluir, com vista à respetiva justificação, que se trata de um regime contrário ao princípio da proporcionalidade. |
49. |
Além disso, o facto de D. Prete ser casada com um nacional belga introduz um elemento adicional, como salientou acertadamente a Comissão. Uma medida nacional que impede o acesso aos subsídios de inserção àqueles que residem legalmente na Bélgica por terem casado com um nacional desse país, constitui uma medida que não toma em consideração a situação familiar do candidato a emprego. Estas circunstâncias testemunham os eventuais vínculos estabelecidos no Estado de acolhimento e, embora nalguns casos se limitem, por exemplo, à existência de uma mera ligação pessoal, noutros, se não forem devidamente analisados, pode constituir um facto suscetível de violar o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, reconhecido pelo Tribunal de Justiça precisamente no contexto da livre circulação de pessoas ( 30 ). É evidente que a condição questionada neste processo não permite às autoridades nem aos tribunais belgas tomar em consideração esta circunstância. Assim, e face à impossibilidade de ponderar circunstâncias pessoais como a supra referida, entendo que a medida prevista no artigo 36.o, n.o 1, ponto 2, alínea j), do Real Decreto de 25 de novembro de 1991, é contrária ao princípio da proporcionalidade e, por conseguinte, não justifica qualquer restrição à livre circulação de trabalhadores. |
50. |
Tendo em conta o que precede, considero que a condição de um mínimo de seis anos de estudos num estabelecimento de ensino belga é uma restrição desproporcionada que, pelo facto de ser genérica, não permite que sejam tidas em consideração as circunstâncias específicas de cada caso, afastando simultaneamente outras alternativas menos restritivas que também permitiriam alcançar o objetivo prosseguido pelas autoridades belgas. |
VI — Conclusão
51. |
Tendo em conta os argumentos expostos, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pela Cour de cassation nos seguintes termos: «O artigo 39.o CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma medida, como a prevista no artigo 36.o, n.o 1, ponto 2, alínea j), do Real Decreto de 25 de novembro de 1991, que sujeita, exclusiva e absolutamente, o benefício dos subsídios de inserção a um candidato a emprego, nacional de outro Estado-Membro, à condição de ter frequentado pelo menos seis anos de estudos num estabelecimento de ensino criado, reconhecido ou subvencionado por uma comunidade belga.» |
( 1 ) Língua original: espanhol.
( 2 ) Acórdão de 20 de junho de 1985, Deak (94/84, Recueil, p. 1873).
( 3 ) Acórdão de 31 de janeiro de 1991, Kziber (C-18/90, Colet., p. I-199).
( 4 ) Acórdão de 12 de setembro de 1996, Comissão/Bélgica (C-278/94, Colet., p. I-4307).
( 5 ) Acórdão de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C-224/98, Colet., p. I-6191).
( 6 ) Acórdão de 15 de setembro de 2005, Ioannidis (C-258/04, Colet., p. I-8275).
( 7 ) Acórdão de 23 de março de 2004, Collins (C-138/02, Colet., p. I-2703).
( 8 ) Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968 (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).
( 9 ) Acórdão Deak, já referido (n.o 24).
( 10 ) Acórdão D’Hoop, já referido (n.os 27 e segs.).
( 11 ) Acórdão Collins, já referido (n.o 63).
( 12 ) Acórdão Ioannidis, já referido (n.o 22).
( 13 ) V. entre outros, acórdãos de 23 de março de 1982, Levin (53/81, Recueil, p. 1035, n.o 17); de 3 de julho de 1986, Lawrie-Blum (66/85, Colet., p. 2121, n.o 21); e de 17 de março de 2005, Kranemann (C-109/04, Colet., p. I-2421, n.o 12). A este respeito, v. conclusões do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas nos processos Vatsouras e Koupatantze (acórdão de 4 de junho de 2009, C-22/08 e C-23/08, Colet., p. I-4585, n.os 23 a 29).
( 14 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 1992 (C-357/89, Colet., p. I-1027, n.o 14).
( 15 ) V. acórdão Deak, já referido (n.o 24).
( 16 ) Acórdão Collins, já referido (n.os 60 e 61). O n.o 3 da decisão deste acórdão também revela o seu alcance, uma vez que se limita expressamente a fundamentar o direito exclusivamente no artigo 39.o CE.
( 17 ) V., entre outros, acórdãos de 12 de fevereiro de 1974, Sotgiu (152/73, Colet., p. 91, n.o 11); de 15 de março de 2005, Bidar (C-209/03, Colet., p. I-2119, n.o 51); e Ionannids, já referido (n.o 26).
( 18 ) Acórdão já referido (n.o 34).
( 19 ) Acórdão já referido (n.o 28).
( 20 ) Idem.
( 21 ) Acórdão já referido.
( 22 ) Acórdão de 18 de novembro de 2008 (C-158/07, Colet., p. I-8507).
( 23 ) Acórdão de 23 de outubro de 2007 (C-11/06 e C-12/06, Colet., p. I-9161).
( 24 ) Acórdão de 14 de junho de 2012 (C-542/09).
( 25 ) Acórdão já referido.
( 26 ) Acórdão já referido (n.o 66).
( 27 ) Acórdão já referido (n.o 71).
( 28 ) V. o artigo 24.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE.
( 29 ) Acórdão Comissão/Países Baixos, já referido (n.os 60 e 61).
( 30 ) V., entre outros, acórdão de 11 de julho de 2002, Carpenter (C-60/00, Colet., p. I-6279, n.os 41 e 42).