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Document 61999CC0075

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 27 de Junho de 2000.
Edmund Thelen contra Bundesanstalt für Arbeit.
Pedido de decisão prejudicial: Bundessozialgericht - Alemanha.
Segurança Social - Artigos 6.º e 7.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Aplicabilidade de uma convenção entre Estados-Membros sobre o seguro de desemprego.
Processo C-75/99.

European Court Reports 2000 I-09399

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:347

61999C0075

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 27 de Junho de 2000. - Edmund Thelen contra Bundesanstalt für Arbeit. - Pedido de decisão prejudicial: Bundessozialgericht - Alemanha. - Segurança Social - Artigos 6.º e 7.º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Aplicabilidade de uma convenção entre Estados-Membros sobre o seguro de desemprego. - Processo C-75/99.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-09399


Conclusões do Advogado-Geral


I - Enquadramento jurídico

A - Disposições comunitárias

1 Nos termos do artigo 6._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, alterado pelo Regulamento (CEE) n._ 1248/92 do Conselho, de 30 de Abril de 1992 (1) (a seguir «regulamento»):

«No que respeita ao seu âmbito de aplicação pessoal e material, o presente regulamento substitui, sem prejuízo do disposto nos artigos 7._, 8._ e n._ 4 do artigo 46._, qualquer convenção da segurança social que vincule:

a) quer exclusivamente dois ou mais Estados-Membros;

b) quer pelo menos dois Estados-Membros e outro ou outros Estados, desde que se trate de casos em cuja resolução não seja chamada a intervir qualquer instituição de um destes últimos Estados.»

2 Os artigos 7._ e 8._ do regulamento dispõem que este último não prejudica certas disposições internacionais e que os Estados-Membros podem celebrar entre si convenções baseadas nos princípios e no espírito do referido regulamento. Quanto ao artigo 46._, n._ 4, precisa as condições nas quais, em matéria de pensões ou rendas de invalidez, de velhice ou de sobrevivência, as disposições de uma convenção multilateral de segurança social prevista no artigo 6._, alínea b), se articulam com as do regulamento.

3 O capítulo VI do título III do regulamento, relativo às prestações de desemprego, comporta nomeadamente a seguinte disposição:

«Artigo 67._

1. A instituição competente de um Estado-Membro cuja legislação fizer depender do cumprimento de períodos de seguro, a aquisição, a manutenção ou a recuperação do direito às prestações, terá em conta, na medida em que tal for necessário, os períodos de seguro ou de emprego cumpridos ao abrigo da legislação de qualquer outro Estado-Membro, como se se tratasse de períodos de seguro cumpridos ao abrigo da legislação aplicada por aquela instituição desde que, contudo, os períodos de emprego fossem considerados como períodos de seguro se tivessem sido cumpridos ao abrigo da referida legislação.

2. A instituição competente de um Estado-Membro cuja legislação fizer depender do cumprimento de períodos de emprego, a aquisição, a manutenção ou a recuperação do direito às prestações, terá em conta, na medida em que tal for necessário, os períodos de seguro ou de emprego cumpridos na qualidade de trabalhador assalariado ao abrigo da legislação de qualquer outro Estado-Membro, como se se tratasse de períodos de emprego cumpridos ao abrigo da legislação por ela aplicada.

3. Salvo nos casos referidos no n._ 1, alínea a), ii), e alínea b), ii), do artigo 71._, os n.os 1 e 2 só se aplicam se o interessado tiver cumprido em último lugar:

- no caso do n._ 1, períodos de seguro,

- no caso do n._ 2, períodos de emprego,

em conformidade com as disposições da legislação nos termos da qual as prestações são requeridas.

4. Quando o período de concessão das prestações depender da duração dos períodos de seguro ou de emprego, aplica-se o disposto no n._ 1 ou no n._ 2, conforme o caso.»

B - Cláusulas bilaterais

4 Nos termos do artigo 7._, primeiro parágrafo, primeira frase, da convenção relativa ao seguro de desemprego celebrada em 19 de Julho de 1978 entre a República Federal da Alemanha e a República da Áustria (a seguir «convenção»):

«Os pedidos de emprego sujeitos à obrigação de contribuir que foram cumpridos segundo as disposições da legislação do outro Estado co-contratante são tomados em conta para apreciar se as condições de aquisição dos direitos estão preenchidas e para determinar a duração do direito às prestações, desde que o requerente possua a nacionalidade do Estado co-contratante no qual as prestações são requeridas e que resida habitualmente no território desse Estado.»

C - Disposições nacionais

5 Na Alemanha, por força do artigo 100._ da Arbeitsförderungsgesetz (lei de promoção do emprego, a seguir «AFG»), tem direito ao subsídio de desemprego quem satisfaça uma série de condições, entre as quais a da duração da inscrição.

6 Estas decorrem das disposições conjugadas dos §§ 104, n._ 1, primeiro período, e 106, n._ 1, primeiro período, da AFG, donde resulta que, para ter direito ao subsídio de desemprego de 156 dias, é necessário ter ocupado durante 360 dias, no decurso do período de referência, um emprego sujeito a contribuições obrigatórias nos termos do § 168 da mesma lei. Segundo o § 104, n.os 2 e 3, da AFG, o período de referência, que é de três anos, precede imediatamente o primeiro dia de desemprego, a partir do qual as outras condições que dão direito à inscrição como trabalhador à procura de emprego estão preenchidas.

II - O litígio no processo principal

7 E. Thelen, de nacionalidade alemã, viveu de 1986 a 1996 na Áustria, onde exerceu de 18 de Julho de 1991 a 15 de Junho de 1993, de 1 a 20 de Dezembro de 1993 e de 1 de Fevereiro de 1994 a 31 de Janeiro de 1996 uma actividade profissional sujeita, nos termos do direito austríaco, à obrigação de contribuir para o seguro de desemprego. A seguir ao seu divórcio, instalou-se com a sua filha, em relação à qual tem o poder paternal, numa casa herdada dos seus pais, em Trier, onde requereu, em 4 de Março de 1996, nos serviços de emprego dessa cidade o subsídio de desemprego. Verificou-se seguidamente que esteve desempregado de 4 de Março a 31 de Julho de 1996, e é relativamente a este período que diz respeito o litígio no processo principal. O seu pedido foi indeferido com fundamento no facto de que ele não preenchia as condições de duração de inscrição exigidas. Na sequência, foi indeferida a sua reclamação e depois negado provimento ao recurso contencioso para o Sozialgericht Trier.

8 Em instância de recurso, o Landessozialgericht Rheinland-Pfalz declarou que os períodos de emprego cumpridos por E. Thelen a partir de 1 de Janeiro de 1994, data da entrada em vigor do acordo sobre o Espaço Económico Europeu, não deviam, em princípio, ser tomados em consideração devido ao facto de nessa data o regulamento ter substituído a convenção e de não estarem preenchidas as condições exigidas pelo artigo 67._, n._ 3, ou pelo artigo 71._ do regulamento. Mas considerou que os períodos de emprego em causa deviam ser tomados em conta em conformidade com o artigo 7._ da convenção, porque os artigos 48._, n._ 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39._, n._ 2, CE) e 51._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 42._ CE) não permitem que, por efeito da entrada em vigor do regulamento, os trabalhadores percam vantagens conferidas por uma convenção entre os Estados-Membros. Assim, julgou procedente o pedido do interessado.

9 Tendo a administração então recorrida interposto recurso dessa decisão para o Bundessozialgericht, este questionou a possibilidade de ter em conta, não obstante a entrada em vigor do regulamento, as estipulações da convenção nas condições definidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (2). Realçou nomeadamente que estes acórdãos incidem sobre regimes de reforma e que a solução que deles resulta não é necessariamente transponível para um regime de seguro de desemprego, que apresenta características específicas no que se refere à duração da inscrição.

10 Considerando que a solução do litígio dependia, assim, da interpretação dos artigos 6._ e 7._ do regulamento, o Bundessozialgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 6._ e 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho ser interpretados no sentido de que, em consequência do princípio da liberdade de circulação dos trabalhadores, não se opõem à continuação da validade de uma convenção bilateral no domínio do seguro de desemprego que é mais favorável para o segurado, apesar de, em consequência do período de referência, já não resultar do período anterior à entrada em vigor do regulamento qualquer direito às prestações do seguro de desemprego?»

III - Análise

11 Todas as partes intervenientes concordam com a análise feita pelo órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual E. Thelen não se pode apoiar nas disposições do Regulamento n._ 1408/71 para obter as prestações que pretende.

12 Com efeito, alegaram, com razão na minha opinião, que resulta do artigo 67._, n._ 3, do referido regulamento, que, para poder obter a tomada em conta de períodos de seguro ou emprego cumpridos num Estado-Membro, o desempregado deve ter cumprido o seu último período de seguro no Estado-Membro onde as prestações são pedidas, o que não se passa no caso em apreço.

13 Ora, na ausência de tomada em consideração dos períodos de seguro cumpridos por E. Thelen na Áustria, este não preenche a condição fixada pela lei alemã relativa à duração da inscrição de 160 dias, dentro dum período de referência de três anos. Com efeito, o despacho de reenvio expõe que, no caso em apreço, o período de referência vai de 4 de Março de 1993 a 3 de Março de 1996 e que, durante esse período de tempo, E. Thelen não esteve inscrito durante 160 dias no regime de seguro alemão.

14 É um facto que o artigo 71._ do regulamento prevê a possibilidade de um trabalhador receber as prestações de desemprego pagas por um Estado que não o da sua residência. No entanto, visa situações diferentes das do demandante no processo principal.

15 Conclui-se que, como referem o órgão jurisdicional de reenvio e as partes intervenientes, é unicamente com base nas disposições da convenção, e em particular do seu artigo 7._, já referido, que E. Thelen poderá apoiar-se para obter o pagamento das prestações que pretende.

16 Ora, como aliás referem igualmente o órgão jurisdicional de reenvio e as partes, resulta do artigo 6._ do regulamento que este substitui a convenção bilateral germano-austríaca, já referida, a partir de 1 de Janeiro de 1994, data da entrada em vigor do acordo sobre o Espaço Económico Europeu.

17 O regulamento não prevê a possibilidade de se continuar a aplicar o artigo 7._ da convenção após a entrada em vigor do regulamento. Com efeito, as excepções à substituição que o regulamento prevê não incluem essa disposição e não são pertinentes no caso em apreço.

18 Assim, há que determinar se a convenção bilateral em causa é susceptível de ser aplicável não em virtude de um reenvio que seria feito pelo regulamento, mas com fundamento na jurisprudência, já referida, do Tribunal de Justiça, segundo a qual as disposições do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores acarretam em certos casos a obrigação de deixar subsistir os efeitos das convenções bilaterais anteriores às quais o regulamento portanto se substituiu.

19 A Comissão, por um lado, os Governos alemão e espanhol, por outro, fazem sobre este ponto análises divergentes.

20 Assim, o Governo espanhol alega que a jurisprudência existente diz sempre respeito às pensões de reforma ou de invalidez. Na Alemanha, estas diferem pela sua própria natureza das prestações de desemprego em causa no caso em apreço.

21 Com efeito, estas últimas são caracterizadas pelo seu aspecto instantâneo: o seu montante não depende da duração da contribuição e visam remediar uma situação presente, suposta temporária. Assim, não está aqui em causa o conceito de direitos adquiridos, que é fundamental na jurisprudência. Em contrapartida, em matéria de velhice ou invalidez, existe num dado momento um direito integral e completo a determinadas prestações, nomeadamente em função da duração da contribuição.

22 O Governo alemão também considera que a aplicação da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça pressupõe que o direito tenha sido adquirido antes da entrada em vigor do regulamento, o que não é a situação do caso em apreço.

23 A Comissão, refere, pelo contrário, que nada na jurisprudência do Tribunal de Justiça leva a que esta só seja aplicável às prestações de velhice ou de invalidez. Com efeito, esta jurisprudência é fundada na protecção da confiança legítima e o seu único critério de aplicação é o facto de um trabalhador ter exercido o seu direito à livre circulação antes da entrada em vigor do regulamento e da regra de substituição que este prevê.

24 Além disso, não há razões para considerar que a jurisprudência em causa só se aplica às prestações adquiridas a longo prazo, uma vez que, em certos Estados-Membros, tal não é o caso das prestações de velhice ou de invalidez.

25 Concordo com esta análise.

26 Com efeito, resulta da jurisprudência, já referida, que esta visa evitar que um trabalhador que exerceu o seu direito à livre circulação e adquiriu direitos em matéria de segurança social se veja privado destes devido à entrada em vigor do regulamento que substituiu as convenções bilaterais nos termos das quais os direitos foram adquiridos.

27 Como decidiu o Tribunal de Justiça no acórdão Rönfeldt, já referido, as disposições do regulamento devem ser interpretados à luz do objectivo do artigo 51._ do Tratado que lhe serve de fundamento, isto é, contribuir para a realização de uma liberdade tão completa quanto possível de circulação dos trabalhadores migrantes, princípio que constitui um dos fundamentos da Comunidade. O Tribunal de Justiça acrescentou que este objectivo não será conseguido se, na sequência do exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores perdessem os benefícios que lhe são assegurados, de qualquer modo, pelo direito de um único Estado-Membro, incluindo as convenções bilaterais que nele são incorporadas (3).

28 Aplicando estes princípios ao caso em que uma convenção anterior à entrada em vigor do regulamento confere aos trabalhadores mais vantagens que as que resultam da regulamentação comunitária, o Tribunal de Justiça concluiu que uma «interpretação... que levasse a não tomar em conta as disposições de convenções celebradas entre Estados-Membros e comportando para os trabalhadores benefícios superiores aos que decorrem da regulamentação comunitária acarretaria uma limitação substancial ao alcance dos objectivos do artigo 51._, na medida em que o trabalhador que exerce o seu direito à livre circulação se encontraria colocado numa situação menos favorável que a que teria conhecido se não tivesse feito uso desse direito» (4).

29 Portanto, esta jurisprudência tem, a priori, vocação para ser aplicada em todos os casos em que um trabalhador, nos termos do regulamento, tenha adquirido um direito com base numa convenção bilateral, antes de esta ser substituída pelo regulamento. Ora, uma tal situação pode muito bem acontecer no caso de prestações adquiridas ao fim de um breve período de inscrição, como as prestações de desemprego em causa, e não implica necessariamente que sejam relativas a direitos adquiridos a longo prazo. Com efeito, é suficiente que o período em causa tenha começado antes da entrada em vigor do regulamento e que as prestações controvertidas tenham sido pedidas depois.

30 Os acórdãos Naranjo Arjona e o., já referido, e Grajera Rodríguez (5) confirmam esta análise. Com efeito, o Tribunal de Justiça aplicou aí a jurisprudência Rönfeldt e afastou, portanto, a aplicação das disposições do regulamento que substituíram a convenção anterior, quando, como no caso em apreço, o montante das prestações em causa não dependia da duração da contribuição.

31 Resulta, pois, que a natureza das prestações consideradas não é o critério determinante para a aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça e que esta, em princípio, pode ser aplicada às prestações de desemprego.

32 Aliás, no presente processo, mesmo os intervenientes que consideram a referida jurisprudência inaplicável ao caso das prestações de desemprego não contestam que, embora E. Thelen tenha trabalhado na Áustria de modo continuado até uma data ulterior a 1 de Janeiro de 1994 e tenha então pedido na Alemanha as prestações de desemprego, haveria que ter em conta os períodos de inscrição na Áustria e, portanto, afastar as disposições do regulamento em proveito das da convenção. Com efeito, a aplicação do regulamento em vez da convenção privaria o trabalhador do direito às prestações de desemprego, adquirido durante o período de inscrição na Áustria.

33 Também é um facto que, como sublinham o Governo alemão e o Governo espanhol, a aplicação da mencionada jurisprudência no caso em apreço se debate com certas dificuldades. Coloca-se, pois, a questão de saber se, como consideram estes governos, elas são insuperáveis.

34 Em primeiro lugar, estes governos recordam que a jurisprudência relativa à manutenção dos efeitos apenas é aplicável nos casos em que as situações jurídicas tenham já sido adquiridas antes da entrada em vigor do regulamento. Tal seria, em especial, o caso no acórdão Thévenon, já referido, onde o Tribunal de Justiça limitou expressamente a aplicabilidade da sua jurisprudência apenas aos trabalhadores que tivessem já exercido o seu direito à livre circulação antes da entrada em vigor do regulamento.

35 Ora, no caso em apreço, E. Thelen não tinha definitivamente adquirido direitos antes de 1 de Janeiro de 1994, data em que o regulamento entrou em vigor no caso da República da Áustria. O Governo alemão precisa a este respeito que, na verdade, E. Thelen tinha, nessa altura, direito a prestações de desemprego com fundamento nas disposições da pertinente convenção bilateral. Todavia, perdera esse direito, devido ao período de referência de três anos previsto pelo direito alemão, e não pelo facto da entrada em vigor do regulamento.

36 O Governo espanhol acrescenta que, de qualquer modo, a condição colocada pelo acórdão Thévenon, já referido, não está preenchida no caso em apreço, porque E. Thelen exerceu o seu direito à livre circulação depois da entrada em vigor do regulamento. Com efeito, apenas exerceu na Áustria uma actividade sujeita à obrigação de contribuição até 20 de Dezembro de 1993 e a partir de 1 de Fevereiro de 1994. Houve, pois, uma interrupção do exercício do direito de livre circulação antes da entrada em vigor do regulamento e novo exercício desse direito após essa data.

37 A Comissão salienta, a este respeito, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não faz distinções consoante haja ou não interrupção no exercício do direito de livre circulação, desde que esse exercício tenha começado antes da entrada em vigor do regulamento, o que é a situação de E. Thelen.

38 Em todo o caso, deve referir-se que não resulta dos autos que houve interrupção por parte de E. Thelen do exercício do seu direito à livre circulação, seguido de um novo exercício deste último. Com efeito, o facto de, entre Dezembro de 1993 e Fevereiro de 1994, não ter tido na Áustria uma actividade sujeita à obrigação de contribuição não implica necessariamente que tenha regressado à Alemanha antes de 1 de Janeiro de 1994, para tornar a voltar à Áustria depois dessa data.

39 Aliás, o Tribunal de Justiça julgou no acórdão Kuusijärvi (6) que não constitui um obstáculo à aplicação da jurisprudência em causa o facto de um trabalhador estar desempregado, e não exercer assim uma actividade sujeita à obrigação de contribuição, no momento da entrada em vigor do regulamento.

40 Considero, de qualquer modo, que não é necessário colocar a questão de saber se há, ou não, interrupção do exercício por E. Thelen do seu direito à livre circulação.

41 Com efeito, como já tinha dito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem por objectivo subtrair aos efeitos da substituição das convenções bilaterais pelo rgulamento as situações jurídicas adquiridas anteriormente pelo trabalhador.

42 Conclui-se necessariamente, e isto resulta claramente do acórdão Thévenon, já referido, que o direito à livre circulação deve ter sido exercido antes da substituição, quer dizer, antes da entrada em vigor do regulamento. Com efeito, um trabalhador que só exerceu o seu direito à livre circulação depois da entrada em vigor do regulamento, isto é, no momento em que este já tinha substituído a convenção, não pode alegar ter sofrido uma perda dos benefícios decorrentes desta última (7). Por outro lado, o exercício do direito à livre circulação deve ter conduzido o trabalhador a adquirir direitos que a substituição teve por efeito anular.

43 Todavia, isto não implica que, no momento da entrada em vigor do regulamento, o trabalhador esteja ainda a exercer o seu direito à livre circulação. Com efeito, o critério determinante é o de saber se, nesse momento, o trabalhador já adquiriu direitos, por força da convenção bilateral, graças ao exercício anterior do seu direito à livre circulação. O acórdão Rönfeldt, já referido, que dizia respeito a um trabalhador que tinha já posto fim à sua migração antes da entrada em vigor do regulamento, confirma esta conclusão.

44 Se foram já adquiridos direitos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, fundada, como vimos, na necessidade de dar plena eficácia às disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores assegurando a protecção dos referidos direitos, pode aplicar-se independentemente do facto de o trabalhador ter ou não continuado a exercer o seu direito à livre circulação no momento da entrada em vigor do regulamento. Com efeito, o objectivo é impedir que o trabalhador fique numa situação de desvantagem em relação à que teria se ele não tivesse circulado.

45 Assim, há que determinar se E. Thelen tinha adquirido um direito no momento da entrada em vigor do regulamento.

46 A este respeito, o Governo alemão sublinha que E. Thelen tinha efectivamente adquirido nessa data um direito às prestações de desemprego, na Alemanha, por força da convenção bilateral mas que o teria perdido devido às condições relativas à duração de inscrição previstas pelo direito alemão, e não por causa da entrada em vigor do regulamento.

47 A este propósito, verifico que, nessa data, E. Thelen tinha efectivamente acumulado períodos de seguro suficientes para ter direito, por força da convenção bilateral, às prestações de desemprego na Alemanha.

48 É certo que, porque o direito alemão impõe uma duração de inscrição durante um determinado período de referência a partir da data do início do desemprego, um trabalhador pode, pelo simples efeito dessas disposições e sem que a entrada em vigor do regulamento produza efeitos a este respeito, perder o direito às prestações que tinha obtido num dado momento.

49 Todavia, tal não é o caso no presente processo. Com efeito, é unicamente no caso de não ser possível ter em conta os períodos de seguro que acumulou na Áustria a partir da entrada em vigor do regulamento que E. Thelen não preenche as condições de duração de inscrição fixadas pelo direito alemão.

50 Em contrapartida, sem a intervenção do Regulamento n._ 1408/71, a convenção bilateral teria sido aplicável e, com base nas suas disposições, teriam sido tomados em conta esses períodos de seguro e E. Thelen teria obtido as prestações pedidas.

51 Por conseguinte, não é apenas devido às condições fixadas pelo direito alemão quanto à duração da inscrição que E. Thelen não está em situação de obter as prestações em causa, mas igualmente devido à substituição da anterior convenção bilateral pelo regulamento.

52 Considerar que a entrada em vigor do regulamento acarreta para o trabalhador um tratamento menos favorável que a manutenção da convenção bilateral não é, no entanto, suficiente, por si só, para afastar a aplicação das disposições do regulamento, como julgou o Tribunal de Justiça no acórdão Walder (8).

53 Com efeito, como já vimos supra, o inconveniente sofrido pelo trabalhador deve poder analisar-se na perda de um direito adquirido antes da entrada em vigor do regulamento.

54 Ora, a impossibilidade de tomar em consideração os períodos de seguro cumpridos na Áustria a partir da entrada em vigor do regulamento não pode, por definição, constituir a perda de um direito adquirido antes dessa entrada em vigor.

55 Pode concluir-se que as circunstâncias do caso em apreço excluem a aplicação da referida jurisprudência do Tribunal de Justiça?

56 Não penso que seja assim.

57 Com efeito, como sublinha com razão a Comissão, este processo não diz unicamente respeito aos períodos de seguro cumpridos após a entrada em vigor do regulamento, visto que o período de referência, previsto pelo direito alemão para determinar se as condições relativas à duração de inscrição estão preenchidas, tem início em 4 de Março de 1993.

58 Ora, nessa data, E. Thelen encontrava-se na situação de um trabalhador que exerceu o seu direito à livre circulação antes da entrada em vigor do regulamento e que pode legitimamente esperar que um direito resultante para ele da convenção, ou seja, o de serem tomados em consideração, para efeitos da concessão de prestações de desemprego na Alemanha, os períodos de seguro cumpridos na Áustria nas mesmas condições como se tivessem sido cumpridos na Alemanha, não lhe possa ser retirado devido à entrada em vigor do regulamento.

59 Portanto, nas circunstâncias como as do caso em apreço, há que afastar as disposições do regulamento e aplicar as da convenção bilateral.

60 Com efeito, o último argumento apresentado pelo Governo espanhol não me parece que possa justificar uma conclusão diferente.

61 Assim, este último afirma que, aplicando as disposições da convenção em vez das do regulamento, não se teria em conta o efeito de atracção deste último, que seria assim objecto de uma «segmentation à la carte».

62 Todavia, deve sublinhar-se que o próprio regulamento prevê nos seus anexos a manutenção de certas disposições convencionadas bilateralmente, incluindo disposições da convenção em causa no caso em apreço (9). É portanto claro que o legislador comunitário não considerou que isso era incompatível com a plena eficácia do regulamento.

63 Resta ainda recordar uma última consideração, formulada tanto pelo órgão jurisdicional de reenvio como pela Comissão. O facto de a possibilidade de invocar as disposições da convenção ser reservada aos cidadãos alemães e austríacos pode ser constitutivo de uma discriminação em razão da nacionalidade?

64 A verdade é que não se pode excluir, a priori, tal possibilidade.

65 Todavia, a Comissão observa, a este respeito, que esta questão só pode ser colocada em casos excepcionais e que não é relevante para o presente processo. Com efeito, tendo E. Thelen a nacionalidade alemã, não é necessário responder à questão de saber qual seria a situação se ele a não tivesse.

66 Há que observar que o presente processo diz respeito à questão de saber se um trabalhador na situação de E. Thelen pode invocar as regras do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores e princípios gerais do direito comunitário tais como a protecção da confiança legítima. Assim, o processo diz respeito ao âmbito dos direitos em relação aos quais um trabalhador individual, como no caso concreto, pode invocar a protecção.

67 Em contrapartida, o processo não tem por objecto fazer sobreviver a convenção no momento da entrada em vigor do regulamento e não diz assim respeito à questão de saber se um Estado-Membro podia validamente celebrar com um Estado terceiro uma convenção cujas disposições apenas pudessem ser invocadas pelos cidadãos das partes na convenção. A resposta a esta questão não pode aliás, de qualquer modo, ter por consequência privar E. Thelen de direitos que o direito comunitário reconhece como dignos de protecção, mas antes impõe que seja examinado o problema de saber se um trabalhador cidadão de um outro Estado-Membro, colocado numa situação idêntica, não deve beneficiar, também ele, da referida convenção bilateral.

68 Por conseguinte, não deve ser decidida no caso em apreço a questão de saber se a impossibilidade, tal como parece decorrer dos termos da convenção, de um trabalhador cidadão de um Estado-Membro que não a República Federal da Alemanha invocar as mesmas disposições que E. Thelen constitui uma discriminação contrária ao artigo 6._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12._ CE).

Conclusão

69 Pelas razões precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão do Bundessozialgericht do seguinte modo:

«Os artigos 6._ e 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada pelo Regulamento (CEE) n._ 1248/92 do Conselho, de 30 de Abril de 1992, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma convenção celebrada entre Estados mais favorável ao segurado em matéria de seguro de desemprego continue a ser aplicada, mesmo que já não seja possível, devido ao período de referência, invocar um direito a prestações de seguro de desemprego fundado no período anterior à entrada em vigor do regulamento.»

(1) - JO L 136, p. 7.

(2) - Acórdãos de 7 de Fevereiro de 1991, Rönfeldt (C-227/89, Colect., p. I-323); de 9 de Novembro de 1995, Thévenon (C-475/93, Colect., p. I-3813), e de 9 de Outubro de 1997, Naranjo Arjona e o. (C-31/96 a C-33/96, Colect., p. I-5501).

(3) - Acórdão Rönfeldt, já referido, n.os 24 e 25.

(4) - Acórdão Rönfeldt, já referido, n._ 28.

(5) - Acórdão de 17 de Dezembro de 1998 (C-153/97, Colect., p. I-8645).

(6) - Acórdão de 11 de Junho de 1998 (C-275/96, Colect., p. I-3419).

(7) - Acórdão Thévenon, já referido, n._ 26.

(8) - Acórdão de 7 de Junho de 1973 (82/72, Colect., p. 244).

(9) - Anexo III, ponto 3, alínea h).

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