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Document 62009CJ0446

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 1 de Dezembro de 2011.
Koninklijke Philips Electronics NV (C-446/09) contra Lucheng Meijing Industrial Company Ltd e outros e Nokia Corporation (C-495/09) contra Her Majesty’s Commissioners of Revenue and Customs.
Pedidos de decisão prejudicial: Rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen - Bélgica (C-446/09) e Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) - Reino Unido (C-495/09).
Política comercial comum - Luta contra a introdução na União de mercadorias de contrafacção e de mercadorias-pirata - Regulamentos (CE) n.os 3295/94 e 1383/2003 - Entreposto aduaneiro e trânsito externo de mercadorias provenientes de Estados terceiros e que constituem imitações ou cópias de produtos protegidos, na União, por direitos de propriedade intelectual - Intervenção das autoridades dos Estados-Membros - Requisitos.
Processos apensos C-446/09 e C-495/09.

European Court Reports 2011 -00000

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:796

Processos apensos C‑446/09 e C‑495/09

Koninklijke Philips Electronics NV

contra

Lucheng Meijing Industrial Company Ltd e o.

e

Nokia Corporation

contra

Her Majesty’s Commissioners of Revenue and Customs

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen e pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division)]

«Política comercial comum – Luta contra a introdução na União de mercadorias de contrafacção e de mercadorias‑pirata – Regulamentos (CE) n.os 3295/94 e 1383/2003 – Entreposto aduaneiro e trânsito externo de mercadorias provenientes de Estados terceiros e que constituem imitações ou cópias de produtos protegidos, na União, por direitos de propriedade intelectual – Intervenção das autoridades dos Estados‑Membros – Requisitos»

Sumário do acórdão

1.        Política comercial comum – Medidas que visam impedir a colocação no mercado de mercadorias de contrafacção e de mercadorias‑pirata – Regulamentos n.° 3295/94 e n.° 1383/2003 – Mercadorias de contrafacção ou mercadorias‑pirata – Conceito

(Artigo 131.° CE; artigo 206.° TFUE; Regulamentos do Conselho n.° 3295/94 e n.° 1383/2003)

2.        Política comercial comum – Medidas que visam impedir a colocação no mercado de mercadorias de contrafacção e de mercadorias‑pirata – Regulamentos n.° 3295/94 e n.° 1383/2003 – Mercadorias introduzidas no território aduaneiro da União Europeia sob um regime suspensivo e que constituem uma imitação de um produto protegido na União – Intervenção das autoridades aduaneiras – Requisitos – Indícios que permitem suspeitar da existência de uma violação dos direitos da propriedade intelectual

(Regulamentos do Conselho n.° 3295/94 e n.° 1383/2003)

1.        O Regulamento n.° 3295/94, que estabelece determinadas medidas relativas à introdução na Comunidade e à exportação e reexportação da Comunidade de mercadorias que violem certos direitos de propriedade intelectual, conforme alterado pelo Regulamento n.° 241/1999, e o Regulamento n.° 1383/2003, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos, devem ser interpretados no sentido de que:

– mercadorias provenientes de um Estado terceiro e que constituam uma imitação de um produto protegido na União Europeia por um direito de marca ou uma cópia de um produto protegido na União por um direito de autor, um direito conexo, um modelo ou um desenho não podem ser qualificadas de «mercadorias de contrafacção» ou de «mercadorias pirata» na acepção dos referidos regulamentos pelo simples facto de serem introduzidas no território aduaneiro da União sob um regime suspensivo;

– estas mercadorias podem, em contrapartida, violar o referido direito e serem por isso qualificadas de «mercadorias de contrafacção» ou de «mercadorias pirata» quando se prove que se destinam a ser vendidas na União Europeia, sendo essa prova fornecida, designadamente, quando se revela que as referidas mercadorias foram objecto de uma venda a um cliente na União ou de uma proposta de venda ou de publicidade dirigida aos consumidores na União, ou quando resulte de documentos ou de uma correspondência a respeito destas mercadorias que foi previsto desviá‑las para os consumidores na União;

Com efeito, as mercadorias de imitação e de cópia provenientes de um Estado terceiro e transportadas para outro Estado terceiro podem estar em conformidade com as normas de propriedade intelectual em vigor em cada um desses dois Estados. Tendo em conta o objectivo principal da política comercial comum, enunciado nos artigos 131.° CE e 206.° TFUE, que consiste no desenvolvimento do comércio mundial pela supressão progressiva das restrições às trocas internacionais, é essencial que estas mercadorias possam transitar, através da União, de um Estado terceiro para outro sem que essa operação seja entravada, mesmo através de uma detenção provisória, pelas autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros. Ora, tal entrave seria precisamente criado se os Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003 fossem interpretados no sentido de que é legítimo deter mercadorias em trânsito sem o mais pequeno indício que permita supor que poderiam vir a ser objecto de um desvio fraudulento para os consumidores na União.

(cf. n.os 63, 78 e disp.)

2.        O Regulamento n.° 3295/94, que estabelece determinadas medidas relativas à introdução na Comunidade e à exportação e reexportação da Comunidade de mercadorias que violem certos direitos de propriedade intelectual, conforme alterado pelo Regulamento n.° 241/1999, e o Regulamento n.° 1383/2003, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos, devem ser interpretados no sentido de que:

– para que a autoridade competente para conhecer do mérito possa utilmente examinar a existência dessa prova e de outros elementos constitutivos de uma violação do direito de propriedade intelectual invocado, a autoridade aduaneira a quem foi submetido um pedido de intervenção deve, logo que disponha de indícios que permitam suspeitar da existência da referida violação, suspender a autorização de saída ou proceder à detenção das referidas mercadorias; e que

– entre esses indícios podem figurar, designadamente, o facto de o destino das mercadorias não ser declarado quando o regime suspensivo solicitado exija essa declaração, a falta de informações precisas ou fiáveis sobre a identidade ou o endereço do fabricante ou do expedidor das mercadorias, a falta de cooperação com as autoridades aduaneiras ou ainda a descoberta de documentos ou de uma correspondência a propósito das mercadorias em causa que deixe supor que um desvio destas para os consumidores na União Europeia é possível.

(cf. n.° 78 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

1 de Dezembro de 2011 (*)

«Política comercial comum – Luta contra a introdução na União de mercadorias de contrafacção e de mercadorias‑pirata – Regulamentos (CE) n.os 3295/94 e 1383/2003 – Entreposto aduaneiro e trânsito externo de mercadorias provenientes de Estados terceiros e que constituem imitações ou cópias de produtos protegidos, na União, por direitos de propriedade intelectual – Intervenção das autoridades dos Estados‑Membros – Requisitos»

Nos processos apensos C‑446/09 e C‑495/09,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos dos artigos 234.° CE e 267.° TFUE, apresentados pelo rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen (Bélgica) (C‑446/09) e pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido) (C‑495/09), por decisões, respectivamente, de 4 e 26 de Novembro de 2009, entrados no Tribunal de Justiça em 17 de Novembro e 2 de Dezembro de 2009, nos processos

Koninklijke Philips Electronics NV (C‑446/09)

contra

Lucheng Meijing Industrial Company Ltd,

Far East Sourcing Ltd,

Röhlig Hong Kong Ltd,

Röhlig Belgium NV,

e

Nokia Corporation (C‑495/09)

contra

Her Majesty’s Commissioners of Revenue and Customs,

sendo intervenientes:

International Trademark Association,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič (relator), E. Levits e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após as audiências de 18 de Novembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Koninklijke Philips Electronics NV, por C. De Meyer e C. Gommers, advocaten,

–        em representação da Far East Sourcing Ltd, por A. Kegels, advocaat,

–        em representação da Nokia Corporation, por J. Turner, QC, mandatado por A. Rajendra, solicitor,

–        em representação da International Trademark Association, por N. Saunders, barrister, mandatado por M. Harris e A. Carboni, solicitors,

–        em representação do Governo belga (C‑446/09), por M. Jacobs e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth, na qualidade de agente, assistido por T. de la Mare, barrister,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e K. Havlíčková, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês (C‑495/09), por B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Albenzio (C‑446/09) e W. Ferrante (C‑495/09), avvocati dello Stato,

–        em representação do Governo polaco (C‑495/09), por M. Szpunar, M. Laszuk e E. Gromnicka, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português (C‑495/09), por L. Fernandes e I. Vieira Lopes, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês (C‑495/09), por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e B.‑R. Killmann (C‑446/09), bem como por este último e R. Lyal (C‑495/09), na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de Fevereiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 3295/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que estabelece determinadas medidas relativas à introdução na Comunidade e à exportação e reexportação da Comunidade de mercadorias que violem certos direitos de propriedade intelectual (JO L 341, p. 8), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 241/1999 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1999 (JO L 27, p. 1), e do Regulamento (CE) n.° 1383/2003 do Conselho, de 22 de Julho de 2003, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos (JO L 196, p. 7).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, por um lado, a Koninklijke Philips Electronics NV (a seguir «Philips») à Lucheng Meijing Industrial Company Ltd, com sede em Wenzhou (China) (a seguir «Lucheng»), à Far East Sourcing Ltd, com sede em Hong Kong (China) (a seguir «Far East Sourcing)», bem como à Röhlig Hong Kong Ltd e à Röhlig Belgium NV (a seguir, conjuntamente, «Röhlig»), a propósito da entrada no território aduaneiro da União Europeia de mercadorias que pretensamente violam modelos e direitos de autor de que a Philips é titular (C‑446/09) e, por outro, a Nokia Corporation (a seguir «Nokia») aos Her Majesty’s Commissioners of Revenue and Customs (autoridades aduaneiras do Reino Unido, a seguir «Commissioners») a propósito da entrada no referido território aduaneiro de mercadorias que pretensamente causam prejuízo a uma marca de que a Nokia é titular (C‑495/09).

 Quadro jurídico

 Código aduaneiro

3        As regras de base da União em matéria aduaneira enunciadas no Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p.1), foram revogadas e substituídas pelo Regulamento (CE) n.° 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) (JO L 145, p. 1).

4        O Regulamento n.° 450/2008 entrou em vigor em 24 de Junho de 2008 para efeitos das suas disposições que atribuem competências para adoptar medidas de execução, tendo a entrada em vigor das outras disposições do mesmo regulamento sido fixada a partir de 24 de Junho de 2009 e o mais tardar em 24 de Junho de 2013. Assim, tendo em conta a data dos factos dos litígios nos processos principais, estes continuam a ser regulados pelas regras enunciadas no Regulamento n.° 2913/92, conforme alterado, no que diz respeito ao processo C‑446/09, pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000 (JO L 311, p. 17), e, no que respeita ao processo C‑495/09, pelo Regulamento (CE) n.° 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Abril de 2005 (JO L 117, p. 13) (a seguir «código aduaneiro»).

5        O artigo 4.° do código aduaneiro dispõe:

«Na acepção do presente código, entende‑se por:

[…]

15)      Destino aduaneiro de uma mercadoria:

a)       A sujeição de uma mercadoria a um regime aduaneiro,

b)      A sua colocação numa zona franca ou num entreposto franco;

c)      A sua reexportação do território aduaneiro da Comunidade;

d)      A sua inutilização;

e)      O seu abandono à fazenda pública.

16)      Regime aduaneiro:

a)      A introdução em livre prática;

b)      O trânsito;

c)      O entreposto aduaneiro;

d)      O aperfeiçoamento activo;

e)      A transformação sob controlo aduaneiro;

f)      A importação temporária;

g)      O aperfeiçoamento passivo;

h)      A exportação;

[…]

20)      Autorização da saída de uma mercadoria: a colocação à disposição de determinada pessoa, pelas autoridades aduaneiras, de uma mercadoria para os fins previstos no regime aduaneiro ao qual se encontra submetida.

[…]»

6        O artigo 37.° do mesmo código dispõe:

«1.      As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade ficam, desde essa introdução, sujeitas à fiscalização aduaneira. […]

2.      Permanecem sob essa fiscalização o tempo necessário para determinar o seu estatuto aduaneiro e, tratando‑se de mercadorias não comunitárias […], até mudarem de estatuto aduaneiro, serem colocadas numa zona franca ou num entreposto franco ou serem reexportadas ou inutilizadas […]»

7        Os artigos 48.° a 50.° do código aduaneiro têm a seguinte redacção:

«Artigo 48.°

Às mercadorias não comunitárias apresentadas à alfândega deve ser atribuído um dos destinos aduaneiros admitidos para tais mercadorias.

Artigo 49.°

1.      As mercadorias que tiverem sido objecto de declaração sumária devem ser sujeitas às formalidades destinadas a atribuir‑lhes um destino aduaneiro nos seguintes prazos:

a)      Quarenta e cinco dias a contar da data de entrega da declaração sumária, quanto às mercadorias chegadas por via marítima;

b)      Vinte dias a contar da data de entrega da declaração sumária, quanto às mercadorias chegadas por qualquer outra via;

[…]

Artigo 50.°

Enquanto aguardam que lhes seja atribuído um destino aduaneiro, as mercadorias apresentadas à alfândega têm, a partir do momento dessa apresentação, o estatuto de mercadorias em depósito temporário. […]»

8        O artigo 56.°, primeiro período, do código aduaneiro prevê:

«Sempre que as circunstâncias o exijam, as autoridades aduaneiras podem ordenar a destruição das mercadorias apresentadas à alfândega.»

9        O artigo 58.° do referido código prevê:

«1.      Salvo disposições em contrário, pode, em qualquer momento e nas condições fixadas, ser atribuído às mercadorias um destino aduaneiro […]

2.      O disposto no n.° 1 é aplicável sem prejuízo das proibições ou restrições que se justifiquem por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública, de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas, de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico ou de protecção da propriedade industrial e comercial.»

10      O artigo 59.°, n.° 1, do mesmo código precisa que «[q]ualquer mercadoria destinada a ser sujeita a um regime aduaneiro deve ser objecto de uma declaração para esse regime aduaneiro».

11      Nos termos do artigo 75.° do código aduaneiro:

«Serão adoptadas todas as medidas necessárias, incluindo o confisco e a venda, para regularizar a situação das mercadorias:

a)      Cuja autorização de saída não tenha sido concedida:

[…]

–        quer porque não foram apresentados os documentos indispensáveis à sua sujeição ao regime aduaneiro declarado,

[…]

–        quer por estarem sujeitas a medidas de proibição ou de restrição;

[…]»

12      O artigo 84.°, n.° 1, alínea a), do mesmo código dispõe:

«Para efeitos dos artigos 85.° a 90.°:

a)      Quando é utilizada a expressão ‘regime suspensivo’, deverá entender‑se que se aplica, no caso das mercadorias não comunitárias, aos regimes seguintes:

–      trânsito externo,

–      entreposto aduaneiro,

–      aperfeiçoamento activo […]

–      transformação sob controlo aduaneiro

e

–      importação temporária».

13      O artigo 91.°, n.° 1, do referido código enuncia:

«O regime do trânsito externo permite a circulação de um ponto a outro do território aduaneiro da Comunidade:

a)      De mercadorias não comunitárias, sem que fiquem sujeitas a direitos de importação e a outras imposições bem como a medidas de política comercial;

[…]»

14      O artigo 92.° do mesmo código enuncia:

«1.      O regime de trânsito externo termina e as obrigações do titular do regime ficam cumpridas quando as mercadorias ao abrigo do regime e os documentos exigidos são apresentados na estância aduaneira de destino, de acordo com as disposições do regime em questão.

2.      As autoridades aduaneiras apuram o regime de trânsito externo quando puderem determinar, com base na comparação dos dados disponíveis na estância aduaneira de partida com os disponíveis na estância aduaneira de destino, que o regime terminou correctamente.»

15      O artigo 98.°, n.° 1, do código aduaneiro prevê:

«O regime de entreposto aduaneiro permite a armazenagem num entreposto aduaneiro:

a)      De mercadorias não comunitárias sem que fiquem sujeitas a direitos de importação nem a medidas de [política] comercial;

[…]»

 Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003

16      O Regulamento n.° 3295/94 foi revogado, com efeitos a 1 de Julho de 2004, pelo Regulamento n.° 1383/2003. Tendo em conta a data dos factos, o litígio na causa principal no processo C‑446/09 continua a ser regulado pelo Regulamento n.° 3295/94, conforme alterado pelo Regulamento n.° 241/1999. Em contrapartida, o litígio na causa principal no processo C‑495/09 é regulado pelo Regulamento n.° 1383/2003.

17      O segundo considerando do Regulamento n.° 3295/94 enunciava:

«considerando que a comercialização de mercadorias de contrafacção e de mercadorias‑pirata acarreta prejuízos consideráveis para os fabricantes e comerciantes que respeitam a lei, bem como para os titulares de direitos de autor e direitos conexos, e engana os consumidores; que há que impedir, tanto quanto possível, a colocação no mercado de tais mercadorias, adoptando para o efeito medidas que permitam combater eficazmente essa actividade ilegal sem todavia colocar entraves à liberdade do comércio legítimo; […]»

18      O segundo e terceiro considerandos do Regulamento n.° 1383/2003 têm a seguinte redacção:

«(2)      A comercialização de mercadorias […] que violem direitos de propriedade intelectual prejudica consideravelmente […] os titulares de direitos, e engana os consumidores fazendo‑os por vezes correr riscos para a sua saúde e segurança. Convém, por conseguinte e na medida do possível, impedir a colocação dessas mercadorias no mercado e adoptar para o efeito medidas […] sem, no entanto, dificultar a liberdade do comércio legítimo. […]

(3)      Nos casos em que as mercadorias de contrafacção, as mercadorias‑pirata e, de um modo geral, as mercadorias que violem um direito de propriedade intelectual sejam originárias ou provenientes de países terceiros, deve‑se proibir a sua introdução no território aduaneiro da Comunidade, incluindo o transbordo, a sua introdução em livre prática na Comunidade, a sua sujeição a um regime suspensivo e a sua colocação em zona franca ou em entreposto franco e estabelecer um procedimento adequado que permita às autoridades aduaneiras aplicarem esta proibição tão eficazmente quanto possível.»

19      O artigo 1.° do Regulamento n.° 1383/2003 enuncia:

«1.      O presente regulamento estabelece as condições de intervenção das autoridades aduaneiras em caso de mercadorias suspeitas de violação de direitos de propriedade intelectual, nas seguintes situações:

a)      Quando sejam declaradas para introdução em livre prática, exportação ou reexportação […]

b)      Quando sejam descobertas por ocasião de controlos de mercadorias que entrem ou saiam do território aduaneiro da Comunidade, nos termos dos artigos 37.° e 183.° do [código aduaneiro], sujeitas a um regime suspensivo na acepção da alínea a) do n.° 1 do artigo 84.° daquele [código], em vias de ser reexportadas mediante notificação […] ou colocadas em zona franca ou em entreposto franco […]

2.      O presente regulamento define igualmente as medidas a tomar pelas autoridades competentes quando se estabeleça que as mercadorias referidas no n.° 1 violam direitos de propriedade intelectual.»

20      O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3295/94, na sua versão resultante do Regulamento n.° 241/1999 (a seguir «Regulamento n.° 3295/94»), que é aplicável ao litígio na causa principal no processo C‑446/09, tinha uma redacção análoga à do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003.

21      Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003, entende‑se por «mercadorias que violam um direito de propriedade intelectual»:

«a) ‘mercadorias de contrafacção’, isto é:

i)      mercadorias […] nas quais tenha sido aposta sem autorização uma marca idêntica à marca validamente registada para o mesmo tipo de mercadorias ou que[,] nos seus aspectos essenciais, não pode ser distinguida dessa marca e que, por esse motivo, viola os direitos decorrentes do [d]ireito [c]omunitário para o titular da marca em questão, tal como previsto no Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária [(JO 1994, L 11, p. 1)] ou no direito do Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de intervenção das autoridades aduaneiras;

[…]

b)      ‘Mercadorias‑pirata’, ou seja, as mercadorias que sejam ou contenham cópias fabricadas sem o consentimento do titular do direito de autor ou dos direitos conexos, de um direito relativo aos desenhos ou modelos […] quando a realização dessas cópias viole o direito em questão nos termos do Regulamento (CE) n.° 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários [(JO 2002, L 3, p. 1)], ou pelo direito do Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de intervenção das autoridades aduaneiras;

c)      Mercadorias que, no Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de intervenção das autoridades aduaneiras, violem:

i)      uma patente nos termos do direito desse Estado‑Membro;

ii)      um certificado complementar de protecção […]

iii)       um direito nacional de protecção de variedades vegetais […]

iv)       as denominações de origem ou as indicações geográficas […]

v)      as denominações geográficas […]»

22      O artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3295/94 tinha uma redacção análoga à do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003.

23      O artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003 dispõe:

«Em cada Estado‑Membro, o titular do direito pode apresentar ao serviço aduaneiro competente um pedido escrito de intervenção das autoridades aduaneiras, quando as mercadorias se encontrem numa das situações previstas no n.° 1 do artigo 1.° (pedido de intervenção).»

24      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento:

«Quando, no decurso de uma intervenção numa das situações referidas no n.° 1 do artigo 1.° e antes de o titular de direito ter apresentado um pedido de intervenção ou de este lhe ter sido deferido, as autoridades aduaneiras tiverem motivos suficientes para suspeitar que se trata de mercadorias que violam um direito de propriedade intelectual, estas podem suspender a autorização de saída das mercadorias ou proceder à sua detenção durante um período de três dias úteis a contar da recepção da notificação pelo titular do direito, bem como pelo declarante ou detentor das mercadorias […], a fim de dar ao titular do direito a possibilidade de apresentar um pedido de intervenção nos termos do artigo 5.°»

25      Os artigos 3.°, n.° 1, e 4.° do Regulamento n.° 3295/94 tinham um conteúdo análogo, respectivamente, ao dos artigos 5.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003.

26      Os artigos 9.° e 10.° do Regulamento n.° 1383/2003, que se inserem no capítulo III deste, sob a epígrafe «Condições de intervenção das autoridades aduaneiras e da autoridade competente para decidir quanto ao fundo», dispõem:

«Artigo 9.°

1.      Quando uma estância aduaneira à qual tenha sido comunicada a decisão de deferimento do pedido do titular do direito […] suspeitar, se necessário após consulta ao requerente, que as mercadorias que se encontram numa das situações referidas no n.° 1 do artigo 1.° violam um direito de propriedade intelectual abrangido por aquela decisão, suspende a autorização de saída das referidas mercadorias ou procede à sua detenção.

[…]

3.      A fim de determinar se houve violação de um direito de propriedade intelectual […], a estância aduaneira ou o serviço que examinou o pedido comunica ao titular do direito, a seu pedido, e quando sejam conhecidos, os nomes e endereços do destinatário, do expedidor, do declarante ou do detentor das mercadorias, a origem e a proveniência das mercadorias […]

[…]

Artigo 10.°

É aplicável a legislação em vigor no Estado‑Membro em cujo território as mercadorias se encontrem numa das situações referidas no n.° 1 do artigo 1.°, a fim de determinar se houve violação de um direito de propriedade intelectual nos termos do direito nacional.

[…]»

27      De forma análoga, o artigo 6.° do Regulamento n.° 3295/94 enunciava:

«1.      Quando uma estância aduaneira, à qual[...] tenha sido comunicada a decisão de deferimento de um pedido do titular de um direito[,] verifique, eventualmente após consulta do requerente, que as mercadorias que se encontram numa das situações referidas no n.° 1, alínea a), do artigo 1.°[...] correspondem à descrição das mercadorias abrangidas pelo n.° 2, alínea a), do artigo 1.° contida na referida decisão, suspenderá a autorização de desalfandegamento ou procederá à detenção dessas mercadorias.

[A] estância aduaneira ou o serviço que apreciou o pedido informará o titular do direito, a seu pedido, do nome e endereço do declarante e, caso seja conhecido, do destinatário, a fim de lhe permitir apresentar a questão às autoridades competentes para decidirem quanto ao fundo da questão. […]

[...]

2.      As disposições em vigor no Estado‑Membro em cujo território as mercadorias se encontrem numa das situações referidas no n.° 1, alínea a), do artigo 1.° são aplicáveis:

a)      À apresentação do pedido à autoridade competente para decidir quanto ao fundo da questão e à informação imediata do serviço ou da estância aduaneira referidos no n.° 1 sobre o pedido […]

b)      À tomada da decisão por essa autoridade. Na falta de regulamentação comunitária na matéria, os critérios a seguir para a tomada dessa decisão são idênticos aos que servem para determinar se as mercadorias produzidas no Estado‑Membro em causa violam os direitos do titular. […]»

28      O artigo 16.° do Regulamento n.° 1383/2003 dispõe:

«As mercadorias consideradas em situação de violação de um direito de propriedade intelectual[...] no termo do procedimento previsto no artigo 9.° não podem ser:

–      introduzidas no território aduaneiro da Comunidade,

–      introduzidas em livre prática,

–      sair do território aduaneiro da Comunidade,

–      exportadas,

–      reexportadas,

–      sujeitas a um regime suspensivo, ou

–      colocadas em zona franca ou em entreposto franco.»

29      De forma análoga, o artigo 2.° do Regulamento n.° 3295/94 enunciava:

«São proibidas[,] na Comunidade, a introdução, a colocação em livre prática, a exportação, a reexportação, a sujeição a um regime suspensivo, bem como a colocação em zona franca ou em entreposto franco[,] de mercadorias reconhecidas como mercadorias abrangidas pelo n.° 2, alínea a), do artigo 1.°, nos termos do artigo 6.°»

30      O artigo 18.° do Regulamento n.° 1383/2003 prevê que «[c]ada Estado‑Membro estabelece sanções a aplicar nos casos de violação do presente regulamento. Essas sanções devem ser efectivas, proporcionadas e dissuasivas». O artigo 11.° do Regulamento n.° 3295/94 tinha uma redacção semelhante.

 Regulamentação internacional

31      O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o comércio (a seguir «Acordo ADPIC»), que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de Abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986‑1994) (JO L 336, p. 1), enuncia no seu artigo 69.°:

«Os membros comprometem‑se a cooperar entre si com vista à eliminação do comércio internacional de mercadorias que infrinja os direitos de propriedade intelectual. Para o efeito, os membros estabelecerão e darão a conhecer pontos de contacto nas respectivas administrações e prontificar‑se‑ão a trocar informações sobre o comércio de mercadorias em infracção. Os membros promoverão, em especial, o intercâmbio de informações e a cooperação entre autoridades aduaneiras no que diz respeito ao comércio de mercadorias apresentadas sob uma marca de contrafacção e de mercadorias pirateadas em infracção ao direito de autor.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C‑446/09

32      Em 7 de Novembro de 2002, no porto de Antuérpia (Bélgica), as autoridades aduaneiras belgas inspeccionaram um carregamento de máquinas de barbear eléctricas proveniente da China e semelhantes a modelos de máquinas de barbear desenvolvidas pela Philips. Dado que estes modelos estavam protegidos em virtude de registos que conferiam um direito exclusivo à Philips em vários Estados, incluindo o Reino da Bélgica, as referidas autoridades suspeitaram que os produtos inspeccionados constituíam mercadorias‑pirata. Como tal, suspenderam o desalfandegamento, em aplicação do artigo 4.° do Regulamento n.° 3295/94.

33      Em 12 de Novembro de 2002, a Philips, em conformidade com o artigo 3.° do mesmo regulamento, apresentou um pedido de intervenção.

34      Na sequência deste pedido, que foi aceite em 13 de Novembro de 2002, as autoridades aduaneiras belgas comunicaram certas informações à Philips, como uma fotografia das referidas máquinas de barbear e a identidade das empresas implicadas na produção e na comercialização destas, a saber, a Lucheng, que é o fabricante, a Far East Sourcing, o transportador, e a Röhlig, o expedidor.

35      Em 9 de Dezembro de 2002, as referidas autoridades procederam à detenção das mercadorias, em aplicação do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3295/94.

36      Em 11 de Dezembro de 2002, a Philips intentou uma acção contra a Lucheng, a Far East Sourcing e a Röhlig no rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen (Tribunal de Primeira Instância de Antuérpia) visando, designadamente, obter a declaração de que estas empresas violaram o direito exclusivo conferido pelos modelos de máquinas de barbear da Philips, bem como certos direitos de autor desta última. Entre outros pedidos, a Philips solicita, por um lado, a condenação das referidas sociedades a pagar‑lhe uma indemnização e, por outro, a destruição das mercadorias detidas.

37      Ficou provado no rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen que as referidas mercadorias tinham inicialmente sido objecto de uma declaração sumária de entrada que lhes conferia o estatuto de mercadorias em regime de depósito temporário e, em 29 de Janeiro de 2003, de uma declaração aduaneira por parte da Röhlig pela qual esta, na falta de certezas quanto ao destino dessas mercadorias, pediu que lhes fosse atribuído o regime de entreposto aduaneiro.

38      A Philips alega perante o referido órgão jurisdicional que, para provar a existência de uma violação dos direitos de propriedade intelectual invocados, é necessário basear‑se numa ficção segundo a qual se deve considerar que mercadorias como as que estão em causa, que se encontrem num entreposto aduaneiro situado no território do Reino da Bélgica e que aí sejam detidas pelas autoridades aduaneiras belgas, foram fabricadas nesse Estado‑Membro. Em apoio desta argumentação, a Philips invoca o artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 3295/94.

39      Em contrapartida, a Far East Sourcing, única recorrida que compareceu no rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen, alega perante este último que, não estando provado que serão vendidas na União, as mercadorias não podem ser detidas e, por conseguinte, ser qualificadas de mercadorias que violam um direito de propriedade intelectual.

40      Foi nestas circunstâncias que o rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento [...] n.° 3295/94[...] constitui uma norma de direito comunitário uniformizad[a] que se impõe ao tribunal do Estado‑Membro chamado a intervir pelo titular do direito [...] e implica que, na sua decisão, esse tribunal não pode ter em conta o estatuto de depósito temporário ou o estatuto de trânsito e deve aplicar a ficção de que as mercadorias foram produzidas nesse Estado‑Membro e, em seguida, decidir se tais mercadorias violam o direito de propriedade intelectual em causa mediante a aplicação do direito desse Estado‑Membro?»

 Processo C‑495/09

41      No mês de Julho de 2008, no aeroporto de Londres Heathrow (Reino Unido), os Commissioners inspeccionaram um carregamento de telemóveis e respectivos acessórios provenientes de Hong Kong (China) e com destino à Colômbia. Estas mercadorias tinham um sinal idêntico a uma marca comunitária de que a Nokia é titular.

42      Suspeitando que estavam em presença de produtos de imitação, os Commissioners, em 30 de Julho de 2008, enviaram amostras à Nokia. Após verificação destas últimas, a Nokia informou os Commissioners de que se tratava efectivamente de uma imitação e perguntou‑lhes se estavam dispostos a apreender o referido carregamento em aplicação do Regulamento n.° 1383/2003.

43      Em 6 de Agosto de 2008, os Commissioners responderam à Nokia que, tendo em conta que o carregamento se destinava à Colômbia e na falta de provas de que seria desviado para o mercado da União, não se podia concluir pela presença de «mercadorias de contrafacção» na acepção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), i), do Regulamento n.° 1383/2003. Entendiam que, por essa razão, o carregamento não podia ser detido.

44      Em 20 de Agosto de 2008, a Nokia apresentou um pedido nos termos do artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1383/2003, com vista a obter a comunicação dos nomes e moradas do expedidor e do destinatário, bem como de todos os documentos relativos às mercadorias em causa. Os Commissioners forneceram as informações na sua posse, mas, após análise desses dados, a Nokia não conseguiu identificar o expedidor nem o destinatário destas mercadorias e considerou que estes últimos tudo fizeram para dissimular a sua identidade.

45      Em 24 de Setembro de 2008, a Nokia informou os Commissioners da sua intenção de intentar uma acção contra a decisão de não apreender o referido carregamento. Em 10 de Outubro de 2008, estes últimos responderam que, segundo a sua prática instituída na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2006, Montex Holdings (C‑281/05, Colect., p. I‑10881), mercadorias suspeitas de violar um direito de propriedade intelectual não devem ser detidas em casos como o presente, quando não se demonstre que as mercadorias em causa serão provavelmente desviadas para o mercado da União.

46      Em 31 de Outubro de 2008, a Nokia intentou uma acção na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, que foi julgada improcedente por esta última por acórdão de 29 de Julho de 2009. A Nokia recorreu desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

47      Este último concluiu, por um lado, que os referidos telefones são imitações de produtos da marca de que a Nokia é titular e, por outro, que não existe nenhum indício que permita supor que essas mercadorias serão postas à venda na União. Tendo em conta a acção intentada, em circunstâncias semelhantes, pela Philips no rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen, bem como as divergências de interpretação na jurisprudência dos Estados‑Membros, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As mercadorias não comunitárias que ostentam uma marca comunitária, sujeitas a um controlo aduaneiro num Estado‑Membro e em trânsito [...], provenientes de um Estado terceiro e com destino a outro Estado terceiro, podem constituir ‘mercadorias de contrafacção’, na acepção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento [...] n.° 1383/2003, se não existirem indícios de que essas mercadorias serão introduzidas no mercado da [União] Europeia, quer em conformidade com um procedimento aduaneiro quer por meio de um desvio ilícito?»

48      Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2011, os processos C‑446/09 e C‑495/09 foram apensados para efeitos das conclusões e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

49      Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, no essencial, se mercadorias provenientes de um Estado terceiro e que constituam uma imitação de um produto protegido na União por um direito de marca ou uma cópia de um produto protegido na União por um direito de autor, um direito conexo, um modelo ou um desenho podem ser qualificadas de «mercadorias de contrafacção» ou de «mercadorias‑pirata» na acepção do Regulamento n.° 1383/2003, e, antes da entrada em vigor deste último, na acepção do Regulamento n.° 3295/94, pelo simples facto de serem introduzidas no território aduaneiro da União, sem aí serem postas em livre prática.

50      Segundo a definição dos termos «mercadorias de contrafacção» e «mercadorias‑pirata» que figura nos artigos 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3295/94 e 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003, estes conceitos visam os prejuízos causados a uma marca, a um direito de autor ou um direito conexo ou ainda a um modelo ou um desenho, que se aplica por força da regulamentação da União ou por força do direito interno do Estado‑Membro onde o pedido de intervenção das autoridades aduaneiras seja apresentado. Daqui decorre que apenas são visados as lesões de direitos de propriedade intelectual conferidos pelo direito da União e pelo direito nacional dos Estados‑Membros.

51      Nos processos principais, não é contestado que as máquinas de barbear detidas no porto de Antuérpia podiam, se fosse caso disso, ser qualificadas de «mercadorias‑pirata» na acepção do Regulamento n.° 3295/94 se tivessem sido postas à venda na Bélgica ou num dos outros Estados‑Membros onde a Philips goza de direitos de autor e beneficia da protecção para os modelos que invoca nem que os telemóveis inspeccionados no aeroporto de Londres Heathrow violavam a marca comunitária invocada pela Nokia e constituiriam, por isso, «mercadorias de contrafacção» na acepção do Regulamento n.° 1383/2003 se tivessem sido postos à venda na União. Em contrapartida, as partes nos processos principais e os Estados‑Membros que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça e a Comissão Europeia estão em desacordo quanto à questão de saber se as referidas mercadorias podem violar os referidos direitos de propriedade intelectual apenas por terem sido objecto, no território aduaneiro da União, de uma declaração solicitando um dos regimes suspensivos mencionados no artigo 84.° do código aduaneiro, a saber, no processo C‑446/09, um entreposto aduaneiro e, no processo C‑495/09, um trânsito externo.

52      Ao invocar, designadamente, o risco de um desvio fraudulento para os consumidores da União de mercadorias declaradas sob um regime suspensivo, bem como os riscos para a saúde e a segurança que os produtos de imitação e de cópia apresentam frequentemente, a Philips, a Nokia, os Governos belga, francês, italiano, polaco, português e finlandês, bem como a International Trademark Association, alegam que produtos de imitação e de cópia descobertos em fase de entreposto ou de trânsito num Estado‑Membro devem ser detidos e, se for caso disso, eliminados do comércio sem que seja necessário dispor de elementos que sugiram ou demonstrem que estas mercadorias são ou virão a ser postas à venda na União. Sendo tais elementos de prova geralmente difíceis de reunir, as referidas empresas e intervenientes consideram que a necessidade de os fornecer privaria os Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003 do seu efeito útil.

53      Para que os Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003 sejam aplicados de forma efectiva, a Philips e o Governo belga propõem que se admita a existência de uma ficção, segundo a qual se deve considerar que as mercadorias declaradas em entreposto ou em trânsito e objecto de um pedido de intervenção na acepção destes regulamentos são fabricadas no Estado‑Membro onde é apresentado esse pedido, mesmo sendo pacífico que o fabrico teve lugar num Estado terceiro (ficção de fabrico).

54      A Far East Sourcing, os Governos do Reino Unido e checo assim como a Comissão, embora reconhecendo os problemas relacionados com o tráfico internacional de imitações e de cópias, consideram que as mercadorias não podem ser qualificadas de «mercadorias de contrafacção» nem de «mercadorias‑pirata» na acepção dos referidos regulamentos quando não exista nenhum indício que permita supor que os produtos em causa serão postos à venda na União. A interpretação contrária alargaria indevidamente o alcance territorial dos direitos de propriedade intelectual conferidos pelo direito da União, bem como pelo direito nacional dos Estados‑Membros, e teria como consequência entravar, em numerosos casos, operações legítimas de comércio internacional de produtos que transitam pela União.

 Quanto à detenção provisória de mercadorias colocadas sob um regime aduaneiro suspensivo

55      Os regimes de trânsito e de entreposto aduaneiro caracterizam‑se, respectivamente, como decorre dos artigos 91.°, 92.° e 98.° do código aduaneiro, pela circulação de mercadorias entre estâncias aduaneiras e o armazenamento de mercadorias num entreposto colocado sob vigilância aduaneira. Estas operações não podem manifestamente, enquanto tais, ser analisadas como uma comercialização de mercadorias na União (v., quanto a operações de trânsito intracomunitário, acórdão de 23 de Outubro de 2003, Rioglass e Transremar, C‑115/02, Colect., p. I‑12705, n.° 27, e acórdão Montex Holdings, já referido, n.° 19).

56      O Tribunal de Justiça deduziu reiteradamente desta circunstância que as mercadorias colocadas sob um regime aduaneiro suspensivo não podem, pelo simples facto de essa colocação ocorrer, violar os direitos de propriedade intelectual aplicáveis na União (v., designadamente, no que respeita aos direitos relativos a desenhos e modelos, acórdão de 26 de Setembro de 2000, Comissão/França, C‑23/99, Colect., p. I‑7653, n.os 42 e 43, e, no que respeita aos direitos conferidos por marcas, acórdãos Rioglass e Transremar, já referido, n.° 27; de 18 de Outubro de 2005, Class International, C‑405/03, Colect., p. I‑8735, n.° 47; e Montex Holdings, já referido, n.° 21).

57      Em contrapartida, pode haver uma violação dos referidos direitos quando, durante a sua colocação sob um regime suspensivo no território aduaneiro da União, ou mesmo antes da sua chegada a esse território, mercadorias provenientes de Estados terceiros são objecto de um acto comercial dirigido aos consumidores na União, como uma venda, uma proposta de venda ou uma publicidade (v. acórdão Class International, já referido, n.° 61, e acórdão de 12 de Julho de 2011, L’Oréal e o., C‑324/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 67).

58      Em face do risco, já declarado pelo Tribunal de Justiça (acórdão de 6 de Abril de 2000, Polo/Lauren, C‑383/98, Colect., p. I‑2519, n.° 34), de um desvio fraudulento para os consumidores da União de mercadorias entrepostas no território aduaneiro desta última ou que transitem por este, importa observar que, além da existência de um acto comercial imediatamente dirigido a esses consumidores, outras circunstâncias podem igualmente conduzir a uma detenção provisória, por parte das autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros, de mercadorias que constituam imitações e cópias declaradas sob um regime suspensivo.

59      Como sublinharam os Governos francês, italiano e polaco, a colocação de mercadorias provenientes de Estados terceiros sob um regime suspensivo é frequentemente solicitada em circunstâncias em que o destino das mercadorias é desconhecido ou é declarado de forma pouco fiável. Tendo em conta, além disso, o carácter dissimulado das actividades dos traficantes de mercadorias de imitação e de cópia, a detenção pelas autoridades aduaneiras de mercadorias que identificaram como sendo imitações ou cópias não pode, sob pena de reduzir o efeito útil dos Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003, ser subordinada à prova de que essas mercadorias já foram objecto de uma venda a consumidores da União ou de uma proposta de venda ou de uma publicidade dirigida a estes últimos.

60      Pelo contrário, tendo verificado a presença em entreposto ou em trânsito de mercadorias que imitam ou copiam um produto protegido na União por um direito de propriedade intelectual, a autoridade aduaneira pode validamente intervir quando dispõe de indícios de que um ou vários dos operadores implicados no fabrico, na expedição ou na distribuição de mercadorias, embora ainda não tenha começado a dirigir estas mercadorias para os consumidores na União, está em vias de o fazer ou dissimula as suas intenções comerciais.

61      Quanto aos indícios de que a referida autoridade deve dispor a fim de operar uma suspensão de autorização de saída ou uma detenção de mercadorias em aplicação dos artigos 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3295/94 e 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003, basta, como observou o advogado‑geral nos n.os 96 e 97, bem como 110 e 111, das suas conclusões, que existam elementos que possam suscitar uma suspeita. Podem constituir tais elementos, entre outros, o facto de o destino das mercadorias não ser declarado quando o regime suspensivo solicitado exige tal declaração, a falta de informações precisas ou fiáveis sobre a identidade ou o endereço do fabricante ou do expedidor das mercadorias, uma falta de cooperação com as autoridades aduaneiras ou ainda a descoberta de documentos ou de uma correspondência a propósito das mercadorias em causa que sugira que um desvio destas para os consumidores na União é susceptível de ocorrer.

62      Como observou o advogado‑geral no n.° 106 das suas conclusões, essa suspeita deve, em todos os casos, decorrer das circunstâncias do caso concreto. Com efeito, se a referida suspeita e a intervenção daí resultante se pudesse basear na mera consideração abstracta de que não se pode excluir um hipotético desvio fraudulento para os consumidores na União, qualquer mercadoria que se encontrasse em trânsito externo ou num entreposto aduaneiro poderia, sem o mais pequeno indício concreto de irregularidade, ser objecto de detenção. Essa situação comportaria o risco de tornar as intervenções das autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros aleatórias e excessivas.

63      Importa considerar, a este respeito, que as mercadorias de imitação e de cópia provenientes de um Estado terceiro e transportadas para outro Estado terceiro podem estar em conformidade com as normas de propriedade intelectual em vigor em cada um desses dois Estados. Tendo em conta o objectivo principal da política comercial comum, enunciado nos artigos 131.° CE e 206.° TFUE, que consiste no desenvolvimento do comércio mundial pela supressão progressiva das restrições às trocas internacionais, é essencial que estas mercadorias possam transitar, através da União, de um Estado terceiro para outro sem que essa operação seja entravada, mesmo através de uma detenção provisória, pelas autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros. Ora, tal entrave seria precisamente criado se os Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003 fossem interpretados no sentido de que é legítimo deter mercadorias em trânsito sem o mais pequeno indício que permita supor que poderiam vir a ser objecto de um desvio fraudulento para os consumidores na União.

64      Esta consideração é, além do mais, corroborada pelo segundo considerando dos referidos regulamentos, que enuncia que o objectivo do legislador da União se limita a evitar «a colocação no mercado» de mercadorias que violam direitos de propriedade intelectual e a adoptar para esse efeito medidas eficazes «sem, no entanto, dificultar a liberdade do comércio legítimo».

65      No que respeita, por último, a mercadorias para as quais não existe nenhum indício na acepção do n.° 61 do presente acórdão, mas a propósito das quais existem suspeitas de violação de um direito de propriedade intelectual no suposto Estado terceiro de destino, importa referir que as autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros onde essas mercadorias passam em trânsito externo podem cooperar, nos termos do artigo 69.° do Acordo ADPIC, com as autoridades aduaneiras do dito Estado terceiro tendo em vista eliminar, se for caso disso, as mercadorias do comércio internacional.

66      É à luz das indicações anteriores que caberá à Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), para apreciar se o indeferimento da pretensão da Nokia pelos Commissioners está em conformidade com o artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003, examinar se estes dispunham de indícios susceptíveis de criar uma suspeita na acepção desta disposição, obrigando‑os por conseguinte a proceder, por força deste regulamento, a uma suspensão de autorização de saída ou a uma detenção das mercadorias a fim de as imobilizar na pendência da decisão a tomar pela autoridade competente para conhecer do mérito. Os elementos de facto invocados pela Nokia e mencionados na decisão de reenvio, relativos designadamente à impossibilidade de identificar o expedidor das mercadorias em causa, seriam, se se revelassem exactos, pertinentes a este respeito.

 Quanto à decisão de mérito subsequente à detenção provisória de mercadorias colocadas sob um regime aduaneiro suspensivo

67      Diferentemente da Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), chamada a dirimir o litígio entre a Nokia e os Commissioners a propósito da recusa por parte destes últimos em proceder à detenção de mercadorias, o rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen deverá, no processo intentado pela Philips, determinar, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 3295/94, actual artigo 10.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1383/2003, se mercadorias já detidas pelas autoridades aduaneiras por força do n.° 1 do referido artigo 6.° violam efectivamente os direitos de propriedade intelectual invocados.

68      Ora, contrariamente à decisão tomada pela autoridade aduaneira de proceder à detenção provisória das mercadorias, referida nos artigos 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3295/94 e 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1383/2003, a decisão de mérito na acepção dos artigos 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 3295/94 e 10.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1383/2003 não pode ser tomada com base numa suspeita, mas deve fundar‑se num exame da questão de saber se existe uma prova de violação do direito invocado.

69      Há que considerar, a este respeito, que, no caso de a autoridade jurisdicional ou outra, competente para decidir quanto ao mérito, constatar uma violação do direito de propriedade intelectual invocado, a destruição ou o abandono das mercadorias em causa constituem os únicos destinos aduaneiros que estas podem receber. Tal decorre dos artigos 2.° do Regulamento n.° 3295/94 e 16.° do Regulamento n.° 1383/2003, lidos em conjugação com o artigo 4.° do código aduaneiro, precisando por outro lado os artigos 11.° e 18.°, respectivamente, dos referidos regulamentos que devem ser previstas sanções efectivas e dissuasoras para as infracções constatadas com fundamento nestes regulamentos. É manifesto que os operadores em causa não podem ser objecto de tal esbulho nem de tais sanções com o único fundamento de que há um risco de fraude ou com base numa ficção como a proposta pela Philips e pelo Governo belga.

70      Por conseguinte, como sustentam com razão os Governos do Reino Unido e checo, bem como a Comissão, a autoridade competente para decidir quanto ao mérito não pode qualificar de «mercadorias de contrafacção» e de «mercadorias‑pirata» ou, mais genericamente, de «mercadorias que violam um direito de propriedade intelectual» mercadorias a propósito das quais uma autoridade aduaneira tem uma suspeita de violação de um direito de propriedade intelectual aplicável na União, mas que, após uma análise circunstanciada, não se prova que se destinam a ser vendidas na União.

71      No que respeita aos elementos de prova de que a autoridade competente para conhecer do mérito deve dispor para constatar que mercadorias de imitação ou de cópia introduzidas no território aduaneiro da União sem aí serem postas em livre prática são susceptíveis de violar um direito de propriedade intelectual aplicável na União, importa observar que podem designadamente constituir tais elementos a existência de uma venda de mercadorias a um cliente na União, a existência de uma proposta de venda ou de uma publicidade dirigida a consumidores na União, ou ainda a existência de documentos ou de uma correspondência a propósito das mercadorias em causa que demonstrem que é encarada a possibilidade de desviá‑las para os consumidores da União.

72      A interpretação fornecida no número anterior a propósito do ónus da prova perante a autoridade competente para conhecer do mérito não é infirmada pelas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça por algumas das partes nos processos principais e alguns governos, segundo os quais qualquer omissão, que resulte dessa exigência relativa ao ónus da prova, de destruição de mercadorias de imitação e de cópia descobertas no território aduaneiro da União viola o efeito útil dos Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003 e, além disso, ignora que, em numerosos ramos do comércio, incluindo os relativos aos aparelhos eléctricos, essas mercadorias apresentam riscos para a saúde e a segurança dos consumidores.

73      No que respeita, por um lado, ao efeito útil dos referidos regulamentos, há que considerar que a eficácia da luta contra operações ilícitas não é enfraquecida pela circunstância de a autoridade aduaneira que procedeu à detenção das mercadorias ser obrigada a pôr fim a essa intervenção de cada vez que a autoridade competente para conhecer do mérito verifica que não está devidamente provado que as mercadorias se destinam a uma venda na União.

74      Importa observar, a este respeito, que a cessação de uma detenção de mercadorias operada por força dos Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003 não implica de modo algum que essas mercadorias passem a escapar à vigilância aduaneira. Com efeito, resulta do artigo 37.° do código aduaneiro e das disposições de aplicação do mesmo que cada etapa de um regime suspensivo, como o relativo ao trânsito externo, deve ser estritamente seguida e documentada pelas autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros e que qualquer derrogação significativa aos dados indicados na declaração aduaneira pode dar lugar a uma intervenção das referidas autoridades nas mercadorias.

75      A luta contra operações ilícitas também não é entravada pela circunstância, já constatada pelo Tribunal de Justiça, de que é impossível ao titular do direito de propriedade intelectual submeter o assunto à autoridade nacional competente quando os operadores responsáveis pela presença das mercadorias em causa no território aduaneiro da União dissimularam a sua identidade (acórdão de 14 de Outubro de 1999, Adidas, C‑223/98, Colect., p. I‑7081, n.° 27). Deve recordar‑se, a este propósito, que o direito aduaneiro da União consagra o princípio de que qualquer mercadoria destinada a ser colocada sob um regime aduaneiro deve ser objecto de uma declaração (acórdão de 15 de Setembro de 2011, DP grup, C‑138/10, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33). Como resulta do artigo 59.° do código aduaneiro e das disposições de aplicação do mesmo, uma declaração não identificável, por dissimular o nome ou o endereço do declarante ou de outros operadores relevantes, terá como consequência que a autorização de saída das mercadorias para os fins previstos pelo regime aduaneiro solicitado não pode validamente ser dada. Por outro lado, se a falta de informações fiáveis quanto à identidade ou a morada dos operadores responsáveis se mantiver, as mercadorias são, por força do artigo 75.° do mesmo código, susceptíveis de ser confiscadas.

76      No que respeita, por outro lado, aos riscos para a saúde e a segurança dos consumidores que os produtos de imitação e de cópia podem por vezes representar, resulta dos autos, bem como do segundo considerando do Regulamento n.° 1383/2003, que estes riscos estão amplamente documentados e a sua existência é reconhecida pelo legislador da União. Além disso, como referiram, designadamente, a Nokia e o Governo português, considerações de precaução podem militar a favor de uma apreensão imediata de mercadorias identificadas como representado tais riscos, e isto independentemente do regime aduaneiro em que se encontram. Com efeito, a questão de saber se os operadores responsáveis pelo fabrico e a distribuição destas mercadorias orientam estas últimas para os consumidores na União ou em Estados terceiros não é, neste contexto, pertinente.

77      Todavia, impõe‑se concluir que os Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003, cuja interpretação é pedida pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, apenas dizem respeito à luta contra a introdução na União de mercadorias que violem direitos de propriedade intelectual. No interesse de uma correcta gestão dos riscos para a saúde e a segurança dos consumidores, importa precisar que os poderes e deveres das autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros relativamente às mercadorias que apresentem esses riscos devem ser apreciados com base noutras disposições do direito da União, como os artigos 56.°, 58.° e 75.° do código aduaneiro.

78      Em face das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que os Regulamentos n.os 3295/94 e 1383/2003 devem ser interpretados no sentido de que:

–      mercadorias provenientes de um Estado terceiro e que constituam uma imitação de um produto protegido na União por um direito de marca ou uma cópia de um produto protegido na União por um direito de autor, um direito conexo, um modelo ou um desenho não podem ser qualificadas de «mercadorias de contrafacção» ou de «mercadorias‑pirata» na acepção dos referidos regulamentos pelo simples facto de serem introduzidas no território aduaneiro da União sob um regime suspensivo;

–      estas mercadorias podem, em contrapartida, violar o referido direito e serem por isso qualificadas de «mercadorias de contrafacção» ou de «mercadorias‑pirata» quando se prove que se destinam a ser vendidas na União, sendo essa prova fornecida, designadamente, quando se revela que as referidas mercadorias foram objecto de uma venda a um cliente na União ou de uma proposta de venda ou de publicidade dirigida aos consumidores na União, ou quando resulte de documentos ou de uma correspondência a respeito destas mercadorias que foi previsto desviá‑las para os consumidores na União;

–      para que a autoridade competente para conhecer do mérito possa utilmente examinar a existência dessa prova e de outros elementos constitutivos de uma violação do direito de propriedade intelectual invocado, a autoridade aduaneira a quem foi submetido um pedido de intervenção deve, logo que disponha de indícios que permitam suspeitar da existência da referida violação, suspender a autorização de saída ou proceder à detenção das referidas mercadorias; e que

–      entre esses indícios podem figurar, designadamente, o facto de o destino das mercadorias não ser declarado quando o regime suspensivo solicitado exija essa declaração, a falta de informações precisas ou fiáveis sobre a identidade ou o endereço do fabricante ou do expedidor das mercadorias, a falta de cooperação com as autoridades aduaneiras ou ainda a descoberta de documentos ou de uma correspondência a propósito das mercadorias em causa que deixe supor que um desvio destas para os consumidores na União é possível.

 Quanto às despesas

79      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O Regulamento (CE) n.° 3295/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que estabelece determinadas medidas relativas à introdução na Comunidade e à exportação e reexportação da Comunidade de mercadorias que violem certos direitos de propriedade intelectual, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 241/1999 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1999, e o Regulamento (CE) n.° 1383/2003 do Conselho, de 22 de Julho de 2003, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem certos direitos de propriedade intelectual e a medidas contra mercadorias que violem esses direitos, devem ser interpretados no sentido de que:

–        mercadorias provenientes de um Estado terceiro e que constituam uma imitação de um produto protegido na União Europeia por um direito de marca ou uma cópia de um produto protegido na União por um direito de autor, um direito conexo, um modelo ou um desenho não podem ser qualificadas de «mercadorias de contrafacção» ou de «mercadorias pirata» na acepção dos referidos regulamentos pelo simples facto de serem introduzidas no território aduaneiro da União sob um regime suspensivo;

–        estas mercadorias podem, em contrapartida, violar o referido direito e serem por isso qualificadas de «mercadorias de contrafacção» ou de «mercadorias pirata» quando se prove que se destinam a ser vendidas na União Europeia, sendo essa prova fornecida, designadamente, quando se revela que as referidas mercadorias foram objecto de uma venda a um cliente na União ou de uma proposta de venda ou de publicidade dirigida aos consumidores na União, ou quando resulte de documentos ou de uma correspondência a respeito destas mercadorias que foi previsto desviá‑las para os consumidores na União;

–        para que a autoridade competente para conhecer do mérito possa utilmente examinar a existência dessa prova e de outros elementos constitutivos de uma violação do direito de propriedade intelectual invocado, a autoridade aduaneira a quem foi submetido um pedido de intervenção deve, logo que disponha de indícios que permitam suspeitar da existência da referida violação, suspender a autorização de saída ou proceder à detenção das referidas mercadorias; e que

–        entre esses indícios podem figurar, designadamente, o facto de o destino das mercadorias não ser declarado quando o regime suspensivo solicitado exija essa declaração, a falta de informações precisas ou fiáveis sobre a identidade ou o endereço do fabricante ou do expedidor das mercadorias, a falta de cooperação com as autoridades aduaneiras ou ainda a descoberta de documentos ou de uma correspondência a propósito das mercadorias em causa que deixe supor que um desvio destas para os consumidores na União Europeia é possível.

Assinaturas


** Línguas de processo: neerlandês e inglês.

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