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Document 62011CC0049

Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi apresentadas em 6 de março de 2012.
Content Services Ltd contra Bundesarbeitskammer.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Wien.
Reenvio prejudicial — Diretiva 97/7/CE — Proteção dos consumidores — Contratos à distância — Informação do consumidor — Informações fornecidas ou recebidas — Suporte durável — Conceito — Hiperligação no sítio Internet do fornecedor — Direito de rescisão.
Processo C‑49/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:126

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 6 de março de 2012 ( 1 )

Processo C-49/11

Content Services Ltd

contra

Bundesarbeitskammer

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht (Áustria)]

«Proteção dos consumidores — Contratos à distância — Diretiva 97/7/CE — Artigo 5.o — Informações que o consumidor deve ‘receber’ através de um ‘suporte durável’ — Informações disponíveis num sítio da Internet e acessíveis ao consumidor através de uma hiperligação»

1. 

O presente processo, que tem origem num reenvio prejudicial do Oberlandesgericht Wien, permitirá que o Tribunal de Justiça precise as modalidades em que os consumidores que celebram contratos à distância devem receber as informações previstas pelo direito da União, e especificamente, neste caso, pela Diretiva 97/7/CE ( 2 ) (a seguir «diretiva»). A diretiva prevê, designadamente, no seu artigo 5.o, que, após a celebração de um contrato à distância, o consumidor deve «receber» a confirmação de algumas informações através de um «suporte durável». O problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio é o de saber se se deve considerar que as informações que estão disponíveis no sítio do vendedor, às quais os consumidores podem aceder clicando num link que lhes é mostrado no momento da celebração do contrato, são fornecidas ao consumidor através de um suporte durável.

I — Quadro legal

2.

A Diretiva 97/7 contém uma série de disposições mínimas ( 3 ) destinadas a proteger o consumidor no âmbito dos contratos celebrados à distância.

3.

O artigo 4.o da diretiva prevê que sejam disponibilizadas ao consumidor ( 4 ), antes de celebrar o contrato à distância, uma série de informações que dizem respeito, designadamente, à identidade do fornecedor, às caraterísticas do bem ou do serviço, ao preço, às despesas de entrega, às modalidades de pagamento e à existência do direito de rescisão.

4.

O artigo 5.o tem por epígrafe «Confirmação por escrito das informações» e indica algumas das informações que o consumidor deve receber (novamente), no momento da execução do contrato, num «suporte durável». A disposição tem a seguinte redação:

«1.   Em tempo útil na execução do contrato e o mais tardar, no que diz respeito a bens que não tenham que ser entregues a terceiros, no momento da entrega, o consumidor deve receber confirmação por escrito, ou através de outro suporte durável à sua disposição, das informações a que se refere o n.o 1, alíneas a) a f), do artigo 4.o, a menos que essas informações já tenham sido fornecidas ao consumidor antes da celebração do contrato, por escrito ou através de outro suporte durável à sua disposição e facilmente utilizável.

[…]

2.   O n.o 1 não se aplica aos serviços cuja execução seja efetuada através de uma técnica de comunicação à distância, quando tais serviços forem prestados de uma só vez, e faturados pelo operador de técnica de comunicação. Todavia, o consumidor deve em todo o caso poder tomar conhecimento do endereço geográfico do estabelecimento do fornecedor no qual pode apresentar as suas reclamações.»

5.

A diretiva não contém uma definição de «suporte durável». Todavia, esse conceito foi definido pelo legislador da União noutros diplomas normativos ( 5 ). Indico em seguida os principais.

6.

Nos termos do artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2002/65/CE ( 6 ), constitui um suporte duradouro «qualquer instrumento que permita ao consumidor armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, de um modo que, no futuro, lhe permita um acesso fácil às mesmas durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que permita a reprodução inalterada das informações armazenadas».

7.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 12, da Diretiva 2002/92/CE ( 7 ), constitui um suporte duradouro «qualquer instrumento que permita ao cliente armazenar informações que lhe sejam dirigidas pessoalmente, de tal forma que possam ser consultadas posteriormente durante um período adequado aos fins dessas informações, e que permita uma reprodução exata das informações armazenadas». A mesma disposição precisa, além disso, no número seguinte, que o conceito de suporte duradouro inclui, nomeadamente, «as disquetes informáticas, os CD-ROM, os DVD e o disco rígido do computador do consumidor no qual esteja armazenado o correio eletrónico, mas não inclu[i] os sítios internet, exceto se estes satisfizerem os critérios especificados no primeiro parágrafo».

8.

Por último, a nova Diretiva 2011/83/UE ( 8 ), que substituirá no futuro a Diretiva 97/7, define o suporte duradouro, no n.o 10 do artigo 2.o, como «qualquer instrumento que possibilite ao consumidor ou ao profissional armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, de uma forma que, no futuro, lhe permita aceder às mesmas durante um período de tempo adaptado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução inalterada das informações armazenadas». A mesma diretiva, no seu vigésimo terceiro considerando, indica que os suportes duradouros «deverão permitir ao consumidor guardar as informações durante o tempo necessário para proteger os seus interesses decorrentes da sua relação com o profissional. Entre estes suportes incluem-se, em especial, papel, chaves USB, CD-ROM, DVD, cartões de memória ou discos duros de computadores, bem como mensagens de correio eletrónico».

II — Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

9.

A Content Services gere o sítio da Internet opendownload.de, redigido em língua alemã. Esse sítio é igualmente acessível a utilizadores da Internet na Áustria, que também podem utilizar os respetivos serviços. Trata-se de um sítio através do qual é possível descarregar software gratuito ou versões de demonstração de software mediante pagamento. Aliás, resulta dos autos que o servidor da sociedade não alberga ficheiros para descarregamento, limitando-se a reencaminhar os utilizadores para os sítios oficiais dos produtores dos programas. Por outras palavras, o sítio opendownload.de é uma recolha de links relativos a programas que estão livremente disponíveis em rede.

10.

A fim de poder utilizar o sítio, e portanto descarregar os vários programas utilizando os links existentes em opendownload.de, é exigida uma subscrição cujo custo era de 96 euros por ano, à data dos factos do processo principal. A celebração do contrato é efetuada online, mediante o preenchimento, pelo cliente, de uma página interativa da Internet, na qual, designadamente, o cliente declara, assinalando uma casa, que aceita as condições gerais do contrato e renuncia ao direito de rescisão. As informações previstas nos artigos 4.° e 5.° da diretiva, em especial as que se referem ao direito de rescisão, não são mostradas diretamente ao cliente, que pode, no entanto, visualizá-las clicando num link existente na página do contrato.

11.

Após a conclusão do contrato no sítio, o cliente recebe uma mensagem de correio eletrónico contendo um nome de utilizador e uma senha para utilizar o sítio opendownload.de. A mensagem não contém nenhuma indicação, em especial, relativamente ao direito de rescisão. Em seguida, o cliente recebe uma fatura para pagar 96 euros, na qual lhe é recordado que renunciou ao direito de rescisão.

12.

O processo principal foi intentado pela Bundesarbeitskammer, que é igualmente titular de funções de proteção dos consumidores: esta considera que a conduta comercial da Content Services é ilegal e que viola diversas normas de proteção dos consumidores impostas pelo direito da União e pelo direito nacional.

13.

A Content Services, vencida em primeira instância, impugnou essa primeira decisão junto do órgão jurisdicional de reenvio. Entendendo ser necessário, para a solução do litígio, que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o alcance do artigo 5.o da diretiva, esse órgão jurisdicional suspendeu a instância e apresentou a seguinte questão prejudicial.

«Para satisfazer a exigência prevista no artigo 5.o, n.o 1, da diretiva em matéria de contratos à distância, segundo o qual o consumidor deve receber confirmação das informações aí referidas através de um suporte durável à sua disposição, a menos que essas informações já lhe tenham sido fornecidas aquando da celebração do contrato através de um suporte durável à sua disposição, é suficiente que estas informações sejam disponibilizadas ao consumidor através de uma hiperligação constante d[o sítio] Internet do empresário, que contém um texto que o consumidor deve confirmar que leu, assinalando a casa correspondente, para que possa ser estabelecida uma relação contratual?»

III — Observações preliminares

14.

Os factos na origem do processo principal são curiosos, em muitos aspetos, embora não constituam um caso isolado. Em especial, nos países de língua alemã, a imprensa refere com frequência situações em que alguns utilizadores da Internet que estavam à procura de software de livre acesso, ao fazerem descarregamentos a partir de sítios da Internet como o que é gerido pela Content Services, celebram contratos de assinatura, sem sequer terem consciência disso. Na Áustria, e sobretudo na Alemanha, o contencioso relacionado com essas situações já deu origem a uma certa quantidade de decisões jurisprudenciais.

15.

As questões jurídicas suscitadas no caso vertente são, no seu conjunto, numerosas e interessantes ( 9 ). O objeto do reenvio prejudicial é, no entanto, muito circunscrito, porque apenas diz respeito às modalidades de comunicação das informações ao cliente na aceção do artigo 5.o da diretiva. Portanto, limitarei as minhas considerações a esse aspeto específico.

16.

Saliento, aliás, que na questão prejudicial não se pede ao Tribunal de Justiça que defina exatamente o que é, em geral, um «suporte durável», mas apenas que declare se uma prática comercial como a da Content Services respeita as exigências impostas pela diretiva em relação à obrigação de fornecer certas informações através de um suporte duradouro. Por outras palavras, não se pede que forneça uma definição exaustiva do conceito, mas apenas que declare se a disponibilização das informações numa página da Internet, acessível mediante um link mostrado ao consumidor antes de celebrar o contrato, constitui ou não um fornecimento das informações através de um suporte duradouro.

17.

Apesar de a ideia de dar uma definição exaustiva de «suporte duradouro» poder ser atraente, entendo que a perspetiva «minimalista» implicitamente sugerida pelo órgão jurisdicional de reenvio merece acolhimento: em vez de dar uma definição geral e pormenorizada, é oportuno limitar-se a dizer se, em circunstâncias como as do caso vertente, as condições para ter um suporte duradouro são ou não respeitadas. Mais exatamente, pode ser fornecida uma definição geral, mas deve ser formulada em termos abstratos, sem entrar nos detalhes das modalidades tecnológicas de realização do suporte duradouro. Não se pode esquecer, com efeito, que, num setor como o das novas tecnologias, impor vínculos demasiados restritivos pode produzir resultados negativos e, em última análise, prejudicar o próprio consumidor. O que importa é que as modalidades tecnológicas para realizar determinada atividade (por exemplo, celebrar um contrato ou fornecer algumas informações ao consumidor) respeitem as indicações fornecidas pela diretiva. Pelo contrário, não é oportuno indicar antecipadamente quais podem ser as modalidades em questão, porque, a breve trecho, os desenvolvimentos da tecnologia poderão introduzir novidades, que hoje são inimagináveis, mas que poderão, em concreto, corresponder melhor às exigências fixadas pelo legislador.

IV — Apreciação

A — Considerações gerais

18.

É pacífico que a Content Services não forneceu aos seus clientes, após a celebração do contrato, uma confirmação específica de todas as informações na aceção do artigo 5.o da diretiva. Segundo essa sociedade, todavia, não era necessária semelhante confirmação, porque as modalidades através das quais as informações foram disponibilizadas aos clientes nos termos do artigo 4.o satisfazem plenamente as caraterísticas impostas pelo artigo 5.o, em especial a de serem recebidas pelo cliente num «suporte duradouro»: nesse caso, como o próprio artigo 5.o prevê, não é necessária uma confirmação posterior das informações.

19.

Como vimos na descrição os factos, para celebrar o contrato, os potenciais clientes devem declarar explicitamente, assinalando uma casa prevista para esse efeito, que renunciam ao direito de rescisão e aceitam as condições gerais do contrato. As condições gerais do contrato, a regulamentação do direito de rescisão e a informação sobre o tratamento de dados pessoais não eram exibidas na própria página, mas era possível visualizá-las clicando num link que figura ao lado da casa em que se assinalava a aceitação.

20.

É incontroverso que as informações contidas nas páginas da Internet a que o potencial cliente podia aceder, antes de celebrar o contrato, clicando nos links existentes na página de subscrição, incluíam todas as informações exigidas pelos artigos 4.° e 5.° da diretiva. O juiz de reenvio parece partir do pressuposto de que essa modalidade de apresentação é suficiente para satisfazer as exigências do artigo 4.o, mas interroga-se se é igualmente suficiente nos termos do artigo 5.o

21.

Segundo a Content Services, naturalmente, a resposta deve ser afirmativa. A disponibilização aos clientes das informações numa página da Internet à qual estes podem aceder é suficiente, designadamente, para considerar que as mesmas informações são fornecidas através de um suporte durável na aceção do artigo 5.o Em sentido contrário, segundo a Bundesarbeitskammer, a Comissão e a maior parte dos governos que apresentaram observações, a simples disponibilização das informações ao cliente mediante a possibilidade de clicar num link no momento da celebração de um contrato não é suficiente para cumprir as exigências impostas pelo referido artigo.

22.

Antecipo desde já que, em minha opinião, a posição da Content Services não pode ser acolhida: as modalidades segundo as quais disponibilizou as informações não são conformes ao que é imposto pelo artigo 5.o da diretiva. Indico em seguida quais as razões.

B — Os dois aspetos da obrigação imposta pelo artigo 5.o

23.

Em geral, a diretiva exige que o fornecimento ao cliente das informações, na aceção do seu artigo 5.o, possua duas caraterísticas fundamentais.

24.

Em primeiro lugar, o cliente deve «receber» as informações. Isso implica, designadamente, que estas lhe sejam transmitidas sem que ele deva de algum modo assumir um papel ativo para as obter. A esse propósito, deve salientar-se também que, na maioria das versões linguísticas da diretiva, esse conceito é reforçado pela distinção entre as informações do artigo 4.o — de que o potencial cliente deve simplesmente «dispor» ( 10 ) — e as do artigo 5.o, que este deve «receber» ( 11 ). A versão italiana da diretiva, que menciona informações a «receber» em ambas as disposições, é isolada a esse respeito, embora confirme também que as informações do artigo 5.o devem ser fornecidas ao cliente, e não simplesmente postas à sua disposição.

25.

O objetivo da norma é claro: a diretiva impõe que o consumidor possua algumas informações, essenciais para fazer valer os seus direitos, de modo automático, sem ter de atuar de algum modo. Caso contrário, muitos consumidores, especialmente os menos avisados, teriam uma proteção de nível inferior, não sendo capazes de encontrar, em caso de necessidade, as informações em questão.

26.

Em segundo lugar, o cliente deve obter o controlo das informações que lhe foram fornecidas nos termos do artigo 5.o Em meu entender, é este o objetivo da obrigação de fornecer as informações através de um «suporte durável». Se, com efeito, as informações fossem comunicadas ao cliente de modo efémero, é evidente que o nível de proteção reconhecido ao consumidor pela diretiva diminuiria de modo significativo. O cliente só se pode servir das informações, se necessário, para fazer valer os seus direitos, se estas se mantiverem à sua disposição de forma fiável e por um lapso de tempo adequado.

27.

As definições do conceito de «suporte durável» contidas nas outras diretivas supracitadas confirmam que a proteção do consumidor é o objetivo da previsão relativa ao suporte durável. Com efeito, nessas diretivas, como vimos, o elemento essencial é a possibilidade de o consumidor conservar, recuperar e reproduzir as informações por um período de tempo adequado.

28.

De resto, como a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça salientou, a proteção do consumidor é um dos pilares da diretiva. Em especial, o direito de rescisão constitui um dos instrumentos essenciais através dos quais essa proteção se realiza, e a diretiva tem o objetivo de garantir que esse direito seja efetivo para o consumidor ( 12 ).

29.

Há que verificar, portanto, se, no caso vertente, as informações previstas no artigo 5.o da diretiva foram fornecidas ao cliente respeitando as duas condições que acabei de indicar. Analisarei em separado a conformidade com cada uma dessas condições.

C — Quanto à necessidade de o cliente «receber» as informações

30.

Como salientei acima, para que o artigo 5.o da diretiva seja respeitado, é indispensável que o cliente «receba» as informações e que fique na posse delas, sem que, para isso, tenha de atuar de algum modo.

31.

A este propósito, entendo que impor que o cliente, para poder visualizar as informações necessárias, clique num link existente na página da Internet destinada à celebração do contrato não satisfaz plenamente as condições do artigo 5.o Embora, de facto, a operação que consiste em clicar num link não apresente, em princípio, nenhuma dificuldade particular, não deixa de ser verdade que pressupõe uma ação voluntária do consumidor e lhe impõe, portanto, um papel «ativo». Pelo contrário, como se viu, o espírito do artigo 5.o é precisamente o de fazer chegar algumas informações ao consumidor, mesmo sem qualquer atividade específica deste último (exceto, evidentemente, a que resultou na celebração do contrato).

32.

Há que ter igualmente em consideração que, no âmbito do comércio eletrónico, fornecer ao cliente as informações exigidas pelo artigo 5.o da diretiva, sem que ele tenha de exercer uma ação particular, não apresenta, em geral, nenhuma dificuldade. Parece-me, de resto, extremamente significativo o facto de a própria Content Services enviar aos seus clientes, após a celebração do contrato, uma mensagem de correio eletrónico contendo, designadamente, a confirmação da celebração e os elementos necessários (nome de utilizador e senha) para se ligar ao sítio. Ora, é evidente que, por exemplo, não haveria nenhuma dificuldade de ordem técnica em inserir também na mensagem em questão as informações exigidas pelo artigo 5.o

33.

Permitir que os operadores do comércio eletrónico imponham aos seus clientes uma determinada atuação para poderem aceder às informações previstas no artigo 5.o da diretiva, ainda que seja imposta apenas a utilização de um link mostrado no momento da celebração do contrato, implicaria abrir as portas a possíveis abusos. Com efeito, é claro que, embora clicar num link seja uma operação perfeitamente banal, ao alcance de qualquer utilizador da Internet, nem todos os utilizadores são capazes de se aperceber, no momento da celebração do contrato, da necessidade de clicar no link, a fim de poder, se necessário, proteger melhor os seus direitos no futuro.

34.

No caso vertente, falta, portanto, a primeira das duas condições necessárias para assegurar a conformidade com o artigo 5.o da diretiva: o consumidor não «recebeu» as informações previstas. Isso já seria suficiente para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio. Para ser exaustivo, analisarei igualmente a segunda das duas condições impostas pela disposição referida.

D — Quanto à necessidade de as informações enviadas serem submetidas ao controlo do cliente

35.

A segunda exigência imposta pelo artigo 5.o, como já vimos, está relacionada com o conceito de «suporte durável»: a obrigação de fornecer as informações através de um suporte durável corresponde à exigência de fornecer ao consumidor as informações de uma forma que lhe permita utilizá-las, quando necessário, para fazer valer os seus direitos.

36.

Como vimos, o legislador forneceu, noutros diplomas normativos, algumas definições do conceito de «suporte durável» que, apesar de não serem automaticamente aplicáveis aqui, podem certamente ajudar. Com efeito, não há razões para considerar que se refiram a um conceito diferente daquele que é utilizado pela Diretiva 97/7 ( 13 ).

37.

Em especial, essas definições põem em evidência alguns princípios-chave, especificamente a possibilidade de o cliente: a) gravar ou, de qualquer modo, conservar as informações; b) aceder às informações, de forma inalterada, por um período de tempo «adequado»; c) reproduzir as informações sem alterações.

38.

Coloca-se, portanto, o problema de indicar se um sítio na Internet pode — e, em caso afirmativo, em que condições — constituir um «suporte durável» na aceção da diretiva. Como vimos, com efeito, a Content Services disponibiliza informações aos seus clientes apenas numa página do sítio opendownload.de.

39.

O Tribunal de Justiça ainda não teve ocasião de se pronunciar sobre o conceito de suporte durável. Recentemente, todavia, o problema foi abordado pelo Tribunal da EFTA, que tomou posição sobre a questão num acórdão de janeiro de 2010 ( 14 ). Nesse acórdão, o Tribunal da EFTA afirmou que, em princípio, um sítio da Internet pode ser um suporte duradouro, na condição de estarem preenchidas três condições cumulativas. Em primeiro lugar, o sítio deve permitir que o consumidor conserve as informações que recebeu. Em segundo lugar, essa conservação deve ser garantida por um período de tempo suficientemente longo — não se indica qual deve ser a duração da conservação em geral, que deve ser determinada caso a caso. Por último, deve ser garantida, para proteção do cliente, a inalterabilidade das informações por parte do sujeito que as forneceu.

40.

Pela minha parte, entendo que as considerações desenvolvidas pelo Tribunal da EFTA na decisão acima referida devem ser acolhidas em larga medida.

41.

É claro que não se pode excluir, em princípio, que uma página da Internet possa respeitar as condições necessárias para ser considerada um suporte duradouro na aceção da diretiva. A definição de suporte duradouro contida na Diretiva 2002/92/CE, como vimos acima, prevê, por exemplo, de modo explícito que, se respeitar as condições precisas da sua definição, um sítio da Internet pode ser qualificado de suporte duradouro; isto apesar de não existir, a favor de um sítio da Internet, nenhuma presunção de conformidade com as exigências da disposição, ao contrário do que acontece, por exemplo, com os CD-ROM e as mensagens de correio eletrónico. Por conseguinte, deve verificar-se em cada caso concreto se um sítio da Internet possui ou não as caraterísticas necessárias.

42.

Essas caraterísticas são as que, como referi acima, permitem afirmar que as informações são submetidas ao controlo do cliente, e não do sujeito que as fornece. Como salientou corretamente o Tribunal da EFTA, isso implica que as informações possam ser conservadas pelo cliente, por um período de tempo suficientemente longo para fazer valer os seus direitos, e que as mesmas não sejam modificáveis pelo fornecedor.

43.

As modalidades técnicas segundo as quais isso pode eventualmente ser efetuado devem ser apreciadas em cada caso concreto e não compete certamente ao Tribunal de Justiça indicá-las aqui. Todavia, uma vulgar página da Internet, como a página em que a Content Services fornece as informações aos seus clientes, não satisfaz as exigências indicadas. Pela sua própria natureza, com efeito, uma página normal da Internet não é submetida ao controlo daquele que a consulta, mas sim de quem a publica, que pode, a seu bel-prazer, modificá-la ou cancelá-la a qualquer momento. O facto de o consumidor poder eventualmente atuar para imprimir ou gravar a página antes que esta possa ser modificada não altera a situação: nesse caso, com efeito, o suporte duradouro (a versão da página impressa ou gravada) seria produzido pelo consumidor, e não pelo vendedor, ao contrário do que impõe a diretiva.

44.

Por conseguinte, o sítio da Content Services não respeita as indicações do artigo 5.o da diretiva, nem sequer no que respeita à natureza do suporte no qual as informações são fornecidas ao consumidor.

45.

Antes de concluir, aliás, não posso deixar de observar que, embora não se possa excluir, em geral, que uma página da Internet constitui um «suporte durável» na aceção da diretiva, pode ser problemático determinar modalidades em que as informações contidas numa página da Internet possam ser «recebidas» pelo consumidor, nos termos previstos pelo artigo 5.o Como vimos acima, com efeito, essa disposição impõe que as informações sejam fornecidas ao cliente sem que este tenha de atuar de algum modo. Deve verificar-se com atenção a conformidade com a diretiva da prática de um vendedor que envie ao cliente, após a celebração do contrato, uma mensagem de correio eletrónico contendo um link para uma página da Internet com as informações: nesse caso, de facto, mesmo admitindo que a página da Internet possa constituir um «suporte durável», o acesso às informações dependeria de uma operação ativa do consumidor (o facto de clicar num link que lhe é enviado). Independentemente da apreciação jurídica de semelhante situação, é muito mais simples, e seguramente conforme ao espírito da diretiva, incluir as informações diretamente no texto do correio eletrónico ( 15 ). Isto apesar de, repito, não se poder excluir a priori que se possam determinar modalidades específicas através das quais as informações fornecidas num sítio da Internet possam respeitar ambas as exigências fixadas pelo artigo 5.o da diretiva.

E — Resumo

46.

Sintetizando as minhas observações, as modalidades de apresentação das informações ao cliente no caso que deu origem ao processo principal não cumprem as exigências do artigo 5.o da diretiva. Em especial, o facto de as informações apenas serem disponibilizadas ao cliente numa página da Internet, à qual pode aceder clicando num link que lhe é mostrado no momento de celebrar o contrato, exclui que o cliente tenha «recebido» as informações e que estas lhe tenham sido fornecidas num «suporte durável».

V — Conclusões

47.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial apresentada pelo Oberlandesgericht Wien, nos seguintes termos:

«A disponibilização das informações exigidas pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 1997, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância, numa página da Internet a que o cliente pode aceder selecionando uma hiperligação (link) que lhe é mostrada no momento da celebração do contrato não cumpre as exigências impostas pela disposição referida.»


( 1 ) Língua original: italiano.

( 2 ) Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 1997, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, p. 19).

( 3 ) Nos termos do seu artigo 14.o, com efeito, os Estados-Membros podem adotar disposições mais estritas, destinadas a garantir ao consumidor um nível de proteção mais elevado.

( 4 ) O texto italiano da diretiva utiliza o mesmo verbo «receber», para as informações referidas no artigo 4.o e para as referidas no artigo 5.o Na maior parte das outras versões linguísticas, todavia, as informações referidas no artigo 4.o devem ser simplesmente «disponibilizadas» ao consumidor, ao passo que, relativamente às informações referidas no artigo 5.o, apenas se indica que o consumidor as deve «receber». V., por exemplo, as versões francesa, inglesa, alemã, espanhola e neerlandesa da diretiva. V. igualmente o n.o 24, infra, das presentes conclusões.

( 5 ) Na verdade, nem todas as versões linguísticas empregam a mesma designação do conceito contido no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 97/7, que é definido noutras diretivas. Por exemplo, o texto italiano das normas que definiram o conceito não utiliza a expressão «supporto duraturo», mas sim «supporto durevole». Todavia, parece evidente que o legislador pretendia referir-se ao mesmo conceito, como demonstra igualmente a análise comparada das versões linguísticas das diretivas que contêm uma definição, na maioria das quais a terminologia utilizada é idêntica à contida na Diretiva 97/7. V., por exemplo, as versões inglesa («durable medium»), francesa («support durable»), alemã («dauerhafter Datenträger») e espanhola («soporte duradero») dos textos referidos.

( 6 ) Diretiva 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE (JO L 271, p. 16).

( 7 ) Diretiva 2002/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de dezembro de 2002, relativa à mediação de seguros (JO L 9, p. 3).

( 8 ) Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304, p. 64). A revogação da Diretiva 97/7 torna-se efetiva a partir de 13 de junho de 2014 (v. artigo 31.o da Diretiva 2011/83).

( 9 ) Em especial, por exemplo, é duvidoso que seja legítima a «renúncia» ao direito de rescisão que a Content Services impõe aos seus clientes. Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a posição da Content Services na matéria não está claramente definida. A Content Services ora faz referência a uma renúncia ao direito de rescisão pelo consumidor ora sustenta, ao invés, que o direito de rescisão não existe, para os seus serviços, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, primeiro travessão, da diretiva.

( 10 ) V., por exemplo, as versões francesa («le consommateur doit bénéficier des informations suivantes»), inglesa («the consumer shall be provided with the following information»), alemã [«der Verbraucher muß (…) über folgende Informationen verfügen»], espanhola («el consumidor deberá disponer de la información siguiente») e neerlandesa [«moet de consument (…) beschikken over de volgende informatie»].

( 11 ) Como observou a Comissão, «fornecer» as informações, mencionado no n.o 1 do artigo 5.o, é equivalente a «receber», contido na primeira parte do mesmo. Muda simplesmente o ponto de vista, que é o do consumidor, quando o legislador menciona «receber», e do vendedor/prestador de serviços, quando se menciona «fornecer».

( 12 ) V., por exemplo, acórdãos de 3 de setembro de 2009, Messner (C-489/07, Colet., p. I-7315, n.o 19), e de 15 de abril de 2010, Handelsgesellschaft Heinrich Heine (C-511/08, Colet., p. I-3047, n.o 54).

( 13 ) V., supra, nota 5.

( 14 ) Tribunal da EFTA, acórdão de 27 de janeiro de 2010, Inconsult Anstalt (E-4/09). O acórdão diz respeito, em rigor, à Diretiva 2002/92. Como salientei acima, todavia, não há razões para considerar que o conceito de «suporte duradouro» nele contido seja diferente do da Diretiva 97/7.

( 15 ) Poderia observar-se que, consoante o tipo de serviço de correio eletrónico utilizado pelo consumidor e o modo como este acede a esse serviço, uma mensagem transmitida por correio eletrónico pode não ser submetida ao controlo do cliente que recebe as informações. Pensemos no caso de um serviço que oferece a possibilidade de consultar as mensagens de correio eletrónico apenas através de um interface da Internet, sem possibilidade de utilizar protocolos (IMAP, POP, etc.) que permitem que o utilizador transfira uma ou mais cópias das mensagens para os seus próprios dispositivos eletrónicos (computador, smartphone, etc.). A objeção, todavia, não tem fundamento. A própria natureza do serviço de correio eletrónico destina-se a fazer chegar mensagens pessoais aos utilizadores: a eventual situação de um utilizador perder o controlo das suas mensagens dever-se-á, se não à imprevidência do próprio utilizador, ao sujeito que fornece o serviço de correio eletrónico, e não ao vendedor que forneceu as informações via correio eletrónico ao seu cliente. Não se pode pedir ao vendedor que evite um meio de comunicação apenas porque o seu cliente pode não o utilizar corretamente ou não estar ligado a um fornecedor fiável.

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