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Document 62007CJ0169

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 10 de Março de 2009.
Hartlauer Handelsgesellschaft mbH contra Wiener Landesregierung e Oberösterreichische Landesregierung.
Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgerichtshof - Áustria.
Liberdade de estabelecimento - Segurança social - Sistema nacional de saúde financiado pelo Estado - Sistema de prestações em espécie - Sistema de reembolso das despesas adiantadas pelo segurado - Autorização de criação de uma policlínica privada que presta tratamentos dentários ambulatórios - Critério de avaliação das necessidades que justificam a criação de um estabelecimento de saúde - Objectivo que visa manter um serviço médico ou hospitalar de qualidade, equilibrado e acessível a todos - Objectivo que visa prevenir um risco de deterioração grave do equilíbrio financeiro do sistema de segurança social - Coerência - Proporcionalidade.
Processo C-169/07.

European Court Reports 2009 I-01721

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:141

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

10 de Março de 2009 ( *1 )

«Liberdade de estabelecimento — Segurança social — Sistema nacional de saúde financiado pelo Estado — Sistema de prestações em espécie — Sistema de reembolso das despesas adiantadas pelo segurado — Autorização de abertura de uma policlínica privada que presta cuidados dentários ambulatórios — Critério de avaliação das necessidades que justificam a criação de um estabelecimento de saúde — Objectivo que visa manter um serviço médico ou hospitalar de qualidade, equilibrado e acessível a todos — Objectivo que visa prevenir um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social — Coerência — Proporcionalidade»

No processo C-169/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), por decisão de 22 de Fevereiro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em , no processo

Hartlauer Handelsgesellschaft mbH

contra

Wiener Landesregierung,

Oberösterreichische Landesregierung,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, A. Rosas, K. Lenaerts, T. von Danwitz, presidentes de secção, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, J. Malenovský (relator), A. Arabadjiev, C. Toader e J.-J. Kasel, juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Fevereiro de 2008,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Hartlauer Handelsgesellschaft mbH, por W. Graziani-Weiss, Rechtsanwalt,

em representação do Oberösterreichische Landesregierung, por G. Hörmanseder, na qualidade de agente,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, bem como por F. Felix, G. Aigner e G. Endel, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, bem como por M. de Grave e Y. de Vries, na qualidade de agentes,

em representação do Governo norueguês, por K. B. Moen e J. A. Dalbakk, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Braun, E. Traversa e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 9 de Setembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 43.o CE e 48.o CE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem a Hartlauer Handelsgesellschaft mbH (a seguir «Hartlauer») ao Wiener Landesregierung (Governo do Land de Viena) e ao Oberösterreichische Landesregierung (Governo do Land da Alta Áustria), a propósito de decisões destes últimos, que recusaram conceder à Hartlauer autorizações com vista à abertura e à exploração de policlínicas dentárias independentes.

Quadro jurídico nacional

3

As condições que regem a abertura e a exploração de estabelecimentos de saúde são fixadas, a nível federal, pela Lei relativa aos estabelecimentos de saúde (Krankenanstaltengesetz, BGBl. 1/1957), conforme alterada pela lei publicada no BGBl. I, 5/2001 (a seguir «KAG»), posteriormente denominada «Lei relativa aos estabelecimentos de saúde e de cura» (Krankenanstalten- und Kuranstaltengesetz), conforme alterada pela lei publicada no BGBl. I, 122/2006 (a seguir «KAKuG»).

4

Nos termos do § 2, n.o 1, da KAG e do § 2, n.o 1, da KAKuG, são considerados «estabelecimentos de saúde» (Krankenanstalten), na acepção destas leis, entre outros, as «policlínicas independentes (selbständige Ambulatorien) (centros de radiologia, policlínicas dentárias e estabelecimentos similares); trata-se de estabelecimentos, independentes no plano organizacional, que têm por objecto o exame ou o tratamento de pessoas cujo estado de saúde não exige hospitalização».

5

O § 3 da KAG dispõe:

«1.   A autorização do Governo do Land é necessária tanto para abrir como para explorar um estabelecimento de saúde. […]

2.   A autorização para a abertura de um estabelecimento de saúde, na acepção do n.o 1, apenas pode ser concedida quando, em especial,

a)

haja uma necessidade, tendo em conta o objecto do estabelecimento indicado no pedido e as prestações que prevê oferecer, atendendo aos cuidados já prestados pelos estabelecimentos de saúde públicos, privados de utilidade pública e pelos outros estabelecimentos de saúde convencionados, bem como, tratando-se da criação de um estabelecimento de saúde sob a forma de uma policlínica independente, atendendo igualmente aos cuidados prestados pelos médicos liberais convencionados, pelos estabelecimentos pertencentes às caixas e pelos estabelecimentos convencionados, tratando-se de policlínicas dentárias, atendendo igualmente aos ‘Dentisten’ liberais convencionados;

[…]»

6

O § 3, n.os 1 e 2, da KAKuG retoma, em termos idênticos, o § 3, n.os 1 e 2, da KAG, mas prevê que o referido pedido de autorização é examinado tendo igualmente em conta o plano para os estabelecimentos de saúde do Land em causa, bem como, tratando-se da abertura de um estabelecimento de saúde sob a forma de uma policlínica independente, atendendo igualmente aos cuidados prestados pelos serviços de cuidados de saúde ambulatórios dos estabelecimentos de saúde públicos, pelos estabelecimentos privados de utilidade pública e por outros estabelecimentos de saúde convencionados, bem como os cuidados prestados pelos dentistas.

7

Em conformidade com o disposto no artigo 12.o, n.o 1, ponto 1, da Lei constitucional federal (Bundes-Verfassungsgesetz), compete aos Länder adoptar as leis de aplicação e assegurar a execução da legislação federal relativa aos estabelecimentos de saúde.

8

Na data em que ocorreram os factos pertinentes para a solução do litígio entre a Hartlauer e o Wiener Landesregierung, a lei aplicável era a KAG. A esta última foi dada execução pela Lei do Land de Viena relativa aos estabelecimentos de saúde de 1987 (Wiener Krankenanstaltengesetz 1987, LGBl. 23/1987), conforme alterada pela lei publicada no LGBl. 48/2001 (a seguir «Wr. KAG»).

9

O § 4, n.o 2, da Wr. KAG dispõe:

«[…] a autorização para criar um estabelecimento de saúde [como uma policlínica independente] apenas pode ser concedida se for submetida aos requisitos e obrigações necessários à luz dos conhecimentos da ciência médica e das exigências de um perfeito funcionamento do estabelecimento de saúde, quando,

a)

haja uma necessidade, tendo em conta o objecto do estabelecimento indicado no pedido e as prestações que prevê oferecer, atendendo aos cuidados já prestados pelos estabelecimentos de saúde públicos, pelos estabelecimentos privados de utilidade pública e pelos outros estabelecimentos de saúde convencionados, bem como, tratando-se da abertura de um estabelecimento de saúde sob a forma de uma policlínica independente, atendendo igualmente aos cuidados prestados pelos médicos liberais convencionados, pelos estabelecimentos pertencentes às caixas e pelos estabelecimentos convencionados, tratando-se de policlínicas dentárias, atendendo igualmente aos ‘Dentisten’ liberais convencionados.

[…]»

10

Na data em que ocorreram os factos relevantes para a solução do litígio entre a Hartlauer e o Oberösterreichische Landesregierung, a lei aplicável era a KAKuG. A esta última foi dada execução pela Lei do Land da Alta Áustria relativa aos estabelecimentos de saúde de 1997 (Oberösterreichisches Krankenanstaltengesetz 1997, LGBl. 132/1997), conforme alterada pela lei publicada no LGBl. 99/2005 (a seguir «Oö KAG»).

11

O § 5 da Oö KAG tem a seguinte redacção:

«[…] a autorização para a abertura de um estabelecimento de saúde deve ser concedida quando

1.

Haja uma necessidade na acepção do n.o 2,

[…]

2.

A necessidade de um estabelecimento de saúde, com o objecto indicado no pedido e a oferta de prestações prevista, é apreciada tendo em consideração o limite do número de camas fixado pelo plano para os estabelecimentos de saúde do Land da Alta Áustria […], atendendo aos cuidados já prestados, num raio adequado, pelos estabelecimentos de saúde públicos, pelos estabelecimentos privados de utilidade pública e pelos outros estabelecimentos de saúde convencionados, bem como, tratando-se da abertura de um estabelecimento de saúde sob a forma de uma policlínica autónoma, atendendo igualmente aos cuidados prestados pelos serviços de cuidados ambulatórios dos estabelecimentos de saúde referidos e pelos médicos convencionados que exercem por conta própria, pelos estabelecimentos pertencentes às caixas de previdência e pelos estabelecimentos convencionados, e, no caso de policlínicas dentárias, atendendo igualmente aos ‘Dentisten’ liberais convencionados. […]»

12

O § 3, n.o 1, da Lei relativa à profissão médica de 1998 (Ärztegesetz 1998, BGBl. I, 169/1998), conforme alterada pela lei publicada no BGBl. I, 110/2001, prevê que o exercício, a título independente, da profissão de médico é reservado exclusivamente aos médicos generalistas, aos médicos habilitados bem como aos médicos especialistas.

13

O § 52a desta lei dispõe que uma colaboração entre médicos é possível no quadro de um consultório de grupo que beneficie de uma habilitação autónoma para exercer a profissão (a seguir «consultório de grupo»). A habilitação de um consultório de grupo para exercer a profissão decorre da habilitação dos médicos e dos «Dentisten», associados pessoalmente responsáveis do referido consultório. Esta colaboração deve assumir a forma jurídica de uma sociedade em nome colectivo. Só médicos e «Dentisten» autorizados a exercer a sua profissão a título independente podem ter a qualidade de associados pessoalmente responsáveis de um consultório de grupo.

14

O § 26, n.o 1, da Lei relativa ao exercício da profissão de dentista (Zahnärztegesetz, BGBl. I, 126/2005), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006, conforme alterada pela lei publicada no BGBl. I, 80/2006, prevê:

«A colaboração de membros da profissão de dentista que exerçam esta profissão a título liberal, na acepção do § 24, n.o 1, é igualmente possível no quadro de um consultório de grupo que beneficie de uma habilitação autónoma para exercer a profissão, o qual deve assumir a forma jurídica de uma sociedade com fim lucrativo em nome colectivo, na acepção do § 1 da Lei relativa às sociedades com fim lucrativo […]. Só membros da profissão de dentista bem como médicos autorizados a exercer a sua profissão como independentes podem ter a qualidade de associados pessoalmente responsáveis do consultório de grupo. Nenhuma outra pessoa pode ter a qualidade de associado de um consultório de grupo nem, consequentemente, participar no volume de negócios ou nos lucros.»

15

A abertura de um consultório de grupo não está sujeita a um exame das necessidades na acepção da legislação acima referida.

16

Segundo a decisão de reenvio, o regime em vigor em matéria de cuidados médicos que devem ser assumidos pela segurança social recorre principalmente a um sistema de prestações em espécie («Sachleistungssystem»). Segundo este sistema, os organismos de segurança social devem criar um dispositivo que permita aos segurados beneficiar de prestações médicas sem terem de pagar honorários ao prestador dos cuidados. Tal sistema implica que as prestações sejam fornecidas por estruturas pertencentes aos organismos de segurança social ou por estruturas ou médicos liberais com os quais esses organismos tenham concluído uma convenção e que forneçam essas prestações por sua própria conta (a seguir «médicos convencionados»).

17

Em complemento do sistema de prestações em espécie, existe um sistema de reembolso das despesas adiantadas pelo segurado («Kostenerstattungssystem»). Segundo este sistema, os organismos de segurança social têm a obrigação de reembolsar as despesas médicas apresentadas pelos segurados, no caso de estes, em vez de consultarem um médico convencionado, terem recorrido a um médico não convencionado e terem chegado a acordo com este sobre os honorários. O segurado beneficia, neste caso, do direito ao reembolso, pelo organismo de segurança social, das despesas que tiver adiantado, tendo como limite, regra geral, 80% do montante que teria sido facturado se o tratamento tivesse sido confiado a um médico convencionado.

Litígios no processo principal e questões prejudiciais

18

Por decisão de 29 de Agosto de 2001, o Wiener Landesregierung rejeitou o pedido apresentado pela Hartlauer, sociedade com sede na Alemanha, no sentido de ser autorizada a criar um estabelecimento de saúde privado sob a forma de uma policlínica dentária no 21.o bairro de Viena. O Wiener Landesregierung baseou-se no § 4 da Wr. KAG e num relatório elaborado por um perito da Administração em questões médicas. Segundo esse relatório, os cuidados dentários eram assegurados, em Viena, de forma suficiente, pelos estabelecimentos de saúde públicos, pelos estabelecimentos privados de utilidade pública e pelos demais médicos convencionados com uma oferta de prestações comparável. Esta apreciação tinha sido efectuada com base na proporção entre o número de habitantes e o número de dentistas, que era de 2207 habitantes por dentista. Partindo das conclusões do referido perito, o Wiener Landesregierung declarou que o estabelecimento de saúde cuja abertura era pedida não teria por efeito acelerar, intensificar ou melhorar substancialmente a prestação de cuidados médicos no domínio dentário aos pacientes residentes em Viena e que não existia, portanto, uma necessidade que justificasse a abertura de tal estabelecimento.

19

Por motivos idênticos, o Oberösterreichische Landesregierung rejeitou, por decisão de 20 de Setembro de 2006, o pedido apresentado pela Hartlauer no sentido de ser autorizada a criar uma policlínica dentária em Wels. O exame deste pedido foi efectuado com base no tempo necessário para obter uma consulta nos prestadores mencionados no § 5, n.o 2, da Oö KAG, incluindo os prestadores dos serviços de cuidados ambulatórios dos estabelecimentos de saúde em causa.

20

A Hartlauer recorreu de ambas as decisões para o Verwaltungsgerichtshof, que apensou os processos.

21

Este órgão jurisdicional interroga-se sobre a compatibilidade das regras nacionais em causa no processo principal, relativas à definição das necessidades em matéria de criação de estabelecimentos de saúde, com o artigo 43.o CE, bem como sobre a incidência que poderia ter nessa compatibilidade a circunstância de, para efeitos da apreciação dessas necessidades, o § 5, n.o 2, da Oö KAG ter passado a impor que se tomassem em consideração os cuidados prestados pelos serviços de cuidados ambulatórios de certos estabelecimentos de saúde, o que teria por efeito tornar ainda mais difícil o acesso de um novo candidato ao mercado em questão.

22

Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 43.o CE (conjugado com o artigo 48.o CE) opõe-se à aplicação de uma legislação nacional nos termos da qual, para a abertura de um estabelecimento [de saúde] privado, que consiste numa clínica dentária independente [(policlínica dentária)], é necessária uma autorização, devendo essa autorização ser indeferida se, tendo em conta o objecto do estabelecimento e a prestação de serviços prevista, a clínica dentária em causa não for necessária, por [já serem prestados cuidados pelos médicos liberais convencionados, pelos estabelecimentos pertencentes às caixas e pelos estabelecimentos convencionados, bem como pelos ‘Dentisten’ convencionados]?

2)

A resposta à primeira questão será diferente se, para a análise da referida necessidade, [for ainda de tomar em consideração os cuidados já prestados pelos serviços de cuidados ambulatórios dos estabelecimentos de saúde públicos, dos estabelecimentos privados de utilidade pública e dos outros estabelecimentos de saúde convencionados]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

23

Na audiência, o Governo austríaco pôs em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, considerando que a Hartlauer invoca abusivamente as regras comunitárias. No presente processo, o nexo transfronteiriço foi, segundo este governo, estabelecido artificialmente, uma vez que a Hartlauer é a filial de uma sociedade austríaca que pretendia reinstalar-se na Áustria e que terá criado esta filial unicamente com o objectivo de fazer entrar a sua situação no âmbito de aplicação do direito comunitário.

24

A este respeito, importa recordar que compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer do litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões tenham por objecto a interpretação do direito comunitário, o Tribunal é, em princípio, obrigado a pronunciar-se (v., designadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colect., p. I-2099, n.o 38, e de , Kapper, C-476/01, Colect., p. I-5205, n.o 24).

25

O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre uma questão prejudicial colocada por um órgão jurisdicional nacional quando, nomeadamente, seja manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra comunitária, solicitadas pelo órgão jurisdicional nacional, não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal ou quando o problema é de natureza hipotética (acórdão de 3 de Junho de 2008, Intertanko e o., C-308/06, ainda não publicado na Colectânea, n.o 32 e jurisprudência referida).

26

No presente processo, não é manifesto que a interpretação solicitada não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objecto dos litígios no processo principal ou que o problema seja de natureza hipotética.

27

Nestas circunstâncias, há que julgar admissível o pedido de decisão prejudicial.

Quanto à primeira questão

28

Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 43.o CE e 48.o CE se opõem a disposições nacionais, como as que estão em causa no processo principal, por força das quais é necessária uma autorização para criar um estabelecimento de saúde privado sob a forma de uma policlínica dentária independente e nos termos das quais essa autorização deve ser recusada quando não exista, tendo em conta os cuidados já prestados pelos médicos convencionados, uma necessidade que justifique a abertura dessa policlínica.

Observações preliminares

29

Em primeiro lugar, importa recordar que resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça como do artigo 152.o, n.o 5, CE que o direito comunitário não prejudica a competência dos Estados-Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e para adoptarem, em particular, disposições destinadas a organizar e fornecer serviços de saúde e cuidados médicos. No entanto, no exercício dessa competência, os Estados-Membros devem respeitar o direito comunitário, designadamente as disposições do Tratado CE relativas às liberdades de circulação, incluindo a liberdade de estabelecimento. As referidas disposições implicam, para os Estados-Membros, a proibição de introduzirem ou de manterem restrições injustificadas ao exercício dessas liberdades no domínio dos cuidados de saúde (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Fevereiro de 1984, Duphar e o., 238/82, Recueil, p. 523, n.o 16; de , Watts, C-372/04, Colect., p. I-4325, n.os 92 e 146, bem como de , Comissão/Alemanha, C-141/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 22 e 23).

30

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na apreciação da observância desta obrigação, importa ter em conta o facto de que o Estado-Membro pode decidir o nível a que pretende assegurar a protecção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que este nível pode variar de um Estado-Membro para outro, há que reconhecer aos Estados-Membros uma margem de apreciação (acórdão, já referido, Comissão/Alemanha, n.o 51 e jurisprudência referida).

31

Em segundo lugar, importa precisar que os litígios no processo principal têm por objecto a exigência segundo a qual uma autorização baseada no critério relativo às necessidades da população apenas é requerida para a abertura de uma policlínica dentária independente, seja qual for a resposta à questão de saber se tal estabelecimento poderá concluir seguidamente uma convenção com um organismo da segurança social, que lhe permitiria fornecer prestações médicas no quadro do sistema de prestações em espécie. A este respeito, a Hartlauer afirma que tenciona prestar cuidados de saúde no quadro do sistema de reembolso das despesas adiantadas pelo segurado e que não pretende obter o estatuto de estabelecimento convencionado.

32

Assim, há que procurar determinar se a referida exigência constitui uma restrição na acepção do artigo 43.o CE e, se assim acontecer, examinar se tal restrição pode ser justificada.

Quanto à existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento

33

Segundo jurisprudência assente, o artigo 43.o CE opõe-se a qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja susceptível de perturbar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais comunitários, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado (v., designadamente, acórdãos de 14 de Outubro de 2004, Comissão/Países Baixos, C-299/02, Colect., p. I-9761, n.o 15 e de , Comissão/Grécia, C-140/03, Colect., p. I-3177, n.o 27).

34

Uma legislação nacional que subordina o estabelecimento de uma empresa de outro Estado-Membro à concessão de uma autorização prévia constitui uma restrição na acepção do artigo 43.o CE, uma vez que é susceptível de perturbar o exercício, por essa empresa, da liberdade de estabelecimento, impedindo-a de exercer livremente as suas actividades por intermédio de um estabelecimento estável.

35

Com efeito, por um lado, a referida empresa corre o risco de suportar os encargos administrativos e financeiros suplementares que a concessão de tal autorização implica. Por outro lado, a legislação nacional reserva o exercício de uma actividade não assalariada a certos operadores económicos que respondam a certas exigências antecipadamente determinadas, cuja observância condiciona a concessão da autorização (v., no que respeita à livre prestação de serviços, acórdãos de 25 de Julho de 1991, Säger, C-76/90, Colect., p. I-4221, n.o 14, e de , Comissão/Áustria, C-168/04, Colect., p. I-9041, n.o 40).

36

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que uma legislação nacional que subordina o exercício de uma actividade a uma condição relacionada com as necessidades económicas ou sociais dessa actividade constitui uma restrição na medida em que possa ter por efeito limitar o número de prestadores de serviços (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Setembro de 2001, Gloszczuk, C-63/99, Colect., p. I-6369, n.o 59, e de , Comissão/França, C-255/04, Colect., p. I-5251, n.o 29).

37

Nos litígios no processo principal, a legislação nacional subordina a abertura de um estabelecimento de saúde, como uma policlínica dentária independente, à concessão de uma autorização administrativa prévia. Prevê, além disso, que tal utilização apenas pode ser concedida «se houver uma necessidade» que justifique a abertura de um novo estabelecimento, atendendo aos cuidados já prestados, designadamente, pelos médicos convencionados.

38

Esta legislação desencoraja, se é que não impede, empresas de outros Estados-Membros de exercerem as suas actividades no território da República da Áustria, por intermédio de um estabelecimento de saúde estável. No caso vertente, a sua aplicação teve por efeito privar completamente a Hartlauer de aceder ao mercado dos cuidados dentários neste Estado-Membro.

39

Consequentemente, a referida legislação constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, na acepção do artigo 43.o CE, não obstante a alegada inexistência de discriminação em razão da nacionalidade dos profissionais em causa.

40

Nestas circunstâncias, há que examinar se as disposições controvertidas podem ser objectivamente justificadas.

Quanto à justificação da restrição à liberdade de estabelecimento

41

O Oberösterreichische Landesregierung assim como os Governos austríaco e norueguês sustentam que a exigência de uma autorização prévia para a abertura de uma policlínica dentária independente é justificada por razões de protecção da saúde pública. Consideram que este regime garante um serviço médico de qualidade, equilibrado e acessível a todos, e assegura o equilíbrio financeiro da segurança social, na medida em que permite aos organismos da segurança social controlar as respectivas despesas, ajustando-as a necessidades planificadas.

42

Entendem, com efeito, que tal exigência é indispensável para preservar as bases do sistema médico instituído pelo legislador austríaco, que optou por dar prioridade a um sistema de prestações em espécie, bem como à assistência médica da população através de estruturas financiadas por fundos públicos. Os cuidados de saúde devem, assim, ser prestados, a título principal, pelos médicos convencionados. Ora, a ampliação não controlada da oferta através da abertura de novas policlínicas dentárias independentes teria consequências nefastas para a situação económica destes médicos e, consequentemente, também para o acesso dos pacientes aos serviços médicos fornecidos pelos referidos médicos no conjunto do território nacional, uma vez que as referidas policlínicas, em certa medida, excluiriam estes últimos do mercado.

43

O Governo austríaco alega igualmente que estas limitações se impõem pelo facto de, no domínio da saúde pública, as leis que regulam normalmente o mercado apenas se aplicarem de forma muito limitada e de ocorrerem com frequência falhas no mercado. Este domínio não é, designadamente, regulado pela lei da oferta e da procura. A procura é induzida pela oferta, pelo que o aumento da oferta não provoca uma diminuição dos preços, nem a repartição de um mesmo volume de prestações entre vários prestadores, mas um aumento do volume das prestações a preços constantes. Segundo este governo, um aumento não controlado do número dos prestadores de serviços médicos imporia aos organismos de segurança social encargos incontroláveis. Estes últimos não têm, porém, a possibilidade de lançar uma acção de regulação através de uma política de convencionamento, dado que, mesmo que não proponham a assinatura de uma convenção aos novos prestadores, são obrigados a pagar, no quadro do sistema de reembolso das despesas adiantadas pelo segurado, montantes sensivelmente idênticos aos pagos no âmbito do sistema das prestações em espécie. Em sua opinião, isso representa um risco imediato para as capacidades financeiras do sistema de segurança social.

44

A este respeito, importa recordar que uma restrição à liberdade de estabelecimento, aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, desde que seja adequada para garantir a realização do objectivo por ela prosseguido e não ultrapasse o necessário para alcançar esse objectivo (acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.o 34 e jurisprudência referida).

45

No caso vertente, é pacífico que o regime de autorização prévia em causa no processo principal se aplica sem discriminação em razão da nacionalidade.

46

Acresce que a protecção da saúde pública figura entre as razões imperiosas de interesse geral que podem, ao abrigo do artigo 46.o, n.o 1, CE, justificar restrições à liberdade de estabelecimento.

47

Decorre da jurisprudência que dois objectivos podem, mais concretamente, beneficiar desta derrogação, desde que contribuam para a realização de um nível elevado de protecção da saúde: por um lado, o objectivo que consiste em manter um serviço médico ou hospitalar de qualidade, equilibrado e acessível a todos e, por outro, o objectivo que consiste em evitar um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social (v., neste sentido, acórdão Watts, já referido, n.os 103 e 104 bem como jurisprudência referida).

48

Relativamente ao primeiro destes objectivos, o artigo 46.o CE permite, em especial, aos Estados-Membros restringir o fornecimento de prestações médicas e hospitalares, na medida em que a manutenção de uma capacidade de prestação de cuidados ou de uma competência médica no território nacional seja essencial para a saúde pública, ou mesmo para a sobrevivência da população (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Maio de 2003, Müller-Fauré e van Riet, C-385/99, Colect., p. I-4509, n.o 67, e Watts, já referido, n.o105

49

Quanto ao segundo objectivo, importa recordar que uma planificação das prestações médicas, de que a exigência de uma autorização para a abertura de um novo estabelecimento de saúde constitui um corolário, visa garantir a contenção dos custos e evitar, na medida do possível, qualquer desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos, uma vez que o sector dos cuidados médicos acarreta custos consideráveis e deve responder a necessidades crescentes, ao passo que os recursos financeiros que podem ser consagrados aos cuidados de saúde não são ilimitados, independentemente do modo de financiamento utilizado (v., no que respeita aos cuidados hospitalares no quadro da livre prestação de serviços, acórdãos, já referidos, Müller-Fauré e van Riet, n.o 80, e Watts, n.o 109).

50

Por conseguinte, há que verificar se as restrições em causa no processo principal são adequadas para garantir a realização dos objectivos que consistem em manter um serviço médico de qualidade, equilibrado e acessível a todos e em evitar um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social.

51

A este respeito, não se pode excluir à partida, como o Tribunal já declarou a propósito dos estabelecimentos hospitalares (acórdãos de 12 de Julho de 2001, Smits e Peerbooms, C-157/99, Colect., p. I-5473, n.os 76 a 80, e Watts, já referido, n.os 108 a 110), que infra-estruturas de cuidados ambulatórios, como consultórios médicos e policlínicas, possam ser igualmente objecto de planificação.

52

Na verdade, uma planificação, que exige uma autorização prévia para a instalação de novos prestadores de cuidados, pode afigurar-se indispensável para colmatar eventuais lacunas no acesso aos cuidados ambulatórios e para evitar a abertura de estruturas em duplicado, de modo a assegurar uma assistência médica que se adapte às necessidades da população, cubra todo o território e tenha em conta as regiões geograficamente isoladas ou que de outra forma se encontrem numa situação desfavorecida.

53

Nesta mesma perspectiva, um Estado-Membro pode organizar serviços de cuidados médicos de forma a dar prioridade a um sistema de prestações em espécie, a fim de que cada paciente aceda facilmente, em todo o território nacional, aos serviços dos médicos convencionados.

54

No entanto, no caso vertente, duas ordens de considerações opõem-se a que seja reconhecido que a legislação em causa é apta a garantir a realização dos objectivos acima referidos.

55

Em primeiro lugar, recorde-se que uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objectivo invocado, se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Março de 2007, Placanica e o., C-338/04, C-359/04 e C-360/04, Colect., p. I-1891, n.os 53 e 58, e de , Corporación Dermoestética, C-500/06, ainda não publicado na Colectânea, n.os 39 e 40).

56

Ora resulta do § 3, n.os 1 e 2, da KAG e do § 3, n.os 1 e 2, da KAKuG, aos quais foi dada execução pelo § 4 da Wr. KAG e pelo § 5 da Oö KAG, que uma autorização prévia baseada numa avaliação das necessidades do mercado é exigida para a abertura e a exploração de novas policlínicas dentárias independentes, seja qual for a sua dimensão, e que a abertura de novos consultórios de grupo não está, em contrapartida, sujeita a um regime de autorização, independentemente da sua dimensão.

57

Resulta, porém, da decisão de reenvio que as instalações e os equipamentos materiais dos consultórios de grupo e das policlínicas dentárias podem ter características comparáveis e que, em muitos casos, o paciente não vê diferenças entre essas estruturas.

58

Por outro lado, os consultórios de grupo oferecem, regra geral, as mesmas prestações médicas que as policlínicas dentárias e estão sujeitos às mesmas condições de mercado.

59

Do mesmo modo, os consultórios de grupo e as policlínicas dentárias podem dispor de efectivos de médicos comparáveis. É verdade que os médicos que fornecem prestações médicas num consultório de grupo têm a qualidade de sócio pessoalmente responsável e estão autorizados a exercer uma profissão dentária de forma independente, ao passo que os médicos que exercem a sua actividade numa policlínica têm o estatuto de assalariados. Todavia, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que essa circunstância tenha influência na natureza e no volume das prestações fornecidas.

60

Dado que estas duas categorias de prestadores podem ter características e um número de médicos comparáveis e fornecer volumes de prestações médicas equivalentes, podem ter um impacto idêntico no mercado das prestações médicas em causa, sendo portanto susceptíveis de afectar, de forma equivalente, a situação económica dos médicos convencionados em certas zonas geográficas e, por isso, a realização dos objectivos de planificação prosseguidos pelas autoridades competentes.

61

Esta incoerência afecta igualmente a realização do objectivo que consiste em prevenir um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do sistema nacional de segurança social. Com efeito, mesmo admitindo que a implantação não controlada de policlínicas dentárias independentes possa provocar um aumento considerável do volume das prestações médicas a preços constantes que acabarão por onerar esse sistema, o Governo austríaco não apresentou elementos susceptíveis de explicar a razão pela qual só a implantação das referidas policlínicas poderia ter tal efeito, mas não a dos consultórios de grupo.

62

De resto, a prestação de cuidados dentários nas policlínicas independentes é susceptível de se revelar mais racional, tendo em conta o seu modo de organização, a pluralidade de médicos e a utilização em comum de equipamentos e de instalações médicas que lhes permitem reduzir os custos de funcionamento. As policlínicas podem, assim, fornecer prestações médicas em condições menos onerosas do que, nomeadamente, os médicos liberais que não beneficiam de tais facilidades. Deste modo, a prestação de cuidados médicos por estes estabelecimentos pode ter como consequência uma utilização mais eficaz dos fundos públicos afectos ao regime legal de seguro de doença.

63

Nestas condições, há que concluir que a legislação nacional em causa no processo principal não prossegue de maneira coerente e sistemática os objectivos invocados, uma vez que, diversamente do que acontece com as novas policlínicas dentárias, não subordina a abertura de consultórios de grupo a um regime de autorização prévia.

64

Em segundo lugar, resulta de jurisprudência constante que um regime de autorização administrativa prévia não pode legitimar um comportamento discricionário das autoridades nacionais, susceptível de privar as disposições comunitárias, nomeadamente as relativas a uma liberdade fundamental como a que está em causa no processo principal, do seu efeito útil. Por conseguinte, para que um regime de autorização administrativa prévia seja justificado, mesmo que derrogue uma liberdade fundamental, deve basear-se em critérios objectivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, que assegurem que tal regime é adequado para enquadrar suficientemente o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 20 de Fevereiro de 2001, Analir e o., C-205/99, Colect., p. I-1271, n.os 37 e 38, e Müller-Fauré e van Riet, já referido, n.os 84 e 85).

65

Nos litígios no processo principal, cabe sublinhar que as legislações em causa subordinam a concessão de uma autorização para criar uma nova policlínica dentária a uma única condição, ou seja, a existência de uma necessidade no que respeita às prestações oferecidas por este novo estabelecimento. Esta condição resulta do § 3, n.o 2, da KAG e do § 3, n.o 2, da KAKuG, e foi retomada pela legislação dos Länder, designadamente, pelo § 4 da Wr. KAG e pelo § 5 da Oö KAG.

66

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a referida condição é verificada, na prática, com base em critérios diferentes consoante o Land em causa.

67

Assim, no Land de Viena, a apreciação da existência de uma necessidade é efectuada com base no número de pacientes por prático da arte dentária na zona abrangida. No Land da Alta Áustria, baseia-se na duração do tempo que é necessário esperar por uma consulta de tal prático.

68

Todavia, relativamente ao Land de Viena, há que reconhecer que o número de pacientes em questão não é fixado nem, de nenhuma forma, antecipadamente levado ao conhecimento dos interessados.

69

No Land da Alta Áustria, a apreciação pertinente é efectuada com base nas respostas dadas por profissionais que exercem na zona onde a policlínica dentária independente que se pretende implantar prestará eventualmente os seus serviços, embora esses profissionais sejam concorrentes potenciais directos deste estabelecimento. Este método é susceptível de pôr em causa a objectividade e a imparcialidade do tratamento do pedido de autorização em causa.

70

Nestas condições, há que concluir que o regime de autorização administrativa prévia em causa no processo principal não se baseia numa condição susceptível de enquadrar suficientemente o exercício, pelas autoridades nacionais, do seu poder de apreciação.

71

Resulta do que precede que a legislação nacional em causa no processo principal não é susceptível de garantir a realização dos objectivos que consistem em manter um serviço médico de qualidade, equilibrado e acessível a todos e em prevenir um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social.

72

Consequentemente, há que responder à primeira questão que os artigos 43.o CE e 48.o CE se opõem a disposições nacionais como as que estão em causa no processo principal, por força das quais é necessária uma autorização para criar um estabelecimento de saúde privado sob a forma de uma policlínica dentária independente e nos termos das quais essa autorização deve ser recusada quando não haja, tendo em conta os cuidados já prestados pelos médicos convencionados, uma necessidade que justifique a abertura de tal estabelecimento, na medida em que essas disposições não sujeitam igualmente a tal regime os consultórios de grupo e não se baseiam numa condição susceptível de enquadrar suficientemente o exercício, pelas autoridades nacionais, do seu poder de apreciação.

Quanto à segunda questão

73

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

74

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

Os artigos 43.o CE e 48.o CE opõem-se a disposições nacionais como as que estão em causa no processo principal, por força das quais é necessária uma autorização para criar um estabelecimento de saúde privado sob a forma de uma policlínica dentária independente e nos termos das quais essa autorização deve ser recusada quando não haja, tendo em conta os cuidados já prestados pelos médicos convencionados, uma necessidade que justifique a abertura de tal estabelecimento, na medida em que essas disposições não sujeitam igualmente a tal regime os consultórios de grupo e não se baseiam numa condição susceptível de enquadrar suficientemente o exercício, pelas autoridades nacionais, do seu poder de apreciação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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