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Document 62009CJ0161

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 3 de Março de 2011.
Kakavetsos-Fragkopoulos AE Epexergasias kai Emporias Stafidas contra Nomarchiaki Aftodioikisi Korinthias.
Pedido de decisão prejudicial: Symvoulio tis Epikrateias - Grécia.
Livre circulação de mercadorias - Medida de efeito equivalente às restrições quantitativas à exportação - Uvas secas de Corinto - Regulamentação nacional que visa a protecção da qualidade do produto - Limites impostos à comercialização em função das diferentes regiões de produção - Justificação - Proporcionalidade.
Processo C-161/09.

European Court Reports 2011 I-00915

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:110

Processo C‑161/09

Kakavetsos‑Fragkopoulos AE Epexergasias kai Emporias Stafidas, anteriormente K. Fragkopoulos kai SIA OE

contra      

Nomarchiaki Aftodioikisi Korinthias

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias)

«Livre circulação de mercadorias – Medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à exportação – Uvas secas de Corinto – Legislação nacional que visa a protecção da qualidade do produto – Limites impostos à comercialização em função das diferentes regiões de produção – Justificação – Proporcionalidade»

Sumário do acórdão

1.        Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas à exportação – Medidas de efeito equivalente – Artigo 29.° CE – Efeito directo – Alcance

(Artigo 29.° CE)

2.        Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas à exportação – Medidas de efeito equivalente – Conceito

(Artigo 29.° CE)

3.        Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas à exportação – Medidas de efeito equivalente

(Artigos 29.° CE e 30.° CE)

4.        Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas à exportação – Medidas de efeito equivalente

(Artigo 29.° CE)

1.        Uma empresa que tem por objecto tratar e acondicionar uvas secas com vista à sua exportação para outros Estados‑Membros e que está estabelecida numa determinada região de um Estado‑Membro na qual é proibido, por uma legislação nacional, introduzir quaisquer variedades de uva seca provenientes de outras regiões desse Estado‑Membro para efeitos de tratamento e acondicionamento, razão pela qual a empresa em causa se encontra impossibilitada de exportar uva seca proveniente das referidas regiões, pode validamente invocar, perante um órgão jurisdicional nacional, o artigo 29.° CE.

(cf. n.° 23)

2.        Uma legislação nacional que proíbe a um operador económico abastecer‑se de uvas secas provenientes de zonas geográficas nacionais diferentes daquela em que o operador está estabelecido tem incontestavelmente um impacto no volume das exportações deste, uma vez que o interessado só pode tratar e acondicionar as uvas secas produzidas na própria região em que tem a sua sede. Por conseguinte, tal legislação nacional é susceptível de entravar, pelo menos potencialmente, o comércio intracomunitário e constitui, portanto, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação, em princípio, proibida pelo artigo 29.° CE.

(cf. n.os 28, 29)

3.        O artigo 29.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, que prevê uma proibição absoluta de introdução, armazenamento, tratamento e acondicionamento, para fins de exportação, de uvas secas abrangidas por denominação de origem protegida «Vostizza» entre as duas subzonas de uma zona geográfica A, na medida em que esta legislação não permite atingir de modo coerente os objectivos legítimos prosseguidos e vai além do que é necessário para garantir a realização destes.

Com efeito, uma solução menos atentatória da livre circulação de mercadorias, como a que consiste em prever linhas de produção separadas, ou mesmo armazéns distintos onde apenas as uvas secas da mesma origem geográfica fossem exclusivamente armazenadas, tratadas e acondicionadas, parece perfeitamente concebível. Além disso, a legislação nacional em causa institui regras divergentes para as diferentes zonas de produção das uvas secas no sentido de que os produtores situados numa zona B que produzem uvas secas de qualidade notoriamente inferior à das produzidas na zona A são autorizados a tratar, armazenar, acondicionar e exportar uvas secas provenientes de toda a zona A, incluindo a primeira subzona desta, da qual é originária a referida variedade «Vostizza», não resulta claro por que razão uma medida muito mais penosa é imposta aos produtores da segunda subzona A, uma vez que lhes é pura e simplesmente proibido tratar uvas secas oriundas da primeira subzona A na qual é produzida a variedade «Vostizza». Consequentemente, uma proibição absoluta de circulação de uvas secas entre as duas subzonas da zona A, como prevista pela legislação em causa, não pode ser considerada objectivamente justificada a título da protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.° CE.

(cf. n.os 40, 44‑46, 49, 62, disp.)

4.        O artigo 29.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, que prevê uma proibição absoluta de introdução, armazenamento, tratamento e acondicionamento, para fins de exportação, de uvas secas entre a segunda subzona de uma zona geográfica A e uma outra zona geográfica B, na medida em que esta legislação não permite atingir de modo coerente os objectivos legítimos prosseguidos e vai além do que é necessário para garantir a realização destes.

Com efeito, o espírito das disposições do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias opõe‑se a que os Estados‑Membros erijam no seu território fronteiras internas intransponíveis para garantir a alegada qualidade superior de certos produtos, tanto mais que o direito da União oferece instrumentos necessários à preservação da qualidade de produtos que apresentem características que mereçam uma protecção particular.

Assim por um lado, a legislação nacional em causa não se afigura coerente na medida em que permite, na zona B, a mistura de diferentes variedades de uvas secas, ao passo que qualquer mistura é proibida em toda a zona A, incluindo na segunda subzona desta, que não está protegida por uma denominação de origem protegida. Daqui resulta que a referida legislação não impede de forma absoluta toda a mistura de diferentes variedades de uvas secas e que, além disso, o nível de qualidade do produto não parece ter sido o critério determinante para o legislador nacional.

Por outro lado, na medida em que existem outras medidas menos atentatórias da livre circulação de uvas secas produzidas no território do Estado‑Membro em causa, como a possibilidade de impor aos operadores em causa a obrigação de dispor de linhas de produção e/ou de locais de armazenagem distintos, bem como de aplicar um etiquetagem apropriada em função da proveniência geográfica das uvas secas transformadas, do mesmo modo que a possibilidade de garantir o respeito destas obrigações através de controlos inopinados e de sanções apropriadas, uma proibição absoluta de circulação de uvas secas entre a segunda subzona da zona A e a zona B, como prevista pela legislação em causa, não pode ser considerada justificada a título da protecção dos consumidores e da prevenção das fraudes, na medida em que não prossegue este objectivo de forma coerente e não é conforme com as exigências do princípio da proporcionalidade.

(cf. n.os 55, 57, 58, 60‑62 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

3 de Março de 2011 (*)

«Livre circulação de mercadorias – Medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à exportação – Uvas secas de Corinto – Legislação nacional que visa a protecção da qualidade do produto – Limites impostos à comercialização em função das diferentes regiões de produção – Justificação – Proporcionalidade»

No processo C‑161/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia), por decisão de 29 de Maio de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Maio de 2009, no processo

Kakavetsos‑Fragkopoulos AE Epexergasias kai Emporias Stafidas, anteriormente K. Fragkopoulos kai SIA OE,

contra

Nomarchiaki Aftodioikisi Korinthias,

sendo intervenientes:

Ypourgos Georgias,

Enosis Agrotikon Synaiterismon Aigialeias tou Nomou Achaïas,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, J.‑J. Kasel (relator), A. Borg Barthet, M. Ilešič e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Julho de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Kakavetsos‑Fragkopoulos AE Epexergasias kai Emporias Stafidas, anteriormente K. Fragkopoulos kai SIA OE, por I. Ktenidis, dikigoros,

–        em representação do Governo helénico, por E. Leftheriotou, A. Vasilopoulou e V. Kontilaimos, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Patakia, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 29.° CE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a K. Fragkopoulos kai SIA OE, empresa grega à qual sucedeu a sociedade Kakavetsos Fragkopoulos AE Eperxergasias kai Emporias Stafidas (a seguir «Fragkopoulos»), à Nomarchiaki Aftodioikisi Korinthias (Administração da província de Coríntia), a propósito da recusa desta de autorizar a Fragkopoulos a transportar, armazenar, tratar e acondicionar – para fins da sua exportação ulterior – uvas secas de Corinto a granel provenientes de uma zona geográfica diferente daquela em que esta empresa está estabelecida.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O Regulamento (CE) n.° 2201/96 do Conselho, de 28 de Outubro de 1996, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos produtos transformados à base de frutas e produtos hortícolas (JO L 297, p. 29), prevê, no seu artigo 1.°, que a organização comum de mercado que institui regula, entre outros, as uvas secas (código NC 0803 20).

4        O Regulamento (CE) n.° 1549/98 da Comissão, de 17 de Julho de 1998, que completa o Anexo do Regulamento (CE) n.° 1107/96 relativo ao registo das indicações geográficas e denominações de origem nos termos do procedimento previsto no artigo 17.° do Regulamento (CEE) n.° 2081/92 do Conselho (JO L 202, p. 25), contém o registo, designadamente, da denominação de origem protegida (a seguir «DOP») Κορινθιακή σταφίδα Βοστίτσα (Korinthiaki Stafida Vostitsa), sob a rubrica «Produtos do Anexo II do Tratado destinados à alimentação humana».

 Legislação nacional

5        Nos termos do artigo 1.° da Lei 553/1977 relativa às medidas de protecção e de apoio à exportação de uvas secas de Corinto e outras questões conexas (FEK A’ 73):

«1.      As superfícies em que a uva seca de Corinto é cultivada dividem‑se da seguinte forma:

a)      a zona A, que compreende a subprefeitura (circunscrição territorial) de Aigialeia e os antigos municípios de Erineo, Krathida e Felloï do departamento (província) de Achaïe, bem como o departamento de Coríntia;

b)      a zona B, que compreende os departamentos de Zante e Cefalónica, a ilha de Lefkada, o departamento de Ileia, o departamento de Achaïe (com excepção da subprefeitura de Aigialeia e dos antigos municípios de Erineo, Krathida e Felloï) e o departamento de Messénie.

2.      Na zona A, é proibido importar, armazenar e acondicionar a uva seca de Corinto proveniente da zona B, bem como exportá‑la seguidamente para o estrangeiro.

3.      É autorizada a importação na zona B de uva seca de Corinto proveniente da zona A, tal como a exportação dessa uva seca depois de misturada com a dessa zona, sob reserva das condições previstas nos n.os 3 e 4 do artigo 2.° da presente lei.

4.      É proibido transportar e acondicionar a uva seca de Corinto da subprefeitura de Aigialeia e dos antigos municípios de Erineo, Krathida e Felloï do departamento de Achaïe no departamento de Corinto e vice‑versa.»

6        O artigo 2.° da referida lei enuncia:

«1.      Todos os tipos de embalagem que contêm uva seca de Corinto produzida na zona A, que sejam acondicionadas nessa zona e que se destinem à exportação, são marcadas obrigatoriamente com a letra ‘A’ e com o termo:

a)      ‘ΒΟΣΤΙΤΣΑ’ [‘VOSTIZZA’] quando se trata de uva seca de Corinto produzida na subprefeitura de Aigialeia e nos antigos municípios de Erineo, Krathida e Felloï do departamento de Achaïe, acondicionada nessa zona e exportada a partir do porto de Aigio;

b)      ‘ΚΟΡΦΟΣ’ [‘KORFOS’] (‘GULF’) quando se trata de uva seca de Corinto produzida no departamento de Corinto, acondicionada nesse departamento e exportada a partir dos portos de Kiato e de Corinto.

2.      É permitido colocar nas diversas embalagens da uva seca de Corinto das zonas acima referidas prospectos ou brochuras publicitárias que descrevam a qualidade e, mais em geral, o significado dos termos ‘Vostizza’ ou ‘Gulf’.

3.      Todos os tipos de embalagem que contêm uva seca de Corinto proveniente de uma mistura de uvas secas das zonas A e B, acondicionadas na zona B, são obrigatoriamente marcadas com o termo ‘PROVINCIAL’ e, a título facultativo, com a denominação do local do acondicionamento.

4.      Todos os tipos de embalagem que contenham uva seca de Corinto produzida na zona B, acondicionada nessa zona e destinada à exportação, são marcadas obrigatoriamente com o termo ‘PROVINCIAL’ e, a título facultativo, com os termos seguintes, com exclusão de qualquer outro:

a)      ‘ZANTE’ para a uva seca de Corinto produzida e acondicionada em Zante, bem como para a uva seca de Corinto acondicionada na zona B em geral, proveniente da ilha de Zante, como atestam as autorizações de transporte emitidas pelo ASO (Organismo autónomo da uva seca), e exportada para o estrangeiro a partir de um porto, seja ele qual for, da zona B;

b)      ‘CEPHALLONIA’ para a uva seca de Corinto produzida e acondicionada em Cefalónica ou em Lefkada, bem como para a uva seca de Corinto acondicionada na zona B em geral, proveniente do departamento de Cefalónica e da ilha de Lefkada, como atestam as autorizações de transporte emitidas pelo ASO, e exportada para o estrangeiro a partir de um porto, seja ele qual for, da zona B;

c)      ‘AMALIAS’ para a uva seca de Corinto acondicionada na região de Amaliada, bem como para a uva seca de Corinto acondicionada na zona B, em geral, e proveniente da região de Amaliada, isto é, dos antigos municípios de Élisi, Ilida, Pinion e Myrtoundion, do departamento de Ileia, como atestam as autorizações de transporte emitidas pelo ASO, e exportada para o estrangeiro a partir de um porto, seja ele qual for, da zona B;

[…]»

7        O artigo 3.° da mesma lei dispõe:

«1.      A exportação para o estrangeiro da uva seca de Corinto é efectuada da seguinte forma:

a)      a uva seca marcada com o termo ‘Vostizza’, a partir do porto de Aigio;

b)      a uva seca marcada com o termo ‘Gulf’, a partir dos portos de Corinto e de Kiato;

c)      a uva seca marcada com os termos ‘Zante’, ‘Céphalonie’ e ‘Amalias’, a partir de todos os portos exportadores da zona B;

[…]»

8        Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta da exposição de motivos da Lei 553/1977 que a razão da separação das regiões de produção da uva seca em zonas A e B reside no facto de a uva seca produzida na zona A ser considerada de qualidade superior à proveniente da zona B. A própria zona A ainda é dividida em duas subzonas, cuja primeira produz uva seca de qualidade mais elevada. Quanto às condições de transporte da uva seca entre as zonas A e B, decorre igualmente da exposição de motivos desta lei que, para melhorar a qualidade da uva seca proveniente da zona B, é permitido introduzir nesta uva seca da zona A e misturá‑la com a uva seca da zona B. Além disso, as diferentes marcações enunciadas no artigo 2.° da referida lei foram consideradas indispensáveis para assegurar a protecção da qualidade superior da uva seca proveniente da zona A, informar os consumidores da origem dos produtos, valorizar as zonas de produção ou as de acondicionamento da uva seca e, por último, indirectamente valorizar o trabalho dos produtores de uva seca.

9        Por Decreto de 22 de Novembro de 1993, o Ypourgos Georgias (Ministro da Agricultura) reconheceu a denominação «Vostizza» como DOP da uva seca de Corinto produzida a partir de uvas da variedade «uva preta de Corinto», proveniente da região da subprefeitura de Aigialeia e dos antigos municípios de Erineo, Krathida e Felloï do departamento de Achaïe (primeira subzona da zona A). Por outro lado, desde 2008, a uva seca proveniente da ilha de Zante, que é uma das regiões que fazem parte da zona B, goza da DOP Σταφίδα Ζακύνθου (Stafida Zakynthou).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      Resulta da decisão de reenvio que a Fragkopoulos, cuja actividade consiste no tratamento e na comercialização das uvas secas de Corinto, dispõe de uma oficina de transformação e de acondicionamento de uvas secas na região de Kiato (Coríntia). Esta região está situada na segunda subzona da zona A na qual são produzidas as uvas secas da variedade «Korfos», não abrangidas pela DOP tanto nacional como comunitária de que gozava, à data dos factos no processo principal, apenas a variedade «Vostizza».

11      A fim de poder transportar, armazenar, tratar e acondicionar no departamento de Coríntia, com vista à sua comercialização – incluindo noutros Estados‑Membros –, uvas secas provenientes de outras partes da zona A assim como da zona B, a Fragkopoulos solicitou uma autorização para esse efeito à Nomarchiaki Aftodioikisi Korinthias.

12      Em 27 de Junho de 2001, esta indeferiu o referido pedido com fundamento no disposto na Lei 553/1977.

13      Considerando que a legislação nacional era contrária ao direito da União, a Fragkopoulos interpôs, então, em 17 de Setembro de 2001, um recurso de anulação dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Nesse órgão jurisdicional, o Ypourgos Georgias e a Enosis Agrotikon Synaiterismon Aigialeias tou Nomou Achaïas (União das Cooperativas Agrícolas de Aigialeia do departamento de Achaia) intervieram a favor da manutenção da validade da decisão recorrida.

14      Como fundamentos de recurso, a Fragkopoulos alega que a obrigação, enunciada no artigo 1.° da Lei 553/1977, imposta às empresas de transformação estabelecidas na zona A de produção de uva de Corinto de utilizar exclusivamente como matéria‑prima uva seca proveniente da circunscrição da zona A em que estão estabelecidas – e cujo corolário consiste na proibição de introdução por estas empresas de uvas secas provenientes tanto de outras circunscrições da zona A como da totalidade da zona B – excede os limites do que é necessário para atingir o objectivo relativo à protecção da qualidade e do prestígio da uva seca da variedade «Vostizza». Portanto, a referida obrigação é contrária às exigências do direito da União e, mais concretamente, à livre circulação de mercadorias e ao princípio da não discriminação.

15      A Fragkopoulos sustenta, designadamente, a este respeito, que a sua liberdade económica e de concorrência é afectada pela legislação helénica em causa, cujo efeito é o de que as empresas de transformação estabelecidas na zona A, como a sua, que não disponham de matéria‑prima suficiente, são, portanto, subexploradas, enquanto as firmas estabelecidas na zona B podem comprar uvas secas provenientes das duas zonas A e B, dispondo assim de uma matéria‑prima abundante e podendo produzir mais e a um preço melhor.

16      Acrescenta que a produção total de uvas secas na região do departamento de Coríntia se eleva a 9 000 toneladas, quantidade que é tratada por cinco empresas que estão estabelecidas e funcionam neste departamento, ao passo que, na zona B, que produz uma quantidade de 20 000 toneladas de uvas secas, as unidades em actividade são quatro, razão pela qual a Fragkopoulos se encontra em situação de declínio económico.

17      A Fragkopoulos precisa ainda que, através do seu pedido, não pretende ser autorizada a misturar na sua fábrica diferentes variedades de uva seca, nem tem a intenção de lhe alterar a qualidade ou de abusar da DOP «Vostizza», mas visa unicamente obter o direito de introduzir uva seca proveniente de outras regiões diferentes da Coríntia, de a tratar e, em seguida, de a exportar, colocando nas embalagens em causa as menções previstas no artigo 2.° da Lei 553/1977, em função de cada variedade concretamente em causa.

18      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, quanto à possibilidade de a Fragkopoulos invocar, perante um juiz nacional, uma disposição como o artigo 29.° CE num caso em que as restrições em causa dizem respeito ao território pertencente a um mesmo Estado‑Membro e são formalmente neutras em relação às trocas intracomunitárias. No entanto, salienta, a este respeito, que as disposições da Lei 553/1977 têm como efeito impedir que a Fragkopoulos introduza, na região em que está estabelecida, uva seca proveniente de outras regiões da República Helénica não apenas para a tratar e a acondicionar mas também para a exportar para outros Estados‑Membros.

19      Em segundo lugar, e no caso de o Tribunal de Justiça dar uma resposta afirmativa à referida questão, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, apesar de formalmente as disposições nacionais em causa não efectuarem uma distinção entre o comércio interno e o comércio de exportação, têm, contudo, o efeito de restringir, ainda que potencialmente, o fluxo das exportações destinadas a outros Estados‑Membros. Por conseguinte, coloca a questão de saber se as disposições da Lei 553/1977 são, em princípio, contrárias ao artigo 29.° CE e, sendo caso disso, se podem ser justificadas ao abrigo do artigo 30.° CE e se o princípio da proporcionalidade foi respeitado.

20      Foi nestas condições que o Symvoulio tis Epikrateias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma empresa como a recorrente, ou seja, uma empresa de transformação e acondicionamento de uva seca, estabelecida numa dada região do país na qual a lei proíbe a introdução para efeitos de transformação e acondicionamento de diversas variedades de uva seca provenientes de outras regiões do país, e que se encontra, portanto, impossibilitada de exportar uva seca obtida através da transformação de uva seca proveniente das variedades acima referidas, pode alegar em juízo que as referidas medidas legislativas são contrárias ao artigo 29.° [CE]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, disposições como as do direito nacional helénico que se aplicam ao presente litígio e que, por um lado, proíbem a introdução, o armazenamento e a transformação numa determinada região, em que só é permitida a transformação de uva seca produzida localmente, de uva seca proveniente de várias regiões do país, para posterior exportação, e, por outro, reservam a [DOP] unicamente à uva seca que tenha sido sujeita a transformação e acondicionamento na região determinada em que é produzida, são ou não contrárias ao artigo 29.° [CE], que proíbe a imposição de restrições quantitativas à exportação e quaisquer medidas de efeito equivalente?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, a protecção da qualidade de um produto, que é determinado geograficamente pela legislação nacional do Estado‑Membro e ao qual não foi reconhecida a possibilidade de usar um título particular distintivo que indique a sua qualidade superior e o seu carácter único geralmente reconhecidos, por ser proveniente de uma determinada região geográfica, constitui, na acepção do artigo 30.° [CE], um objectivo legítimo de interesse geral imperativo que justifica uma derrogação ao artigo 29.° [CE], que proíbe a imposição de restrições quantitativas à exportação do produto em causa ou quaisquer medidas de efeito equivalente?»

 Quanto às questões prejudiciais

21      Através das suas questões, que convém examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se e, eventualmente, em que medida o artigo 29.° CE se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, proíbe a introdução, o armazenamento, o tratamento e o acondicionamento, com vista à sua exportação, de uvas secas provenientes de diferentes regiões do Estado‑Membro em causa, numa região precisa do referido Estado na qual só é permitido armazenar, tratar e acondicionar as uvas produzidas localmente, e que, por outro, reserva a DOP «Vostizza» unicamente à uva seca que tenha sido sujeita a tratamento e acondicionamento na própria região em que tenha sido produzida.

22      A título liminar, há que recordar que, nos termos do artigo 29.° CE, são proibidas, entre os Estados‑Membros, as restrições quantitativas à exportação, bem como todas as medidas de efeito equivalente. Segundo jurisprudência constante, o referido artigo é reconhecido como gozando de efeito directo e, como tal, como conferindo aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros são obrigados a garantir (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 29 de Novembro de 1978, Redmond, 83/78, Colect., p. 821, n.os 66 e 67, e de 9 de Junho de 1992, Delhaize e Le Lion, C‑47/90, Colect., p. I‑3669, n.° 28).

23      Consequentemente, uma empresa que se encontra na situação da Fragkopoulos, que tem por objecto tratar e acondicionar uvas secas com vista à sua exportação para outros Estados‑Membros e que está estabelecida numa determinada região de um Estado‑Membro na qual é proibido, por uma legislação nacional, introduzir quaisquer variedades de uva seca provenientes de outras regiões desse Estado‑Membro para efeitos de tratamento e acondicionamento, razão pela qual a empresa em causa se encontra impossibilitada de exportar uva seca proveniente das referidas regiões, pode validamente invocar, perante um órgão jurisdicional nacional, o artigo 29.° CE.

24      No que respeita ao alcance do referido artigo, importa apreciar sucessivamente se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias e, sendo caso disso, se é susceptível de ser objectivamente justificada.

 Quanto à existência de uma restrição na acepção do artigo 29.° CE

25      A este respeito, importa, em primeiro lugar, determinar se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição quantitativa à exportação ou uma medida cujo efeito é equivalente a tal restrição na acepção do artigo 29.° CE.

26      Na medida em que a legislação em causa no processo principal não institui directamente restrições quantitativas à exportação, não se pode considerar que constitui, enquanto tal, uma restrição quantitativa à exportação na acepção do referido artigo do Tratado CE.

27      Quanto à questão de saber se a referida legislação apresenta as características de uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação na acepção do mesmo artigo, cumpre precisar que, como resulta do artigo 1.° do Regulamento n.° 2201/96, as uvas secas são objecto de uma organização comum de mercado, como a referida no artigo 34.° CE. Importa acrescentar que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, num tal caso, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação qualquer medida susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário (v., designadamente, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1980, Vriend, 94/79, Recueil, p. 327, n.° 8, e de 15 de Abril de 1997, Deutsches Milch‑Kontor, C‑272/95, Colect., p. I‑1905, n.° 24).

28      Ora, importa assinalar que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, na medida em que proíbe a um operador económico como a Fragkopoulos abastecer‑se de uvas secas provenientes de zonas geográficas nacionais diferentes daquela em que o operador está estabelecido – no caso em apreço, a primeira subzona da zona A assim como a totalidade da zona B –, tem incontestavelmente um impacto no volume das exportações deste, uma vez que o interessado só pode tratar e acondicionar as uvas secas produzidas na própria região em que tem a sua sede – isto é, na segunda subzona da zona A (v., neste sentido, igualmente, acórdão de 8 de Novembro de 2005, Jersey Produce Marketing Organisation, C‑293/02, Colect., p. I‑9543, n.° 80).

29      Por conseguinte, tal legislação nacional é susceptível de entravar, pelo menos potencialmente, o comércio intracomunitário e constitui, portanto, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação, em princípio, proibida pelo artigo 29.° CE. No caso em apreço, tal aplica‑se tanto mais que o artigo 1.° da Lei 553/1977 proíbe explicitamente, nos seus n.os 2 e 4, a exportação de uva seca de Corinto quando não corresponde às condições impostas por esta lei para o seu tratamento, o seu armazenamento e o seu acondicionamento no próprio local de produção.

30      Além disso, relativamente à circunstância de a DOP «Vostizza» ser reservada apenas à uva seca tratada e acondicionada na própria região em que foi produzida, basta recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, o facto de se subordinar a utilização de uma DOP registada a nível da União Europeia a condições ligadas à região de produção constitui igualmente uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação na acepção do artigo 29.° CE (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 20 de Maio de 2003, Ravil, C‑469/00, Colect., p. I‑5053, n.° 88, e Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, C‑108/01, Colect., p. I‑5121, n.° 59).

31      Nestas condições, cumpre, em segundo lugar, determinar se tais restrições à livre circulação de mercadorias são susceptíveis de ser objectivamente justificadas.

 Quanto às eventuais justificações das restrições em causa

32      Na medida em que apenas as uvas secas produzidas na primeira subzona da zona A, a saber, as da variedade «Vostizza», são abrangidas por uma DOP, importa operar uma distinção, em relação a uma eventual justificação da legislação nacional em causa, entre, por um lado, a proibição de circulação de uvas secas entre as duas subzonas da zona A e, por outro, a proibição de introduzir uvas secas provenientes da zona B na segunda subzona da zona A, subzona na qual se encontra a sede da Fragkopoulos e à qual não foi reconhecida a DOP.

 Quanto à proibição de circulação entre as duas subzonas da zona A

33      Quanto ao primeiro aspecto enunciado no número precedente, resulta dos elementos dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que a obrigação de tratar e de acondicionar as uvas secas da variedade «Vostizza» unicamente na primeira subzona da zona A, bem como, correlativamente, a proibição prevista no artigo 1.°, n.° 4, da Lei 553/1977 de toda a circulação de uvas secas entre as duas subzonas da zona A, com a consequência de que um produtor estabelecido na segunda subzona da referida zona se encontra na impossibilidade absoluta de tratar e de acondicionar as uvas secas da variedade «Vostizza», visa proteger a DOP de que beneficia esta variedade ao abrigo do direito da União.

34      A este respeito, importa recordar que a legislação da União manifesta uma tendência geral para valorizar a qualidade dos produtos no quadro da política agrícola comum, a fim de favorecer a reputação dos referidos produtos, graças, designadamente, à utilização de denominações de origem que são objecto de protecção particular (acórdão de 16 de Maio de 2000, Bélgica/Espanha, C‑388/95, Colect., p. I‑3123, n.° 53). Esta tendência manifestou‑se pela adopção do Regulamento (CEE) n.° 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 208, p. 1), que, à luz dos seus considerandos, visa, nomeadamente, satisfazer as expectativas dos consumidores em matéria de produtos de qualidade e de uma origem geográfica certa, bem como facilitar a obtenção pelos produtores, em condições de igual concorrência, de melhores rendimentos em contrapartida de um esforço qualitativo real (v. acórdãos, já referidos, Ravil, n.° 48, e Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, n.° 63).

35      A legislação aplicável protege os seus beneficiários contra uma utilização abusiva das referidas denominações por terceiros que pretendam aproveitar‑se da reputação que as mesmas adquiriram. Estas denominações visam garantir que o produto que as ostenta provém de uma zona geográfica determinada e apresenta certas características particulares. São susceptíveis de gozar de grande reputação junto dos consumidores e constituir, para os produtores que preencham as condições da sua utilização, um meio fundamental de fidelizar a clientela. A reputação das denominações de origem é função da imagem de que estas gozam junto dos consumidores. Essa imagem, por seu turno, depende essencialmente das características específicas e, mais geralmente, da qualidade do produto (v. acórdão Bélgica/Espanha, já referido, n.os 54 a 56). Na percepção do consumidor, a ligação entre a reputação dos produtores e a qualidade dos produtos depende, além disso, da sua convicção de que os produtos vendidos sob a denominação de origem são autênticos (v. acórdãos, já referidos, Ravil, n.° 49, e Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, n.° 64).

36      Nos termos do artigo 30.° CE, o artigo 29.° CE é aplicável sem prejuízo das proibições ou restrições à exportação justificadas por razões, nomeadamente, de protecção da propriedade industrial e comercial.

37      Uma vez que não existem dúvidas de que as denominações de origem fazem parte dos direitos da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.° CE, uma condição como a que está em causa no processo principal, que proíbe qualquer transporte de uvas secas entre as duas subzonas da zona A, deve ainda ser considerada conforme ao direito da União, não obstante os seus efeitos restritivos nas trocas comerciais, se se demonstrar que constitui um meio necessário e proporcionado susceptível de preservar a reputação da DOP «Κορινθιακή Σταφίδα Βοστίτσα (Korinthiaki Stafida Vostitsa)» (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Bélgica/Espanha, n.os 58 e 59, e Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, n.° 66).

38      Ora, se uma medida deste tipo é adequada a proteger a DOP de que beneficiam as uvas secas da variedade «Vostizza», não é, contudo, suficiente, contrariamente ao que afirma o órgão jurisdicional de reenvio, para concluir que seja justificado declarar que nenhuma outra medida é susceptível de apresentar o mesmo grau de eficácia que uma proibição absoluta de circulação das uvas secas entre as duas subzonas da zona A.

39      Pelo contrário, para fins do exame da proporcionalidade da restrição em causa, importa ainda verificar se os meios aplicados neste contexto não vão além do que é necessário para atingir o objectivo legítimo prosseguido. Noutros termos, dever‑se‑á apreciar se não existem medidas alternativas susceptíveis de realizar igualmente esse objectivo, mas que tenham um efeito menos restritivo no comércio intracomunitário.

40      A este respeito, importa assinalar que, como o Governo neerlandês alegou nas suas observações escritas e o advogado‑geral recordou no n.° 77 das suas conclusões, uma solução menos atentatória da livre circulação de mercadorias, como a que consiste em prever linhas de produção separadas, ou mesmo armazéns distintos onde apenas as uvas secas de Corinto da mesma origem geográfica fossem exclusivamente armazenadas, tratadas e acondicionadas, parece perfeitamente concebível.

41      Além disso, a Fragkopoulos sublinhou que o seu pedido, na origem do processo principal, não visa de modo nenhum a obter a autorização de misturar as diferentes variedades de uvas secas. Acresce que a Fragkopoulos precisou na audiência que o número de produtores de uvas secas estabelecidos nas duas subzonas da zona A é inferior a dez, pelo que, como expôs o advogado‑geral no n.° 78 das suas conclusões, controlos inopinados efectuados nos locais de produção respectivos poderiam ser facilmente instituídos. De resto, uma vez que, a mistura de diferentes variedades de uvas secas é autorizado na zona B, tais controlos só teriam razão de ser dentro da zona A.

42      Além disso, importa recordar neste contexto que uma medida restritiva só pode ser considerada conforme com as exigências do direito da União se responder verdadeiramente à preocupação de atingir a realização do objectivo pretendido de maneira coerente e sistemática.

43      Ora, afigura‑se que na Lei 553/1977 não foi previsto, relativamente às uvas secas da variedade «Vostizza» que beneficia de uma DOP, um caderno de encargos do tipo do que foi previsto pelas legislações nacionais em causa nos processos nos quais foram proferidos os acórdãos, já referidos, Ravil e Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita. Na falta de critérios objectivos definidos previamente, tais como a descrição pormenorizada do produto protegido e das suas principais características, os elementos que provam que o produto em causa é originário de uma área geográfica determinada, a descrição do método, eventualmente local, de obtenção deste produto, do mesmo modo que as exigências a respeitar para efeitos da utilização da DOP, parece, contudo, difícil garantir a pretensa alta qualidade do produto que a DOP supostamente protege.

44      Além disso, cumpre observar que a legislação nacional em causa no processo principal institui regras divergentes para as diferentes zonas de produção das uvas secas.

45      Assim, é pacífico que os produtores situados na zona B são autorizados a tratar, armazenar, acondicionar e exportar uvas secas provenientes de toda a zona A, incluindo a primeira subzona desta, da qual é originária a variedade «Vostizza». A este respeito, a legislação helénica apenas prevê uma obrigação de marcar de forma apropriada a mistura de uvas secas destas diferentes proveniências, no caso vertente, através de uma etiquetagem que assinala tal mistura de uvas secas oriundas das zonas A e B. O legislador helénico parece, portanto, ter considerado que os operadores estabelecidos numa região da qual provêm uvas secas de qualidade claramente inferior podem validamente transformar uvas secas de qualidade superior produzidas noutra zona geográfica, incluindo a que beneficia de uma DOP, desde que uma simples obrigação de etiquetagem, susceptível de impedir a fraude, seja respeitada.

46      Ora, como salientou o advogado‑geral no n.° 75 das suas conclusões, não é evidente o motivo pelo qual uma prática semelhante não poderia ser instituída entre as duas subzonas da zona A. Por outras palavras, não resulta claro por que razão uma medida muito mais penosa é imposta aos produtores da segunda subzona A, uma vez que lhes é pura e simplesmente proibido tratar uvas secas oriundas da primeira subzona A na qual é produzida a variedade «Vostizza».

47      Por outro lado, a Fragkopoulos sublinhou, sem ser contestada neste ponto, que o seu pedido não visava de modo nenhum beneficiar indevidamente da DOP reservada à uva seca oriunda da primeira subzona da zona A e que estava disposta a utilizar uma etiquetagem dos produtos que fizesse claramente ressaltar a proveniência geográfica respectiva das uvas secas em causa.

48      De resto, o sistema tal como está actualmente em vigor na Grécia parece ainda mais problemático no que respeita à coerência desde que, durante o ano de 2008, as uvas secas provenientes da ilha de Zante, isto é, de uma região que faz parte da zona B na qual a uva seca é incontestavelmente de menor qualidade, beneficiam de uma DOP, ao passo que as uvas secas oriundas da segunda subzona da zona A, que são comparativamente de melhor qualidade, não são à data protegidas.

49      Nestas condições, importa concluir que uma proibição absoluta de circulação de uvas secas entre as duas subzonas da zona A, como prevista pela legislação em causa no processo principal, não pode ser considerada objectivamente justificada a título da protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.° CE, na medida em que não prossegue este objectivo de forma coerente e não é conforme com as exigências do princípio da proporcionalidade.

 Quanto à proibição de circulação na segunda subzona da zona A de produtos provenientes da zona B

50      Em relação ao segundo aspecto enunciado no n.° 32 do presente acórdão, a saber, a proibição de introduzir uvas secas provenientes da zona B na segunda subzona da zona A, tal como esta proibição é prevista no artigo 1.°, n.° 2, da Lei 553/1977, há que recordar que as uvas secas da variedade «Korfos», produzidas na referida segunda subzona na qual está estabelecida a Fragkopoulos, não são abrangidas pelo DOP de que beneficiam as uvas secas da variedade «Vostizza» provenientes da primeira subzona da zona A. Por conseguinte, a proibição de introduzir na segunda subzona da zona A uvas secas provenientes da zona B não pode ser justificada pela necessidade de proteger esta DOP.

51      No entanto, resulta de jurisprudência constante que uma medida nacional de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação, em princípio, contrária ao artigo 29.° CE, pode ser justificada por uma das razões enunciadas no artigo 30.° CE, bem como por exigências imperativas de interesse geral, desde que a referida medida seja proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido (v., designadamente, acórdão de 16 de Dezembro de 2008, Gysbrechts e Santurel Inter, C‑205/07, Colect., p. I‑9947, n.° 45).

52      Por conseguinte, importa determinar no caso vertente se, numa situação em que nenhuma DOP foi registada a nível da União para uvas secas produzidas na segunda subzona da zona A, a saber, as da variedade «Korfos», é possível invocar validamente um dos motivos de justificação referidos no artigo 30.° CE ou uma exigência imperativa de interesse geral.

53      Em primeiro lugar, o Governo helénico alega que o objectivo prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal é evitar misturas entre as diferentes variedades de uvas secas a fim de preservar a qualidade das uvas secas produzidas na zona A, que se considera terem qualidade superior às produzidas na zona B.

54      No entanto, importa recordar que uma medida nacional que entrave a livre circulação de mercadorias não pode ser justificada apenas por se destinar a preservar num Estado‑Membro a pretensa qualidade de um produto sem que este disponha de uma DOP (v., neste sentido, acórdão de 14 de Setembro de 2006, Alfa Vita Vassilopoulos e Carrefour‑Marinopoulos, C‑158/04 e C‑159/04, Colect., p. I‑8135, n.° 23).

55      Com efeito, como assinalou o advogado‑geral no n.° 66 das suas conclusões, o espírito das disposições do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias opõe‑se a que os Estados‑Membros erijam no seu território fronteiras internas intransponíveis para garantir a alegada qualidade superior de certos produtos, tanto mais que o direito da União oferece instrumentos necessários à preservação da qualidade de produtos que apresentem características que mereçam uma protecção particular (v., neste sentido, igualmente, n.os 34 e seguintes do presente acórdão).

56      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio expõe no seu pedido de decisão prejudicial que as uvas secas provenientes da zona A gozam de uma reputação e de uma estima particulares junto dos consumidores na Grécia. Com base nesta apreciação, esse órgão jurisdicional parece admitir que a legislação nacional em causa encontra a sua razão de ser na protecção dos consumidores, ao visar impedir qualquer possibilidade de fraude resultante de uma mistura de diferentes variedades de uvas secas.

57      A este respeito, há que recordar, como já resulta dos n.os 43 e seguintes do presente acórdão, que a legislação nacional em causa no processo principal não se afigura coerente na medida em que permite, na zona B, a mistura de diferentes variedades de uvas secas – incluindo as provenientes da zona A na sua totalidade, a qual inclui uma região que goza de uma DOP –, ao passo que qualquer mistura é proibida em toda a zona A, incluindo na segunda subzona desta, que não está protegida por uma DOP.

58      Daqui resulta que a referida legislação não impede de forma absoluta toda a mistura de diferentes variedades de uvas secas e que, além disso, o nível de qualidade do produto não parece ter sido o critério determinante para o legislador.

59      Em qualquer caso, mesmo supondo que o objectivo legítimo de interesse geral relativo à protecção dos consumidores e à prevenção de qualquer fraude possa ser utilmente invocado no processo principal, importaria ainda velar para que a restrição em causa seja conforme com o princípio da proporcionalidade.

60      Ora, pelos mesmos motivos indicados nos n.os 40 e 41 do presente acórdão, e que se aplicam mutatis mutandis também ao exame da proporcionalidade das medidas que proíbem a introdução de uvas secas provenientes da zona B na segunda subzona da zona A, há que concluir que existem outras medidas menos atentatórias da livre circulação de uvas secas produzidas em território helénico, como a possibilidade de impor aos operadores em causa a obrigação de dispor de linhas de produção e/ou de locais de armazenagem distintos, bem como de aplicar um etiquetagem apropriada em função da proveniência geográfica das uvas secas transformadas, do mesmo modo que a possibilidade de garantir o respeito destas obrigações através de controlos inopinados e de sanções apropriadas.

61      Nestas condições, uma proibição absoluta de circulação de uvas secas entre a segunda subzona da zona A e a zona B, como prevista pela legislação em causa no processo principal, não pode ser considerada justificada a título da protecção dos consumidores e da prevenção das fraudes, na medida em que não prossegue este objectivo de forma coerente e não é conforme com as exigências do princípio da proporcionalidade.

62      Atendendo a todas as considerações precedentes, cumpre responder às questões submetidas que o artigo 29.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê uma proibição absoluta de introdução, armazenamento, tratamento e acondicionamento, para fins de exportação, de uvas secas tanto entre as duas subzonas da zona A como entre a segunda subzona da zona A e a zona B, na medida em que não permite atingir de modo coerente os objectivos legítimos prosseguidos e vai além do que é necessário para garantir a realização destes.

 Quanto às despesas

63      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 29.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê uma proibição absoluta de introdução, armazenamento, tratamento e acondicionamento, para fins de exportação, de uvas secas tanto entre as duas subzonas da zona A como entre a segunda subzona da zona A e a zona B, na medida em que não permite atingir de modo coerente os objectivos legítimos prosseguidos e vai além do que é necessário para garantir a realização destes.

Assinaturas


* Língua do processo: grego.

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