EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62007CJ0256

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de Março de 2009.
Mitsui & Co. Deutschland GmbH contra Hauptzollamt Düsseldorf.
Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Düsseldorf - Alemanha.
Código Aduaneiro Comunitário - Reembolso de direitos aduaneiros - Artigo 29.º, n.os 1 e 3, alínea a) - Valor aduaneiro - Regulamento (CEE) n.º 2454/93 - Artigo 145.º, n.os 2 e 3 - Reconhecimento, no âmbito da determinação do valor aduaneiro, dos pagamentos efectuados pelo vendedor em cumprimento de uma obrigação de garantia prevista no contrato de venda - Aplicação no tempo - Normas substantivas - Normas processuais - Retroactividade de uma norma - Validade.
Processo C-256/07.

European Court Reports 2009 I-01951

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:167

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de Março de 2009 ( *1 )

«Código Aduaneiro Comunitário — Reembolso de direitos aduaneiros — Artigo 29.o, n.os 1 e 3, alínea a) — Valor aduaneiro — Regulamento (CEE) n.o 2454/93 — Artigo 145.o, n.os 2 e 3 — Reconhecimento, no âmbito da determinação do valor aduaneiro, dos pagamentos efectuados pelo vendedor em cumprimento de uma obrigação de garantia prevista no contrato de venda — Aplicação no tempo — Normas substantivas — Normas processuais — Retroactividade de uma norma — Validade»

No processo C-256/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf (Alemanha), por decisão de 16 de Maio de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em , no processo

Mitsui & Co. Deutschland GmbH

contra

Hauptzollamt Düsseldorf,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, K. Schiemann, J. Makarczyk, P. Kūris (relator) e C. Toader, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Junho de 2008,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Mitsui & Co. Deutschland GmbH, por H. Nehm, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Schulze-Bahr, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por S. Schønberg e F. Hoffmeister, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 21 de Outubro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto, por um lado, a interpretação do artigo 29.o, n.os 1 e 3, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), bem como do artigo 145.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de , que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.o 2913/92 (JO L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 444/2002 da Comissão, de (JO L 68, p. 11, a seguir «regulamento de aplicação»). Por outro lado, o pedido tem por objecto a validade do artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento de aplicação.

2

Este pedido foi apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf no quadro de um litígio que opõe a Mitsui & Co. Deutschland GmbH (a seguir «Mitsui») ao Hauptzollamt Düsseldorf (estância aduaneira principal de Düsseldorf, a seguir «Hauptzollamt»), a propósito de um pedido de reembolso de direitos aduaneiros.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

Nos termos do artigo 29.o do código aduaneiro:

«1.   O valor aduaneiro das mercadorias importadas é o valor transaccional, isto é, o preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da Comunidade, eventualmente, após ajustamento efectuado nos termos dos artigos 32.o e 33.o, desde que:

a)

Não existam restrições quanto à cessão ou utilização das mercadorias pelo comprador, para além das restrições que:

sejam impostas ou exigidas pela lei ou pelas autoridades públicas na Comunidade,

limitem a zona geográfica na qual as mercadorias podem ser revendidas

ou

não afectem substancialmente o valor das mercadorias;

b)

A venda ou o preço não estejam subordinados a condições ou prestações cujo valor não se possa determinar relativamente às mercadorias a avaliar;

c)

Não reverta directa ou indirectamente para o vendedor nenhuma parte do produto de qualquer revenda, cessão ou utilização posterior das mercadorias pelo comprador, salvo se um ajustamento apropriado puder ser efectuado por força do artigo 32.o

e

d)

O comprador e o vendedor não estejam coligados ou, se o estiverem, que o valor transaccional seja aceitável para efeitos aduaneiros, por força do n.o 2.

[…]

a)

O preço efectivamente pago ou a pagar é o pagamento total efectuado ou a efectuar pelo comprador ao vendedor, ou em benefício deste, pelas mercadorias importadas e compreende todos os pagamentos efectuados ou a efectuar, como condição da venda das mercadorias importadas, pelo comprador ao vendedor, ou pelo comprador a uma terceira pessoa para satisfazer uma obrigação do vendedor. O pagamento não tem que ser efectuado necessariamente em dinheiro. Pode ser efectuado mediante cartas de crédito ou instrumentos negociáveis, e pode fazer-se directa ou indirectamente.

[…]»

4

O artigo 67.o do código aduaneiro determina:

«Salvo disposições específicas em contrário, a data que deve ser tomada em consideração para efeitos de aplicação de todas as disposições que regem o regime aduaneiro para o qual as mercadorias são declaradas é a data de aceitação de declaração pelas autoridades aduaneiras.»

5

O artigo 236.o do código aduaneiro dispõe:

«1.   Proceder-se-á ao reembolso dos direitos de importação ou dos direitos de exportação na medida em que se provar que, no momento do seu pagamento, o respectivo montante não era legalmente devido ou que foi objecto de registo de liquidação contrariamente ao disposto no n.o 2 do artigo 220.o

[…]

2.   O reembolso ou a dispensa de pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação será concedido mediante pedido apresentado na estância aduaneira competente antes do termo do prazo de três anos a contar da data da comunicação dos referidos direitos ao devedor.

Este prazo será prorrogado se o interessado provar que foi impedido de apresentar o seu pedido no referido prazo devido a caso fortuito ou de força maior.

As autoridades aduaneiras procederão oficiosamente ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos quando elas próprias verificarem, dentro daquele prazo, a existência de qualquer das situações descritas nos primeiro e segundo parágrafos do n.o 1.»

6

Os quinto e sexto considerandos do Regulamento n.o 444/2002 dispõem:

«(5)

Após a introdução em livre prática, o preço entre o comprador e o vendedor pode, em certos casos, ser alterado, a fim de ter em conta a natureza defeituosa das mercadorias.

(6)

Por conseguinte, as regras em vigor deverão expressamente permitir que um valor transaccional nos termos do artigo 29.o do código [aduaneiro] tenha em conta estas circunstâncias especiais, mediante salvaguardas adequadas e sob reserva da aplicação de prazos razoáveis.»

7

O Regulamento n.o 444/2002, que está em vigor a partir de 19 de Março de 2002, deu nova redacção ao artigo 145.o do regulamento de aplicação.

8

Este artigo 145.o, n.os 2 e 3, dispõe desde então:

«2.   Após a introdução em livre prática das mercadorias, a alteração pelo vendedor, a favor do comprador, do preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias pode ser tomad[a] em consideração na determinação do seu valor aduaneiro nos termos do artigo 29.o do código [aduaneiro] sempre que, perante as autoridades aduaneiras, for feita prova suficiente de que:

a)

As mercadorias estavam defeituosas no momento referido no artigo 67.o do código [aduaneiro];

b)

O vendedor efectuara a alteração nos termos da obrigação contratual de garantia prevista pelo contrato de venda concluído antes da introdução da livre prática;

c)

O carácter defeituoso das mercadorias não fora ainda tomado em consideração.

3.   O preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, alterado nos termos do n.o 2, só pode ser considerado se a alteração tiver ocorrido no prazo de 12 meses a contar da data de admissão da declaração de introdução das mercadorias em livre prática.»

Legislação nacional

9

O segundo livro do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir «BGB») regula o direito das obrigações. A secção VIII contém, no seu título I, as normas relativas ao contrato de compra e venda.

10

No caso de defeitos da coisa, o § 437 do BGB confere ao comprador os seguintes direitos:

«Se a coisa for defeituosa, o comprador pode, desde que estejam preenchidos os requisitos constantes das disposições seguintes e salvo disposição em contrário:

1.

exigir o cumprimento posterior nos termos do § 439;

2.

resolver o contrato […], ou exigir uma redução do preço de venda nos termos do § 441;

3.

pedir uma indemnização […] ou o reembolso das despesas […]»

11

Se o comprador optar pelo cumprimento posterior do contrato, o § 439, n.o 1, do BGB confere-lhe os seguintes direitos:

«A título de cumprimento posterior, o comprador pode, à sua escolha, exigir quer a supressão do defeito quer a entrega de uma coisa isenta de defeitos.»

12

Se o comprador optar pela redução do preço de venda, o § 441 do BGB dispõe o seguinte:

«1.   Em vez de resolver o contrato, o comprador pode, por meio de uma declaração ao vendedor, exigir a redução do preço de venda. […]

[…]

3.   Em caso de redução, o preço de venda deve ser diminuído na proporção entre o que teria sido o valor da coisa no momento da celebração do contrato, se estivesse isenta de defeito, e o seu valor real. A redução deve, se necessário, ser determinada através de uma avaliação.»

Litígio do processo principal e questões prejudiciais

13

De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, a Mitsui importa do Japão veículos novos da marca Subaru, que são comercializados na União Europeia por intermédio de distribuidores. O vendedor-fabricante dá, quanto a esse veículos, uma garantia de três anos contra defeitos técnicos ou outros defeitos de construção. No âmbito desta garantia, o vendedor-fabricante reembolsa a Mitsui dos custos em que ela incorreu para com terceiros no quadro das medidas de garantia, nomeadamente os custos relativos à aplicação dessas medidas pelos distribuidores em razão do defeito da mercadoria. No fim de cada mês, a Mitsui informa o vendedor-fabricante das prestações de garantia efectuadas, recebendo no mês seguinte o montante correspondente.

14

Em 13 de Junho de 2003, a Mitsui solicitou o reembolso dos direitos aduaneiros incidentes sobre as prestações de garantia relativas aos veículos que tinha colocado em livre prática no decurso do mês de Julho de 2000.

15

Por decisão de 27 de Maio de 2004, o Hauptzollamt concedeu à Mitsui um reembolso calculado com base nas prestações de garantia por esta facturadas ao vendedor-fabricante até ao mês de Fevereiro de 2002. Em contrapartida, o pedido de reembolso relativo às prestações de garantia efectuadas entre o mês de Março de 2002 e o mês de Junho de 2003 foi indeferido.

16

O Hauptzollamt referiu a este respeito que, de acordo com o artigo 145.o, n.o 3, do regulamento de aplicação, só pode reconhecer-se que os custos de garantia diminuem o valor aduaneiro se o preço das mercadorias importadas tiver sido ajustado num prazo de doze meses a contar da colocação em livre prática das mercadorias. Há também que aplicar esta disposição aos desalfandegamentos efectuados antes da entrada em vigor, em 19 de Março de 2002, do Regulamento n.o 444/2002. No que se refere às mercadorias colocadas em livre prática no decurso do mês de Julho de 2000, só podem ser tidos em conta os ajustamentos de preços realizados até ao mês de Fevereiro de 2002 inclusive.

17

A Mitsui reclamou desta decisão. Arguiu que o artigo 145.o do regulamento de aplicação não se aplicava ao seu pedido de reembolso uma vez que, no caso das garantias, trata-se não de uma modificação de preço a posteriori, na acepção desta disposição, mas da fixação do montante de uma obrigação contratual de garantia. Além disso, esta disposição, conforme alterada pelo Regulamento n.o 444/2002, não pode ser aplicada a mercadorias importadas e colocadas em livre prática antes de 19 de Março de 2002, isto é, anteriormente à data de entrada em vigor do Regulamento n.o 444/2002. Com efeito, o direito comunitário contém uma proibição de princípio da aplicação retroactiva dos actos comunitários, proibição que se aplica precisamente às disposições materiais como a do artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento de aplicação.

18

Tendo dúvidas quanto à interpretação do artigo 29.o do código aduaneiro, bem como quanto à interpretação e à validade do artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento de aplicação, o Finanzgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os pagamentos do [vendedor-fabricante] ao comprador, efectuados no âmbito de uma obrigação contratual de garantia […] e através dos quais são reembolsadas ao comprador as despesas de reparação que lhe são facturadas pelos seus [próprios distribuidores], reduzem o valor aduaneiro a que se reporta o artigo 29.o, n.os 1 e 3, alínea a), do código aduaneiro, valor aduaneiro esse que foi declarado com base no preço acordado entre o vendedor-fabricante e o comprador?

2)

Os pagamentos do [vendedor-fabricante] ao comprador para reembolso de despesas suportadas no âmbito de uma garantia, mencionados na primeira questão, constituem uma alteração do valor transaccional, nos termos do artigo 145.o, n.o 2, do regulamento [de aplicação]?

3)

Caso se responda afirmativamente à primeira ou à segunda questão: o artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento [de aplicação] é aplicável [às] importações cujas declarações [aduaneiras] tenham sido admitidas antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 444/2002?

4)

Caso se responda afirmativamente à terceira questão: é válido o artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento [de aplicação]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às primeira e segunda questões

19

Pelas suas duas primeiras questões, que devem ser tratadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 29.o, n.os 1 e 3, alínea a), do código aduaneiro e o artigo 145.o, n.o 2, do regulamento de aplicação devem ser interpretados no sentido de que, quando os defeitos das mercadorias, revelados posteriormente à colocação em livre prática dessas mercadorias mas que comprovadamente existiam antes desta colocação, dão lugar, por força de uma obrigação contratual de garantia, a reembolsos posteriores do vendedor-fabricante ao comprador, correspondentes aos custos de reparação facturados pelos próprios distribuidores do comprador, tais reembolsos podem acarretar uma redução do valor transaccional das referidas mercadorias e, em consequência, do seu valor aduaneiro, declarado com base no preço inicialmente convencionado entre o vendedor-fabricante e o comprador.

20

Para responder a estas questões, há que começar por recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a regulamentação comunitária relativa à avaliação aduaneira tem por objectivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclui a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios (acórdãos de 6 de Junho de 1990, Unifert, C-11/89, Colect., p. I-2275, n.o 35, e de , Sommer, C-15/99, Colect., p. I-8989, n.o 25). O valor aduaneiro deve reflectir o valor económico real de uma mercadoria importada e, portanto, levar em consideração todos os elementos desta mercadoria que tenham valor económico (v. acórdão de , Compaq Computer International Corporation, C-306/04, Colect., p. I-10991, n.o 30).

21

Como resulta dos apuramentos de facto a que procedeu o órgão jurisdicional de reenvio, o vendedor-fabricante japonês vendia à Mitsui veículos novos. O valor aduaneiro das mercadorias importadas que foi declarado correspondia, no processo principal, ao preço inicialmente convencionado entre o vendedor-fabricante, por um lado, e a Mitsui, por outro. O vendedor-fabricante, tendo concedido uma garantida de três anos contra qualquer defeito técnico ou outro dos veículos novos vendidos, tinha posteriormente de reembolsar à Mitsui os custos em que ela tivesse eventualmente incorrido relativamente a terceiros no âmbito da referida garantia.

22

Se se verifica, após a data de importação de um veículo, que este estava defeituoso no momento da sua importação, o seu valor económico real é, como afirmado pelo advogado-geral no n.o 21 das suas conclusões, inferior ao valor transaccional declarado no momento da sua colocação em livre prática.

23

É certo que o artigo 29.o, n.os 1 e 3, do código aduaneiro não especifica as condições em que devem ser tratadas as modificações posteriores do valor transaccional, base de cálculo do valor aduaneiro.

24

O preço efectivamente pago ou a pagar é, todavia, um dado que deve eventualmente ser objecto de ajustamento quando essa operação é necessária para evitar determinar um valor aduaneiro arbitrário ou fictício (v., neste sentido, acórdão de 12 de Junho de 1986, Repenning, 183/85, Colect., p. 1873, n.o 16).

25

Mais em particular, o Tribunal de Justiça já declarou que se deve admitir que, no caso de a mercadoria a avaliar, isenta de avarias no momento da compra, ter sido danificada antes da sua colocação em livre prática, o preço efectivamente pago ou a pagar deve ser objecto de uma redução proporcional ao prejuízo sofrido, uma vez que se trata de uma diminuição imprevisível do valor comercial da mercadoria (v. acórdãos, já referidos, Repenning, n.o 18, e Unifert, n.o 35).

26

Do mesmo modo, no processo principal, há que admitir que o preço efectivamente pago ou a pagar pode ser objecto de uma redução proporcional à diminuição do valor comercial das mercadorias em razão de um vício oculto que se tenha demonstrado estar presente antes da colocação em livre prática das mercadorias e que deu lugar a reembolsos posteriores por força de uma obrigação contratual de garantia e, em consequência, é susceptível de acarretar uma redução posterior do valor aduaneiro dessas mercadorias.

27

Como resulta dos termos dos quinto e sexto considerandos do Regulamento n.o 444/2002, o artigo 145.o, n.o 2, do regulamento de aplicação precisou, neste ponto, uma solução já indicada pelo artigo 29.o do próprio código aduaneiro. O referido artigo 145.o, n.o 2, define as condições em que uma alteração pelo vendedor a favor do comprador do preço efectivamente pago pelas mercadorias colocadas em livre prática pode ser tomado em consideração na determinação do valor aduaneiro. Estas condições cumulativas são três. Estão reunidas quando se pode demonstrar o carácter defeituoso das mercadorias no momento da aceitação da declaração pelas autoridades aduaneiras, quando a alteração de preço decorre da execução de uma obrigação de garantia prevista pelo contrato de venda concluído antes da introdução em livre prática das mercadorias e quando o carácter defeituoso das mercadorias não foi tomado em consideração no contrato de venda.

28

Do mesmo modo, os pagamentos efectuados por um vendedor a um comprador a título de um acordo de garantia, pelo qual esse comprador é indemnizado dos custos de reparação facturados pelos seus próprios compradores, constituem uma «alteração» do preço efectivamente pago ou a pagar, uma vez que os termos «alteração de preço» constantes do referido artigo 145.o do regulamento de aplicação cobrem diferentes realidades, nomeadamente a de uma diminuição do preço efectivamente pago ou a pagar.

29

Daqui resulta que há que responder às duas primeiras questões que o artigo 29.o, n.os 1 e 3, alínea a), do código aduaneiro e o artigo 145.o, n.o 2, do regulamento de aplicação devem ser interpretados no sentido de que, quando os defeitos das mercadorias, revelados posteriormente à colocação em livre prática dessas mercadorias mas que comprovadamente existiam antes desta colocação, dão lugar, por força de uma obrigação contratual de garantia, a reembolsos posteriores do vendedor-fabricante ao comprador, correspondentes aos custos de reparação facturados pelos seus próprios distribuidores, tais reembolsos podem acarretar uma redução do valor transaccional das referidas mercadorias e, em consequência, do seu valor aduaneiro, declarado com base no preço inicialmente convencionado entre o vendedor-fabricante e o comprador.

Quanto à terceira questão

30

Na sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento de aplicação se aplica a importações cujas declarações aduaneiras foram aceites pelas autoridades aduaneiras antes de 19 de Março de 2002, data em que o Regulamento n.o 444/2002, que alterou o referido artigo 145.o, entrou em vigor.

31

A este propósito, deve recordar-se que os princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica fazem parte da ordem jurídica comunitária. Como tal, têm de ser respeitados pelas instituições comunitárias (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Abril de 2005, «Goed Wonen», C-376/02, Colect., p. I-3445, n.o 32 e jurisprudência aí citada).

32

Embora, regra geral, o princípio da segurança jurídica se oponha a que o alcance temporal de um acto comunitário tenha o seu início em data anterior à da publicação desse acto, pode assim não ser, a título excepcional, quando uma finalidade de interesse geral o exige e a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (v., nomeadamente, acórdão «Goed Wonen», já referido, n.o 33), e ainda na medida em que resulte claramente dos termos, da finalidade ou da economia das regras comunitárias em causa que tal efeito lhes deve ser atribuído (v., neste sentido, acórdão de 9 de Março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services, C-293/04, Colect., p. I-2263, n.o 21 e jurisprudência aí citada).

33

Ora, nem a redacção das disposições ou dos considerandos do Regulamento n.o 444/2002 nem os trabalhos preparatórios deste acto contêm qualquer indicação de que um tal efeito retroactivo deva ser atribuído ao artigo 145.o do regulamento de aplicação.

34

Pelo contrário, resulta da acta do Comité do código aduaneiro (Secção do valor aduaneiro) (síntese das conclusões adoptadas na sessão de 26 de Outubro de 2001; TAXUD/906.2001, EN, p. 3) que esta «disposição […] não previa uma aplicação retroactiva e que não estava previsto incluí-la, salvo se o comité manifestasse expressamente a sua vontade neste sentido». Ora, não foi esse o caso.

35

De qualquer modo, como resulta dos n.os 31 e 32 do presente acórdão, o efeito reconhecido a uma disposição do direito comunitário não deve comprometer os princípios fundamentais da Comunidade, nomeadamente os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.

36

Ora, embora o artigo 145.o do regulamento de aplicação se destine a melhorar a segurança jurídica ao enquadrar expressamente a consideração da alteração do preço das mercadorias quando estas são defeituosas no momento da sua importação, a sua aplicação, nos termos em que foi feita no processo principal, teria no entanto a consequência de pôr em causa a confiança legítima dos operadores económicos alemães na medida em que, como referiu o advogado-geral no n.o 50 das suas conclusões, as autoridades aduaneiras alemãs aplicavam o prazo geral de três anos previsto no artigo 236.o, n.o 2, do código aduaneiro em caso de alteração, após a importação, do valor transaccional das mercadorias por motivo da natureza defeituosa destas, com o fim de determinar o seu valor aduaneiro.

37

Em consequência, é forçoso declarar que o artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento de aplicação não se aplica a situações nascidas anteriormente a 19 de Março de 2002.

38

Resulta do que precede que há que responder à terceira questão que o artigo 145.o, n.os 2 e 3, do regulamento de aplicação não se aplica às importações cujas declarações aduaneiras foram aceites antes de 19 de Março de 2002.

Quanto à quarta questão

39

Tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não há que responder à quarta.

Quanto às despesas

40

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 29.o, n.os 1 e 3, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, e o artigo 145.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de , que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.o 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 444/2002 da Comissão, de , devem ser interpretados no sentido de que, quando os defeitos das mercadorias, revelados posteriormente à colocação em livre prática dessas mercadorias mas que comprovadamente existiam antes desta colocação, dão lugar, por força de uma obrigação contratual de garantia, a reembolsos posteriores do vendedor-fabricante ao comprador, correspondentes aos custos de reparação facturados pelos seus próprios distribuidores, tais reembolsos podem acarretar uma redução do valor transaccional das referidas mercadorias e, em consequência, do seu valor aduaneiro, declarado com base no preço inicialmente convencionado entre o vendedor-fabricante e o comprador.

 

2)

O artigo 145.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 2454/93, conforme alterado pelo Regulamento n.o 444/2002, não se aplica às importações cujas declarações aduaneiras foram aceites antes de 19 de Março de 2002.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

Top