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Document 62011CC0015

Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen apresentadas em 1 de março de 2012.
Leopold Sommer contra Landesgeschäftsstelle des Arbeitsmarktservice Wien.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof Áustria.
Adesão de novos Estados‑Membros — República da Bulgária — Regulamentação de um Estado‑Membro que sujeita a concessão de uma autorização de trabalho aos nacionais búlgaros a um exame da situação do mercado de trabalho — Diretiva 2004/114/CE — Condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado.
Processo C‑15/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:116

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 1 de março de 2012 ( 1 )

Processo C-15/11

Leopold Sommer

contra

Landesgeschäftsstelle des Arbeitsmarktservice Wien

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltunsgerichtshof (Áustria)]

«Adesão de novos Estados-Membros — Protocolo relativo às condições e regras de admissão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia — Bulgária — Aplicabilidade da Diretiva 2004/114/CE — Condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado — Cláusula de standstill — Princípio de preferência pelos cidadãos da União — Admissibilidade da regulamentação de um Estado-Membro que faz depender a concessão de uma autorização de trabalho aos nacionais búlgaros de uma análise sistemática da situação do mercado de trabalho»

I — Introdução

1.

O pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), é respeitante à interpretação do Protocolo relativo às condições e regras de admissão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia ( 2 ) (a seguir «Protocolo»), em especial do seu artigo 20.o e do n.o 14 do ponto 1. do seu Anexo VI, intitulado «Lista a que se refere o artigo 20.o do Protocolo: medidas transitórias – Bulgária», bem como da Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado ( 3 ).

2.

Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe L. Sommer à Landesgeschäftsstelle des Arbeitsmarktservice Wien (repartição regional da direção do trabalho e do emprego de Viena, a seguir «Arbeitsmarktservice») quanto à recusa desta última em conceder uma autorização de trabalho, solicitada por L. Sommer, a um cidadão búlgaro estudante na Áustria e que pretendia exercer aí atividade de camionista a tempo parcial.

3.

As questões submetidas ao Tribunal de Justiça convidam-no a pronunciar-se quanto aos elementos a tomar em consideração na apreciação da obrigação de standstill prevista no n.o 14 do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo, bem como quanto ao efeito do princípio de preferência para os cidadãos da União, enunciado no mesmo número, sobre a situação jurídica dos estudantes búlgaros durante o período transitório previsto no n.o 2, primeiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do referido Protocolo. Neste contexto, o presente reenvio prejudicial permitirá igualmente ao Tribunal de Justiça manifestar-se sobre a admissibilidade das medidas adotadas pelos Estados-Membros a fim de regulamentar o acesso dos cidadãos búlgaros ao seu mercado de trabalho durante o período de aplicação destas medidas.

II — Quadro jurídico

A — Direito da União

1. O Protocolo e o seu Anexo VI

4.

O Tratado entre os Estados-Membros da União Europeia e a República da Bulgária e a Roménia relativo à adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia foi assinado em 25 de Abril de 2005 e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007 (a seguir «data de adesão»).

5.

Segundo o artigo 1.o, n.o 3, do tratado de adesão, «[a]s condições e regras de admissão constam do Protocolo anexo ao presente Tratado. As disposições desse Protocolo fazem parte integrante do presente Tratado».

6.

O artigo 20.o do Protocolo, relativo às disposições temporárias, dispõe, designadamente, que as medidas enumeradas no Anexo VI do referido Protocolo se aplicam à República da Bulgária, nas condições definidas nesse Anexo.

7.

O n.o 2, primeiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo prevê que, em derrogação aos artigos 1.° a 6.° do Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade ( 4 ), e até ao termo do período de dois anos a contar da data da adesão (portanto, até 1 de Janeiro de 2009) os atuais Estados-Membros devem aplicar medidas nacionais, ou medidas resultantes de acordos bilaterais, que regulamentem o acesso de nacionais búlgaros aos seus mercados de trabalho. Os Estados-Membros podem continuar a aplicar essas medidas até ao termo do período de cinco anos a contar da data da adesão.

8.

O n.o 14 do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo dispõe:

«A aplicação dos n.os 2 a 5 e 7 a 12 não pode resultar em condições de acesso dos nacionais búlgaros aos mercados de trabalho dos atuais Estados-Membros mais restritivas do que as vigentes à data da assinatura do tratado de adesão.

Não obstante a aplicação dos n.os 1 a 13, os atuais Estados-Membros devem, durante o período em que apliquem medidas nacionais ou medidas resultantes de acordos bilaterais, dar preferência a trabalhadores nacionais dos Estados-Membros em detrimento de trabalhadores nacionais de países terceiros, no que se refere ao acesso ao seu mercado de trabalho.

Os trabalhadores migrantes búlgaros e as suas famílias legalmente residentes e a trabalhar noutro Estado-Membro ou os trabalhadores migrantes de outros Estados-Membros e as suas famílias legalmente residentes e a trabalhar na Bulgária não podem ser tratados de maneira mais restritiva do que os de um país terceiro residentes e a trabalhar nesse Estado-Membro ou na Bulgária, respetivamente. Além disso e em aplicação do princípio da preferência comunitária, os trabalhadores migrantes de países terceiros residentes e a trabalhar na Bulgária não podem ter um tratamento mais favorável do que os nacionais búlgaros».

2. A Diretiva 2004/114

9.

A Diretiva 2004/114 entrou em vigor em 12 de janeiro de 2005. Segundo o seu artigo 22.o, o prazo de transposição da mesma terminou em 12 de janeiro de 2007.

10.

O sexto considerando desta diretiva refere que «[u]m dos objetivos da Comunidade no domínio da educação consiste em promover a Europa no seu conjunto, enquanto centro mundial de excelência para o ensino e a formação profissional. Promover a mobilidade dos nacionais de países terceiros para a Comunidade, para efeitos de estudos, constitui um elemento-chave desta estratégia. A aproximação das legislações nacionais dos Estados-Membros em matéria de condições de entrada e de residência é um dos seus elementos integrantes».

11.

Segundo o sétimo considerando da mesma diretiva, «[a]s migrações para os efeitos enunciados na presente diretiva, por princípio temporárias e independentes da situação do mercado de trabalho no país de acolhimento, constituem uma forma de enriquecimento recíproco para os migrantes que delas beneficiam, para o seu país de origem e para o Estado-Membro de acolhimento, contribuindo para a promoção da compreensão intercultural».

12.

Quanto às atividades económicas dos estudantes, o décimo oitavo considerando refere que «[p]ara permitir que os estudantes do ensino superior nacionais de países terceiros cubram parte das despesas incorridas nos seus estudos, deve ser-lhes dado acesso ao mercado de trabalho, nas condições fixadas na presente diretiva. O princípio do acesso dos estudantes do ensino superior ao mercado de trabalho, nas condições fixadas na presente diretiva, deverá constituir uma regra geral; todavia, em circunstâncias excecionais, os Estados-Membros devem poder ter em conta a situação dos respetivos mercados de trabalho nacionais».

13.

O artigo 1.o da Diretiva 2004/114 dispõe:

«A presente diretiva tem por objeto definir:

a)

As condições de admissão de nacionais de países terceiros no território dos Estados-Membros por um período superior a três meses, para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado;

b)

As regras respeitantes aos procedimentos de admissão de nacionais de países terceiros no território dos Estados-Membros para os referidos efeitos».

14.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, o conceito de «[n]acional de um país terceiro», aplica-se à «pessoa que não seja cidadão da União, na aceção do n.o 1 do artigo 17.o do Tratado».

15.

Sob a epígrafe «Atividades económicas por parte de estudantes do ensino superior», o artigo 17.o da referida diretiva, que faz parte do Capítulo IV, intitulado «Tratamento dos nacionais de países terceiros em causa», prevê:

«1.   Fora do período consagrado ao programa de estudos e sob reserva das regras e condições aplicáveis à atividade pertinente no Estado-Membro de acolhimento, os estudantes do ensino superior terão o direito de exercer uma atividade económica por conta de outrem e poderão ser autorizados a exercer uma atividade económica por conta própria. Poder-se-á ter em conta a situação do mercado de trabalho no Estado-Membro em causa.

Se necessário, os Estados-Membros concederão aos estudantes e/ou aos empregadores uma autorização prévia em conformidade com a legislação nacional.

2.   Cada Estado-Membro deverá fixar o número máximo de horas por semana ou de dias ou meses por ano em que essa atividade é autorizada, o qual não deverá ser inferior a 10 horas por semana ou ao equivalente em dias ou meses por ano.

3.   O Estado-Membro de acolhimento poderá restringir o acesso a atividades económicas durante o primeiro ano de residência.

4.   Os Estados-Membros poderão exigir que os estudantes do ensino superior declarem, antecipadamente ou segundo quaisquer outras regras, o exercício de uma atividade económica junto da autoridade designada pelo Estado-Membro em questão. Poderá igualmente ser imposta aos respetivos empregadores a obrigação de declaração, antecipada ou segundo quaisquer outras regras».

B — Direito nacional

16.

Em conformidade com o § 64, n.o 2, da Lei relativa ao estabelecimento e à residência (Niederlassungs-undAufenthaltsgesetz) ( 5 ), a autorização de residência atribuída aos estudantes estrangeiros engloba igualmente o exercício de uma atividade assalariada, desde que a referida atividade não prejudique os estudos como finalidade da permanência.

17.

A autorização de trabalho é concedida em conformidade com o disposto na Lei relativa ao trabalho de estrangeiros (Ausländerbeschäftigungsgesetz, a seguir «AuslBG») ( 6 ). O § 4 desta lei, com a epígrafe «Concessão de autorização de trabalho», no n.o 1, dispõe:

«A autorização de trabalho será concedida, salvo disposição em contrário, se a atividade profissional se coadunar com a situação e a evolução do mercado de trabalho e se não se lhe opuserem ponderosos interesses públicos ou económicos a nível geral».

18.

O § 4, n.o 6, da AuslBG regula as situações em que foram excedidos os números máximos fixados de estrangeiros empregados nos Länder, nos termos do § 13 da referida lei. Nessa situação, só é possível conceder novas autorizações de trabalho se se verificarem os pressupostos constantes deste artigo.

19.

O § 4b, n.o 1 da AuslBG, com a epígrafe «Análise da situação do mercado de trabalho», dispõe:

«A situação e a evolução do mercado de trabalho (§ 4, n.o 1) permite a concessão de uma autorização de trabalho quando para o posto de trabalho vago, a ocupar pelo cidadão estrangeiro requerente, não é possível encontrar um trabalhador nacional nem um cidadão estrangeiro disponível no mercado de trabalho que esteja disposto e habilitado a exercer a atividade requerida nas condições permitidas por lei. Entre os cidadãos estrangeiros disponíveis, gozam de primazia aqueles que tenham direito a prestações do âmbito do seguro de desemprego, os titulares de uma autorização de trabalho, de um certificado de isenção de trabalho ou de uma autorização de residência, bem como cidadãos do Espaço Económico Europeu (artigo 2, n.o 6) e trabalhadores turcos ao abrigo do Acordo de Associação com a Turquia […]».

III — Processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

20.

L. Sommer, recorrente no processo principal, em 30 de janeiro de 2008, solicitou a concessão de uma autorização de trabalho para um estudante búlgaro, que residia há mais de um ano na Áustria, para o contratar como camionista, para efetuar, a curto prazo, entregas em horário no turno da noite em Viena. Este pedido foi indeferido por decisão da Arbeitsmarktservice de 8 de fevereiro de 2008, ao abrigo do § 4, n.o 6, ponto 1, da AuslBG.

21.

L. Sommer interpôs recurso desta decisão para o Arbeitsmarktservice, que, por decisão de 17 de março de 2008, negou provimento ao recurso, referindo-se novamente ao § 4, n.o 6, da AuslBG, com o fundamento de que o número máximo de trabalhadores estrangeiros fixado pelo Land de Viena tinha sido ultrapassado e que as condições suplementares previstas por esta disposição não estavam preenchidas. L. Sommer interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

22.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, decorre de uma interpretação literal do artigo 1.o, alínea a), em conjugação com o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2004/114, que um cidadão búlgaro não é abrangido pelo âmbito de aplicação da diretiva por já não ser «nacional de país terceiro» na aceção da mesma, na sequência da adesão da República da Bulgária à União Europeia em 1 de janeiro de 2007. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio questiona-se designadamente quanto aos efeitos da adesão da Bulgária sobre a situação de um estudante búlgaro. Mais concretamente, pergunta-se se a alteração de estatuto poderia implicar um agravamento da posição jurídica de um estudante búlgaro ou um tratamento desfavorável em relação a estudantes de países terceiros, o que seria contrário ao disposto no n.o 14 do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo.

23.

O órgão jurisdicional de reenvio sustenta, além disso, que, por força do § 4, n.o 1, da AuslBG, a concessão de uma autorização de trabalho está dependente da apreciação, por um lado, da situação e da evolução do mercado de trabalho e, por outro, dos ponderosos interesses públicos ou económicos suscetíveis de serem opostos à contratação desse trabalhador.

24.

Neste contexto, por decisão de 9 de dezembro de 2010, o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

A Diretiva 2004/114 […], é aplicável na Áustria a um estudante búlgaro tendo em conta o n.o 14, primeiro ou terceiro parágrafos do ponto 1. [que tem por título] ‘Livre circulação de pessoas’, do Anexo VI, «Lista a que se refere o artigo 20.o do Protocolo: medidas transitórias – Bulgária»?

2.

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: o direito da União, em particular o artigo 17.o da Diretiva 2004/114[…], opõe-se a uma regulamentação nacional que, como as disposições da [Ausländerbeschäftigungsgesetz], Lei relativa ao trabalho de estrangeiros, pertinentes no processo principal, prevê em todos os casos uma análise da situação do mercado de trabalho antes da concessão a um empregador de uma autorização para empregar um estudante que resida há mais de um ano no território da República da Áustria (n.o 3 do artigo 17.o da Diretiva 2004/114), fazendo ainda depender a concessão da referida autorização de outros pressupostos se for ultrapassado um número máximo fixado para trabalhadores estrangeiros?»

25.

O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de janeiro de 2011.

26.

Foram apresentadas observações escritas por L. Sommer, pelo Governo austríaco e pela Comissão Europeia. Nenhuma das partes requereu a realização de audiência.

IV — Análise

A — Quanto à situação jurídica dos cidadãos búlgaros na sequência da adesão da República da Bulgária à União

27.

Tendo em conta a complexidade dos aspetos temporais da situação jurídica em causa no processo principal, mostra-se útil sintetizar sob a forma de um quadro sinótico as datas pertinentes para efeitos da resolução do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio.

Data

Direito da União

Situação no presente processo

12. 1. 2005

Entrada em vigor da Diretiva 2004/114

 

25. 4. 2005

Assinatura do tratado de adesão, que estabelece a obrigação de standstill no Protocolo

 

1. 1. 2007

Entrada em vigor do tratado de adesão, incluindo o Protocolo

 

12. 1. 2007

Termo do prazo de transposição da Diretiva 2004/114

 

30. 1. 2008

 

Pedido de autorização de trabalho apresentada por L. Sommer

8. 2. 2008

 

Decisão do Arbeitsmarktservice que indefere o pedido

17. 3. 2008

 

Decisão do Arbeitsmarktservice que indefere a reclamação

1. 1. 2012

Termo do período transitório estabelecido pelo Protocolo

 

28.

Como resulta deste quadro, em 30 de janeiro de 2008, L. Sommer apresentou o pedido de autorização de trabalho na origem do processo principal, relativo a um cidadão búlgaro, estudante na Áustria. Nesta data e até ao termo do período de dois anos subsequente à data de adesão, os Estados-Membros, de acordo com o n.o 2, primeiro parágrafo, do ponto 1 do Anexo VI do Protocolo, aplicavam medidas nacionais ou medidas resultantes de acordos bilaterais para regulamentar o acesso dos nacionais búlgaros aos seus mercados de trabalho. Segundo esta mesma disposição, os referidos Estados podiam continuar a aplicar essas medidas até ao termo do período de cinco anos a contar da data da adesão.

29.

No entanto, o n.o 14, primeiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo restringe a competência reconhecida, neste domínio, aos Estados-Membros, ao especificar que as medidas transitórias referidas não podiam resultar em condições de acesso dos nacionais búlgaros aos mercados de trabalho dos actuais Estados-Membros mais restritivas do que as vigentes à data da assinatura do tratado de adesão.

30.

Na data da assinatura do tratado de adesão, ou seja, em 25 de Abril de 2005, a Diretiva 2004/114 já estava em vigor desde 12 de janeiro de 2005, apesar de o prazo de transposição da mesma ainda não ter terminado. Na referida data de assinatura, os cidadãos búlgaros estavam pois abrangidos, enquanto nacionais de países terceiros, pela Diretiva 2004/114 cujo prazo de transposição, no entanto, ainda não tinha terminado.

B — Quanto à aplicabilidade da Diretiva 204/114 a um estudante búlgaro após a entrada da República da Bulgária na União

31.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende em substância saber se, por um lado, a cláusula de standstill e, por outro, o princípio de preferência pelos cidadãos da União, tais como referidos no n.o 14 do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo, implicam um dever de aplicar a Diretiva 2004/114 a um cidadão búlgaro mesmo após a adesão da República da Bulgária à União.

32.

A fim de responder a esta questão, há que examinar, antes de mais, o âmbito das obrigações referidas no n.o 14 do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo.

1. Quanto à obrigação de standstill

33.

A obrigação associada à cláusula de standstill, estabelecida no n.o 14, primeiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo, tem por objetivo evitar que a aplicação de medidas transitórias nos Estados-Membros tenha por efeito criar, em relação aos nacionais búlgaros, condições de acesso aos mercados de trabalho dos Estados-Membros mais restritivas do que as vigentes à data da assinatura do tratado de adesão.

34.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a finalidade das cláusulas de standstill consiste em impedir que um Estado-Membro possa adotar medidas novas cujo objeto ou efeito seja criar condições mais restritivas do que as que eram aplicáveis antes da data a partir da qual essas cláusulas entraram em vigor ( 7 ). A passagem do estatuto de nacional de país terceiro ao de cidadão da União, na sequência da adesão do referido país à União, não deve pois implicar, para as pessoas interessadas, uma deterioração das condições de acesso ao mercado de trabalho.

35.

Nesta perspetiva, a obrigação que incumbe a qualquer Estado-Membro ao abrigo da cláusula de standstill estabelecida no n.o 14, primeiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo assume um caráter estático. Esta cláusula tem por objetivo impedir a degradação da situação jurídica das pessoas interessadas em relação à situação jurídica que tinham na data da assinatura do tratado de adesão, a saber, em 25 de Abril de 2005.

36.

Como ilustra claramente o quadro sinótico atrás apresentado, a Diretiva 2004/114 já estava em vigor na data da assinatura do tratado de adesão, mas o seu prazo de transposição ainda não tinha terminado. Ora, segundo jurisprudência constante, as diretivas não possuem, nesta fase, efeito direto ( 8 ), e a obrigação que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais de interpretar o direito interno em conformidade com as disposições das mesmas diretivas abrange apenas as situações em que uma interpretação «não conforme» correria o risco de comprometer seriamente, após o termo do prazo de transposição, a realização do objetivo prosseguido pela diretiva em questão, e não visa conferir, antecipadamente, um efeito às regras constantes da mesma ( 9 ).

37.

A este respeito, devo salientar que não partilho a posição defendida pelo Governo austríaco e pela Comissão segundo a qual o teor normativo da Diretiva 2004/114 define o conteúdo da obrigação de standstill estabelecida no n.o 14 do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo. Na data de assinatura do tratado de adesão, a saber, em 25 de Abril de 2005, a República da Áustria não tinha a obrigação de aplicar a referida diretiva nem a um cidadão de países terceiros nem a um cidadão búlgaro, uma vez que o prazo de transposição da mesma ainda não tinha terminado. Qualquer interpretação contrária poderia tornar inoperante a finalidade do prazo de transposição, e correria o risco de gerar confusões quanto à natureza jurídica própria das diretivas que são atos legislativos dos quais alguns efeitos vinculativos só têm início após a sua transposição para o direito interno.

38.

Consequentemente, na data de assinatura do tratado de adesão, a Diretiva 2004/114 opunha-se unicamente a que a República da Áustria adotasse disposições suscetíveis de comprometer seriamente a obtenção do resultado prescrito por essa diretiva. Esta proibição, que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao acórdão Inter-Environnement Wallonie ( 10 ), visa garantir o efeito útil das diretivas após o termo do prazo de transposição.

39.

Por esta razão, além das situações abrangidas pela jurisprudência Inter-Environnement Wallonie, já referida, o conteúdo da obrigação de standstill deve ser determinado, no presente processo, exclusivamente na perspetiva das medidas nacionais ou das medidas resultantes de acordos bilaterais, mas não na da Diretiva 2004/114. Por conseguinte, a referida obrigação de standstill só pode ser pertinente para efeitos da apreciação da situação jurídica no processo principal se a regulamentação austríaca tiver sofrido modificações que tenham por efeito dificultar o acesso dos estudantes búlgaros ao mercado de trabalho austríaco após 25 de Abril de 2005 em relação ao acesso que era assegurado pela legislação aplicável em vigor antes da referida data ( 11 ). Incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar que essa degradação não teve lugar.

2. Quanto ao princípio de preferência pelos cidadãos da União

40.

O n.o 14, segundo parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo consagra o princípio de preferência pelos cidadãos da União, nos termos do qual os Estados-Membros, independentemente das medidas adotadas durante o período transitório, têm a obrigação de, no acesso ao seu mercado de trabalho, dar prioridade aos nacionais de um Estado-Membro em relação aos trabalhadores nacionais de países terceiros ( 12 ).

41.

Enquanto a obrigação decorrente da cláusula de standstill tem caráter estático, o princípio de preferência para os cidadãos da União, que impõe aos Estados-Membros que deem preferência aos cidadãos da União, no que se refere ao acesso ao seu mercado de trabalho, é dinâmico, numa perspetiva temporal. Dito de outro modo, os nacionais búlgaros, ao abrigo do n.o 14, segundo parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo, devem poder beneficiar não só das mesmas melhorias no seu tratamento que os nacionais de países terceiros que se encontrem numa situação comparável, mas também de um tratamento preferencial em relação a estes últimos. O conteúdo desta última obrigação pode, pois, evoluir ao longo do tempo.

42.

No presente caso, a data pertinente para efeitos da apreciação da situação do ponto de vista do princípio de preferência para os cidadãos da União, é 30 de janeiro de 2008, data que corresponde à apresentação do pedido de autorização de trabalho. Nesta data, o prazo de transposição da Diretiva 2004/114 já tinha terminado há mais de um ano.

43.

As condições de acesso ao mercado de trabalho estabelecidas pela referida diretiva, apesar de não serem diretamente aplicáveis a um estudante de nacionalidade búlgara, como o que L. Sommer pretende contratar no processo principal, constituem no entanto o limite mínimo previsto pelo Protocolo, que é igualmente válido em relação a esse estudante durante o período de aplicação das medidas transitórias. Por conseguinte, os efeitos jurídicos da Diretiva 2004/114 relativos à situação de estudantes que são nacionais de países terceiros são igualmente aplicáveis aos estudantes búlgaros ao abrigo da referida obrigação, que decorre do tratado de adesão, e assim, de um ato de direito primário.

44.

Entretanto, parece-me que, em tal situação, os efeitos jurídicos de uma diretiva devem ser equiparados aos de uma diretiva da União e não aos de um ato de direito primário. Se assim não fosse, as diretivas cuja aplicabilidade decorre do tratado de adesão possuiriam um valor normativo mais forte do que o atribuído a outras diretivas ( 13 ).

45.

Assim, as condições estabelecidas pela Diretiva 2004/114 constituem, paralelamente, o limite mínimo para a aplicação do princípio de preferência para os cidadãos da União. Por conseguinte, se é facultado o acesso ao mercado de trabalho austríaco a um estudante que é nacional de um país terceiro de acordo com o regime previsto pela Diretiva 2004/114, um estudante búlgaro deve poder beneficiar desse acesso em condições pelo menos tão favoráveis e, mais ainda, com prioridade sobre outro estudante nacional de um país terceiro ( 14 ).

46.

Noutros termos, a adesão da República da Bulgária à União teve como consequência que os nacionais búlgaros passaram do estatuto de nacionais de países terceiros para o de cidadãos da União. Esta modificação do estatuto dos nacionais búlgaros não implica que a Diretiva 2004/114 lhes seja aplicável. No entanto, decorre do princípio de preferência para os cidadãos da União estabelecido no n.o 14, segundo parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo, que é necessário ter em conta as condições de acesso ao mercado de trabalho fixadas pela Diretiva 2004/114 enquanto mínimo igualmente aplicável a um estudante búlgaro durante a vigência das medidas transitórias ( 15 ).

47.

Por conseguinte, em aplicação do princípio de preferência para os cidadãos da União, um nacional búlgaro, como o que está em causa no processo principal, não pode ser tratado de maneira mais desfavorável (princípio enunciado no n.o 14, terceiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo) do que um nacional de um país terceiro que se encontre numa situação comparável. Além disso, no que respeita ao acesso ao mercado de trabalho, deve poder beneficiar desse acesso não só em condições tão favoráveis como as aplicáveis a um nacional de um país terceiro, mas também com prioridade em relação a estes últimos.

48.

No entanto, cabe salientar que o conceito de «nacional de um país terceiro» não pode abranger as pessoas que, por força de acordos internacionais celebrados entre a União e os países terceiros, beneficiam de um tratamento igual ao dos cidadãos da União, como os nacionais dos países do Espaço Económico Europeu (EEE). Com efeito, uma interpretação inversa tornaria ineficaz o regime previsto pelo Protocolo durante o período transitório, e correr-se-ia o risco de privar de uma grande parte do seu efeito útil o n.o 2, primeiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo, que consagra a aplicação das medidas nacionais ou das medidas resultantes de acordos bilaterais durante o período transitório ( 16 ).

49.

Neste contexto, parece-me igualmente útil acrescentar que, por um lado, em aplicação do princípio de preferência para os cidadãos da União, é possível que os particulares que se encontrem numa situação jurídica como a que está em causa no processo principal, possam invocar, nos tribunais nacionais contra o Estado-Membro de acolhimento, as disposições da Diretiva 2004/114, que, do ponto de vista do seu conteúdo, são incondicionais e suficientemente precisas, desde que estejam preenchidas as condições definidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto ao efeito direto das diretivas ( 17 ).

50.

Por outro lado, decorre de jurisprudência assente que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretar o direito interno, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para atingir o resultado por ela pretendido. Assim, resulta desta obrigação de interpretação conforme que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretar as normas pertinentes do direito interno de maneira conforme com as exigências da diretiva ( 18 ).

C — Quanto à compatibilidade de uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal com a Diretiva 2004/114

51.

Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, se o direito da União, designadamente o artigo 17.o da Diretiva 2004/114, se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que, como as disposições da AuslBG pertinentes no processo principal, prevê uma análise sistemática da situação do mercado de trabalho antes da concessão a um empregador de uma autorização para empregar um estudante que resida há mais de um ano no território federal e que faz ainda depender a concessão da referida autorização de condições suplementares caso seja excedido um número máximo de trabalhadores estrangeiros fixado para o Land em causa.

1. Quanto à relação entre os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2014/114 e as medidas restritivas previstas pela regulamentação austríaca

52.

A fim de responder à questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, cumpre, antes de mais, apresentar os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2004/114.

53.

De acordo com os sexto e sétimo considerandos da Diretiva 2004/114, esta tem como objetivo favorecer a mobilidade dos estudantes nacionais de países terceiros com destino à União para efeitos educativos. Esta mobilidade tem por objetivo promover a Europa enquanto centro mundial de excelência para o ensino e a formação profissional. Neste domínio, trata-se, pois, de uma migração procurada pela União, temporária e independente do estado do mercado de trabalho.

54.

Segundo o artigo 17.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/114, os estudantes abrangidos por esta diretiva têm o direito de exercer uma actividade por conta de outrem e de exercer uma atividade económica por conta própria, fora do período consagrado ao programa de estudos, sob reserva das regras e condições aplicáveis à atividade pertinente no Estado-Membro de acolhimento. À primeira vista, poderia parecer que o artigo 17.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, confere aos interessados um direito subjetivo de acesso ao emprego, pelo menos quando não se trata de exercer uma atividade económica por conta própria. No entanto, a segunda frase da referida disposição permite que os Estados-Membros em causa, apesar da regra definida na primeira frase, tenham em conta a situação do seu mercado de trabalho. O artigo 17.o, n.o 1, segundo parágrafo, estabelece igualmente a possibilidade de, se necessário, conceder uma autorização prévia aos estudantes e/ou aos empregadores.

55.

Além disso, os n.os 2 a 4 do artigo 17.o da Diretiva 2004/114 enumeram as medidas autorizadas aos Estados-Membros com o objetivo de regulamentar o acesso ao emprego dos estudantes nacionais de países terceiros. Considero que os Estados-Membros têm a obrigação de as aplicar a título principal a fim de impedir que estes estudantes criem dificuldades no seu mercado de trabalho enquanto fonte suplementar de mão-de-obra.

56.

Só depois de ter esgotado as referidas possibilidades é que o Estado-Membro pode invocar o artigo 17.o, n.o 1, primeiro parágrafo, segunda frase, da Diretiva 2004/114, para ter em conta a situação do mercado de trabalho. A este respeito, considero que esta disposição só pode ser aplicada se se tratar de um caso excecional, como decorre do décimo oitavo considerando da referida diretiva, e se as medidas previstas forem justificadas e proporcionais ao objetivo pretendido.

57.

Esta interpretação é confirmada não só pela economia geral da Diretiva 2004/114, mas igualmente pelo objetivo referido no décimo oitavo considerando que indica que o acesso ao mercado de trabalho deverá constituir a regra geral no quadro do sistema fixado por esta diretiva. Com efeito, isso permite assegurar a realização do objetivo principal da referida diretiva, já recordado supra, que consiste em favorecer a mobilidade dos estudantes que são nacionais de países terceiros com destino à União para efeitos de educação e de promoção da Europa enquanto centro mundial de excelência para o ensino e a formação profissional.

58.

Por conseguinte, face à redação do artigo 17.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/114, e aos objetivos prosseguidos por esta, a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que o acesso ao mercado de trabalho constitui a regra aplicável aos estudantes que são nacionais de países terceiros após o primeiro ano de residência, e que as restrições a este acesso constituem a exceção à mesma. Consequentemente, a tomada em consideração da situação do mercado de trabalho só deve ser possível em casos excecionais que se prendam, por exemplo, com as dificuldades encontradas por um setor do mercado de trabalho ou uma região do Estado-Membro de acolhimento, ou ainda com uma degradação inteiramente excecional da situação do emprego ao nível nacional ( 19 ).

59.

Neste contexto, observo que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a contradição que, em seu entender, existe entre o artigo 17.o, n.o 1, primeiro parágrafo, segunda frase, da Diretiva 2004/114 e o artigo 17.o, n.o 3, da mesma diretiva.

60.

Para conciliar estas duas disposições, cumpre recorrer a uma interpretação que tenha em conta a economia geral e a finalidade da Diretiva 2004/114. O artigo 17.o, n.o 3, desta permite limitar o acesso ao mercado de trabalho durante o primeiro ano da residência associado aos estudos, sem que seja requerida qualquer explicação. Esta possibilidade parece-me necessária a fim de evitar os abusos desta diretiva e a fim de garantir que o ensino constitui efetivamente a razão principal da residência dos interessados no território nacional. A este propósito, cabe recordar que, de acordo com o sétimo considerando da referida diretiva, as migrações para os efeitos enunciados na presente diretiva são temporárias e independentes da situação do mercado de trabalho no Estado-Membro de acolhimento. É por essa razão que, até ao final do primeiro ano da residência, os estudantes em causa apenas beneficiam do acesso às atividades económicas nas condições e nos limites previstos pela legislação nacional.

61.

No entanto, essa medida, temporalmente limitada, é menos restritiva do que a estabelecida no artigo 17.o, n.o 1, primeiro parágrafo, segunda frase, da mesma diretiva. A tomada em consideração da situação do mercado de trabalho no Estado-Membro em causa, autorizada por esta disposição, constitui efetivamente uma disposição derrogatória de caráter geral, não limitada ao primeiro ano da residência, que, como já referi, requer a existência de uma situação excecional.

62.

No que respeita à regulamentação nacional em causa no processo principal, decorre da decisão de reenvio que a referida regulamentação exige uma análise sistemática do mercado de trabalho ( 20 ). Mais precisamente, por força da regulamentação nacional pertinente, designadamente do § 4, n.o 1, da AuslBG, antes da concessão da autorização de trabalho, a autoridade competente tem a obrigação de verificar, sistematicamente, se a situação e a evolução do mercado de trabalho não se opõem a que o emprego seja preenchido por estudantes que são nacionais de países terceiros.

63.

Em contrapartida, a disposição do § 4b, n.o 1, da AuslBG, por força da qual a referida autorização só pode ser concedida a esse estudante quando para o posto de trabalho vago em questão, não é possível encontrar um cidadão austríaco nem um cidadão estrangeiro equiparado a um cidadão austríaco, como um cidadão da União, parece-me justificada face ao princípio da preferência para os cidadãos da União, consagrado pelo direito da União e previsto, designadamente, no n.o 14, segundo parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo.

64.

Consequentemente, uma regulamentação nacional que tem por efeito criar uma situação na qual os estudantes que são nacionais de países terceiros, abrangidos pela Diretiva 2004/114, mesmo após o seu primeiro ano de residência, não obtêm acesso ao mercado de trabalho a título geral, mas apenas a título excecional, é incompatível com o artigo 17.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva.

2. Quanto à existência de uma justificação para as medidas restritivas

65.

Com o objetivo de demonstrar a existência de uma situação excecional que justifique a análise sistemática da situação do mercado de trabalho para efeitos da concessão de uma autorização de trabalho a um estudante nacional de um país terceiro, não me parece suficiente o fato de invocar considerações gerais relativas às caraterísticas do mercado de trabalho do Estado-Membro em causa.

66.

A este respeito, especifique-se que essa abordagem global não pode ser justificada de forma bastante pela existência de um nível, mesmo elevado, de desemprego no mercado nacional de trabalho, a menos que se trate de uma situação excecional ( 21 ). Com efeito, saliente-se que a Diretiva 2004/114 foi adotada apesar da existência de um nível não negligenciável de desemprego no conjunto dos Estados-Membros da União. Essas considerações gerais não poderiam, pois, justificar as medidas previstas na regulamentação nacional em causa.

67.

Mais especificamente, no que respeita à admissibilidade do regime austríaco em causa no processo principal, decorre da decisão de reenvio que, caso se exceda o número máximo fixado de estrangeiros empregados, a atribuição de uma autorização de trabalho a nacionais de países terceiros está subordinada, para além de uma análise sistemática da situação e da evolução do mercado de trabalho, à aplicação de condições suplementares. Tendo em conta que a Diretiva 2004/114 se opõe a uma análise sistemática da situação do mercado de trabalho, considero que a mesma exclui igualmente, também por maioria de razão, medidas nacionais que excedam esta análise sistemática, e que, além disso, exijam condições suplementares do tipo das previstas pela legislação nacional em causa no processo principal para efeitos da concessão de uma autorização de trabalho.

68.

Finalmente, importa recordar que é jurisprudência assente que, quando os Estados-Membros adotam medidas de aplicação de uma regulamentação da União, as autoridades nacionais são obrigadas a exercer o seu poder discricionário no respeito dos princípios gerais do direito da União, entre os quais figura o princípio da proporcionalidade ( 22 ). Em conformidade com esse princípio, as medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de adotar devem ser aptas a realizar o objetivo visado e não ir além do que é necessário para o atingir ( 23 ).

69.

Neste contexto, importa igualmente salientar que a margem de apreciação de que os Estados-Membros dispõem não pode ser utilizada de forma a comprometer os objetivos principais da Diretiva 2004/114, tais como recordados supra. ( 24 )

70.

Tendo em conta os elementos apresentados, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a regulamentação nacional cumpre estas exigências a fim de justificar as medidas restritivas nela previstas relativas ao acesso ao mercado de trabalho austríaco dos estudantes que são nacionais de países terceiros.

V — Conclusão

71.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais apresentadas pelo Verwaltungsgerichtshof:

«1)

A Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado, não é aplicável a um estudante búlgaro posteriormente à adesão da República da Bulgária à União Europeia. No entanto, em aplicação do princípio de preferência para os cidadãos da União estabelecido no n.o 14, segundo parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo relativo às condições e regras de admissão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia, as disposições da Diretiva 2004/114, durante o período transitório previsto no n.o 2, primeiro parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do referido Protocolo, constituem o limite mínimo para efeitos da determinação das condições de acesso dos estudantes búlgaros ao mercado de trabalho austríaco. O referido princípio impõe, designadamente, que um estudante búlgaro possa beneficiar desse acesso, não só em condições tão favoráveis como as aplicáveis a um nacional de um país terceiro, mas, mais do que isso, com prioridade em relação a este último.

2)

O direito da União, designadamente o artigo 17.o da Diretiva 2004/114, opõe-se a uma regulamentação nacional que, como a que está em causa no processo principal, prevê uma análise sistemática da situação do mercado de trabalho antes da concessão a um empregador de uma autorização de trabalho para empregar um estudante que resida há mais de um ano no território nacional, e que faz ainda depender a concessão da referida autorização de outros pressupostos se for ultrapassado um determinado número de trabalhadores estrangeiros no território em causa.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2005, L 157, p. 29. Este protocolo faz parte integrante do Tratado entre o Reino da Bélgica, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República da Estónia, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, o Grão-Ducado do Luxemburgo, a República da Hungria, a República de Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República da Polónia, a República Portuguesa, a República da Eslovénia, a República Eslovaca, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (Estados-Membros da União Europeia) e a República da Bulgária e a Roménia, relativo à adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia (JO 2005, L. 157, p. 11, a seguir «tratado de adesão»).

( 3 ) JO L 375, p. 12.

( 4 ) JO L 257, p. 2.

( 5 ) BGBl. I. 100/2005.

( 6 ) Decorre da decisão de reenvio que, no presente caso, incumbia à Arbeitsmarktservice aplicar a redação da referida lei em vigor em 30 de janeiro de 2008, data em que o procedimento administrativo nacional teve início pela apresentação do pedido litigioso de autorização de trabalho. No que respeita ao § 4 da AuslBG, trata-se da redação publicada no BGBl. I. 78/2007. Quanto ao § 4b da AuslBG, a sua redação foi publicada no BGBl. I. 28/2004.

( 7 ) Acórdão de 21 de janeiro de 2010, Comissão/Alemanha (C-546/07, Colet., p. I-439, n.o 66 e jurisprudência aí referida). V., igualmente, por analogia e sobre a interpretação das cláusulas de standstill no contexto do acordo de associação CEE — Turquia, acórdão de 15 de novembro de 2011, Dereci e o. (C-256/11, Colet., p. I-11315, n.o 88 e jurisprudência aí referida).

( 8 ) Dito de outro modo, os particulares não podem invocar as disposições da referida diretiva contra o Estado-Membro em questão antes do termo do prazo de transposição. V., neste sentido, acórdão de 5 de fevereiro de 2004, Rieser Internationale Transporte (C-157/02, Colet., p. I-1477, n.o 69).

( 9 ) V., designadamente, acórdãos de 23 de abril de 2009, VTB-VAB e Galatea (C-261/07 e C-299/07, Colet., p. I-2949, n.o 39 e jurisprudência aí referida), e de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft (C-304/08, Colet., p. I-217, n.o 29).

( 10 ) V., designadamente, acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Inter-Environnement Wallonie (C-129/96, Colet., p. I-7411, em especial n.o 45) e de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o. (C-165/09 a C-167/09, Colet., p. I-4599, n.os 78 e 79, e jurisprudência aí referida).

( 11 ) V., por analogia, acórdão de 23 de março de 1983, Peskeloglou (77/82, Recueil, p. 1085, n.os 11 a 14).

( 12 ) Salvo erro da minha parte, a primeira questão prejudicial parece conter uma pequena imprecisão, porque, contrariamente ao que afirma o órgão jurisdicional de reenvio, o princípio de preferência para os cidadãos da União é enunciado no n.o 14, segundo parágrafo, do ponto 1. do Anexo VI do Protocolo de admissão. Em contrapartida, o n.o 14, terceiro parágrafo, do mesmo anexo, que é referido na primeira questão prejudicial, prevê que os trabalhadores migrantes búlgaros legalmente residentes e a trabalhar noutro Estado-Membro não podem ser tratados de maneira mais restritiva do que os trabalhadores migrantes de um país terceiro.

( 13 ) Este princípio, segundo o qual os atos de direito derivado conservam a sua natureza jurídica quando da adesão dos Estados à União, está claramente consagrado no direito da União. É designadamente expresso no artigo 8.o, n.o 1, do Protocolo que prevê que os atos adotados pelas instituições a que respeitam as disposições transitórias estabelecidas neste Protocolo conservam a sua natureza jurídica. V., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 1988, Espanha/Conselho (203/86, Colet., p. 4563, n.o 5).

( 14 ) A este respeito, devo salientar que esse tratamento prioritário não constitui uma discriminação dos nacionais de países terceiros, proibida pelo artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O mesmo acontece com a aplicação das disposições de direito derivado relativamente aos nacionais de países terceiros.

( 15 ) Neste contexto, importa igualmente salientar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições de um ato de adesão que permitem derrogar as regras do Tratado CE devem ser interpretadas de forma estrita face às disposições em causa do Tratado e devem ser limitadas ao absolutamente necessário para atingir o seu objetivo. V., neste sentido, acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolidis (C-420/07, Colet., p. I-3571, n.o 35 e jurisprudência aí referida). No presente processo, isso significa que o estatuto de um cidadão búlgaro não deveria divergir do estatuto dos nacionais dos outros Estados-Membros para além do mínimo possível.

( 16 ) V., por analogia, acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Vicoplus e o. (C-307/09 a C-309/09, Colet., p. I-453, n.o 35).

( 17 ) V., designadamente, acórdãos de 3 de março de 2011, Auto Nikolovi (C-203/10, Colet., p. I-1083, n.o 61 e jurisprudência aí referida), e de 24 de novembro de 2011, ASNEF e FECEMD (C-468/10 e C-469/10, Colet., p. I-12181, n.o 51).

( 18 ) V., no que respeita à obrigação de interpretação conforme, designadamente, acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o. (C-378/07 a C-380/07, Colet., p. I-3071, n.os 197 a 207 e jurisprudência aí referida).

( 19 ) Noutros termos, uma situação pode ser qualificada de excecional em, pelo menos, três hipóteses. Em primeiro lugar, pode tratar-se de um problema regional, quando a taxa de desemprego de uma região é significativamente mais elevada do que a média nacional. Em segundo lugar, a situação excecional pode também estar associada a um desequilíbrio setorial, quando um setor específico do mercado de trabalho se depara com dificuldades significativas. Finalmente, ao nível nacional, a situação do emprego pode degradar-se de forma excecional. A degradação atual da situação do emprego em Espanha pode ilustrar esta hipótese.

( 20 ) Importa igualmente observar que, por despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2011, o processo Comissão/Áustria (C-568/10) foi cancelado do registo do Tribunal. Neste processo, a Comissão acusou a República da Áustria de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 17.o da Diretiva 2004/114, ao preservar o seu direito nacional tal como apresentado supra. No entanto, a Comissão renunciou a este processo em 4 de outubro de 2010 devido ao facto de o § 4 do AuslBG ter sido alterado no sentido de esta disposição passar a incluir uma regra segundo a qual a atribuição da autorização de trabalho para estudantes nacionais de países terceiros não está subordinada a uma análise sistemática do mercado de trabalho.

( 21 ) V. nota de pé de página n.o 19 das presentes conclusões.

( 22 ) V., designadamente, acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer (C-145/10, Colet., p. I-12533, n.o 105 e jurisprudência aí referida).

( 23 ) Ibidem (n.o 106 e jurisprudência aí referida).

( 24 ) V., por analogia, acórdão Painer, já referido (n.o 107).

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