EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62004CJ0310

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Septembro de 2006.
Reino de Espanha contra Conselho da União Europeia.
Recurso de anulação - Agricultura - Capítulo 10A do título IV do Regulamento (CE) n.º 1782/2003, inserido pelo artigo 1.º, ponto 20, do Regulamento (CE) n.º 864/2004 - Alteração do regime de ajuda ao algodão - Condição segundo a qual a superfície deve ser mantida pelo menos até à abertura das cápsulas - Conformidade com o Protocolo n.º 4, relativo ao algodão, anexo ao acto de adesão da República Helénica às Comunidades Europeias - Conceito de ajuda à produção - Dever de fundamentação - Desvio de poder - Princípios gerais da proporcionalidade e da confiança legítima.
Processo C-310/04.

European Court Reports 2006 I-07285

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:521

Processo C‑310/04

Reino de Espanha

contra

Conselho da União Europeia

«Recurso de anulação – Agricultura – Capítulo 10A do título IV do Regulamento (CE) n.° 1782/2003, inserido pelo artigo 1.°, ponto 20, do Regulamento (CE) n.° 864/2004 – Alteração do regime de ajuda ao algodão – Condição segundo a qual a superfície deve ser mantida pelo menos até à abertura das cápsulas – Conformidade com o Protocolo n.° 4, relativo ao algodão, anexo ao acto de adesão da República Helénica às Comunidades Europeias – Conceito de ajuda à produção – Dever de fundamentação – Desvio de poder – Princípios gerais da proporcionalidade e da confiança legítima»

Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas em 16 de Março de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Tribunal de Justiça – Organização – Atribuição dos processos à Grande Secção

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 16.°, terceiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 44.°, n.° 4)

2.     Agricultura – Política agrícola comum – Algodão – Ajuda à produção

(Acto de adesão da República Helénica, Protocolo n.° 4; Regulamentos n.os 1782/2003 e 864/2004 do Conselho, artigo 1.°)

3.     Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Âmbito

(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 864/2004 do Conselho)

4.     Recurso de anulação – Fundamentos – Desvio de poder

5.     Direito comunitário – Princípios – Protecção da confiança legítima – Limites

(Regulamento n.° 864/2004 do Conselho)

6.     Agricultura – Política agrícola comum – Algodão – Ajuda à produção

(Acto de adesão da República Helénica, Protocolo n.° 4, n.° 2; Regulamento n.° 864/2004 do Conselho)

7.     Recurso de anulação – Acórdão de anulação – Efeitos

[Artigo 231.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 1782/2003, título IV, capítulo 10A, e artigo 156.°, n.° 2, alínea g), e n.° 864/2004]

1.     Embora o artigo 16.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça obrigue a que este decida em Grande Secção se for apresentado um pedido nesse sentido, nomeadamente, por uma instituição das Comunidades que seja parte na instância, a remessa de um processo ao Tribunal de Justiça para a sua reatribuição a uma formação mais importante nos termos do artigo 44.°, n.° 4, do Regulamento de Processo constitui uma medida que a formação a que o processo foi atribuído decide oficiosa e livremente. Todavia, permitir que um pedido ao abrigo do referido artigo 16.°, terceiro parágrafo, seja apresentado numa fase mais adiantada do processo, como um pedido apresentado após o encerramento da fase oral do processo e, portanto, na fase de deliberação, pode causar um atraso considerável no desenrolar do processo e, assim, provocar efeitos manifestamente contrários ao imperativo de uma boa administração da justiça, que implica que, em todos os processos submetidos ao Tribunal de Justiça, este possa assegurar que uma decisão seja proferida no termo de um processo marcado pela eficácia e que decorra em prazos úteis.

(cf. n.os 22, 23)

2.     O conceito de ajuda à produção de algodão, tal como figura no n.° 3 do Protocolo n.° 4 anexo ao acto de adesão da República Helénica não se opõe à condição de elegibilidade para a ajuda específica prevista pelo Regulamento n.° 1782/2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, inserida pelo artigo 1.°, ponto 20, do Regulamento n.° 864/2004, que reside na obrigação de a superfície ser mantida pelo menos até ao momento da abertura das cápsulas.

Com efeito, na ausência de uma definição do conceito de produção no Protocolo n.° 4, nenhum elemento textual ou contextual próprio desse acto indica que, no quadro do referido protocolo, o conceito de produção tenha um alcance diferente do resultante da sua acepção habitual, que faz referência a um processo consistente em várias etapas. A esse propósito, a menção, no preâmbulo do Protocolo n.° 4, da importância do algodão como matéria‑prima não implica que o referido protocolo vise só o algodão colhido, mas, reinserida no contexto do preâmbulo de que faz parte, deve ser compreendida como pondo simplesmente em destaque que, em razão dessa importância, o regime de ajuda ao algodão não deve ter efeitos negativos nas trocas comerciais com países terceiros. Além disso, no tocante à precisão feita no artigo 1.° do Regulamento n.° 4006/87, que altera o Protocolo n.° 4 relativo ao algodão, que este protocolo diz respeito ao algodão, não cardado nem penteado, da subposição 5201 00 da Nomenclatura Combinada, não exclui de forma alguma o algodão tal como se apresenta no momento da abertura das cápsulas. Com efeito, nessa fase, assim como, aliás, na fase posterior da colheita, o algodão não está, por definição, nem cardado nem penteado.

(cf. n.os 41‑45, 49)

3.     A fundamentação exigida no artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e mostrar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não só da redacção desse acto mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Quando se trata, como no caso vertente, de um acto destinado a uma aplicação geral, a fundamentação pode limitar‑se a indicar, por um lado, a situação de conjunto que levou à sua adopção e, por outro, os objectivos gerais que se propõe atingir. Por outro lado, se um acto de carácter geral mostrar o essencial do objectivo prosseguido pela instituição, seria excessivo exigir uma fundamentação específica para as diferentes escolhas técnicas efectuadas.

Preenche estas condições o Regulamento n.° 864/2004, que altera o Regulamento (CE) n.° 1782/2003 que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores. A este propósito, o preâmbulo do referido regulamento resume de maneira transparente e clara a situação de conjunto que conduziu o legislador comunitário a adoptar esse acto e os objectivos gerais visados. Além disso, o conjunto dos quinto e sexto considerandos mostra o essencial do objectivo prosseguido na medida em que institui o novo regime de ajuda ao algodão. Por conseguinte, o legislador comunitário não era ainda obrigado a fundamentar especificamente as diferentes escolhas técnicas efectuadas, tal como a de subordinar a concessão da ajuda específica ao algodão à condição da manutenção da cultura do algodão até à fase de abertura das cápsulas.

(cf. n.os 57‑60, 64, 65)

4.     Um acto só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, que foi adoptado exclusivamente, ou pelo menos de forma determinante, com fins diversos dos indicados ou com a finalidade de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço

(cf. n.° 69)

5.     Quando um operador económico prudente e avisado esteja em condições de prever a adopção de uma medida comunitária susceptível de afectar os seus interesses, não pode invocar o benefício do princípio da protecção da confiança legítima quando essa medida for tomada. Além disso, embora esse princípio se inscreva entre os princípios fundamentais da Comunidade, os operadores económicos não têm fundamento para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das instituições comunitárias, e isto especialmente num domínio como o das organizações comuns de mercados, cujo objectivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica.

A esse respeito, um operador económico prudente e avisado estava em condições de prever a adopção do Regulamento n.° 864/2004, que altera o Regulamento (CE) n.° 1782/2003 que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e a reforma do regime de apoio ao algodão que ele implica. Com efeito, essa reforma inscreve‑se no quadro de uma reforma mais ampla, que foi discutida a nível político desde 1992 e que, aliás, tinha sido especificamente prevista numa comunicação da Comissão adoptada em 2003, que contém uma proposta de alteração do referido regulamento e foi objecto de um anúncio publicado no Jornal Oficial. Ademais, o regime de ajuda no sector do algodão já tinha sido objecto de várias reformas importantes no passado.

(cf. n.os 81, 83, 84)

6.     Tendo em conta o amplo poder de apreciação de que o legislador comunitário dispõe em matéria de política agrícola comum, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio, em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida. Esse poder, que implica uma fiscalização jurisdicional limitada do seu exercício, não se aplica exclusivamente à natureza e ao alcance das disposições a adoptar, mas também, em certa medida, ao apuramento dos dados de base. Todavia, esta fiscalização jurisdicional, mesmo que tenha um alcance limitado, exige que as instituições comunitárias estejam em condições de demonstrar ao Tribunal de Justiça que o acto foi adoptado mediante um exercício efectivo do seu poder de apreciação, que pressupõe a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação que esse acto pretendeu regular.

Ora, os custos salariais de carácter fixo, como os custos da mão‑de‑obra dos agricultores e das suas famílias, não foram incluídos e, portanto, não foram tidos em conta no seu estudo comparativo, elaborado pela Comissão, da rentabilidade previsível da cultura do algodão sob o regime de ajuda instituído pelo Regulamento n.° 864/2004, que altera o Regulamento (CE) n.° 1782/2003 que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores que serviu de fundamento à determinação do montante da ajuda específica ao algodão. Contudo, a pertinência dos custos salariais em causa, para efeitos do cálculo dos custos de produção do algodão e da rentabilidade previsível dessa cultura, parece, em si, dificilmente contestável.

Por outro lado, os efeitos potenciais da reforma do regime de ajuda ao algodão na situação económica das empresas de descaroçamento não foram examinados. Ora, a produção do algodão é economicamente impossível sem a existência, nas proximidades das regiões produtoras, dessas empresas a operar em condições economicamente estáveis, pois o algodão, antes da sua transformação, não tem qualquer valor mercantil, nem pode ser transportado para longe. A produção do algodão e a sua transformação pelas empresas de descaroçamento mostram‑se, portanto, indissociavelmente ligadas. Por conseguinte, os efeitos potenciais da reforma do regime de ajuda ao algodão na viabilidade económica das empresas de descaroçamento constituem um dado de base que deve ser tido em conta para avaliar a rentabilidade da cultura do algodão.

A este respeito, o Conselho, autor do Regulamento n.° 864/2004, não demonstrou ao Tribunal que o novo regime de ajuda ao algodão instituído por este regulamento tinha sido adoptado mediante um exercício efectivo do seu poder de apreciação, que implicava a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes do caso em apreço. Daí decorre que os dados apresentados pelas instituições comunitárias não permitem ao Tribunal de Justiça verificar se o legislador comunitário pôde, sem ultrapassar os limites do amplo poder de apreciação de que dispõe na matéria, chegar à conclusão de que a fixação do montante da ajuda específica ao algodão em 35% do total das ajudas existentes no regime de ajuda anterior basta para garantir o objectivo exposto no quinto considerando do Regulamento n.° 864/2004, que é assegurar a rentabilidade e, portanto, o prosseguimento dessa cultura, objectivo que reflecte o prescrito no n.° 2 do Protocolo n.° 4 anexo ao acto de adesão da República Helénica. Por conseguinte, foi infringido o princípio da proporcionalidade.

(cf. n.os 98, 117, 121, 122, 124, 126, 128, 131‑135)

7.     Segundo o artigo 156.°, n.° 2, alínea g), do Regulamento n.° 1782/2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, aditado pelo artigo 1.°, ponto 28, do Regulamento n.° 864/2004, o novo regime de ajuda ao algodão previsto no capítulo 10A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003 aplica‑se a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao algodão cultivado desde esta data. Por conseguinte, os agricultores dos Estados‑Membros em causa podem já ter tomado algumas medidas para se adaptarem a este regime, a fim de poderem beneficiar do apoio que ele prevê ou, pelo menos, deverão tomar tais medidas a curto prazo. Além disso, as autoridades competentes dos referidos Estados‑Membros já possivelmente adoptaram as medidas necessárias à aplicação do referido regime ou adoptarão proximamente tais medidas. Tendo presentes estes elementos e a fim de, nomeadamente, evitar qualquer insegurança jurídica quanto ao regime aplicável às ajudas no sector do algodão na sequência da anulação do referido capítulo 10A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003, há que manter suspensos os efeitos da referida anulação até à adopção, num prazo razoável, de um novo regulamento.

(cf. n.os 139‑141)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de Setembro de 2006 (*)

«Recurso de anulação – Agricultura – Capítulo 10A do título IV do Regulamento (CE) n.° 1782/2003, inserido pelo artigo 1.°, ponto 20, do Regulamento (CE) n.° 864/2004 – Alteração do regime de ajuda ao algodão – Condição segundo a qual a superfície deve ser mantida pelo menos até à abertura das cápsulas – Conformidade com o Protocolo n.° 4, relativo ao algodão, anexo ao acto de adesão da República Helénica às Comunidades Europeias – Conceito de ajuda à produção – Dever de fundamentação – Desvio de poder – Princípios gerais da proporcionalidade e da confiança legítima»

No processo C‑310/04,

que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, entrado em 22 de Julho de 2004,

Reino de Espanha, representado por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Balta e F. Florindo Gijón, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Nolin e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, R. Schintgen, R. Silva de Lapuerta, P. Kūris e G. Arestis, juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Janeiro de 2006,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de Março de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       Através da sua petição, o Reino de Espanha requer ao Tribunal de Justiça a anulação do capítulo 10A do título IV do Regulamento (CE) n.° 1782/2003 do Conselho, de 29 de Setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.° 2019/93, (CE) n.° 1452/2001, (CE) n.° 1453/2001, (CE) n.° 1454/2001, (CE) n.° 1868/94, (CE) n.° 1251/1999, (CE) n.° 1254/1999, (CE) n.° 1673/2000, (CEE) n.° 2358/71 e (CE) n.° 2529/2001 (JO L 270, p. 1), inserido pelo artigo 1.°, ponto 20, do Regulamento (CE) n.° 864/2004 do Conselho, de 29 de Abril de 2004 (JO L 161, p. 48, a seguir «Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado», e, no que respeita ao capítulo 10A deste regulamento, a seguir, também, «novo regime de ajuda ao algodão»).

 Quadro jurídico

2       Por ocasião da adesão da República Helénica às Comunidades Europeias em 1980, foi instaurado um regime de ajuda ao algodão pelo Protocolo n.° 4, relativo ao algodão, anexo ao acto de adesão deste Estado‑Membro (JO 1979, L 291, p. 174, a seguir «Protocolo n.° 4»).

3       Esse regime foi aplicado, pela primeira vez, à colheita de 1981 e, mais tarde, foi objecto de extensão, quando o Reino de Espanha e a República Portuguesa aderiram às Comunidades Europeias em 1986.

4       Nos termos do n.° 2 do Protocolo n.° 4, o referido regime destina‑se, nomeadamente, a apoiar a produção de algodão nas regiões da Comunidade onde é importante para a economia agrícola, a permitir um rendimento equitativo aos produtores em causa e a estabilizar o mercado através da melhoria das estruturas ao nível da oferta e da comercialização.

5       O n.° 3 do Protocolo n.° 4, tanto na sua versão original como na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.° 1050/2001 do Conselho, de 22 de Maio de 2001, que adapta pela sexta vez o regime de ajuda ao algodão instituído pelo Protocolo n.° 4 anexo ao acto de adesão da Grécia (JO L 148, p. 1), «inclui a concessão de uma ajuda à produção».

6       O n.° 6 do Protocolo n.° 4, tal como foi alterado pelo Regulamento n.° 1050/2001, prevê que «[o] Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, decidirá das adaptações necessárias do regime instituído no presente protocolo e adoptará as regras de base necessárias para a execução das disposições previstas no presente protocolo».

7       Com base no referido n.° 6, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1051/2001 do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativo à ajuda à produção de algodão (JO L 148, p. 3).

8       Resulta dos artigos 2.°, 11.° e 12.° desse regulamento que a ajuda à produção de algodão não descaroçado equivale à diferença entre o preço de objectivo do referido algodão, tal como fixado pelo referido regulamento, e o preço do mercado mundial, e que esta ajuda é paga às empresas de descaroçamento em relação ao algodão não descaroçado comprado por elas a um preço pelo menos igual ao preço mínimo, tal como fixado pelo mesmo regulamento.

9       No quadro da reforma da política agrícola comum, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 1782/2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e para determinados regimes de apoio aos agricultores.

10     A fim de alinhar os regimes de apoio relativos ao algodão, ao azeite, ao tabaco em rama e ao lúpulo pelos dos outros sectores da política agrícola comum, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 864/2004.

11     Os primeiro, segundo, quinto, sexto, sétimo, vigésimo segundo e vigésimo terceiro considerandos do Regulamento n.° 864/2004 enunciam:

«(1)      A dissociação do apoio directo aos produtores e a introdução de um regime de pagamento único constituem elementos essenciais do processo de reforma da política agrícola comum, que tem por objectivo permitir a transição de uma política de apoio aos preços e à produção para uma política de apoio ao rendimento dos agricultores. O Regulamento (CE) n.° 1782/2003 do Conselho introduziu esses elementos relativamente a uma série de produtos agrícolas.

(2)      Para alcançar os objectivos que constituem o fulcro da reforma da política agrícola comum, o apoio ao algodão, ao azeite, ao tabaco em rama e ao lúpulo deve ser em grande medida dissociado e integrado no regime de pagamento único.

[...]

(5)      A plena integração do regime de apoio actualmente em vigor no sector do algodão no regime de pagamento único implicaria um risco elevado de perturbações da produção nas regiões comunitárias produtoras de algodão. Por conseguinte, convém que uma parte do apoio continue ligada ao cultivo do algodão através de um pagamento específico por hectare elegível. O montante desse pagamento deve ser calculado de forma a garantir condições económicas que, em regiões propícias a essa cultura, permitam prosseguir a actividade no sector do algodão e impedir que a cultura do algodão seja afastada por outras culturas. Para atingir este objectivo, justifica‑se que a ajuda total disponível por hectare por Estado‑Membro seja fixada em 35% da parte nacional da ajuda de que os produtores tenham beneficiado indirectamente.

(6)      Convém integrar no regime de pagamento único os restantes 65% da parte nacional da ajuda de que os produtores tenham beneficiado indirectamente.

(7)      Por razões ambientais, deve ser estabelecida uma superfície de base por Estado‑Membro para restringir as superfícies semeadas com algodão. Além disso, as superfícies elegíveis devem ficar limitadas às autorizadas pelos Estados‑Membros.

[...]

(22)      A dissociação da ajuda para o algodão e para o tabaco em rama pode exigir medidas de reestruturação. É conveniente disponibilizar um apoio comunitário complementar para as regiões de produção dos Estados‑Membros em que foi concedida uma ajuda comunitária para o algodão e para o tabaco em rama durante os anos de 2000, 2001 e 2002, através de uma transferência de fundos da rubrica 1a) para a rubrica 1b) das perspectivas financeiras. Esse apoio complementar deve ser utilizado como previsto no Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de Maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural.

(23)      A fim de garantir a continuação harmoniosa do pagamento da ajuda ao rendimento aos produtores do sector do algodão, do azeite e do tabaco, não deve ser aplicada a opção que consiste em adiar a integração desses regimes de apoio no regime de pagamento único.»

12     O Regulamento n.° 864/2004 inseriu, no título IV do Regulamento n.° 1782/2003, um capítulo 10A, com a epígrafe «Pagamento específico para o algodão», que compreende os artigos 110.°A a 110.°F.

13     Nos termos dos artigos 110.°A a 110.°C do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado:

 «Artigo 110.°A

 Âmbito de aplicação

É concedida uma ajuda aos agricultores que produzam algodão do código NC 5201 00, nas condições estabelecidas no presente capítulo.

Artigo 110.°B

Elegibilidade

1.      A ajuda é concedida por hectare de superfície elegível de algodão. Para que seja elegível, a superfície deve situar‑se em terras agrícolas que beneficiem de uma autorização do Estado‑Membro para a produção de algodão, semeada com variedades autorizadas e mantida pelo menos até à abertura das cápsulas em condições de crescimento normais.

No entanto, se o algodão não atingir o estado de abertura das cápsulas devido a condições climáticas excepcionais reconhecidas enquanto tal pelo Estado‑Membro, as superfícies inteiramente semeadas com algodão permanecerão elegíveis para a ajuda desde que não tenham sido utilizadas, até à abertura das cápsulas, para outros fins que não a produção de algodão.

2.      Os Estados‑Membros autorizarão as terras e as variedades referidas no n.° 1 em conformidade com normas e condições específicas a adoptar nos termos do n.° 2 do artigo 144.°

Artigo 110.°C

Superfícies de base e montantes

1.      São estabelecidas as seguintes superfícies de base nacionais:

–       Grécia:          370 000 ha,

–       Espanha:   70 000 ha,

–       Portugal:        360 ha.

2.      Por cada hectare elegível, o montante da ajuda é fixado em:

–       Grécia: 594 euros para 300 000 hectares e 342,85 euros para os restantes 70 000 hectares,

–       Espanha:  1 039 euros,

–       Portugal:  556 euros.

[…]»

14     Os artigos 110.°D e 110.°E do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, tratam das organizações interprofissionais aprovadas, que são compostas por produtores de algodão e, pelo menos, por um descaroçador e que «[têm em vista], em especial, assegurar o abastecimento do descaroçador com algodão não descaroçado de qualidade satisfatória». Estas organizações interprofissionais podem diferenciar metade, no máximo, do montante da ajuda a que os seus produtores membros têm direito segundo uma tabela fixada por elas que tenha em conta, em particular, a qualidade do algodão não descaroçado.

15     Além disso, o Regulamento n.° 864/2004 inseriu, no Regulamento n.° 1782/2003, um título IV B, com a epígrafe «Transferências financeiras», que compreende, entre outros, o artigo 143.°D, intitulado «Transferência financeira para a reestruturação nas regiões produtoras de algodão» e redigido nos seguintes termos:

«A partir do exercício orçamental de 2007, ficará disponível, por ano civil, um montante de 22 milhões de euros, estabelecido com base nas despesas médias relativas ao algodão em 2000, 2001 e 2002, a título de apoio comunitário suplementar às medidas a favor das regiões produtoras de algodão no âmbito da programação de desenvolvimento rural financiada pela secção Garantia do FEOGA em conformidade com o Regulamento (CE) n.° 1257/1999.»

16     Finalmente, o Regulamento n.° 864/2004 inseriu, no artigo 153.° do Regulamento n.° 1782/2003, designadamente, um n.° 4b que revoga o Regulamento n.° 1051/2001, que continua, no entanto, a ser aplicável à campanha de comercialização de 2005/2006. Segundo o artigo 156.°, n.° 2, alínea g), do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, o novo regime de ajuda ao algodão é aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao algodão cultivado desde essa data.

 Pedidos das partes

17     O Governo espanhol conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       anular o capítulo 10A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado;

–       condenar o Conselho nas despesas.

18     O Conselho convida o Tribunal de Justiça a negar provimento ao recurso e a condenar o recorrente nas despesas.

19     A Comissão, autorizada a intervir em apoio dos pedidos do Conselho por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2004, conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

 Quanto ao pedido do Conselho de que o processo seja remetido ao Tribunal de Justiça para reatribuição à Grande Secção

20     Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de Abril de 2006, o Conselho pediu que o processo fosse remetido ao Tribunal para reatribuição à Grande Secção.

21     Esse pedido foi apresentado de harmonia com o artigo 16.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que dispõe que o Tribunal decide em Grande Secção, nomeadamente, quando uma instituição das Comunidades que seja parte na instância o solicite, ou com fundamento no artigo 44.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que prevê que a formação de julgamento a que um processo tenha sido atribuído pode, em qualquer momento da instância, devolver o processo ao Tribunal para reatribuição a uma formação mais importante.

22     A esse propósito, deve salientar‑se que o artigo 16.°, terceiro parágrafo, do seu Estatuto obriga o Tribunal de Justiça a decidir em Grande Secção se for apresentado um pedido nesse sentido, nomeadamente, por uma instituição das Comunidades que seja parte na instância, ao passo que a remessa na acepção do artigo 44.°, n.° 4, do referido Regulamento de Processo constitui uma medida que a formação a que o processo foi atribuído decide, em princípio, oficiosa e livremente.

23     Todavia, permitir que um pedido ao abrigo do referido artigo 16.°, terceiro parágrafo, seja apresentado numa fase mais adiantada do processo, neste caso, após o encerramento da fase oral do processo e, portanto, na fase de deliberação, pode causar um atraso considerável no desenrolar do processo e, portanto, provocar efeitos manifestamente contrários ao imperativo de uma boa administração da justiça, que implica que, em todos os processos apresentados ao Tribunal de Justiça, este possa assegurar que uma decisão seja proferida no termo de um processo marcado pela eficácia e que decorra em prazos úteis.

24     Por outro lado, o Tribunal considera, no caso em apreço, que dispõe de todos os elementos de que necessita para se pronunciar.

25     Deve, por conseguinte, indeferir‑se o pedido do Conselho.

 Quanto ao recurso

26     Em apoio do seu recurso, o Governo espanhol invoca quatro fundamentos, relativos, respectivamente, a violação do Protocolo n.° 4, a violação do dever de fundamentação, a desvio de poder e a violação dos princípios gerais da proporcionalidade e da protecção da confiança legítima.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a violação do Protocolo n.° 4

 Argumentos das partes

27     No âmbito do seu primeiro fundamento, o Governo espanhol sustenta que o artigo 110.°B do capítulo 10A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, porquanto põe como condição de elegibilidade para o benefício da ajuda específica ao algodão, unicamente, que a superfície seja mantida pelo menos até ao momento da abertura das cápsulas, contraria o n.° 3 do Protocolo n.° 4, disposição comunitária de direito primário e, em particular, a exigência de um regime de ajuda à produção que esta última disposição prevê.

28     Com efeito, o referido governo sustenta que o conceito de «produção», que figura no n.° 3 do Protocolo n.° 4, deve ser entendido no sentido de que impõe como condição para a concessão de uma ajuda ao algodão que este seja colhido.

29     A referência, contida no terceiro considerando do referido protocolo, à importância do algodão enquanto matéria‑prima deve compreender‑se como visando o algodão colhido, pois só este pode ser objecto de transformação industrial.

30     Além disso, a precisão feita no artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 4006/87 da Comissão, de 23 de Dezembro de 1987, que altera o Protocolo n.° 4 relativo ao algodão (JO L 377, p. 49), de que o referido protocolo «respeita ao algodão não cardado nem penteado, da subposição 5201 00 da Nomenclatura Combinada», só terá sentido se o termo «algodão» visar o algodão colhido, pois, na fase da abertura das cápsulas, o algodão será, portanto, necessariamente dessa natureza.

31     Finalmente, segundo um princípio geral do direito, comum aos Estados‑Membros, consagrado, nomeadamente, nos códigos civis de vários destes Estados, não se pode considerar que um fruto natural, como o algodão, é produzido antes de ter sido colhido, uma vez que, antes dessa operação, um fruto não tem existência jurídica separada da planta e, portanto, considera‑se que faz parte da própria planta.

32     Ora, a obrigação de que a superfície seja mantida pelo menos até à abertura das cápsulas, imposta pelo Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, como única condição para se beneficiar do novo regime de ajuda ao algodão, deixa de implicar, contrariamente aos regimes de ajuda anteriores, que o algodão seja colhido.

33     A redacção do quinto considerando do Regulamento n.° 864/2004 e do capítulo 10.°A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, confirma que a nova ajuda ao algodão é uma ajuda à cultura, e não à produção do algodão.

34     Por outro lado, há estudos que demonstram que é previsível que, a seguir à entrada em vigor do novo regime de ajuda ao algodão, deixe de ser rentável, para os agricultores, assegurar que o algodão atinja uma qualidade mínima e, por conseguinte, estes deixem de proceder à sua colheita.

35     Além disso, segundo a classificação das ajudas para efeitos do acordo sobre a Agricultura, que figura no anexo 1A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, o qual foi aprovado pelo artigo 1.°, n.° 1, primeiro travessão, da Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1, a seguir «acordo OMC sobre a Agricultura»), o novo regime de ajuda ao algodão passará da «caixa laranja» (ajudas à produção visadas no artigo 6.° deste acordo) para a «caixa azul» (pagamentos directos efectuados a título de programas de limitação da produção baseados numa superfície e em rendimentos fixos na acepção do artigo 6.°, n.° 5, do mesmo acordo).

36     Isto confirma que, neste novo regime, nenhuma importância é dada à produção do algodão.

37     O referido regime não pode, portanto, ser qualificado de regime de ajuda à produção, na acepção do n.° 3 do Protocolo n.° 4.

38     O Conselho sustenta que o novo regime de ajuda ao algodão está em plena conformidade com o Protocolo n.° 4, nomeadamente com o seu n.° 3, uma vez que se trata realmente de um regime de ajuda à produção, mesmo que o facto gerador do pagamento da ajuda resida a partir de então na manutenção da cultura até à fase da abertura das cápsulas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

39     No âmbito do seu primeiro fundamento, o Governo espanhol contesta a compatibilidade, com o n.° 3 do Protocolo n.° 4, da nova condição de elegibilidade para a ajuda específica que o novo regime de ajuda ao algodão comporta, isto é, que a superfície seja mantida pelo menos até ao momento da abertura das cápsulas.

40     É claro que essa nova condição de elegibilidade para a ajuda não exige que o algodão seja colhido. O presente fundamento suscita, portanto, essencialmente, a questão de saber se a obrigação de prever a existência de um regime de ajuda à produção, que o n.° 3 do Protocolo n.° 4 comporta, deve ser compreendida no sentido de que implica que tal regime deva necessariamente subordinar a concessão da ajuda a uma condição de colheita.

41     Como salientou o Conselho, o conceito de produção, na sua acepção habitual, faz referência a um processo consistente em várias etapas.

42     Na ausência de uma definição desse conceito no Protocolo n.° 4, nenhum elemento textual ou contextual próprio desse acto indica que, no quadro do referido protocolo, o conceito de produção tenha um alcance diferente do resultante da sua acepção habitual.

43     A esse propósito, a menção, no preâmbulo do Protocolo n.° 4, da importância do algodão como matéria‑prima não implica que o referido protocolo vise só o algodão colhido.

44     Esta menção, reinserida no contexto do preâmbulo de que faz parte, deve ser compreendida como pondo simplesmente em destaque que, em razão da importância do algodão como matéria‑prima, o regime de ajuda ao algodão não deve ter efeitos negativos nas trocas comerciais com países terceiros.

45     Em seguida, no tocante à precisão feita no artigo 1.° do Regulamento n.° 4006/87, de que o Protocolo n.° 4 diz respeito ao algodão, não cardado nem penteado, da subposição 5201 00 da Nomenclatura Combinada, é forçoso reconhecer que essa precisão não exclui de forma alguma o algodão tal como se apresenta no momento da abertura das cápsulas. Com efeito, nessa fase, assim como, aliás, na fase posterior da colheita, o algodão não está, por definição, nem cardado nem penteado.

46     Ademais, as acepções dos conceitos de produção, de produto ou de fruto que podem decorrer, como sustenta o Governo espanhol, de definições comuns do direito civil de certos Estados‑Membros, ou mesmo da classificação das ajudas para efeitos do acordo OMC sobre a Agricultura, são, nesse aspecto, desprovidas de pertinência.

47     A definição manifestamente restritiva do conceito de produção que o Governo espanhol preconiza, segundo a qual esse conceito visa apenas a última etapa da produção constituída pela colheita, não pode portanto ser aceite.

48     Por outro lado, a acepção habitual do conceito de produção, que visa, no seu conjunto, o processo de produção, deve articular‑se com o amplo poder de apreciação de que o Conselho dispõe por força do n.° 6 do Protocolo n.° 4, tanto para decidir quais as adaptações necessárias do regime instituído por esse protocolo como para adoptar as regras de base necessárias à execução das suas disposições.

49     No quadro deste amplo poder, o Conselho pode subordinar a concessão de ajudas ao algodão a uma condição que exija a materialização de uma ou de outra etapa da cultura do algodão.

50     A medida escolhida deve, todavia, ser proporcionada aos objectivos definidos no n.° 2 do Protocolo n.° 4. A questão de saber se, no caso em apreço, esse limite foi respeitado é objecto da segunda parte do quarto fundamento suscitado pelo Governo espanhol.

51     Era, portanto, em princípio, permitido ao legislador comunitário escolher como condição de elegibilidade para a ajuda ao algodão uma das fases da cultura, na ocorrência, a da abertura das cápsulas, em vez da etapa posterior constituída pela colheita, etapa que devia ser cumprida nos regimes de ajuda anteriores.

52     Por conseguinte, a referência, no quinto considerando do Regulamento n.° 864/2004 e no título do capítulo 10A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, ao novo regime de ajuda ao algodão, como sendo uma ajuda à cultura, não implica de forma alguma que essa ajuda não constitua uma ajuda à produção de algodão, na acepção do n.° 3 do Protocolo n.° 4.

53     Daí deve concluir‑se que o conceito de ajuda à produção, tal como figura no n.° 3 do Protocolo n.° 4, não se opõe à condição de elegibilidade para a ajuda específica prevista pelo novo regime de ajuda ao algodão, que reside na obrigação de a superfície ser mantida pelo menos até ao momento da abertura das cápsulas.

54     Há, portanto, que rejeitar o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a violação da exigência de fundamentação

 Argumentos das partes

55     No âmbito do seu segundo fundamento, o Governo espanhol alega que o dever de fundamentação imposto no artigo 253.° CE não foi respeitado no quadro da adopção do novo regime de ajuda ao algodão, uma vez que o Regulamento n.° 864/2004, que institui este regime, não menciona em lugar algum os motivos que conduziram o legislador comunitário a substituir o antigo regime que prevê ajudas indirectas, entregues aos produtores pelas empresas de descaroçamento em função do algodão colhido, por um regime que institui ajudas directas aos produtores, ajudas cuja concessão passa a estar subordinada somente à condição da manutenção da cultura do algodão até à fase da abertura das cápsulas.

56     O Conselho considera que foram respeitados os limites postos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de fundamentação dos actos normativos de aplicação geral. É suficiente, a este propósito, dizer que o Regulamento n.° 864/2004 expõe as razões gerais que levaram o legislador comunitário a adoptar, no quadro do seu amplo poder discricionário, as disposições visadas pelo presente recurso. Além disso, o legislador comunitário não era obrigado a explicar especificamente por que é que, sob o novo regime, o pagamento do auxílio associado deixa de estar ligado à quantidade de algodão colhido ou à qualidade deste, mas ao algodão cultivado numa dada superfície.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

57     Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida no artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e mostrar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não só da redacção desse acto mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., nomeadamente, acórdão de 14 de Julho de 2005, Países Baixos/Comissão, C‑26/00, Colect., p. I‑6527, n.° 113 e jurisprudência aí citada).

58     Quando se tratar, como no caso vertente, de um acto destinado a uma aplicação geral, a fundamentação pode limitar‑se a indicar, por um lado, a situação de conjunto que levou à sua adopção e, por outro, os objectivos gerais que se propõe atingir (v., nomeadamente, acórdão de 10 de Março de 2005, Espanha/Conselho, C‑342/03, Colect., p. I‑1975, n.° 55).

59     Por outro lado, o Tribunal de Justiça têm reiteradamente decidido que se um acto de carácter geral mostrar o essencial do objectivo prosseguido pela instituição, seria excessivo exigir uma fundamentação específica para as diferentes escolhas técnicas efectuadas (v., nomeadamente, acórdão de 19 de Novembro de 1998, Espanha/Conselho, C‑284/94, Colect., p. I‑7309, n.° 30).

60     A este propósito, há que reconhecer que o preâmbulo do Regulamento n.° 864/2004 resume de maneira transparente e clara a situação de conjunto que conduziu o legislador comunitário a adoptar esse acto e os objectivos gerais visados.

61     Resulta, com efeito, dos dois primeiros considerandos do referido regulamento que as alterações que esse acto comporta têm por finalidade alinhar os regimes de apoio de certos sectores da política agrícola comum, entre os quais o do algodão, pelos objectivos da reforma introduzida para os outros sectores da referida política pelo Regulamento n.° 1782/2003.

62     O segundo considerando precisa que esses objectivos implicam, para os sectores visados, a passagem de uma política de apoio aos preços e à produção para uma política de apoio aos rendimentos dos agricultores e, portanto, a desagregação de uma boa parte do apoio e a sua integração no regime de pagamento único.

63     Em seguida, o quinto e o sexto considerando do Regulamento n.° 864/2004 enunciam as razões por que o apoio ao algodão não pode ser inteiramente desagregado. Neles se expõe igualmente em que bases deve ser fixado o montante da ajuda que tem de ficar agregado, que esse montante corresponde a 35% da soma das ajudas indirectas existentes e que os 65% restantes da referida soma se destinam ao regime de pagamento único.

64     Daí se deve concluir que o conjunto desses considerandos mostra o essencial do objectivo prosseguido pela instituição ao adoptar o Regulamento n.° 864/2004 na medida em que institui o novo regime de ajuda ao algodão.

65     Por conseguinte, o legislador comunitário não era, além disso, obrigado a fundamentar especificamente as diferentes escolhas técnicas efectuadas, tal como a de subordinar a concessão da ajuda específica ao algodão à condição da manutenção da cultura do algodão até à fase de abertura das cápsulas.

66     Segue‑se que o segundo fundamento também deve ser rejeitado.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a desvio de poder

 Argumentos das partes

67     O Governo espanhol sustenta que o Regulamento n.° 864/2004, na medida em que institui o novo regime de ajuda ao algodão, está viciado de desvio de poder, uma vez que foi adoptado com fundamento no n.° 6 do Protocolo n.° 4, mas com um fim distinto do nele visado e com a finalidade essencial de contornar o processo específico previsto pelo Tratado CE para alterar as disposições de direito primário que o referido protocolo comporta.

68     O Conselho replica que a instauração do novo regime de ajuda ao algodão pelas disposições contestadas do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, corresponde perfeitamente ao conceito de «adaptação necessária» visado no n.° 6 do Protocolo n.° 4, de forma que não se pode tratar de um desvio de poder.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

69     Tal como o Tribunal de Justiça tem decidido em múltiplas ocasiões, um acto só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, que foi adoptado exclusivamente, ou pelo menos de forma determinante, com fins diversos dos indicados ou com a finalidade de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 10 de Março de 2005, Espanha/Conselho, já referido, n.° 64 e jurisprudência aí citada).

70     É forçoso reconhecer que o Governo espanhol não forneceu tais indícios.

71     No que respeita aos fins visados pelo Conselho na altura da adopção do Regulamento n.° 864/2004 na medida em que institui o novo regime de ajuda ao algodão, nenhum elemento dos autos permite afirmar que o Conselho prosseguia uma finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, diversa da enunciada no primeiro e no segundo considerando deste regulamento, isto é, adaptar o regime de apoio no sector do algodão, a fim de o alinhar pelos objectivos da reforma já introduzida noutros sectores da política agrícola comum pelo Regulamento n.° 1782/2003.

72     O Governo espanhol também não demonstrou que, ao adoptar o Regulamento n.° 864/2004 com fundamento no n.° 6 do Protocolo n.° 4, o Conselho prosseguia a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de eludir o processo previsto para a revisão das disposições de direito primário.

73     A esse propósito, deve salientar‑se que a base jurídica que o n.° 6 do Protocolo n.° 4 constitui confere um amplo poder de apreciação ao Conselho para decidir quais as adaptações necessárias do regime de apoio ao algodão previsto pelo referido protocolo.

74     Ora, o Governo espanhol não apresentou nenhum indício tendente a demonstrar que, na realidade, o Conselho tivesse prosseguido uma finalidade diversa da de proceder a tais adaptações e tivesse, portanto, seguido o processo previsto no n.° 6 do Protocolo n.° 4 para fazer essas adaptações com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de eludir o processo previsto para a revisão de disposições de direito primário.

75     Importa, finalmente, reconhecer que resulta do quinto considerando do Regulamento n.° 864/2004 que, ao adoptar este acto na medida em que altera o regime de ajuda ao algodão, o Conselho teve a intenção de respeitar os objectivos prescritos no n.° 2 do Protocolo n.° 4, isto é, apoiar a produção de algodão nas regiões da Comunidade onde ela é importante para a economia agrícola, permitir um rendimento equitativo aos produtores em causa e estabilizar o mercado através da melhoria das estruturas ao nível da oferta e da comercialização.

76     A questão de saber se esse objectivo é atingido é objecto da segunda parte do quarto fundamento, relativo a violação do princípio da proporcionalidade. Não deve, por isso, ser examinada no quadro do presente fundamento.

77     Tendo em conta o que precede, o terceiro fundamento deve também ser rejeitado.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a violação dos princípios gerais do direito comunitário da proporcionalidade e da protecção da confiança legítima

78     Deve examinar‑se, em primeiro lugar, a segunda parte do presente fundamento, relativa ao princípio da protecção da confiança legítima, para examinar, em seguida, a sua primeira parte, que incide sobre o princípio da proporcionalidade.

 Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

–       Argumentos das partes

79     O Governo espanhol alega que a adopção do Regulamento n.° 864/2004 que institui o novo regime de ajuda ao algodão lesou a confiança legítima dos operadores do sector do algodão, que podiam esperar continuar a beneficiar de um regime de ajuda, respeitando, em todo o caso, os objectivos enunciados no n.° 2 do Protocolo n.° 4, nomeadamente a manutenção da produção de algodão em certas regiões da Comunidade, e a exigência da existência de um regime de ajuda à produção tal como previsto no n.° 3 do referido protocolo.

80     O Conselho sustenta que, com a adopção do referido regulamento, a confiança legítima dos operadores do sector do algodão na manutenção de um regime de ajuda compatível com o Protocolo n.° 4 não foi abalada, uma vez que o novo regime de ajuda ao algodão é inteiramente compatível com os objectivos desse protocolo e não lhes causa os prejuízos consideráveis alegados pelo Governo espanhol, continuando estáveis os rendimentos dos referidos operadores.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

81     Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a possibilidade de invocar a protecção da confiança legítima é reconhecida a qualquer operador económico em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito surgir esperanças fundadas. Todavia, quando um operador económico prudente e avisado esteja em condições de prever a adopção de uma medida comunitária susceptível de afectar os seus interesses, não pode invocar o benefício desse princípio, quando essa medida for tomada. Além disso, embora o princípio da protecção da confiança legítima se inscreva entre os princípios fundamentais da Comunidade, os operadores económicos não têm fundamento para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das instituições comunitárias, e isto especialmente num domínio como o das organizações comuns de mercados, cujo objectivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica (acórdão de 15 de Julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport, C‑37/02 e C‑38/02, Colect., p. I‑6911, n.° 70 e jurisprudência citada).

82     Na ocorrência, o Governo espanhol não apresentou nenhum indício susceptível de demonstrar que os operadores em causa puderam alimentar expectativas fundadas que as instituições comunitárias pudessem ter feito nascer na manutenção da regulamentação aplicável às ajudas no sector do algodão antes da alteração do Regulamento n.° 864/2004.

83     Além disso, no caso em apreço, o benefício do princípio da protecção da confiança legítima não pode ser invocado, uma vez que um operador económico prudente e avisado estava em condições de prever a adopção do Regulamento n.° 864/2004 e a reforma do regime de apoio ao algodão que ele implica.

84     Com efeito, como salientou a advogada‑geral no n.° 70 das suas conclusões, essa reforma inscreve‑se no quadro de uma reforma fundamental mais ampla, que era discutida a nível político desde 1992 e que, aliás, tinha sido especificamente prevista no ponto 2 da Comunicação COM(2003) 698 final da Comissão, adoptada em 20 de Novembro de 2003, que contém uma proposta de alteração do Regulamento n.° 1782/2003 e que foi objecto de um anúncio publicado no Jornal Oficial (JO 2004, C 96, p. 5). Ademais, o regime de ajuda no sector do algodão já tinha sido objecto de várias reformas importantes no passado.

85     Finalmente, uma vez que o Governo espanhol alega violação do princípio da protecção da confiança legítima pelo facto de o novo regime de ajuda ao algodão não satisfazer os objectivos do Protocolo n.° 4, esta argumentação confunde‑se com a avançada em apoio da primeira parte do quarto fundamento, de modo que não há que examiná‑la no quadro da presente parte.

86     Por conseguinte, a segunda parte do quarto fundamento, relativa à violação do princípio da protecção da confiança legítima, deve ser rejeitada.

 Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

–       Argumentos das partes

87     O Governo espanhol alega, em substância, que as medidas adoptadas no quadro do novo regime de ajuda ao algodão, em particular, a fixação do montante da ajuda específica ao algodão em 35% do montante das ajudas disponíveis sob o regime de ajuda precedente e o facto de se subordinar a elegibilidade para a ajuda somente à condição de se manter a cultura até à abertura das cápsulas, são manifestamente inadequadas em relação ao objectivo esperado, tal como exposto no quinto considerando deste regulamento, objectivo que reflecte o prescrito no n.° 2 do Protocolo n.° 4. Por conseguinte, foi infringido o princípio da proporcionalidade.

88     Dois estudos apresentados pelo Governo espanhol demonstram, com efeito, que essas medidas terão por consequência previsível que não será assegurada a rentabilidade da produção de algodão nas regiões espanholas em causa.

89     O resultado provável disso será, em particular, o abandono de uma parte considerável da produção espanhola do algodão em rama, ou mesmo a sua substituição por outras culturas, e uma descida importante do grau de utilização da capacidade de transformação das fábricas de descaroçamento nas regiões produtoras, ameaçando a viabilidade económica dessas fábricas e podendo até conduzir ao seu encerramento definitivo.

90     Esta última evolução pode acarretar uma baixa suplementar na produção de algodão, porque esta é impossível sem a existência e, portanto, sem a viabilidade económica de tais fábricas nas proximidades das regiões produtoras em causa, pois o algodão não tem qualquer valor mercantil antes da sua transformação e não pode ser transportado para longe.

91     O Conselho e a Comissão sustentam que as medidas controvertidas não são manifestamente inadequadas em relação aos seus objectivos, tal como enunciados no n.° 2 do Protocolo n.° 4 e no quinto considerando do Regulamento n.° 864/2004.

92     Os rendimentos dos produtores sob o novo regime de ajuda ao algodão, isto é, a soma do pagamento único, com a ajuda específica por hectare e o preço de venda da colheita, continuarão substancialmente os mesmos que sob o regime precedente, de forma que a rentabilidade das produções algodoeiras não é afectada pela introdução deste novo regime.

93     Além disso, um estudo comparativo da rentabilidade previsível da cultura do algodão sob o novo regime de ajuda em relação à de outras culturas demonstra que o montante da ajuda específica por hectare foi fixado a um nível que permite aos produtores realizar, com o algodão, uma margem bruta, fora o pagamento único, que é comparável à produzida por outras culturas, tais como a cultura do trigo duro ou do milho.

94     Permanecendo a cultura do algodão rentável segundo as previsões, não é, por conseguinte, provável que ela seja suplantada por outras culturas.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

95     A título preliminar, deve recordar‑se a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa ao princípio da proporcionalidade, tal como se aplica, em particular, no quadro da política agrícola comum.

96     Em matéria de política agrícola comum, o legislador comunitário dispõe de um amplo poder de apreciação, que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 34.° CE a 37.° CE lhe atribuem. Por conseguinte, a fiscalização do juiz comunitário deve limitar‑se a verificar se a medida em causa não padece de erro manifesto ou de desvio de poder, ou se a autoridade em questão não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação (acórdão de 12 de Julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, Colect., p. I‑5689, n.° 80 e jurisprudência aí citada).

97     No tocante à fiscalização da proporcionalidade, deve recordar‑se que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objectivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos prosseguidos (acórdão Jippes e o., já referido, n.° 81 e jurisprudência aí citada).

98     No que respeita à fiscalização jurisdicional das condições da aplicação deste princípio, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que o legislador comunitário dispõe em matéria de política agrícola comum, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio, em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida (acórdão Jippes e o., já referido, n.° 82 e jurisprudência citada).

99     Assim, trata‑se de saber, não se a medida adoptada pelo legislador era a única ou a melhor possível mas se ela era manifestamente inadequada (v., neste sentido, acórdão Jippes e o., já referido, n.° 83).

100   No tocante ao novo regime de ajuda ao algodão instituído pelo Regulamento n.° 864/2004, resulta do quinto considerando do referido regulamento que o montante da ajuda específica ao algodão foi determinado de maneira a garantir condições económicas que, nas regiões propícias a essa cultura, permitem assegurar a prossecução da actividade nesse sector da agricultura e, assim, evitar que a referida cultura seja substituída por outras.

101   Este objectivo reflecte, precisando‑os, os objectivos enunciados no n.° 2 do Protocolo n.° 4, nos termos do qual o regime de ajudas à produção no sector do algodão é, nomeadamente, destinado a apoiar a produção de algodão nas regiões da Comunidade onde ela é importante para a economia agrícola, a permitir um rendimento equitativo aos produtores em causa e a estabilizar o mercado através da melhoria das estruturas ao nível da oferta e da comercialização.

102   Tal como resulta da jurisprudência citada nos n.os 98 e 99 do presente acórdão, o fundamento que o Governo espanhol invoca, nesta parte, leva a examinar se as medidas controvertidas do novo regime de ajuda ao algodão são manifestamente inadequadas em relação ao referido objectivo, que consiste essencialmente na fixação do montante da ajuda específica ao algodão num nível tal que assegure uma rentabilidade suficiente e, portanto, uma prossecução da produção do algodão nas regiões propícias a esta cultura, evitando assim que ela seja suplantada por outras culturas.

103   A este propósito, é claro que a adopção do Regulamento n.° 864/2004 não foi precedida de um estudo da Comissão que avaliasse os efeitos socioeconómicos prováveis da reforma proposta no sector do algodão, ao passo que tais estudos tinham sido efectuados no quadro da reforma dos regimes de ajudas noutros sectores determinados, como o do tabaco.

104   Por isso, põe‑se a questão de saber com que bases foi determinado o montante da ajuda específica ao algodão e, portanto, se, com essas bases, o legislador comunitário pôde, sem exceder o seu amplo poder de apreciação, chegar à conclusão de que, fixado em 35% do total das ajudas existentes no regime de ajuda anterior, esse montante é suficiente para atingir o objectivo prosseguido de assegurar a rentabilidade e, portanto, o prosseguimento dessa cultura.

105   A esse propósito, o Conselho refere um quadro, elaborado pela Comissão, que comporta um estudo comparativo da rentabilidade previsível da cultura do algodão sob o novo regime de ajuda, em relação à de culturas alternativas. O Conselho salienta que esses números lhe foram apresentados a fim de poder tê‑los em conta na adopção do Regulamento n.° 864/2004.

106   Segundo esse estudo, a margem bruta por hectare, fora o pagamento único, é, para o algodão, de 744 euros e situa‑se, assim, entre a referida margem para o trigo duro, ou seja, 334 euros, e a relativa ao milho, ou seja, 914 euros. Na audiência, a Comissão afirmou que esses dados quantificados demonstram que a cultura do algodão permanecerá rentável e possível após a entrada em vigor da reforma.

107   A margem em causa é calculada seguindo uma fórmula que consiste, em substância, em subtrair dos rendimentos por hectare – constituídos pelo preço de venda do algodão em rama, correspondente a 750 euros, e a ajuda específica de 1 039 euros, ou seja, um total de 1 789 euros – os custos de produção, correspondentes à soma dos custos específicos e das despesas gerais, que, segundo a Comissão, devem ser avaliados em 1 045 euros por hectare.

108   O Conselho alegou, todavia, que, para efeitos deste estudo da futura rentabilidade da cultura do algodão, há também que ter em conta os rendimentos provenientes do pagamento único igual a 65% das ajudas existentes nesse sector.

109   Ora, visto que a soma das ajudas agregadas e desagregadas sob o novo regime de ajuda ao algodão equivale ao montante total das ajudas indirectas concedidas sob o regime de ajuda anterior, não há que duvidar da futura rentabilidade da cultura algodoeira. A reforma do apoio a essa cultura está, com efeito, baseada na sua neutralidade orçamental.

110   Este ponto de vista deve ser rejeitado. Como salientou o Governo espanhol sem ser contraditado pela Comissão, tratando‑se de um estudo comparativo da rentabilidade de culturas alternativas, não há que ter em conta o pagamento único, uma vez que este é concedido independentemente da cultura escolhida e mesmo na hipótese de o agricultor decidir nada produzir.

111   Esse pagamento em nada influi, portanto, na decisão de o agricultor escolher uma cultura em vez de outra. A neutralidade orçamental da reforma, em si, carece de pertinência para apreciar se, no futuro, os agricultores não optarão por abandonar a cultura do algodão ou, eventualmente, substituí‑la por outras culturas.

112   Apoiando‑se nesses dois estudos, o Governo espanhol contestou, por outro lado, alguns dados quantificados utilizados no cálculo da rentabilidade da cultura do algodão apresentado pela Comissão, em particular, o relativo aos custos de produção.

113   Segundo os referidos estudos, esses custos ascendem, na realidade, a um montante mínimo de 1 861,81 euros por hectare. Esse montante inclui os custos salariais, ao passo que o montante correspondente em que a Comissão se baseia os exclui erradamente. A adição dos custos salariais ao montante de 1 045 euros por hectare avançado pela Comissão reduz para 10% a diferença entre o número usado pela Comissão e o avançado pelo Governo espanhol no que respeita ao total dos custos de produção.

114   Necessitando a cultura do algodão de uma mão‑de‑obra largamente superior à de outras culturas, é indispensável que tais custos sejam tidos em conta num estudo da rentabilidade futura dessa cultura.

115   Ora, se o cálculo da Comissão incluísse os custos salariais e, além disso, tomasse em consideração um preço de venda conforme ao nível actual do mercado, resultaria daí que os custos de produção são superiores aos rendimentos dos produtores sob o novo regime de ajuda e, portanto, que a margem bruta previsível para o algodão é nula, ou mesmo negativa, correndo os agricultores, por isso, o risco de trabalhar com prejuízo se continuarem a produzir algodão.

116   Interrogada sobre esse ponto na audiência, a Comissão afirmou que o montante de 1 045 euros por hectare, que teve em conta como despesas gerais que entram nos custos de produção, cobre alguns custos salariais, entre os quais os dos trabalhadores temporários ou sazonais e de pessoas que efectuam um trabalho determinado.

117   Todavia, ainda segundo a Comissão, um estudo da rentabilidade comparativa de culturas deverá ter em conta apenas custos específicos, isto é, os ligados às culturas em causa, e não custos fixos, isto é, os ligados à exploração. Por conseguinte, a Comissão não incluiu os custos salariais que se revestem de carácter fixo, como os custos da mão‑de‑obra dos agricultores e das suas famílias.

118   A Comissão acrescentou que esses últimos custos não poderiam, em todo o caso, ser incluídos no cálculo de rentabilidade. Com efeito, por um lado, verificaram‑se grandes diferenças, de resto, inexplicáveis, entre os dados quantificados das diferentes regiões, relativos aos referidos custos, de forma que esses dados não são fiáveis. Por outro, é muito difícil repartir esses custos entre as diferentes culturas e outras actividades em cada exploração agrícola.

119   Tendo em conta estas precisões, há que colocar a questão de saber se, ao fixar o montante da ajuda específica ao algodão com base no estudo comparativo referido no n.° 105 do presente acórdão, as instituições comunitárias infringiram o princípio da proporcionalidade.

120   É certo que, quando, como no caso em apreço, o legislador comunitário é levado a apreciar os efeitos futuros de uma regulamentação a adoptar, quando esses efeitos não podem ser previstos com exactidão, a sua apreciação só pode ser censurada se se mostrar manifestamente errada à luz dos elementos de que dispunha no momento da adopção da regulamentação em causa (acórdão Jippes e o., já referido, n.° 84 e jurisprudência citada).

121   Além disso, é verdade que o amplo poder de apreciação do legislador comunitário, que implica uma fiscalização jurisdicional limitada do seu exercício, não se aplica exclusivamente à natureza e ao alcance das disposições a adoptar, mas também, em certa medida, ao apuramento dos dados de base (v., nomeadamente, acórdão de 25 de Outubro de 2001, Itália/Conselho, C‑120/99, Colect., p. I‑7997, n.° 44).

122   Todavia, esta fiscalização jurisdicional, mesmo que tenha um alcance limitado, exige que as instituições comunitárias, autoras do acto em causa, estejam em condições de demonstrar ao Tribunal de Justiça que o acto foi adoptado mediante um exercício efectivo do seu poder de apreciação, que pressupõe a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação que esse acto pretendeu regular.

123   Daí resulta que essas instituições devem, pelo menos, poder apresentar e expor de forma clara e inequívoca os dados de base que tiveram de ser tidos em conta para fundamentar as medidas contestadas desse acto e de que dependia o exercício do seu poder de apreciação.

124   Ora, tal como foi salientado nos n.os 116 a 118 do presente acórdão, resulta dos esclarecimentos fornecidos pela Comissão na audiência que certos custos salariais não foram incluídos e, portanto, não foram tidos em conta no seu estudo comparativo da rentabilidade previsível da cultura do algodão sob o novo regime de ajuda que serviu de fundamento à determinação do montante da ajuda específica ao algodão.

125   O Governo espanhol sustentou, no entanto, apoiando‑se em estudos quantitativos, que esses custos podem ser calculados, que são significativos e que a tomada em consideração dos referidos custos gera dúvidas sérias no que respeita à rentabilidade da cultura do algodão sob o novo regime de ajuda.

126   Sem que seja necessário apreciar a correcção dos dados quantificados apresentados por ambas as partes, há que reconhecer que a pertinência dos custos salariais em causa, para efeitos do cálculo dos custos de produção do algodão e da rentabilidade previsível dessa cultura, parece, em si, dificilmente contestável. A circunstância, invocada pela Comissão, de a obtenção desses dados ter colocado certos problemas técnicos não pode pôr em causa a sua pertinência.

127   Além disso, há que observar que o Conselho e a Comissão não avançaram argumentos precisos que invalidem a afirmação do Governo espanhol segundo a qual a inclusão desses custos implica um aumento dos custos de produção do algodão tal que não é assegurada uma rentabilidade suficiente dessa cultura sob o novo regime de ajuda, de modo que a referida cultura corre o risco de ser abandonada, pelo menos em relação a uma parte significativa, ou, eventualmente, substituída por outras culturas.

128   Por outro lado, é pacífico que os efeitos potenciais da reforma do regime de ajuda ao algodão na situação económica das empresas de descaroçamento não foram examinados.

129   Na verdade, como salientou o Conselho, o imperativo da manutenção da rentabilidade da produção do algodão que decorre do n.° 2 do Protocolo n.° 4 visa, enquanto tal, os produtores de algodão e não as empresas de descaroçamento.

130   Todavia, um estudo adequado dos efeitos da referida reforma na rentabilidade desta produção exige um exame das consequências que essa reforma é susceptível de acarretar para as empresas de descaroçamento situadas nas zonas de produção.

131   Com efeito, como sublinhou o Governo espanhol, sem ser contraditado quanto a esse ponto, a produção do algodão é economicamente impossível sem a existência, nas proximidades das regiões produtoras, dessas empresas a operar em condições economicamente estáveis, pois o algodão, antes da sua transformação, não tem qualquer valor mercantil, nem pode ser transportado para longe.

132   A produção do algodão e a sua transformação pelas empresas de descaroçamento mostram‑se, portanto, indissociavelmente ligadas. Por conseguinte, os efeitos potenciais da reforma do regime de ajuda ao algodão na viabilidade económica das empresas de descaroçamento constituem um dado de base que deve ser tido em conta para avaliar a rentabilidade da cultura do algodão.

133   Nestas condições, é forçoso reconhecer que o Conselho, autor do Regulamento n.° 864/2004, não demonstrou ao Tribunal que o novo regime de ajuda ao algodão instituído por este regulamento tinha sido adoptado mediante um exercício efectivo do seu poder de apreciação, que implicava a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes do caso em apreço, entre os quais todos os custos salariais ligados à cultura do algodão e a viabilidade das empresas de descaroçamento, cuja tomada em consideração era necessária para a apreciação da rentabilidade desta cultura.

134   Daí decorre que os dados apresentados pelas instituições comunitárias não permitem ao Tribunal de Justiça verificar se o legislador comunitário pôde, sem ultrapassar os limites do amplo poder de apreciação de que dispõe na matéria, chegar à conclusão de que a fixação do montante da ajuda específica ao algodão em 35% do total das ajudas existentes no regime de ajuda anterior basta para garantir o objectivo exposto no quinto considerando do Regulamento n.° 864/2004, que é assegurar a rentabilidade e, portanto, o prosseguimento dessa cultura, objectivo que reflecte o prescrito no n.° 2 do Protocolo n.° 4.

135   Por conseguinte, há que concluir que foi infringido o princípio da proporcionalidade.

136   Segue‑se que o quarto fundamento, na medida em que é relativo à violação desse princípio, é fundado e que há que dar provimento ao recurso.

137   À luz do que precede, há, portanto, que anular o capítulo 10A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado.

 Quanto à limitação dos efeitos de anulação

138   Nos termos do artigo 231.°, segundo parágrafo, CE, o Tribunal de Justiça pode, quando considerar necessário, indicar quais os efeitos do regulamento anulado que devem ser considerados subsistentes.

139   No caso em apreço, há que recordar que, segundo o artigo 156.°, n.° 2, alínea g), do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, o novo regime de ajuda ao algodão aplica‑se a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao algodão cultivado desde esta data.

140   Por conseguinte, os agricultores dos Estados‑Membros em causa podem já ter tomado algumas medidas para se adaptarem a este regime, a fim de poderem beneficiar do apoio que ele prevê ou, pelo menos, deverão tomar tais medidas a curto prazo. Além disso, as autoridades competentes dos referidos Estados‑Membros já possivelmente adoptaram as medidas necessárias à aplicação do referido regime ou adoptarão proximamente tais medidas.

141   Tendo presentes estes elementos e a fim de, nomeadamente, evitar qualquer insegurança jurídica quanto ao regime aplicável às ajudas no sector do algodão na sequência da anulação do capítulo 10A do título IV do Regulamento n.° 1782/2003, tal como foi alterado, há que manter suspensos os efeitos da referida anulação até à adopção, num prazo razoável, de um novo regulamento.

 Quanto às despesas

142   Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino de Espanha pedido a condenação do Conselho e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o disposto no artigo 69.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, as instituições que intervieram no litígio suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É anulado o capítulo 10A do título IV do Regulamento (CE) n.° 1782/2003 do Conselho, de 29 de Setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.° 2019/93, (CE) n.° 1452/2001, (CE) n.° 1453/2001, (CE) n.° 1454/2001, (CE) n.° 1868/94, (CE) n.° 1251/1999, (CE) n.° 1254/1999, (CE) n.° 1673/2000, (CEE) n.° 2358/71 e (CE) n.° 2529/2001, inserido pelo artigo 1.°, ponto 20, do Regulamento (CE) n.° 864/2004 do Conselho, de 29 de Abril de 2004.

2)      Os efeitos da referida anulação mantêm‑se suspensos até à adopção, num prazo razoável, de um novo regulamento.

3)      O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

4)      A Comissão das Comunidades Europeias suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.

Top