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Document 62009TJ0123

Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção) de 28 de março de 2012.
Ryanair Ltd contra Comissão Europeia.
Auxílios de Estado ― Empréstimo concedido a uma companhia aérea e que pode ser imputado nos seus capitais próprios ― Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum ― Venda de ativos de uma companhia aérea ― Decisão que declara que não existe um auxílio no termo da fase preliminar de análise ― Recurso de anulação ― Legitimidade ― Parte interessada ― Admissibilidade ― Dificuldades sérias ― Competência ― Dever de fundamentação.
Processo T‑123/09.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2012:164

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

28 de março de 2012 ( *1 )

«Auxílios de Estado — Empréstimo concedido a uma companhia aérea e que pode ser imputado nos seus capitais próprios — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum — Venda de ativos de uma companhia aérea — Decisão que declara que não existe um auxílio no termo da fase preliminar de análise — Recurso de anulação — Legitimidade — Parte interessada — Admissibilidade — Dificuldades sérias — Competência — Dever de fundamentação»

No processo T-123/09,

Ryanair Ltd, com sede em Dublim (Irlanda), representada por E. Vahida e I.-G. Metaxas-Maragkidis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, D. Grespan e E. Righini, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Italiana, representada por G. Palmieri e P. Gentili, avvocati dello Stato,

e

Alitalia — Compagnia Aerea Italiana SpA, com sede em Fiumicino (Itália), representada por G. M. Roberti, G. Bellitti e I. Perego, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação parcial da Decisão 2009/155/CE da Comissão, de 12 de novembro de 2008, relativa ao empréstimo de 300 milhões de EUR concedido pela Itália à companhia Alitalia n.o C 26/08 (ex NN 31/08) (JO 2009, L 52, p. 3), e um pedido de anulação da decisão C (2008) 6745 final da Comissão, de 12 de novembro de 2008, que tem por objeto o auxílio de Estado N 510/2008 — Itália — Venda dos ativos da companhia aérea Alitalia,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: S. Papasavvas (relator), presidente, V. Vadapalas e K. O’Higgins, juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 30 de junho de 2011,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

A Alitalia SpA é uma sociedade de transporte aéreo detida a 49,9% pelo Estado italiano.

2

Em dezembro de 2006, na sequência de várias tentativas infrutíferas de recuperação da situação financeira da Alitalia e da procura de alianças internacionais, as autoridades italianas decidiram vender a sua participação no capital da Alitalia. Em 29 de dezembro de 2006, o Ministério da Economia e das Finanças italiano publicou um convite à manifestação de interesse. Esse processo, todavia, foi encerrado em 18 de julho de 2007, não tendo sido obtidos resultados, tendo as propostas apresentadas sido retiradas.

3

Em setembro de 2007, a Alitalia nomeou um banco como consultor financeiro para determinar eventuais parceiros para a Alitalia. Entre as propostas recebidas, a apresentada pela Air France-KLM foi considerada pelo conselho de administração da Alitalia como a mais adequada. Contudo, na falta de acordo com as organizações sindicais, a Air France-KLM retirou a sua proposta em 21 de abril de 2008.

4

Numa reunião realizada em 23 de abril de 2008, as autoridades italianas informaram a Comissão das Comunidades Europeias de que o Conselho de Ministros italiano tinha aprovado, através do decreto-legge n.o 80, Misure urgenti per assicurare il pubblico servizio di trasporto aereo (Decreto-Lei n.o 80, que aprova medidas urgentes para assegurar o serviço público de transporte aéreo) (GURI n.o 97, de 24 de abril de 2008, p. 5, a seguir «Decreto-Lei n.o 80»), adotado na mesma data, a concessão pela República Italiana de um empréstimo de 300 milhões de euros à Alitalia.

A — Procedimento administrativo

5

Não tendo recebido uma notificação prévia à concessão pela República Italiana de um empréstimo de 300 milhões de euros à Alitalia, a Comissão solicitou às autoridades italianas, por carta de 24 de abril de 2008 e ao abrigo do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] CE (JO L 83, p. 1), que confirmassem a existência de tal empréstimo, fornecessem toda a informação útil que permitisse apreciar essa medida à luz dos artigos 87.° CE e 88.° CE, que suspendessem a concessão do referido empréstimo e a informassem das medidas tomadas para dar cumprimento a essa obrigação por força do artigo 88.o, n.o 2, CE.

6

Em 29 de abril de 2008, a recorrente, Ryanair Ltd, apresentou uma denúncia à Comissão ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, relativa à existência de um auxílio de Estado a favor da Alitalia sob a forma de um empréstimo concedido pelas autoridades italianas a esta última.

7

Por carta de 20 de maio de 2008, a Comissão indicou à recorrente que tinha solicitado, por carta de 24 de abril de 2008, informações às autoridades italianas e que iria proceder a um inquérito com base nas mesmas e nas informações fornecidas no âmbito da denúncia.

8

Por carta de 30 de maio de 2008, as autoridades italianas informaram a Comissão da adoção, em 27 de maio de 2008, do decreto-legge n.o 93, Disposizioni urgenti per salvaguardare il potere di acquisto delle famiglie (Decreto-Lei n.o 93, que estabelece disposições urgentes para salvaguardar o poder de compra dos agregados familiares) (GURI n.o 124, de 28 de maio de 2008, p. 3, a seguir «Decreto-Lei n.o 93»), que prevê a faculdade da Alitalia de imputar o montante do empréstimo nos seus capitais próprios. Na mesma data, a recorrente apresentou à Comissão uma nova denúncia respeitante à conversão do empréstimo de 300 milhões de euros concedido pelas autoridades italianas à Alitalia em capital próprio.

9

Em 3 de junho de 2008, as autoridades italianas iniciaram novas diligências com vista a encontrar um ou vários adquirentes para a Alitalia, através do decreto-legge n.o 97, Disposizioni urgenti in materia di monitoraggio e trasparenza dei meccanismi di allocazione della spesa pubblica, nonché in materia fiscale e di proroga di termini (Decreto-Lei n.o 97, que estabelece disposições urgentes em matéria de monitorização e de transparência dos mecanismos de repartição das despesas públicas, bem como em matéria fiscal ou em matéria de prorrogação dos prazos) (GURI n.o 128, de 3 de junho de 2008, p. 5). Tratava-se de selecionar uma ou mais sociedades que seriam encarregadas de promover de forma exclusiva, relativamente a terceiros ou por sua própria conta, a apresentação de uma proposta para adquirir o controlo da Alitalia. No termo do processo de seleção em causa, o Conselho de Ministros italiano selecionou um banco para esse fim.

B — Decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE

10

Por carta de 12 de junho de 2008, a Comissão notificou as autoridades italianas da sua decisão de 11 de junho de 2008 de dar início ao procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 88.o, n.o 2, CE, quanto às medidas relativas ao empréstimo de 300 milhões de euros por estas concedido à Alitalia, que tinha sido aprovado pelo Decreto-Lei n.o 80, e à possibilidade de esta imputar o montante do referido empréstimo nos seus capitais próprios, prevista pelo Decreto-Lei n.o 93. Na mesma data, a Comissão respondeu à segunda denúncia da recorrente, informando-a da adoção da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação acima referido e convidando-a a apresentar observações.

11

Em 18 de agosto de 2008, a recorrente apresentou as suas observações sobre a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação.

12

Com a adoção do decreto-legge n.o 134, Disposizioni urgenti in materia di ristrutturazione di grandi imprese in crisi (Decreto-Lei n.o 134, que estabelece disposições urgentes em matéria de reestruturação de grandes empresas em crise) (GURI n.o 201, de 28 de agosto de 2008, p. 3, a seguir «Decreto-Lei n.o 134»), foram introduzidas certas alterações no procedimento de administração extraordinária para as empresas de grande dimensão que operam no setor dos serviços públicos essenciais.

13

Em derrogação do decreto legislativo n.o 270, Nuova disciplina dell’amministrazione delle imprese straordinaria grandi in stato di insolvenza, a norma dell’articolo 1 della legge 30 luglio 1998, n.o 274 (Decreto Legislativo n.o 270, que aprova o novo regime da administração extraordinária das grandes empresas em situação de insolvência, nos termos do artigo 1.o da Lei n.o 274, de 30 de julho de 1998) (GURI n.o 185, de 9 de agosto de 1999, p. 11), que se aplica às empresas em dificuldade em Itália, era permitida a admissão imediata das empresas que exercem a sua atividade no setor dos serviços públicos essenciais ao procedimento de administração extraordinária, antes de serem declaradas insolventes. Era, por outro lado, prevista a opção de recuperação das referidas empresas através de uma cessão dos seus ativos de acordo com um procedimento por ajuste direto a adquirentes que estivessem em condições de assegurar a continuidade do serviço a médio prazo, a rapidez de intervenção e o respeito pelas exigências impostas pela legislação italiana e pelos tratados ratificados pela República Italiana. Essa possibilidade estava, no entanto, sujeita a uma obrigação de verificação da conformidade do preço de venda dos ativos com referência ao preço do mercado por um perito independente nomeado pelo Ministério do Desenvolvimento Económico italiano.

14

Em 29 de agosto de 2008, a Alitalia pediu ao Tribunale di Roma (Tribunal de Roma) que declarasse que se encontrava em situação de cessação de pagamentos. Foi colocada sob administração extraordinária por decreto do presidente do Conselho de Ministros italiano da mesma data.

15

Em 1 de setembro de 2008, a Compagnia Aerea Italiana SpA (a seguir «CAI») apresentou uma proposta preliminar não definitiva para a aquisição de alguns ativos das sociedades do grupo de que faz parte a Alitalia (a seguir «grupo Alitalia»), sujeita a acordo das organizações sindicais para o recrutamento de antigos membros do pessoal do referido grupo a novas condições de trabalho.

16

Por Decreto Ministerial de 4 de setembro de 2008 e em conformidade com o artigo 1.o, n.o 4 C, do Decreto-Lei n.o 134, foi nomeado um banco como perito independente a fim de verificar a conformidade do preço de venda dos ativos com referência ao preço do mercado. Na mesma data, foi instituído um comité de fiscalização tendo por função, nomeadamente, dar o seu acordo às cessões de ativos propostas pelo comissário extraordinário.

17

Em 14 de setembro de 2008, a CAI retirou a sua proposta preliminar, na sequência do insucesso das negociações com as organizações sindicais.

18

Em 15 de setembro de 2008, o procedimento de administração extraordinária foi alargado a todo o grupo Alitalia.

19

Em 22 de setembro de 2008, o comissário extraordinário lançou um convite à manifestação de interesse na aquisição da totalidade dos ativos do grupo Alitalia, que foi publicado no dia seguinte na imprensa nacional e internacional. No referido convite à manifestação de interesse, indicava a sua intenção de proceder à venda dos referidos ativos segundo um procedimento por ajuste direto. Os potenciais adquirentes eram convidados a manifestar-se até 30 de setembro de 2008.

20

Em 25 de setembro de 2008, a CAI reiterou a sua proposta não definitiva nas mesmas condições que a proposta apresentada em 1 de setembro (v. n.o 15 supra), precisando que essa proposta era válida até 15 de outubro de 2008, data de vencimento posteriormente fixada em 31 de outubro de 2008.

21

Em 2 de outubro de 2008, a recorrente apresentou à Comissão uma terceira denúncia relativa à adoção do Decreto-Lei n.o 134 e outras medidas relativas à venda dos ativos do grupo Alitalia.

22

Por carta de 14 de outubro de 2008, as autoridades italianas notificaram a Comissão do procedimento de venda dos ativos do grupo Alitalia, requerendo-lhe, por razões de segurança jurídica, que confirmasse que:

 

o procedimento de administração extraordinária descrito na notificação não implicava a concessão de auxílios de Estado aos adquirentes dos ativos cedidos;

 

a aquisição eventual por terceiros de certos ativos d[o grupo] Alitalia, com base numa proposta já formulada, não implicava elementos de continuidade económica com a empresa colocada sob administração extraordinária suscetíveis de induzir a transferência das dívidas da Alitalia para o adquirente, nomeadamente a obrigação de recuperação dos auxílios de Estado ilegais e incompatíveis concedidos à Alitalia.

23

Paralelamente a essa notificação e além da terceira denúncia da recorrente (v. n.o 21 supra), a Comissão recebeu três denúncias apresentadas por outras companhias aéreas e pela Associação Europeia de Linhas Aéreas de Tarifas Reduzidas (ELFAA).

24

Em 27 de outubro de 2008, o Decreto-Lei n.o 134 foi convertido na legge n.o 166, Conversione in legge, con modificazioni, del decreto-legge 28 agosto 2008, n.o 134, recante disposizioni urgenti in materia di ristrutturazione di grandi imprese in crisi (Lei n.o 166, que converte em lei, com alterações, o Decreto-Lei n.o 134) (GURI n.o 252, de 27 de outubro de 2008, p. 4).

25

Por carta de 30 de outubro de 2008, a recorrente apresentou uma denúncia complementar à Comissão, relativa a certas medidas que qualificou de preocupantes, a saber, designadamente, o aumento do imposto municipal de embarque por cada passageiro à partida dos aeroportos italianos para 3 euros, correspondente, segundo ela, ao objetivo das autoridades italianas de financiarem o pagamento de indemnizações por despedimento aos antigos empregados da Alitalia, bem como um pretenso conflito de interesses revelado pela imprensa entre alguns acionistas da CAI e alguns acionistas do perito independente, que afirma serem idênticos.

26

Em 31 de outubro de 2008, a CAI apresentou ao comissário extraordinário uma proposta firme para a aquisição de alguns ativos relativos à atividade de transporte aéreo de passageiros da Alitalia. Esta proposta foi transmitida à Comissão pelas autoridades italianas em 3 de novembro de 2008.

C — Decisões impugnadas

1. Decisão relativa ao empréstimo concedido à Alitalia

27

Através da Decisão 2009/155/CE, de 12 de novembro de 2008, relativa ao empréstimo de 300 milhões de EUR concedido pela Itália à companhia Alitalia n.o C 26/08 (ex NN 31/08) (JO 2009, L 52, p. 3, a seguir «primeira decisão impugnada»), adotada no termo do procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 88.o, n.o 2, CE, a Comissão declarou que esse empréstimo, cujo montante pôde ser imputado nos capitais próprios da Alitalia, constituía um auxílio de Estado ilegal e incompatível com o mercado comum e ordenou a sua recuperação junto do beneficiário. Uma cópia dessa decisão foi notificada à recorrente em 14 de janeiro de 2009 e recebida por esta em 20 de janeiro de 2009.

28

A Comissão começou por salientar que o empréstimo de 300 milhões de euros concedido pela República Italiana à Alitalia era suscetível de lhe conferir uma vantagem económica através de recursos do Estado, o qual, tendo em conta a sua situação financeira gravemente comprometida, tanto no momento da concessão do empréstimo pelo Decreto-Lei n.o 80 como na fase da adoção do Decreto-Lei n.o 93, não teria sido feito por um investidor privado prudente. Por outro lado, indicou que a taxa de juros concedida, o facto de a retirada da proposta de Air France-KLM e a concessão do referido empréstimo terem ocorrido quase em simultâneo e a inexistência de outra perspetiva de retoma e de intervenção financeira dos acionistas privados da Alitalia concomitante com a das autoridades italianas eram de molde a reforçar essa conclusão. Daqui deduziu que as referidas autoridades não se tinham comportado como um acionista prudente em economia de mercado que prossegue uma política estrutural, global ou setorial, guiado por perspetivas de rentabilidade a longo prazo dos capitais investidos como as de um investidor normal.

29

A Comissão concluiu assim que o empréstimo de 300 milhões de euros concedido pela República Italiana à Alitalia, cujo montante podia ser imputado nos capitais próprios desta última, constituía um auxílio ilegal, que não foi objeto de notificação prévia, e incompatível com o mercado comum. Considerou ainda que a referida medida não era abrangida pelas derrogações previstas no artigo 87.o, n.os 2 e 3, CE nem pelas previstas nas Orientações da Comissão relativas à aplicação dos artigos [87.° CE] e [88.° CE] e do artigo 61.o do Acordo EEE aos auxílios de Estado no setor da aviação (JO 1994, C 350, p. 5), conforme completadas pelas Orientações comunitárias sobre o financiamento dos aeroportos e os auxílios estatais ao arranque das companhias aéreas que operam a partir de aeroportos regionais (JO 2005, C 312, p. 1).

30

Por último, a Comissão considerou que, apesar de a Alitalia poder ser qualificada de empresa em dificuldade, a medida em causa não podia ser declarada compatível com o mercado comum em aplicação das Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade (JO 2004, C 244, p. 2). Por conseguinte, as autoridades italianas deviam tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio junto do seu beneficiário, a saber, a Alitalia.

31

O dispositivo da primeira decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

O empréstimo de 300 milhões de EUR concedido à Alitalia e que pode ser imputado aos seus capitais próprios, posto em execução pela Itália em violação do n.o 3 do artigo 88.o [CE], é incompatível com o mercado comum.

Artigo 2.o

1.   A [República Italiana] deve proceder à recuperação do auxílio referido no artigo 1.o junto do beneficiário.

2.   Os montantes a recuperar vencem juros a partir da data em que foram colocados à disposição do beneficiário e até à data da respetiva recuperação efetiva.

[…]

Artigo 3.o

1.   A recuperação do auxílio referido no artigo 1.o será imediata e efetiva.

2.   A [República Italiana] assegurará a aplicação da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da data da respetiva notificação.

Artigo 4.o

1.   No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, a [República Italiana] deverá fornecer as seguintes informações à Comissão:

a)

Montante total (capital e juros) a recuperar junto do beneficiário;

b)

Descrição pormenorizada das medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão;

c)

Documentos comprovativos de que o beneficiário foi intimado a reembolsar o auxílio.

2.   A [República Italiana] manterá a Comissão regularmente informada sobre a evolução das medidas nacionais adotadas para a aplicação da presente decisão até estar concluída a recuperação do auxílio referida no artigo 1.o [T]ransmitir-lhe-á de imediato todas as informações sobre as medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão. Fornecerá também informações pormenorizadas sobre os montantes do auxílio e dos juros já reembolsados pelo beneficiário.

[…]»

2. Decisão relativa à venda de ativos da Alitalia

32

Por decisão C (2008) 6745 final, de 12 de novembro de 2008, que tem por objeto o auxílio de Estado N 510/2008 — Itália — Venda dos ativos da companhia aérea Alitalia (a seguir «segunda decisão impugnada»), adotada no termo de uma fase preliminar de análise, ao abrigo do artigo 88.o, n.o 3, CE, a Comissão considerou que a medida notificada, conforme alterada pelos compromissos assumidos pelas autoridades italianas e definidos nessa decisão, não implicava a concessão de auxílios de Estado aos adquirentes, sem prejuízo do respeito integral dos compromissos assumidos pela República Italiana, segundo os quais a venda dos ativos do grupo Alitalia seria realizada ao preço do mercado.

33

Em primeiro lugar, a Comissão começou por recordar, nos n.os 21 a 43 da segunda decisão impugnada, o quadro jurídico do procedimento de administração extraordinária ao qual foi submetido o grupo Alitalia e o papel dos diferentes atores envolvidos nesta. Em seguida, nos n.os 44 a 75 da referida decisão, analisou o procedimento de venda de ativos, tendo em conta, primeiro, a informação do mercado das diferentes fases da venda e do convite à manifestação de interesse (n.os 44 a 52); segundo, as propostas recebidas pela aquisição dos ativos do grupo Alitalia, em particular a descrita pela CAI (n.os 53 a 69); terceiro, os critérios utilizados para a avaliação das propostas, nomeadamente o compromisso assumido pelas autoridades italianas segundo o qual o principal critério seria o da conformidade do preço oferecido com o preço do mercado (n.os 70 a 72); e, quarto, os aspetos relativos aos recursos humanos (n.os 73 e 74). Além disso, a Comissão examinou a missão e o papel do mandatário encarregado do controlo da operação da venda de ativos do grupo Alitalia. Este devia ser nomeado pelas autoridades italianas para assegurar que o processo notificado por estas fosse plena e efetivamente aplicado e a que a venda de ativos se realizasse a preços de mercado, em conformidade com os compromissos assumidos pela República Italiana. A este respeito, tinha de elaborar relatórios exaustivos à Comissão (n.os 76 a 89).

34

Em segundo lugar, a Comissão procedeu, nos n.os 92 a 151 da segunda decisão impugnada, à apreciação da medida relativa à venda de ativos. A sua apreciação incidiu, por um lado, na apreciação da existência de um auxílio de Estado a favor dos adquirentes dos ativos do grupo Alitalia (n.os 92 a 147) e, por outro, no risco de que a obrigação de recuperação de um auxílio ilegal e incompatível possa ser eludida (n.os 128 a 151).

35

No âmbito da primeira parte da sua apreciação, a Comissão confirmou que o procedimento de administração extraordinária não implicava a concessão de um auxílio a favor dos adquirentes. Com efeito, após ter observado, no n.o 104 da segunda decisão impugnada, no final do exame do caráter aberto, transparente e não discriminatório do procedimento notificado, que este não apresentava um grau de transparência suficiente para garantir, em si mesmo, um preço de mercado, a Comissão concluiu porém, no n.o 117 da referida decisão, que esse procedimento conduziria a uma venda a preços do mercado, dado que este procedimento se baseava numa avaliação independente, feita por operadores independentes. Além disso, salientou, nos n.os 119, 122 e 126 desta decisão, que o referido procedimento não implicava a imposição de obrigações de poder público aos adquirentes dos ativos do grupo Alitalia suscetíveis de pôr em causa o objetivo de vendas a preços de mercado, tanto no que respeita aos recursos humanos como às condições de exploração da atividade de transporte aéreo. Assim, concluiu, no n.o 127 da mesma decisão, que, sem prejuízo da estrita aplicação dos compromissos assumidos pelas autoridades italianas, a medida notificada devia conduzir à venda dos ativos do grupo Alitalia ao preço do mercado.

36

No âmbito da segunda parte da sua apreciação, a Comissão concluiu, no n.o 137 da segunda decisão impugnada, que, atendendo ao âmbito da venda de ativos e ao caráter parcelar das propostas apresentadas pelos potenciais adquirentes, o procedimento instituído pela República Italiana não implicava uma continuidade económica entre a Alitalia e os adquirentes dos seus ativos. Todavia, considerou, no n.o 138 da referida decisão, que, relativamente à proposta apresentada pela CAI, o risco de continuidade económica impunha uma análise mais aprofundada, atendendo ao vasto leque de ativos abrangidos pela proposta. Tendo em conta a inexistência de identidade dos acionistas da CAI e da Alitalia, a extensão diferente e o caráter mais reduzido das atividades da CAI relativamente às da Alitalia, a estratégia industrial própria da CAI, bem como a condição segundo a qual a cessão deve ser efetuada ao preço do mercado, que foram salientados nos n.os 140 a 145 desta decisão, afirmou, nos n.os 147 e 149 da mesma decisão, que não havia continuidade económica entre a Alitalia e a CAI. Consequentemente, concluiu, nos n.os 151 a 156 da decisão em causa, que, sem prejuízo do respeito integral dos compromissos assumidos pela República Italiana segundo os quais a venda se realizaria ao preço de mercado, o procedimento notificado não tinha por efeito eludir a obrigação de recuperação pela República Italiana ao abrigo da primeira decisão impugnada nem conceder auxílios de Estado aos adquirentes da Alitalia.

37

Por conseguinte, a Comissão concluiu que a medida notificada, conforme alterada pelos compromissos assumidos pelas autoridades italianas, não constituía um auxílio, desde que os compromissos fossem integralmente respeitados.

Tramitação processual

38

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de março de 2009, a recorrente interpôs o presente recurso.

39

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 23 de julho e 7 de agosto de 2009, a República Italiana e a Alitalia — Compagnia Aerea Italiana (a seguir «Alitalia-CAI») pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

40

Por despachos de 16 de setembro e 19 de outubro de 2009, o presidente da Oitava Secção deferiu os pedidos de intervenção da República Italiana e da Alitalia-CAI.

41

Por requerimento de 11 de agosto de 2010, a Alitalia-CAI pediu para utilizar a língua italiana durante a fase oral, em conformidade com o artigo 35.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o que lhe foi concedido.

42

Na sequência de alteração da composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz-relator foi afetado à Quinta Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

43

Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral e colocar certas questões às partes.

44

Por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral de 13 de abril de 2011, ouvidas as partes, a instância foi suspensa, nos termos do artigo 77.o, alínea a), do Regulamento de Processo, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-83/09 P, Comissão/Kronoply e Kronotex.

45

Por requerimento de 19 de abril de 2011, a recorrente pediu a adoção de medidas de organização do processo, nos termos dos artigos 49.° e 64.° do Regulamento de Processo, requerendo que fosse ordenado à Comissão que apresentasse certos documentos.

46

Tendo o acórdão do Tribunal de Justiça, Comissão/Kronoply e Kronotex (C-83/09 P, Colet., p. I-4441), sido proferido em 24 de maio de 2011, a instância no presente processo foi retomada. O Tribunal decidiu recolher as observações das partes sobre as consequências a tirar desse acórdão relativamente à admissibilidade do presente recurso na audiência.

47

Por articulados apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 5 e 6 de junho de 2011, a Alitalia-CAI e a Comissão apresentaram observações sobre o pedido de medidas de organização do processo da recorrente.

48

Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência que teve lugar em 30 de junho de 2011.

Pedidos das partes

49

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

 

anular parcialmente a primeira decisão impugnada na medida em que ordena a recuperação do auxílio junto dos sucessores da Alitalia e concede à República Italiana um prazo suplementar para executar essa decisão;

 

anular a segunda decisão impugnada;

 

condenar a Comissão nas despesas.

50

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

 

julgar o recurso parcialmente inadmissível e negar-lhe parcialmente provimento;

 

condenar a recorrente nas despesas.

51

A Alitalia-CAI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

 

julgar o recurso parcialmente inadmissível e negar-lhe parcialmente provimento;

 

condenar a recorrente nas despesas.

52

A República Italiana conclui pedindo que Tribunal se digne:

 

julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, negar-lhe provimento;

 

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

D — Quanto ao pedido de anulação da segunda decisão impugnada

1. Quanto à admissibilidade

53

A recorrente sustenta que é parte interessada na aceção do artigo 88.o, n.o 2, CE e que tem legitimidade para interpor um recurso de anulação da segunda decisão impugnada, visto que, como concorrente da Alitalia e da CAI, os seus interesses foram afetados pela concessão do empréstimo à Alitalia e pela transferência dos ativos desta última à CAI. Indica, aliás, que, através do seu recurso, pretende salvaguardar os seus direitos processuais, tendo em conta que a anulação da segunda decisão impugnada teria por efeito desencadear a abertura do procedimento formal de investigação. Afirma, por último, que a sua posição no mercado foi substancialmente afetada pela referida decisão.

54

Sem suscitar uma exceção de inadmissibilidade formal, a Comissão, apoiada pela Alitalia-CAI, alega que o recurso é admissível apenas na medida em que a recorrente pretende, com a interposição do mesmo, salvaguardar os seus direitos processuais, tendo em conta a sua qualidade de autora da denúncia e de concorrente das «sociedades envolvidas no procedimento de venda dos ativos d[o grupo] Alitalia». Em contrapartida, a Comissão considera que, na medida em que a recorrente põe em causa a razão de ser da segunda decisão impugnada, mesmo admitindo que possa ser considerada «interessada» na aceção do artigo 88.o, n.o 2, CE, tal não basta para julgar o recurso admissível, exceto se se demonstrar que goza de um estatuto particular tal que a sua posição no mercado foi substancialmente afetada pelo auxílio objeto dessa decisão, o que não foi provado no caso vertente.

55

A República Italiana considera que o recurso é inadmissível na totalidade, uma vez que a recorrente não demonstrou que a segunda decisão impugnada tem consequências diretas na sua posição concorrencial.

56

A título preliminar, deve recordar-se que, embora, nos termos do artigo 40.o, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o do referido estatuto, as intervenientes não tenham legitimidade para formular pedidos diferentes dos apresentados pela parte em apoio da qual intervêm, tratando-se de um fundamento de inadmissibilidade de ordem pública, há que examinar oficiosamente a admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 113.o do Regulamento de Processo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colet., p. I-1125, n.os 21 a 24).

57

Nos termos do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, uma pessoa singular ou coletiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa se a referida decisão lhe disser direta e individualmente respeito.

58

Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito na aceção do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE se esta os prejudicar por determinadas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando-os, por isso, de forma idêntica à do destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colet. 1962-1964, p. 279; de 19 de maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colet., p. I-2487, n.o 20; e de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colet., p. I-3203, n.o 14).

59

Importa começar por recordar que o artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999 institui uma fase preliminar de análise das medidas de auxílio notificadas, que tem por objeto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum. No termo dessa fase, a Comissão declara que essa medida não constitui um auxílio ou que se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 87.o, n.o 1, CE. Nesta última hipótese, a referida medida pode não suscitar dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum ou, pelo contrário, suscitá-las (acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, referido no n.o 46 supra, n.o 43).

60

Caso a Comissão conclua, após a análise preliminar, que a medida notificada, se se enquadrar no âmbito do artigo 87.o, n.o 1, CE, não suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, toma uma decisão de não levantar objeções de acordo com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999 (acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, já referido, n.o 44).

61

Quando a Comissão toma uma decisão de não levantar objeções, declara não apenas a medida compatível com o mercado comum mas recusa também implicitamente dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 (acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, já referido, n.o 45).

62

Se a Comissão constatar, após a análise preliminar, que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, é obrigada a adotar, com base no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999, a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE e no artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento. Nos termos desta última disposição, tal decisão convida o Estado-Membro em causa e as outras partes interessadas a apresentarem as suas observações num prazo determinado, normalmente não superior a um mês (acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, referido no n.o 46 supra, n.o 46).

63

A legalidade de uma decisão de não levantar objeções, fundada no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999, depende da questão de saber se existem dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Uma vez que tais dúvidas devem dar lugar à abertura de um procedimento formal de investigação no qual podem participar as partes interessadas referidas no artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 659/1999, deve considerar-se que tal decisão diz direta e individualmente respeito a qualquer parte interessada na aceção desta última disposição. Com efeito, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 88.o, n.o 2, CE e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 só poderão exigir que as mesmas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar a decisão de não levantar objeções perante o juiz da União (v., neste sentido, acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, referido no n.o 46 supra, n.o 47).

64

Por conseguinte, a qualidade particular de parte interessada na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 659/1999, relacionada com o objeto específico do recurso, é suficiente para individualizar, de acordo com o artigo 230.o, parágrafo quarto, CE, o recorrente que impugna uma decisão de não levantar objeções (acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, referido no n.o 46 supra, n.o 48).

65

Nos termos do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 659/1999, é considerada parte interessada qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial as empresas concorrentes do beneficiário desse auxílio. Trata-se, por outras palavras, de um conjunto indeterminado de destinatários (v. acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, referido no n.o 46 supra, n.o 63 e jurisprudência referida).

66

Quando um recorrente pede a anulação de uma decisão de não levantar objeções, põe em causa essencialmente o facto de a decisão da Comissão sobre o auxílio em causa ter sido tomada sem que essa instituição tenha dado início ao procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais. Tendo em vista o deferimento do seu pedido de anulação, o recorrente pode invocar qualquer fundamento suscetível de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha, na fase preliminar de análise da medida notificada, devia ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A utilização destes argumentos não pode ter por efeito alterar o objeto do recurso nem alterar os pressupostos da sua admissibilidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C-319/07 P, Colet., p. I-5963, n.o 35). Pelo contrário, a existência de dúvidas sobre essa compatibilidade é precisamente a prova que deve ser apresentada para demonstrar que a Comissão era obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 (acórdão Comissão/Kronoply e Kronotex, referido no n.o 46 supra, n.o 59).

67

É à luz destas considerações que importa verificar se a recorrente tem legitimidade para requerer a anulação da segunda decisão impugnada.

68

No caso vertente, importa salientar que a segunda decisão impugnada é uma decisão adotada no termo da fase preliminar de análise, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, através da qual a Comissão considerou que a medida notificada não se enquadrava no âmbito de aplicação do artigo 87.o, n.o 1, CE e não constituía assim um auxílio. Também há que considerar que, através dessa decisão, a Comissão recusou implicitamente dar início ao procedimento formal de investigação. Assim, à luz da jurisprudência acima referida nos n.os 61 a 64 e 66, relativa a uma decisão adotada nos termos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999, através da qual a Comissão tinha decidido não levantar objeções, deve considerar-se que a decisão que declara que não há um auxílio no termo da fase preliminar de análise diz direta e individualmente respeito a qualquer parte interessada. Com efeito, mesmo que essa decisão tenha sido adotada com base no n.o 2 do artigo 4.o, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 88.o, n.o 2, CE e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 só podem obter o respeito destas se tiverem a possibilidade de contestar a decisão que declara que não há um auxílio no termo da fase preliminar de análise. Além disso, no que se refere às decisões que têm como consequência a não abertura do procedimento formal de investigação, a legitimidade para requerer a anulação não pode depender da base jurídica com fundamento na qual essas decisões foram adotadas.

69

Há, por isso, que verificar se a recorrente fez prova bastante de que, no caso vertente, é parte interessada.

70

A este respeito, a recorrente indica que está presente nos 22 aeroportos italianos e que as suas atividades coincidem com as de Alitalia-CAI em 29 «combinações domésticos ou internacionais», como Roma-Veneza e Roma-Madrid. Além disso, apesar de não operar a partir dos mesmos aeroportos, alega que propõe voos a partir de ou com destino às mesmas cidades que a Alitalia-CAI. Sustenta, por outro lado, que, enquanto concorrente da Alitalia e da CAI, os seus interesses são afetados pela transferência dos ativos do grupo Alitalia para a CAI, transferência essa que permitiu à CAI retomar a atividade de transporte aéreo de passageiros da Alitalia em condições muito favoráveis, evitando simultaneamente que a Alitalia se retirasse do mercado.

71

Ora, tais elementos não são contestados pela Comissão e demonstram suficientemente a existência de uma relação de concorrência com a Alitalia no mercado italiano e internacional de transporte aéreo de passageiros.

72

Além disso, o argumento das intervenientes segundo o qual, uma vez que a recorrente é uma companhia aérea de baixo custo («low cost»), é difícil considerar que se tenha encontrado na posição singular de retomar as ligações efetuadas por uma companhia aérea tradicional como a Alitalia não põe em causa o facto de que as partes são concorrentes no mercado italiano e internacional de transporte aéreo de passageiros. Com efeito, resulta da jurisprudência que, para efeitos da apreciação da admissibilidade, basta reconhecer que a recorrente é uma concorrente do beneficiário das medidas estatais denunciadas, na medida em que essas duas empresas exploram, direta ou indiretamente, serviços regulares de transporte aéreo de passageiros a partir de, ou com destino aos, aeroportos italianos, nomeadamente aeroportos regionais (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 10 de maio de 2006, Air One/Comissão, T-395/04, Colet., p. II-1343, n.o 38).

73

Tendo em conta o exposto, há que reconhecer que a recorrente é parte interessada enquanto empresa concorrente do beneficiário do pretenso auxílio de Estado — quer esse beneficiário seja a Alitalia ou a CAI, como ela própria alega — cujos interesses podem ser afetados pela concessão do referido auxílio. Esta qualidade específica de parte interessada ligada ao objetivo específico do recurso tal como acima descrito no n.o 68 basta para a individualizar, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 64 supra. Por conseguinte, o presente recurso, na medida em que tem por objeto a segunda decisão impugnada, é admissível, sem que seja necessário examinar os argumentos da recorrente relativos à afetação substancial da sua posição concorrencial pela medida notificada.

2. Quanto ao objeto da fiscalização do Tribunal

74

No que respeita ao objeto da fiscalização que deve ser efetuada pelo Tribunal, há que precisar que, quando pretende obter a salvaguarda dos direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 88.o, n.o 2, CE, o recorrente pode invocar qualquer dos fundamentos enumerados no artigo 230.o, segundo parágrafo, CE, desde que os mesmos se destinem a obter a anulação da decisão impugnada e, em última análise, a abertura, pela Comissão, do procedimento previsto pelo artigo 88.o, n.o 2, CE. Em contrapartida, não compete ao Tribunal Geral, nesta fase do procedimento de exame de um auxílio pela Comissão, pronunciar-se sobre a existência de um auxílio ou sobre a sua compatibilidade com o mercado comum (acórdão do Tribunal Geral de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão, T-388/03, Colet., p. II-199, n.o 66).

75

Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de auxílio de Estado, como definido pelo Tratado, é um conceito jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por essa razão, o juiz da União deve, em princípio, tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio submetido à sua apreciação como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização exaustiva no que respeita à questão de saber se uma medida se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 87.o, n.o 1, CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C-487/06 P, Colet., p. I-10515, n.o 111).

76

Isto é tanto mais verdade quanto é jurisprudência assente que, quando a Comissão não puder adquirir a convicção, no termo de uma primeira análise no âmbito do procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 3, CE, de que a medida estatal em causa não constitui um «auxílio» na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE ou de que, se for qualificada de auxílio, é compatível com o Tratado, ou quando este procedimento não lhe tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades levantadas pela apreciação da compatibilidade da medida em causa, essa instituição tem a obrigação de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE «sem dispor, nesta matéria, de uma margem de apreciação». Esta obrigação é, aliás, expressamente confirmada pelas disposições conjugadas dos artigos 4.°, n.o 4, e 13.°, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 (acórdão British Aggregates/Comissão, referido no n.o 75 supra, n.o 113).

77

Deve igualmente recordar-se que, de acordo com a jurisprudência, o conceito de dificuldades sérias reveste caráter objetivo. A existência de tais dificuldades deve ser apreciada tanto em função das circunstâncias da adoção do ato impugnado como do seu conteúdo, de modo objetivo, relacionando as razões da decisão com os elementos de que a Comissão dispunha quando se pronunciou sobre a compatibilidade dos auxílios controvertidos com o mercado comum (acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2001, Prayon-Rupel/Comissão, T-73/98, Colet., p. II-867, n.o 47; v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 18 de setembro de 1995, SIDE/Comissão, T-49/93, Colet., p. II-2501, n.o 60). Incumbe ao recorrente fazer a prova da existência de dificuldades sérias, prova essa que pode fazer a partir de uma série de indícios concordantes, relativos, por um lado, às circunstâncias e à duração da fase preliminar de análise e, por outro, ao conteúdo da decisão impugnada (acórdão do Tribunal Geral de 3 de março de 2010, Bundesverband deutscher Banken/Comissão, T-36/06, Colet., p. II-537, n.o 127).

78

Embora não disponha de poder discricionário quanto à decisão de dar início ao procedimento formal de investigação quando constata a existência de tais dificuldades, a Comissão goza, contudo, de uma certa margem de apreciação na investigação e no exame das circunstâncias do caso em apreço, a fim de determinar se estas suscitam dificuldades sérias. Em conformidade com o objetivo do artigo 88.o, n.o 3, CE e com o dever de boa administração que lhe incumbe, a Comissão pode, nomeadamente, dar início a um diálogo com o Estado que procedeu à notificação ou com terceiros a fim de superar, na fase preliminar, as dificuldades que tenha eventualmente encontrado (acórdãos Prayon-Rupel/Comissão, referido no n.o 77 supra, n.o 45, e Bundesverband deutscher Banken/Comissão, referido no n.o 77 supra, n.o 126). Ora, esta faculdade pressupõe que a Comissão possa adaptar a sua posição em função dos resultados do diálogo estabelecido, sem que esta adaptação deva a priori ser interpretada como a prova da existência de dificuldades sérias (acórdão do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 2006, Asociación de Estaciones de Servicio de Madrid e Federación Catalana de Estaciones de Servicio/Comissão, T-95/03, Colet., p. II-4739, n.o 139).

79

Resulta igualmente da jurisprudência que o caráter insuficiente ou incompleto da análise efetuada pela Comissão no processo de análise preliminar constitui um indício da existência de dificuldades sérias (v. acórdão do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2010, British Aggregates e o./Comissão, T-359/04, Colet., p. II-4227, n.o 57 e jurisprudência referida).

80

No caso vertente, dado que a segunda decisão impugnada foi adotada sem abertura da fase formal de investigação, a Comissão só podia, portanto, adotá-la legalmente se a análise preliminar não revelasse dificuldades sérias. Com efeito, se tais dificuldades existissem, a referida decisão poderia ser anulada unicamente por esse motivo, por ter sido omitida a investigação contraditória e aprofundada prevista pelo Tratado CE, mesmo que não estivesse demonstrado que as apreciações materiais da Comissão eram jurídica ou factualmente erradas (v., neste sentido, acórdão British Aggregates e o./Comissão, referido no n.o 79 supra, n.o 58).

81

Assim, há que analisar a totalidade dos fundamentos suscitados pela recorrente contra a segunda decisão impugnada, a fim de apreciar a questão de saber se permitem identificar dificuldades sérias perante as quais a Comissão teria sido obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 13 de janeiro de 2004, Thermenhotel Stoiser Franz e o./Comissão, T-158/99, Colet., p. II-1, n.o 91, e de 20 de setembro de 2007, Fachvereinigung Mineralfaserindustrie/Comissão, T-375/03, n.os 67 e 77).

3. Quanto ao mérito

82

A recorrente invoca sete fundamentos em apoio do seu recurso, na parte em que pede a anulação da segunda decisão impugnada.

83

O primeiro fundamento é relativo ao facto de não ter sido dado início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, apesar das dificuldades sérias pretensamente encontradas pela Comissão. Há que salientar, além disso, que, no âmbito do primeiro fundamento, a recorrente cita dez erros que, em sua opinião, viciam a análise da Comissão. Indica que essa lista — que qualifica de «não exaustiva» — de lacunas ou omissões de que padece a segunda decisão impugnada demonstra que a dimensão e a complexidade da análise efetuada pela Comissão justificava a abertura de um procedimento formal de investigação. Na medida em que esses pretensos erros ou lacunas estão relacionados com os outros fundamentos invocados no presente recurso, devem ser examinados no quadro da apreciação relativa a tais fundamentos.

84

O segundo fundamento é relativo à falta de competência da Comissão para adotar uma decisão condicional declarando não haver um auxílio, depois de ter efetuado um simples exame preliminar. No âmbito deste fundamento, a recorrente invoca igualmente certos argumentos que não têm a ver com a competência da Comissão para adotar a segunda decisão impugnada, mas que merecem uma apreciação do mérito, isto é, o caráter pretensamente irrealista dos compromissos assumidos pela República Italiana segundo os quais a venda dos ativos do grupo Alitalia seria feita ao preço do mercado.

85

O terceiro fundamento, dividido em três partes, é relativo a um erro manifesto de apreciação pretensamente resultante do facto de a Comissão não ter analisado a totalidade das características pertinentes das medidas controvertidas no seu contexto, bem como à violação do dever de fundamentação por parte da Comissão, tendo em conta a falta de justificação dessa omissão.

86

O quarto fundamento, dividido em duas partes, é relativo a um erro de direito, dado que a Comissão terá pretensamente ignorado outras opções além da venda dos ativos do grupo Alitalia, bem como à violação do dever de fundamentação por parte da Comissão, tendo em conta a falta de justificação dessa omissão.

87

O quinto fundamento, dividido em cinco partes, é relativo à não aplicação à venda de ativos do critério do investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado.

88

O sexto fundamento é relativo a um erro de identificação da parte que deve reembolsar o auxílio.

89

O sétimo fundamento é relativo a uma violação do dever de fundamentação no que respeita, nomeadamente, às lacunas da apreciação da Comissão invocadas pela recorrente no âmbito do terceiro e quarto fundamentos, a saber, por um lado, a inexistência de uma análise do conjunto das características das medidas no seu contexto e, por outro, o facto de não ter examinado outras opções além da venda de ativos.

90

Para efeitos da análise dos fundamentos expostos acima, há que efetuar uma distinção, classificando-os em três categorias, consoante pretendem que seja declarada a incompetência da Comissão para adotar a segunda decisão impugnada, a violação da obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação por esta última ou a violação do dever de fundamentação.

91

Há, portanto, que examinar, em primeiro lugar, o segundo fundamento, relativo à incompetência da Comissão para adotar a segunda decisão impugnada, e, em seguida, sucessivamente, os fundamentos relativos à violação da obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação — ou seja, as duas primeiras partes do terceiro fundamento, a primeira parte do quarto fundamento, o quinto fundamento, o sexto fundamento, o primeiro fundamento, bem como os argumentos invocados no quadro do segundo fundamento quanto ao caráter irrealista dos compromissos assumidos pelas autoridades italianas — e, finalmente, os fundamentos relativos à violação do dever de fundamentação — isto é, o sétimo fundamento, a segunda e terceira partes do terceiro fundamento e a segunda parte do quarto fundamento.

a) Quanto ao segundo fundamento, relativo à falta de competência da Comissão para adotar uma decisão condicional após uma análise preliminar

92

A recorrente põe em causa o fundamento com base no qual a segunda decisão impugnada foi adotada, ou seja, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, que, segundo a recorrente, não permite à Comissão adotar uma decisão «condicional» declarando que não existe um auxílio na sequência de uma simples investigação preliminar, mas apenas no termo de um procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999, em conjugação com uma declaração de compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Alega ainda que, atendendo ao dispositivo da segunda decisão impugnada, a declaração de que não existe um auxílio depende de um evento incerto, ou seja, o cumprimento de um número de compromissos comportamentais pelas autoridades italianas que são semelhantes aos requisitos decorrentes das decisões tomadas pela Comissão ao abrigo do artigo 7.o, n.o 4, do referido regulamento. Por último, indica que, segundo a jurisprudência, a incompetência da instituição que adotou o ato impugnado constitui um fundamento de anulação de ordem pública que deve ser objeto de conhecimento oficioso pelo juiz da União.

93

Há que recordar, antes de mais, que, no termo da fase preliminar de análise e em conformidade com o artigo 4.o, n.os 2 a 4, do Regulamento n.o 659/1999, a Comissão pode tomar três tipos de decisões. Pode concluir que a medida notificada não constitui um auxílio, ou que a medida, embora constitua um auxílio, não suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum (denominada «decisão de não levantar objeções»), ou ainda que suscita dúvidas e decidir dar início ao procedimento formal de investigação. Em seguida, há que salientar que a Comissão tem o poder de adotar uma decisão positiva ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999 (que declare, eventualmente após alterações pelo Estado-Membro em causa, que uma medida é compatível com o mercado comum), e impor condições que lhe permitam considerar o auxílio compatível com o mercado comum e obrigações que lhe permitam controlar o cumprimento desta decisão, nos termos do artigo 7.o, n.o 4, deste mesmo regulamento.

94

Assim, deve salientar-se que, diversamente das decisões tomadas no termo da fase preliminar de análise, como a segunda decisão impugnada, o artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999 diz respeito às decisões positivas, em que a Comissão declara a existência de um auxílio, nos termos do artigo 87.o, n.o 1, CE, que em seguida declara compatível com o mercado comum. Esta disposição não é aplicável no caso vertente, uma vez que a Comissão concluiu que a medida notificada, tendo em conta os compromissos assumidos pela República Italiana, não constitui um auxílio de Estado e, portanto, não é abrangida pelo artigo 87.o, n.o 1, CE.

95

Daqui resulta que a segunda decisão impugnada não pode ser qualificada de decisão condicional, na aceção do artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999, que impõe condições ou obrigações ao Estado-Membro, nem de decisão que impõe alterações ao projeto notificado, mas, como sustentou a Comissão, de decisão que tem em conta os compromissos comportamentais assumidos voluntariamente pelo Estado na fase da notificação da medida controvertida, a fim de clarificar certos pontos. Assim, estes compromissos fazem parte integrante da medida notificada, o que resulta aliás do dispositivo da segunda decisão impugnada.

96

Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão é competente para adotar, com base no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, uma decisão em que, como a segunda decisão impugnada, ao mesmo tempo que declara que não há um auxílio, toma nota dos compromissos assumidos pelo Estado-Membro.

97

O segundo fundamento deve, portanto, ser considerado improcedente.

b) Quanto aos fundamentos relativos à violação da obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação

98

No que respeita a esta categoria de fundamentos, há que determinar, no caso em apreço, à luz das alegações formuladas em cada um dos fundamentos, se a análise efetuada pela Comissão era suscetível de excluir a presença de dificuldades sérias, de forma a justificar a decisão de não abertura do procedimento formal de investigação. A este respeito, há que analisar, sucessivamente, as alegações formuladas no âmbito do terceiro fundamento, no âmbito do quarto, quinto e sexto fundamentos e, por último, as formuladas no âmbito do primeiro fundamento, no âmbito do qual serão igualmente examinados os argumentos da recorrente invocados no âmbito do segundo fundamento, que não têm a ver com a competência, mas são relativas ao caráter pretensamente irrealista dos compromissos assumidos pelas autoridades italianas.

Quanto às alegações no âmbito do terceiro fundamento, relativo à falta de exame pela Comissão de todas as características pertinentes das medidas no seu contexto

99

O terceiro fundamento subdivide-se em três partes. A primeira e segunda partes são relativas a um erro manifesto de apreciação, resultante da falta de exame do conjunto do procedimento de administração extraordinária e das circunstâncias da adoção das alterações introduzidas no referido procedimento pela Comissão. A terceira parte é relativa a uma violação do dever de fundamentação da Comissão por não ter justificado o facto de não ter procedido ao referido exame.

100

Há que examinar conjuntamente as alegações formuladas no âmbito das duas primeiras partes do terceiro fundamento.

101

No âmbito da primeira parte, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na medida em que não analisou se o procedimento de administração extraordinária, que derroga as regras de direito comum em matéria de falências, tinha dado lugar, por si mesmo, à concessão de um auxílio, mas se limitou a analisar certas alterações do procedimento introduzidas pelo Decreto-Lei n.o 134. No âmbito da segunda parte, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao decidir não analisar as circunstâncias que rodearam a adoção das alterações ao procedimento de administração extraordinária, em especial as medidas que permitiam à Alitalia e à CAI evitar os encargos com pessoal relacionados com o desemprego e a segurança social que, segundo a recorrente, eram parte integrante do plano para a venda dos ativos do grupo Alitalia e representavam uma condição imposta pelos sindicatos e pela CAI para darem o seu acordo a esse plano.

102

Importa salientar, a título preliminar, no que se refere ao exame feito pela Comissão na fase de análise preliminar, que esta é obrigada a examinar o conjunto dos elementos de facto e de direito que as pessoas, empresas ou associações cujos interesses possam ter sido afetados pela concessão do auxílio levaram ao seu conhecimento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C-367/95 P, Colet., p. I-1719, n.o 51). É, portanto, à luz quer das informações notificadas pelo Estado em questão quer das informações fornecidas por eventuais queixosos que a instituição deve fazer a sua apreciação no quadro da análise preliminar instituída pelo artigo 88.o, n.o 3, do Tratado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de maio de 2001, Portugal/Comissão, C-204/97, Colet., p. I-3175, n.o 35).

103

Recorde-se igualmente que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada pelo juiz da União em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C-390/06, Colet., p. I-2577, n.o 54, e de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C-290/07 P, Colet., p. I-7763, n.o 91).

104

Além disso, há que recordar que a Comissão não tem o dever de examinar oficiosamente e através de uma suposição quais os elementos que poderiam ter-lhe sido apresentados durante o procedimento administrativo (v., neste sentido, acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.o 102 supra, n.o 60).

105

Quanto às alegações formuladas no âmbito da primeira parte, há que constatar que, como foi acima salientado nos n.os 33 e 34, a Comissão, por um lado, examinou o quadro legislativo que rege o procedimento de administração extraordinária e o papel dos diferentes atores em que esse procedimento assentava e, por outro, apreciou a medida de venda de ativos através do convite à manifestação de interesse e de um procedimento por ajuste direto à luz do regime derrogatório do direito comum, instituído pelo Decreto-Lei n.o 134.

106

Com efeito, resulta antes de mais do n.o 39 da segunda decisão impugnada que a Comissão examinou se a peritagem levada a cabo em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.o 134 era independente, atendendo à disseminação dos acionistas do estabelecimento ao qual tal peritagem foi confiada entre vários estabelecimentos financeiros (sendo estrangeiros os estabelecimentos que detinham a maior parte do capital), de forma a que nenhum dos acionistas detivesse uma percentagem de ações suficiente para influenciar a decisão relativa à avaliação.

107

Além disso, embora a segunda decisão impugnada não contenha nenhuma referência quanto aos pormenores da verificação da conformidade do preço de venda dos ativos em relação ao preço do mercado pelo perito independente, contém, no entanto, os elementos que permitem concluir que a venda devia ter lugar ao preço do mercado. Do mesmo modo, importa salientar que as autoridades italianas assumiram um certo número de compromissos para enquadrar o comportamento dos diferentes atores envolvidos no procedimento de venda de ativos, que a Comissão mencionou na segunda decisão impugnada, destinados a garantir que a avaliação da proposta não conduziria à determinação de um preço inferior ao preço do mercado.

108

Além disso, o simples facto de a Comissão não dispor dos relatórios de peritos no momento da adoção da segunda decisão impugnada não basta, por si só, para demonstrar que não efetuou um exame completo ou suficiente no que respeita ao procedimento de administração extraordinária, tanto mais que esses relatórios não foram elaborados para lhe ser transmitidos. No caso vertente, esses relatórios foram transmitidos ao comissário extraordinário em 5 e 7 de novembro de 2008, devendo este elaborar o seu relatório final ao mandatário encarregado do controlo da operação, o qual era, além disso, obrigado a verificar, designadamente, as apreciações feitas pelos peritos independentes.

109

Por último, resulta do n.o 62 da segunda decisão impugnada que a Comissão dispunha da proposta da CAI transmitida pelas autoridades italianas em 3 de novembro de 2008, que foi objeto de uma análise efetuada nos n.os 58 a 69 da referida decisão. Ora, a Comissão pronunciou-se exclusivamente sobre o caráter independente da avaliação da proposta da CAI pelo perito independente, e não sobre os resultados da referida avaliação. Estes deviam ser transmitidos ao comissário extraordinário ao qual cabia a decisão final sobre a cessão de ativos. Resulta igualmente da segunda decisão impugnada que as conclusões dos referidos relatórios sobre a proposta da CAI deviam, em qualquer caso, ser confirmadas por um mandatário encarregado do controlo da operação de venda de ativos, o qual devia ser nomeado pelas autoridades italianas para controlar o cumprimento dos compromissos assumidos por essas sociedades, designadamente do compromisso de que a venda dos ativos teria lugar ao preço do mercado. Finalmente, o referido mandatário devia enviar à Comissão relatórios periódicos pormenorizados sobre o respeito do processo notificado e a observância dos compromissos assumidos pela República Italiana, bem como, duas semanas depois da sua nomeação, um relatório exaustivo quanto à conformidade da proposta da CAI com o preço do mercado. Segundo o n.o 157 desta decisão, na hipótese de as autoridades italianas não respeitarem os termos da referida decisão, a Comissão reservava-se o direito de dar início ao procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 88.o, n.o 2, CE.

110

Atendendo ao exposto, no que respeita ao procedimento de administração extraordinária, não se pode portanto alegar que a Comissão, na fase preliminar de análise das regras que derrogam o direito comum em matéria de falências, tenha feito uma análise insuficiente ou incompleta.

111

Quanto às alegações formuladas no âmbito da segunda parte, há que salientar, em primeiro lugar, no que se refere às reduções de encargos e aos outros benefícios pretensamente concedidos pela legislação italiana à CAI, em matéria de desemprego e de segurança social, que, como resulta do n.o 73 da segunda decisão impugnada, as autoridades italianas confirmaram à Comissão que o pessoal da Alitalia não beneficiava de um direito de recrutamento pela CAI, que era livre de adquirir os ativos com ou sem o pessoal a eles associados, segundo o n.o 119 da referida decisão. Assim, é difícil de conceber de que forma a CAI poderia ter ficado dispensada da obrigação de financiamento das prestações de desemprego concedidas aos trabalhadores despedidos da Alitalia, como as previstas pelo Decreto-Lei n.o 134.

112

Por outro lado, resulta dos n.os 68 e 120 da segunda decisão impugnada que, embora a CAI devesse recrutar o pessoal indispensável à sua atividade operacional, tendo em conta as competências necessárias à exploração dos ativos adquiridos, esse recrutamento seria feito segundo as novas condições integralmente fixadas pela CAI.

113

Em segundo lugar, a afirmação da recorrente segundo a qual a Comissão devia analisar as medidas introduzidas pelo Decreto-Lei n.o 134, porque faziam pretensamente parte integrante do plano de venda dos ativos do grupo Alitalia e eram uma condição imposta pelos sindicatos e pela CAI para darem o seu acordo a este plano, não pode ser acolhida, tendo em conta os n.os 73 e 74 da segunda decisão impugnada. Com efeito, resulta dos referidos números que as autoridades italianas indicaram à Comissão que o pessoal da Alitalia beneficiaria das medidas de seguro de desemprego previstas pela legislação nacional em vigor e que a Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO L 82, p. 16), não era aplicável ao caso em apreço, uma vez que o procedimento de venda dos ativos do grupo Alitalia não implica a transferência de uma entidade económica, que conserva a sua identidade própria. Por outro lado, as autoridades italianas indicaram à Comissão que, de qualquer forma, as disposições relativas à manutenção dos direitos dos trabalhadores não seriam aplicáveis no quadro de um processo de liquidação completa do grupo Alitalia.

114

Por último, há que recordar que, embora as negociações com os sindicatos e a CAI não tivessem chegado a bom porto na data da apresentação da primeira proposta preliminar, a CAI retirou a sua proposta em 25 de setembro de 2008, nas mesmas condições (v. n.os 15, 17 e 20 supra). Assim, nada indica que a proposta final da CAI tenha tido em conta as reivindicações das organizações sindicais e que, portanto, as medidas sociais denunciadas pela recorrente tenham feito parte integrante do plano de aquisição dos ativos do grupo Alitalia.

115

Daqui resulta que, no que respeita às circunstâncias que envolveram a adoção das alterações ao procedimento de administração extraordinária, não se pode alegar que a Comissão, na fase preliminar de análise, tenha feito uma análise insuficiente ou incompleta quanto às reduções de encargos e aos outros benefícios pretensamente concedidos pela legislação Italiana à CAI, uma vez que estas medidas não eram pertinentes para a questão de saber se poderia ter sido concedida uma vantagem ao adquirente dos ativos do grupo Alitalia.

116

Por conseguinte, dado que as alegações formuladas no âmbito da primeira e segunda partes do presente fundamento não permitem demonstrar que a Comissão, na fase preliminar de análise, tenha feito uma análise insuficiente ou incompleta, há que considerar que a recorrente não apresentou indícios da existência de dificuldades sérias a este respeito. Por conseguinte, há que julgar as referidas alegações improcedentes.

117

Quanto à alegação relativa à violação do dever de fundamentação pela Comissão, pelo facto de não ter justificado a insuficiência de análise na fase preliminar de análise, invocada no quadro da terceira parte deste fundamento, será analisada no âmbito do sétimo fundamento.

Quanto às alegações formuladas no âmbito do quarto fundamento, relativo à não apreciação de opções para além da venda dos ativos do grupo Alitalia

118

O quarto fundamento divide-se em duas partes, relativas, a primeira, a um erro manifesto de apreciação pelo facto de a Comissão não ter examinado se existiam outras opções além da venda de ativos e, a segunda, a uma violação do dever de fundamentação pela Comissão, na medida em que não justificou o facto de esse exame não ter sido realizado.

119

No âmbito da primeira parte, a recorrente alega que a Comissão devia, em conformidade com a jurisprudência e com a sua própria prática, examinar à luz do critério do investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado as outras opções além da venda dos ativos, como a liquidação judicial ou a injeção de novos capitais acompanhada de uma reestruturação da Alitalia ou de uma venda de ativos, a fim de determinar se, em circunstâncias similares, este teria procedido a uma venda de ativos desse tipo ou se teria privilegiado outras opções. Ao declarar que bastava, para constatar que o procedimento de administração extraordinária não conduziu à concessão de um auxílio de Estado a favor dos adquirentes da Alitalia, que a venda se fizesse ao preço do mercado sem analisar as demais opções além da venda de ativos, a Comissão efetuou um exame insuficiente e incompleto e cometeu um erro manifesto de apreciação.

120

Há que salientar, a título liminar, que, apesar de a segunda decisão impugnada não conter uma referência expressa ao princípio do investidor privado, a Comissão, no presente caso, aplicou o referido princípio concluindo que a venda de ativos ocorreu ao preço do mercado. Além disso, a Comissão sublinhou em diversas ocasiões que a referida venda devia ter como objetivo a maximização do valor dos ativos, no interesse dos credores da Alitalia, o que demonstra que teve o cuidado de se certificar que o comportamento das autoridades públicas fosse guiado por perspetivas de rentabilidade a longo prazo. Acresce que a conclusão da Comissão no n.o 126 da referida decisão, segundo a qual o processo notificado não implicava a imposição de obrigações de autoridade pública aos adquirentes dos ativos suscetíveis de pôr em causa o objetivo de venda ao preço do mercado, demonstra que a Comissão, no essencial, teve em conta o comportamento do investidor privado para apreciar o comportamento das autoridades italianas e certificar-se que estas últimas não tinham objetivos de política económica incompatíveis com o mercado comum.

121

Em conformidade com o que foi salientado no âmbito da primeira parte do terceiro fundamento (v. n.os 107 a 110 supra), a Comissão adquiriu a convicção de que a venda de ativos se realizaria ao preço do mercado. Portanto, contrariamente às afirmações da recorrente, a Comissão não tinha nenhuma obrigação de examinar outras opções além do procedimento escolhido pelas autoridades italianas.

122

Além disso, na medida em que a CAI, no âmbito da sua proposta, propunha a aquisição de grupos de ativos e que a atividade de transporte aéreo de passageiros incluía as faixas horárias da Alitalia correspondentes e necessárias ao seu exercício, a comparação das receitas geradas por essa venda com as eventualmente geradas pela venda separada de ativos ou das faixas horárias da Alitalia não era pertinente no caso em apreço.

123

Tendo em conta o exposto, não se pode alegar que a Comissão procedeu a um exame insuficiente ou incompleto durante a fase preliminar de análise quanto à existência de outras opções além da venda de ativos, não tendo a recorrente apresentado elementos relativos à existência de dificuldades sérias a este respeito. Daqui resulta que há que rejeitar julgar improcedentes as alegações formuladas no âmbito da primeira parte.

124

No âmbito da segunda parte, a recorrente sustenta que, ao não analisar as outras opções além da venda de ativos e ao não fornecer nenhuma razão para esta pretensa omissão, a Comissão violou o dever de fundamentação que lhe incumbia. Há que apreciar esta parte no âmbito do sétimo fundamento.

Quanto às alegações formuladas no âmbito do quinto fundamento, relativo à não aplicação à venda de ativos do critério do investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado

125

O quinto fundamento divide-se em cinco partes, relativas, a primeira, à inexistência de exame do requisito da continuidade do serviço e à violação do dever de fundamentação a este respeito, a segunda, à inexistência de exame do requisito implícito de nacionalidade do adquirente e à violação do dever de fundamentação a este respeito, a terceira, ao facto de não terem sido tomados em consideração indícios suscetíveis de demonstrar a impossibilidade de alcançar o preço do mercado e à violação do dever de fundamentação a este respeito, a quarta, ao facto de não terem sido tomados em consideração elementos suscetíveis de demonstrar a existência de um auxílio de Estado e, a quinta, à falta de indicações sobre o fundamento adequado da avaliação do preço do mercado.

126

Importa examinar, antes de mais, as alegações formuladas no âmbito da primeira e quinta partes conjuntamente, em seguida, as formuladas no âmbito da segunda parte e, por fim, as formuladas no âmbito da terceira e quarta partes conjuntamente.

¾ Quanto às alegações formuladas no âmbito da primeira e quinta partes

127

No âmbito da primeira parte, a recorrente sustenta que a Comissão não examinou as consequências da exigência de continuidade do serviço, instituída pelo Decreto-Lei n.o 134 e mencionada no convite à manifestação de interesse, que culminou numa obrigação de serviço público cujo custo deveria ter sido apreciado à luz dos critérios consagrados no acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C-280/00, Colet., p. I-7747, a seguir «acórdão Altmark»). Afirma que, se a Comissão tivesse aceitado sem reservas as condições a que foram sujeitas as propostas, sem verificar se estas tinham um impacto no preço proposto, isso constituiria uma omissão sucetível de demonstrar a existência de dificuldades sérias enfrentadas por esta. Alega, além disso, que a falta de verificação pela Comissão do caráter sério do risco de perda das faixas horárias («slots»), devido à sua não utilização, invocado pelas autoridades italianas para justificar a exigência de continuidade do serviço, constitui um erro manifesto de apreciação. Por último, a falta de justificação para não ter efetuado tal exame constitui uma falta de fundamentação da segunda decisão impugnada a este respeito.

128

No âmbito da quinta parte, a recorrente sustenta que a Comissão devia fixar critérios detalhados para determinar o preço a que os ativos do grupo Alitalia seriam vendidos, exigindo, no mínimo, que o preço oferecido pela CAI incluísse, por um lado, o empréstimo de 300 milhões de euros concedido pela República Italiana à Alitalia e as outras formas de auxílios recebidos pela Alitalia e, por outro, o custo do cumprimento da obrigação de continuidade do serviço. O facto de a Comissão não ter dado indicações sobre o fundamento no qual devia assentar a avaliação do preço do mercado constitui, segundo a recorrente, um erro manifesto de apreciação, que conduziu a uma subavaliação do preço dos ativos do grupo Alitalia.

129

Importa recordar, a título liminar, que a questão de saber se a Comissão aplicou de modo errado o critério do investidor privado não se confunde com a da existência de dificuldades sérias que exijam que se dê início ao procedimento formal de investigação. Com efeito, o exame da existência de dificuldades sérias não tem por objetivo saber se a Comissão aplicou corretamente o artigo 87.o CE, mas determinar se dispunha, na data em que adotou a decisão impugnada, de informações suficientemente completas para apreciar a compatibilidade da medida controvertida com o mercado comum (v., neste sentido, acórdão Bundesverband deutscher Banken/Comissão, referido no n.o 77 supra, n.o 129).

130

O facto de a apreciação da Comissão ser, no entender da recorrente, errado e de aquela não ter respondido a certas críticas formuladas pela recorrente não implica que não pudesse pronunciar-se sobre a medida em causa com base nas informações de que dispunha e que devesse, por conseguinte, dar início ao procedimento formal de investigação para completar o seu inquérito (v., neste sentido, acórdão Bundesverband deutscher Banken/Comissão, referido no n.o 77 supra, n.o 130).

131

No caso em apreço, como sustenta a Comissão, a venda dos ativos do grupo Alitalia não levantou nenhuma questão quanto ao conceito de obrigação de serviço público e o critério da continuidade do serviço fazia simplesmente parte dos critérios de avaliação das propostas. Com efeito, nada figura nos autos que indique que o adquirente da atividade de transporte aéreo de passageiros teria sido encarregado da execução de obrigações de serviço público no âmbito do processo notificado.

132

Do mesmo modo, há que declarar que, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão excluiu, no n.o 118 da segunda decisão impugnada, a existência de obrigações de autoridade pública associadas ao procedimento de venda de ativos e, em particular, verificou que essas condições não tinham sido impostas aos adquirentes, como foi alegado pelos denunciantes.

133

A este respeito, no que toca, designadamente, às condições de exploração da atividade de transporte aéreo, resulta dos n.os 123 a 125 da segunda decisão impugnada que, contrariamente às alegações da recorrente, a Comissão examinou a pertinência da condição de continuidade do serviço de transporte a médio prazo sobre o preço dos ativos. Com efeito, obteve esclarecimentos por parte das autoridades italianas segundo os quais a continuidade, como mencionada no Decreto-Lei n.o 134 e no convite à manifestação de interesse, não correspondia às obrigações de serviço público na aceção do direito da União Europeia.

134

Importa salientar, por outro lado, que a recorrente não explica de que modo a necessidade de assegurar a continuidade do serviço de transporte aéreo, a médio prazo, que terá sido imposta pelas autoridades italianas como condição a que deviam obedecer as propostas, através do Decreto-Lei n.o 134, teria por efeito diminuir o preço dos ativos do grupo Alitalia a um nível inferior ao preço do mercado. De resto, contrariamente às alegações da recorrente, resulta dos n.os 71 e 102 da segunda decisão impugnada que o critério da continuidade do serviço era um critério secundário em relação ao critério do preço, no âmbito da avaliação das propostas pelo comissário extraordinário. Acresce que, como as autoridades italianas indicaram à Comissão, o critério determinante aplicado pelo perito independente foi o do preço, dado que tanto o Decreto-Lei n.o 134 como o convite à manifestação de interesse dispunham que o preço de venda dos ativos não podia ser inferior ao preço de mercado, conforme determinado pelo perito independente. Isso foi, por maioria de razão, garantido pelo compromisso assumido pelas autoridades italianas, ao qual é feita referência nos n.os 71 e 72 da referida decisão, de que, em qualquer caso, a avaliação da proposta não devia conduzir à determinação de um preço inferior ao do mercado, tendo o recurso ao consultor financeiro permitido ao comissário extraordinário assegurá-lo.

135

Tendo em conta o exposto, a aptidão para assegurar a continuidade do serviço dos operadores que apresentaram propostas não poderia tê-los dispensado da obrigação primordial de apresentar uma proposta igual ou superior ao preço do mercado, uma vez que a sua proposta não teria sido selecionada, noutras circunstâncias.

136

Do mesmo modo, não colhe o argumento da recorrente segundo o qual o requisito da continuidade do serviço no convite à manifestação de interesse tinha por efeito dissuadir os potenciais proponentes de participarem no processo diminuindo assim o preço do mercado. Com efeito, como resulta do n.o 53 da segunda decisão impugnada, o comissário extraordinário recebeu sessenta propostas em resposta ao convite à manifestação de interesse, publicado em 23 de setembro de 2008. De resto, segundo o n.o 45 da referida decisão, algumas das propostas, nomeadamente a da CAI, foram apresentadas antes mesmo da publicação do referido convite à manifestação de interesse, o que demonstra que a presença do requisito da continuidade do serviço neste último não foi determinante para essas propostas.

137

De qualquer forma, o facto de a necessidade de assegurar a continuidade do serviço de transporte aéreo ter sido inserida no convite à manifestação de interesse entre as exigências que deviam satisfazer as propostas recebidas não implica necessariamente a existência de uma obrigação de serviço público a cargo do operador cuja proposta fosse escolhida. Mesmo admitindo que essa obrigação tenha sido assim imposta, não resulta da petição que uma compensação tenha sido incluída no preço dos ativos do grupo Alitalia e tenha sido superior ao custo líquido ocasionado pela execução da obrigação de serviço público, de modo a conferir uma vantagem económica ao prestador na aceção do acórdão Altmark, referido no n.o 127 supra. Portanto, não resulta minimamente do exposto que a Comissão deveria ter levado em conta os critérios fixados no referido acórdão para avaliar o preço.

138

Por outro lado, há que salientar que os elementos apresentados pela recorrente em apoio da sua afirmação de que a Comissão cometeu um erro na avaliação do preço dos ativos do grupo Alitalia não eram pertinentes para o exame da Comissão. Com efeito, tanto a situação financeira da Alitalia como o objeto e a importância dessas propostas eram diferentes.

139

Quanto ao preço mencionado na proposta apresentada pela Air France-KLM em abril de 2008 para a aquisição da Alitalia, importa observar que esta proposta foi apresentada antes de a Alitalia ser declarada insolvente e que visava a aquisição da totalidade dos ativos da Alitalia, não por uma cessão de ativos, mas através de uma alienação de ações. Além disso, tendo esta proposta sido retirada, a Comissão não a podia levar em consideração, uma vez que não era definitiva. Quanto à proposta da CAI, importa recordar que esta foi apresentada no âmbito do procedimento de administração extraordinária a que a Alitalia tinha sido submetida no quadro da sua liquidação e que apenas visava a aquisição de uma parte dos seus ativos. Nestas condições, o argumento da recorrente segundo o qual o preço de venda oferecido pela CAI devia incluir o montante do empréstimo não pode ser acolhido. Com efeito, o montante do empréstimo não tem nenhum efeito no preço de venda dos ativos do grupo Alitalia, dos quais só uma parte foi cedida à CAI, ao preço do mercado. Finalmente, no que respeita à proposta apresentada em janeiro de 2009 para a aquisição de 25% das ações da Alitalia-CAI, há que assinalar que o valor total da referida companhia tinha aumentado na sequência da venda dos ativos do grupo Alitalia, nomeadamente devido à aquisição por esta companhia de outra companhia aérea e que, de qualquer modo, sendo esta proposta posterior à data da adoção da segunda decisão impugnada, a Comissão não poderia tê-la tido em conta.

140

Por último, a recorrente alega que, ainda que a Alitalia tivesse deixado de operar durante o processo de falência, não teria em caso algum perdido as suas faixas horárias, por força do Regulamento (CEE) n.o 95/93 do Conselho, de 18 de janeiro de 1993, relativo às normas comuns aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da Comunidade (JO L 14, p. 1). Assim, a recorrente considera que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e violou o dever de fundamentação, pelo facto de ter pretensamente aceitado sem reservas o risco de perda, pela Alitalia, das suas faixas horárias como justificação para a necessidade, para o adquirente dos ativos do grupo Alitalia, de assegurar a continuidade do serviço.

141

Há que reconhecer que não resulta do n.o 125 da segunda decisão impugnada, para o qual remete a recorrente, que a Comissão tenha aceitado incondicionalmente uma qualquer justificação do critério da continuidade do serviço com o risco de perda das faixas horárias da Alitalia. Com efeito, no referido número, a Comissão indicou, no essencial, que o valor de um grupo de ativos suficientemente amplo compreendia o «goodwill», de que uma das partes representava as faixas horárias necessárias à prestação do serviço. Esta consideração implica que a Comissão tomou em conta o critério da continuidade por razões de maximização do valor dos ativos em questão pela cessão, com o intuito de obter um preço de transmissão mais elevado no interesse dos credores da Alitalia e não numa lógica de continuidade da atividade de um serviço público. Portanto, o argumento da recorrente não encontra justificação na segunda decisão impugnada.

142

Em qualquer caso, a recorrente não demonstra em que medida essa análise era necessária para permitir à Comissão apreciar a conformidade do requisito de continuidade do serviço com o critério do investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado e não faz portanto prova da existência de dificuldades sérias. Daqui resulta que não pode ser imputada à Comissão uma insuficiência de fundamentação a este respeito.

143

Nestas circunstâncias, há que rejeitar as alegações formuladas no âmbito da primeira e quinta partes do quinto fundamento.

¾ Quanto às alegações formuladas no âmbito da segunda parte

144

No âmbito da segunda parte, a recorrente sustenta que a venda dos ativos do grupo Alitalia foi objeto de uma condição implícita segundo a qual o adquirente devia ser de origem italiana, o que fez baixar o preço de venda abaixo do preço de mercado e terá desencorajado os concorrentes de apresentarem propostas. O facto de a Comissão não ter examinado esse elemento e de não ter tirado as consequências dessa apreciação constitui, no entender da recorrente, um erro manifesto de apreciação. Considera que a falta de explicação da Comissão a este respeito é constitutiva de uma falta de fundamentação.

145

No caso vertente, há que salientar que a Comissão verificou que o convite à manifestação de interesse não continha nenhuma cláusula discriminatória baseada na nacionalidade dos proponentes. Concluiu, além disso, que este tinha sido objeto de ampla difusão e de publicidade, tanto a nível nacional como internacional. Com efeito, como foi acima referido no n.o 136, a Comissão indicou na segunda decisão impugnada, por um lado, que, após a sua nomeação e antes da publicação do referido convite à manifestação de interesse, o comissário extraordinário resolveu contactar as principais companhias internacionais e, por outro, que sessenta propostas provenientes de entidades italianas e estrangeiras foram recebidas pelo comissário extraordinário.

146

Por outro lado, a Comissão examinou o papel do banco selecionado para promover a apresentação de uma proposta para adquirir a Alitalia no procedimento de venda de ativos da Alitalia e concluiu, na nota de pé de página n.o 34 da segunda decisão impugnada, que este cessou deixou de desempenhar qualquer papel de consultor do ministério competente a partir do momento em que a Alitalia foi colocada sob administração extraordinária, ou seja, em 29 de agosto de 2008. Com efeito, além da missão que lhe tinha sido conferida antes deste facto, não resulta da segunda decisão impugnada que esse banco tenha participado na avaliação dos ativos da Alitalia e que tenha podido favorecer a CAI em detrimento dos outros proponentes. Além disso, há que recordar que as autoridades italianas tinham assumido o compromisso de não interferir na ação do comissário extraordinário.

147

Assim, os argumentos da recorrente que fazem referência a um pretenso conflito de interesses entre o banco selecionado para promover a apresentação de uma proposta para a aquisição da Alitalia e da CAI, à imprecisão do convite à manifestação de interesse e a prazos curtos de enquadramento da apresentação de propostas que terão conferido uma vantagem à CAI não podem ser acolhidos. Com efeito, no que respeita ao caráter não discriminatório do procedimento de venda de ativos, deve considerar-se que, dado que as alegações formuladas no âmbito da segunda parte do quinto fundamento não permitem demonstrar que a Comissão tenha efetuado um exame incompleto ou insuficiente na fase preliminar de análise ou que esta não tenha extraído as devidas consequências do exame das condições de venda dos ativos do grupo Alitalia, a recorrente não apresentou indícios da existência de dificuldades sérias a este respeito. Além disso, a recorrente não pode alegar que a segunda decisão impugnada padece de falta de fundamentação a esse respeito. Há, assim, que julgar improcedentes as alegações formuladas no âmbito da segunda parte do quinto fundamento.

¾ Quanto às alegações formuladas no âmbito terceira e quarta partes

148

No quadro da terceira parte, a recorrente alega que, dado que o procedimento de venda dos ativos não era aberto, transparente e não discriminatório, não era apto a garantir uma venda ao preço do mercado. Sustenta que, de qualquer modo, as outras garantias de uma avaliação independente como a intervenção do perito independente e do mandatário encarregado do controlo da operação não poderiam ter garantido que o preço pago pelo adquirente corresponderia ao preço do mercado. Alega também que a omissão da Comissão em retirar as consequências corretas da impossibilidade de alcançar o preço do mercado, em tais condições, constitui um erro manifesto de apreciação. A falta de justificação a este respeito consubstancia, além disso, uma falta de fundamentação.

149

No âmbito da quarta parte, a recorrente alega que as autoridades italianas diminuíram o preço a que a CAI podia ter adquirido a Alitalia ao eliminar certas dívidas e ao tornar a sua proposta mais atraente para os responsáveis sindicais. Ao não levarem em conta estes elementos de facto de que a Comissão tinha conhecimento e ao não considerar que estes davam lugar à concessão de um auxílio à CAI, cometeu um erro manifesto de apreciação.

150

Como foi recordado no âmbito do exame das alegações invocadas em apoio do terceiro fundamento, a Comissão considerou que o procedimento de venda de ativos por ajuste direto completado pelo convite à manifestação de interesse não oferecia, por si só, um grau de transparência suficiente para garantir que os ativos seriam cedidos ao preço do mercado. Por conseguinte, a Comissão verificou que a proposta tinha sido objeto de uma avaliação independente, a fim de se certificar de que o preço proposto não era inferior ao preço do mercado. Além disso, como acima se concluiu nos n.os 107 a 109, a avaliação dos ativos pelo perito independente, corroborada pela verificação do valor económico das propostas relativamente aos ativos, conduzida pelo consultor financeiro independente, e a intervenção em última instância do mandatário encarregado do controlo da operação ofereciam garantias de independência suficientes, que permitiam que a venda de ativos fosse feita ao preço do mercado.

151

Daqui resulta que há que rejeitar as alegações formuladas no âmbito da terceira parte deste fundamento, uma vez que a recorrente não demonstrou a existência de indícios de dificuldades sérias e que uma violação do dever de fundamentação não pode, nestas condições, ser imputada à Comissão.

152

No que respeita à quarta parte, cabe salientar que a CAI apenas retomou uma parte do pessoal da Alitalia, recrutado com base em condições e contratos de trabalho inteiramente novos, e que as medidas sociais invocadas pela recorrente não se aplicavam ao pessoal readmitido pela CAI.

153

Por conseguinte, há que rejeitar as alegações formuladas no âmbito da quarta parte do quinto fundamento. Assim, há que considerar que, uma vez que as alegações formuladas no âmbito do quinto fundamento não permitem demonstrar que a Comissão tenha levado a cabo um exame incompleto ou insuficiente por ocasião da fase preliminar de análise, a recorrente não apresentou indícios da existência de dificuldades sérias a este respeito. Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado totalmente improcedente.

Quanto às alegações formuladas no âmbito do sexto fundamento, relativo a um erro de identificação da parte que deve reembolsar o auxílio

154

A recorrente alega, no essencial, que a Comissão não examinou a totalidade dos critérios exigidos pela jurisprudência para efeitos da apreciação de uma continuidade económica entre a Alitalia e a CAI, designadamente o preço a que foi feita a cessão de ativos, a identidade dos acionistas da entidade cedida e a do seu adquirente, o momento, o objeto e a lógica económica da transferência de ativos. Sustenta que a Comissão concentrou a sua análise exclusivamente no critério do objeto da venda de ativos, ignorando os outros critérios.

155

Quanto à obrigação de recuperação do auxílio pago a uma sociedade em dificuldades, há que recordar que, como resulta da jurisprudência, tal obrigação pode ser alargada a uma nova sociedade para a qual a sociedade em questão tenha transferido uma parte dos seus ativos, quando essa transferência permita concluir pela existência de continuidade económica entre as duas sociedades. Para concluir pela existência de continuidade económica, podem ser tomados em consideração os seguintes elementos: o objeto da transferência (ativos e passivos, manutenção do pessoal, ativos agrupados), o preço da transferência, a identidade dos acionistas ou dos proprietários da empresa adquirente e da empresa original, o momento em que a transferência ocorre (após o início da investigação, a abertura do procedimento ou a decisão final) ou ainda a lógica económica da operação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 13 de setembro de 2010, Grécia e o./Comissão, T-415/05, T-416/05 e T-423/05, Colet., p. II-4749, n.o 135).

156

Há que começar por assinalar que, contrariamente ao que alega a recorrente, esta jurisprudência não obriga a Comissão a tomar em consideração todos os elementos referidos, o que é comprovado pela utilização da expressão «podem ser tidos em consideração». Daqui resulta que a Comissão não era obrigada a examinar, em particular e além dos outros critérios, o momento em que ocorreu a transferência dos ativos do grupo Alitalia para a CAI, que figura entre os elementos «suscetíveis» de ser tidos em conta para afastar a continuidade económica entre estas duas entidades.

157

De qualquer modo, resulta da análise da segunda decisão impugnada que a Comissão concluiu que não havia continuidade entre a Alitalia e a CAI, com base tanto no objeto e no preço da transferência dos ativos como na inexistência de identidade dos acionistas e na lógica económica da operação. No caso em apreço, a Comissão examinou a questão da continuidade entre a Alitalia e a CAI nos n.os 128 a 151 da referida decisão. A Comissão salientou antes de mais, no n.o 132 da mesma decisão, que a medida notificada, conforme alterada pelos compromissos assumidos pelas autoridades italianas, devia conduzir a uma venda dos ativos do grupo Alitalia ao preço do mercado. Examinou em seguida se havia uma continuidade na fruição da vantagem concorrencial criada pelo empréstimo de 300 milhões de euros entre a Alitalia e os adquirentes dos ativos em causa no procedimento de venda de ativos.

158

A este respeito, a Comissão salientou, no n.o 135 da segunda decisão impugnada, quanto ao objeto da venda de ativos, que estes últimos não tinham sido propostos de modo global no âmbito do convite à manifestação de interesse e não correspondiam assim a unidades económicas homogéneas, o que poderia ter tido como consequência limitar a escolha dos potenciais adquirentes. Constatou, no n.o 136 da referida decisão, que, ao invés, atendendo às manifestações de interesse muito variadas correspondentes a diversos ativos, no termo do procedimento de venda de ativos, as atividades da Alitalia ficariam repartidas entre muitos atores e organizados de modo diferente. Assim, concluiu, no n.o 137 da mesma decisão, que, tendo em conta o alcance da venda de ativos e o caráter parcelar das propostas dos potenciais adquirentes, o procedimento de venda de ativos implementado pela República Italiana não implicava que houvesse uma continuidade económica entre a Alitalia e a CAI.

159

No n.o 140 da segunda decisão impugnada, a Comissão concluiu que não havia identidade entre os acionistas da Alitalia e da CAI. Descreveu a CAI como um consórcio de investidores privados que são diferentes dos acionistas da Alitalia e salientou que a permuta de quotas destes últimos contra ações da nova companhia só era possível com base em disposições legislativas relativas à recuperação de empresas no âmbito do processo de concordata, as quais não eram aplicáveis no caso concreto.

160

Em seguida, a Comissão constatou, no n.o 141 da segunda decisão impugnada, que a CAI apenas retomaria certos ativos relativos à atividade de transporte de passageiros da Alitalia, que prosseguia a sua própria estratégia empresarial e que não se verificaria uma transferência automática dos contratos de trabalho entre a Alitalia e a CAI. Além disso, a Comissão assinalou, no n.o 142 da referida decisão, que a CAI não continuaria a atividade da Alitalia, tendo-se as autoridades italianas comprometido a que, no termo do procedimento de venda de ativos, não representasse mais de 69% da capacidade da Alitalia em termos de passageiros transportados por quilómetro, conforme calculada na data da notificação. Além disso, como resulta dos n.os 13 e 49 desta decisão, a venda dos ativos do grupo Alitalia à CAI visava maximizar o valor dos ativos da Alitalia antes da sua liquidação, e isto no interesse dos credores.

161

Resulta do exposto que, contrariamente ao que afirma a recorrente, a Comissão não se baseou essencialmente no objeto da transferência. Com efeito, como resulta do n.o 160 supra, a Comissão examinou e confirmou a lógica económica da operação. Além disso, ao longo da sua análise, explicou as razões pelas quais considerava que não existia uma continuidade económica entre a Alitalia e a CAI. Assim, concluiu, nos n.os 130 a 132 da segunda decisão impugnada, que nenhuma vantagem indevida poderia ser transferida para o adquirente dos ativos do grupo Alitalia, tendo em conta que foram adotadas todas as disposições para que a cessão se realizasse a um preço que não fosse inferior ao preço do mercado. Deve concluir-se, portanto, à luz das considerações acima expostas e em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 155 supra, que a Comissão efetuou uma análise suficiente e completa e que a recorrente não fez prova da existência de dificuldades sérias a este respeito.

162

Por conseguinte, uma vez que uma tomada de posição da Comissão sobre o momento da transferência dos ativos não se afigurava necessária em tal caso, não pode, quanto a este ponto, ser acusada de falta de fundamentação.

163

Tendo em conta o exposto, há que rejeitar as alegações formuladas no âmbito do sexto fundamento.

Quanto às alegações formuladas no âmbito do primeiro fundamento, relativo à não abertura de um procedimento formal de investigação

164

A recorrente alega que, ao não dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, a Comissão adotou uma decisão incompleta que deveria ser anulada. Considera, a este respeito, que, embora o período consagrado à investigação preliminar que precedeu a adoção da segunda decisão impugnada, que decorreu entre 14 de outubro e 12 de novembro de 2008, não tenha sido excecionalmente longo, a Comissão poderia, todavia, ter detetado a existência de dificuldades sérias. Por outro lado, na réplica, a recorrente indica que, dado que a fase preliminar de análise começou pelo exame dos factos em abril de 2008, foi quatro vezes mais longa do que a duração máxima de dois meses imposta pelo artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999 para a conclusão da análise preliminar.

165

A recorrente fornece também uma lista não exaustiva dos erros cometidos pela Comissão, que em sua opinião demonstra que a complexidade do exame exigido no caso em apreço justificava a abertura do procedimento formal de investigação.

166

Sustenta, por outro lado, que, tendo em conta o contexto político deste processo, os compromissos assumidos pelas autoridades italianas, segundo os quais a venda dos ativos do grupo Alitalia seria realizada ao preço do mercado, eram irrealistas e que, de qualquer forma, tinham sido impostos demasiado tarde no processo, após a ocorrência irreversível dos acontecimentos aos quais supostamente respeitavam.

167

Em primeiro lugar, quanto aos argumentos da recorrente relativos à duração da fase preliminar de análise, há que salientar, como alega a Comissão, que a recorrente se contradiz nos seus articulados. Com efeito, enquanto na petição alega que a duração desta fase, inferior a um mês, não foi excecionalmente longa, na réplica afirma que a referida fase durou quase quatro vezes mais do que o tempo máximo de dois meses imposto pelo artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999.

168

A este respeito, importa recordar que o prazo de dois meses, previsto no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999, para encerrar uma análise preliminar se refere ao período compreendido entre a notificação completa da medida e a adoção da decisão nos termos do n.o 2, do n.o 3 ou do n.o 4 da referida disposição, ou seja, no presente caso, o período compreendido entre 14 de outubro e 12 de novembro de 2008. Assim, é erradamente que a recorrente tem igualmente em conta o período anterior à data da notificação do procedimento de venda de ativos pelas autoridades italianas, no qual a Comissão teve contactos com as recorrentes, que começou em abril de 2008.

169

Assim, no presente caso, há que concluir que a fase preliminar de análise teve uma duração inferior à prevista no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999, que se pode considerar perfeitamente razoável. Esta duração não é, por conseguinte, suscetível de demonstrar a existência de dificuldades sérias com as quais a Comissão poderia ter sido confrontada no âmbito da fase preliminar de análise, mas reflete antes a circunstância de o exame da medida notificada no presente caso não suscitar nenhuma dificuldade particular (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 1 de julho de 2010, M6 e TF1/Comissão, T-568/08 e T-573/08, Colet., p. II-3397, n.o 142).

170

Em segundo lugar, há que salientar que os argumentos da recorrente relativos ao caráter irrealista dos compromissos integrados na segunda decisão impugnada não podem ser acolhidos. Com efeito, em primeiro lugar, cumpre recordar que o convite à manifestação de interesse publicado em 23 de setembro de 2008 dispunha que os critérios que as propostas deviam respeitar deviam ser conforme com as exigências da legislação italiana aplicável, em particular que o preço de venda dos ativos não podia ser inferior ao preço do mercado, conforme determinado por um perito independente. Em segundo lugar, este último devia examinar as propostas a fim de se certificar — tendo em conta principalmente o preço proposto e apesar dos outros critérios eventualmente preenchidos pelas propostas apresentadas — que o preço de venda dos ativos proposto era superior ou igual ao preço do mercado. Em terceiro lugar, no momento da adoção da segunda decisão impugnada, a venda de ativos ainda não tinha sido aprovada pelo comité de fiscalização e a decisão do comissário extraordinário ainda não tinha sido adotada. Este último devia, previamente, de acordo com o procedimento de administração extraordinária, obter a autorização, para proceder à venda em questão, do comité de fiscalização e do Ministro responsável. Assim, o compromisso assumido pelas autoridades italianas, segundo o qual o Ministro responsável não devia interferir com a ação do comissário extraordinário, não foi extemporâneo, tendo em conta a fase do procedimento.

171

Além disso, a menção dos referidos compromissos na segunda decisão impugnada não pode constituir um indício de dificuldades sérias com que a Comissão teria sido confrontada. Com efeito, esses compromissos provam que a Comissão tomou as precauções necessárias tanto para controlar a observância dos referidos compromissos pelo mandatário encarregado do controlo da operação como para extrair as consequências da sua eventual inobservância. Em todo o caso, os argumentos da recorrente relativos ao caráter inadequado dos compromissos são inoperantes, atendendo a que a Comissão se reservou o direito de dar início ao procedimento formal de investigação sobre a medida em questão, em caso de desrespeito dos termos da segunda decisão impugnada, designadamente dos compromissos assumidos pelas autoridades italianas e formalizados na referida decisão.

172

Em terceiro lugar e por último, importa salientar que os dez erros alegados pela recorrente e que deveriam indicar a existência de dificuldades sérias correspondem, na realidade, às alegações feitas no âmbito do terceiro, quarto e quinto fundamentos, à luz das quais esses fundamentos foram examinados. Portanto, não é necessário examiná-los separadamente, no âmbito do presente fundamento.

173

Por conseguinte, as alegações formuladas no âmbito do primeiro fundamento devem ser julgadas improcedentes.

174

Tendo em conta o que precede, há que declarar que a recorrente não demonstrou a existência de dificuldades sérias. Daqui resulta que a Comissão não era obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação sobre a medida de venda de ativos, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 80.

c) Quanto aos fundamentos relativos à violação do dever de fundamentação

175

A recorrente considera que a Comissão não seguiu a sua «prática decisória constante» em matéria de auxílios de Estado, designadamente no que diz respeito ao exame de todas as características pertinentes de uma medida e do seu contexto, bem como das outras opções além da venda dos ativos, à luz do critério do investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado. A Comissão tinha portanto um dever acrescido de fundamentação. Por outro lado, a recorrente considera que a segunda decisão impugnada contém certas conclusões não circunstanciadas da Comissão, nomeadamente sobre a independência do perito e sobre a certeza de que a venda de ativos será efetuada ao preço do mercado, que impedem portanto a compreensão do raciocínio da Comissão.

176

Deve recordar-se que o fundamento relativo à falta de fundamentação da segunda decisão impugnada no que respeita à inexistência de análise do conjunto das características pertinentes da medida notificada e do seu contexto coincide com a terceira parte do terceiro fundamento. Do mesmo modo, a alegação relativa à falta de fundamentação da segunda decisão impugnada no que respeita aos métodos de recuperação que constituem opções diferentes da venda de ativos coincide com a segunda parte do quarto fundamento. Portanto, como foi acima indicado nos n.os 89, 117 e 124, as referidas partes serão examinadas no âmbito do presente fundamento.

177

Além disso, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.o CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e à jurisdição exercer a sua fiscalização (acórdãos do Tribunal de Justiça, Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.o 102 supra, n.o 63, e de 22 de março de 2001, França/Comissão, C-17/99, Colet., p. I-2481, n.o 35).

178

A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 253.o CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colet., p. I-395, n.o 16, e França/Comissão, referido no n.o 177 supra, n.o 36).

179

Em especial, a Comissão não tem de tomar posição sobre todos os argumentos que os interessados lhe apresentam, bastando-lhe expor os factos e as considerações jurídicas que tenham uma importância essencial na sistemática da decisão (v. acórdão Bundesverband deutscher Banken/Comissão, referido no n.o 77 supra, n.o 45 e jurisprudência referida).

180

No que respeita mais especificamente a uma decisão da Comissão que conclui pela inexistência de um auxílio de Estado denunciado, a Comissão é obrigada a expor de forma suficiente ao denunciante as razões pelas quais os elementos de facto e de direito invocados na denúncia não bastaram para demonstrar a existência de um auxílio de Estado. Todavia, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre elementos manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários (v., neste sentido, acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.o 102 supra, n.o 64).

181

Com efeito, importa recordar, no que se refere à natureza do ato em causa, que a segunda decisão impugnada foi tomada no termo da fase preliminar de análise dos auxílios instituída pelo artigo 88.o, n.o 3, CE, que apenas tem por objeto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, sem abertura do procedimento formal de investigação previsto no n.o 2 desse mesmo artigo, que, por seu turno, se destina a permitir à Comissão dispor de uma informação completa sobre todos os dados relativos a esse auxílio (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de dezembro de 2008, Regie Networks, C-333/07, Colet., p. I-10807, n.o 64).

182

Ora, essa decisão, que é tomada em prazos curtos, apenas deve conter as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum (acórdãos Matra/Comissão, referido no n.o 58 supra, n.o 48, e Regie Networks, referido no n.o 181 supra, n.o 65).

183

No caso vertente, no que respeita ao contexto e às circunstâncias em que a segunda decisão impugnada foi adotada, resulta da análise da primeira parte do terceiro fundamento (v. n.os 105 e 110 supra) que a Comissão examinou o papel dos diferentes atores que intervêm no procedimento de administração extraordinária e certificou-se de que a medida, tal como foi notificada, garantiria que a venda de ativos seria feita ao preço do mercado. Por outro lado, concluiu-se igualmente no âmbito da análise da segunda parte deste fundamento que a Comissão não era obrigada a analisar os aspetos que não eram pertinentes para a sua apreciação, como as reduções de encargos e outras vantagens pretensamente concedidas pela legislação italiana à CAI, devido à entrada em vigor do Decreto-Lei n.o 134.

184

Do mesmo modo, resulta do exame do quarto fundamento que, dado que se certificou de que a venda devia ser feita ao preço do mercado, a Comissão não estava de modo nenhum obrigada a examinar as opções diferentes do processo de liquidação judicial.

185

Por conseguinte, há que concluir que, atendendo designadamente à jurisprudência acima referida no n.o 179, o dever de fundamentação não impunha que a Comissão expusesse, na segunda decisão impugnada, outros elementos além dos factos e das considerações jurídicas que revestiam uma importância essencial na economia da decisão. Tal fundamentação é suficiente para permitir à recorrente conhecer as razões da decisão impugnada e permitir ao Tribunal fiscalizar a sua legalidade com base no artigo 253.o CE.

186

Quanto às conclusões pretensamente não fundamentadas a que a Comissão terá chegado, há que salientar que, no n.o 39 da segunda decisão impugnada, a Comissão indicou as razões pelas quais considerava que a peritagem levada a cabo em conformidade com o Decreto-Lei n.o 134 era independente. Assim, não colhe a alegação da recorrente relativa à falta de fundamentação da segunda decisão impugnada no que respeita à presença no capital da CAI de alguns acionistas do perito.

187

Finalmente, no que respeita à argumentação da recorrente baseada na afirmação feita pela Comissão na segunda decisão impugnada de que o facto de um dos acionistas da CAI deter uma participação numa sociedade que é credora comum da Alitalia não tinha nenhuma incidência no preço proposto pela CAI, basta salientar que a Comissão não se baseou nesta consideração para afirmar que o preço proposto nessa proposta era conforme com o preço do mercado, de forma que não tinha qualquer obrigação de o apoiar.

188

Atendendo às considerações precedentes, o presente fundamento deve ser julgado improcedente. Do mesmo modo, há que rejeitar a terceira parte do terceiro fundamento e a segunda parte do quarto fundamento.

189

Nestas circunstâncias, o pedido de anulação da segunda decisão impugnada deve ser julgado improcedente na totalidade, não sendo necessário adotar as medidas de organização do processo solicitadas pela recorrente.

E — Quanto ao pedido de anulação parcial da primeira decisão impugnada

190

A recorrente pretende obter igualmente a anulação parcial da primeira decisão impugnada, na medida em que não ordena a recuperação do auxílio junto dos adquirentes dos ativos do grupo Alitalia e especificamente da CAI e em que concede à República Italiana um prazo suplementar de quatro meses para executar essa decisão e recuperar o empréstimo de 300 milhões de euros.

191

A recorrente alega, no essencial, que a Comissão violou o princípio da boa administração e o artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999, ao conceder à República Italiana mais quatro meses para recuperar o empréstimo concedido à Alitalia e ao não ordenar a suspensão do auxílio, em aplicação do artigo 11.o do Regulamento n.o 659/1999. Além disso, sustenta que a Comissão devia ordenar a recuperação do auxílio junto da CAI e não da Alitalia.

192

Há que salientar, a título liminar, que a Alitalia-CAI e a República Italiana, sem suscitar uma exceção de inadmissibilidade formal, consideram que o recurso da primeira decisão impugnada é inadmissível. A este respeito, a Alitalia-CAI alega essencialmente que a recorrente não tem interesse em agir contra a primeira decisão impugnada. Quanto à República Italiana, sustenta que a referida decisão não diz individualmente respeito à recorrente.

193

Em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 56, há que examinar oficiosamente a admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 113.o do Regulamento de Processo.

194

No que respeita, em primeiro lugar, à afetação individual da recorrente pela primeira decisão impugnada, recorde-se que, no domínio do controlo dos auxílios estatais, uma decisão que encerra um procedimento instaurado nos termos do artigo 88.o, n.o 2, CE diz individualmente respeito às empresas que estiveram na origem da denúncia que deu lugar à instauração do procedimento e cujas observações foram ouvidas, as quais determinaram o desenrolar do procedimento, desde que, no entanto, a sua posição no mercado seja substancialmente afetada pela medida de auxílio objeto da referida decisão. Daí não decorre, no entanto, que uma empresa não possa demonstrar de outro modo, remetendo para circunstâncias especiais que a individualizem de modo análogo ao do destinatário, que é individualmente afetada (acórdão do Tribunal Geral de 15 de setembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T-11/95, Colet., p. II-3235, n.o 72).

195

No caso em apreço, a recorrente alega, por um lado, que apresentou denúncias e observações durante o procedimento de inquérito que levou à adoção da primeira decisão impugnada e, por outro, que a sua posição no mercado foi substancialmente afetada pela concessão do empréstimo e pela primeira decisão impugnada, na medida em que, na referida decisão, a Comissão concedeu quatro meses para a recuperação do referido empréstimo às autoridades italianas. A recorrente refere-se, por outro lado, à denúncia de 29 de abril de 2008 enviada à Comissão, na qual sustentava que o empréstimo continuava a prejudicá-la relativamente à Alitalia, impedindo a sua expansão no mercado interno italiano e nas ligações com partida de Itália e que sofria uma perda em número de passageiros e em rendimentos devido às tarifas inferiores aos custos que a Alitalia podia oferecer na sequência da concessão do empréstimo. Finalmente, sustenta que o seu interesse em obter a anulação parcial da decisão é evitar que a Comissão cometa infrações semelhantes no futuro.

196

Importa começar por salientar que a recorrente desempenhou um papel ativo no procedimento que antecedeu a adoção da primeira decisão impugnada, graças à apresentação de denúncias relativas à concessão do empréstimo à Alitalia e à sua posterior conversão em capitais próprios, denúncias essas que estiveram na origem do inquérito da Comissão, e que apresentou as suas observações no âmbito do procedimento formal de investigação. Por outro lado, as observações apresentadas pela recorrente influenciaram o desenrolar do processo relativo ao referido empréstimo, tendo em conta o facto de a Comissão ter adotado uma decisão declarando que tal empréstimo constituía um auxílio ilegal e incompatível com o mercado comum e que devia ser recuperado junto do beneficiário.

197

No entanto, há que reconhecer que a recorrente não demonstra que o facto de ordenar a recuperação imediata do auxílio junto da Alitalia e não da CAI tem por efeito afetar substancialmente a sua posição concorrencial. Do mesmo modo, a recorrente não demonstrou que o prazo concedido pela Comissão à República Italiana, o qual terá pretensamente permitido contornar a obrigação de recuperação pelo seu beneficiário, poderia afetar os seus interesses. Finalmente, a recorrente também não demonstrou em que medida o facto de não ter ordenado a suspensão do auxílio, que terá tido por efeito permitir à Alitalia convertê-lo em capitais próprios, a poderá ter afetado.

198

Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que a primeira decisão impugnada lhe diz individualmente respeito.

199

Ora, importa recordar que os requisitos de admissibilidade de um recurso são cumulativos. Assim, e sem necessidade de examinar o interesse em agir da recorrente, há que declarar o recurso inadmissível, na parte em que visa a anulação da primeira decisão impugnada, por falta de afetação individual (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 18 de dezembro de 2003, Olivieri/Comissão e EMEA, T-326/99, Colet., p. II-6053, n.o 66).

Quanto às despesas

200

Nos termos do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por outro lado, nos termos do artigo 87.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do referido regulamento, os Estados-Membros que intervenham no litígio suportam as suas próprias despesas.

201

Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la a suportar as suas despesas, bem como as despesas da Comissão e da Alitalia CAI.

202

Por força do disposto no artigo 87.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, a República Italiana suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Ryanair Ltd é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão Europeia e da Alitalia — Compagnia Aerea Italiana SpA.

 

3)

A República Italiana suportará as suas próprias despesas.

 

Papasavvas

Vadapalas

O’Higgins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de março de 2012.

Assinaturas

Índice

 

Antecedentes do litígio

 

A — Procedimento administrativo

 

B — Decisγo de dar inνcio ao procedimento formal de investigaηγo previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE

 

C — Decisυes impugnadas

 

1. Decisão relativa ao empréstimo concedido à Alitalia

 

2. Decisão relativa à venda de ativos da Alitalia

 

Tramitação processual

 

Pedidos das partes

 

Questão de direito

 

D — Quanto ao pedido de anulaηγo da segunda decisγo impugnada

 

1. Quanto à admissibilidade

 

2. Quanto ao objeto da fiscalização do Tribunal

 

3. Quanto ao mérito

 

a) Quanto ao segundo fundamento, relativo à falta de competência da Comissão para adotar uma decisão condicional após uma análise preliminar

 

b) Quanto aos fundamentos relativos à violação da obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação

 

Quanto às alegações no âmbito do terceiro fundamento, relativo à falta de exame pela Comissão de todas as características pertinentes das medidas no seu contexto

 

Quanto às alegações formuladas no âmbito do quarto fundamento, relativo à não apreciação de opções para além da venda dos ativos do grupo Alitalia

 

Quanto às alegações formuladas no âmbito do quinto fundamento, relativo à não aplicação à venda de ativos do critério do investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado

 

— Quanto ΰs alegaηυes formuladas no βmbito da primeira e quinta partes

 

— Quanto ΰs alegaηυes formuladas no βmbito da segunda parte

 

— Quanto ΰs alegaηυes formuladas no βmbito terceira e quarta partes

 

Quanto às alegações formuladas no âmbito do sexto fundamento, relativo a um erro de identificação da parte que deve reembolsar o auxílio

 

Quanto às alegações formuladas no âmbito do primeiro fundamento, relativo à não abertura de um procedimento formal de investigação

 

c) Quanto aos fundamentos relativos à violação do dever de fundamentação

 

E — Quanto ao pedido de anulaηγo parcial da primeira decisγo impugnada

 

Quanto às despesas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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