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Document 61997CJ0051
Judgment of the Court (Third Chamber) of 27 October 1998. # Réunion européenne SA and Others v Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV and the Master of the vessel Alblasgracht V002. # Reference for a preliminary ruling: Cour de cassation - France. # Brussels Convention - Interpretation of Articles 5(1) and (3) and 6 - Claim for compensation by the consignee or insurer of the goods on the basis of the bill of lading against a defendant who did not issue the bill of lading but is regarded by the plaintiff as the actual maritime carrier. # Case C-51/97.
Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 27 de Outubro de 1998.
Réunion européenne SA e o. contra Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e Capitão que comanda o navio "Alblasgracht V002".
Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - França.
Convenção de Bruxelas - Interpretação dos artigos 5., pontos 1 e 3, e 6. - Pedido de indemnização intentado pelo destinatário ou pelo segurador da mercadoria, com base no conhecimento, contra um requerido que não emitiu o conhecimento, mas é considerado pelo demandante como sendo o real transportador marítimo.
Processo C-51/97.
Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 27 de Outubro de 1998.
Réunion européenne SA e o. contra Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e Capitão que comanda o navio "Alblasgracht V002".
Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - França.
Convenção de Bruxelas - Interpretação dos artigos 5., pontos 1 e 3, e 6. - Pedido de indemnização intentado pelo destinatário ou pelo segurador da mercadoria, com base no conhecimento, contra um requerido que não emitiu o conhecimento, mas é considerado pelo demandante como sendo o real transportador marítimo.
Processo C-51/97.
European Court Reports 1998 I-06511
ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:509
Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 27 de Outubro de 1998. - Réunion européenne SA e o. contra Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e Capitão que comanda o navio "Alblasgracht V002". - Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - França. - Convenção de Bruxelas - Interpretação dos artigos 5., pontos 1 e 3, e 6. - Pedido de indemnização intentado pelo destinatário ou pelo segurador da mercadoria, com base no conhecimento, contra um requerido que não emitiu o conhecimento, mas é considerado pelo demandante como sendo o real transportador marítimo. - Processo C-51/97.
Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-06511
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1 Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões - Competências especiais - Competências «em matéria contratual» e «em matéria extracontratual» - Mercadorias avariadas na sequência de um transporte marítimo e seguidamente terrestre - Acção de indemnização intentada pelo destinatário contra o real transportador marítimo que não emitiu o conhecimento - Acção que se insere na matéria extracontratual - Lugar onde ocorreu o facto danoso - Determinação - Lugar onde o dano se verificou - Lugar da entrega das mercadorias pelo transportador marítimo
(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigo 5._, pontos 1 e 3)
2 Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões - Competências especiais - Pluralidade de requeridos - Competência do tribunal do domicílio de um dos co-requeridos - Condição - Domicílio do co-requerido num Estado contratante
(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigo 6._, ponto 1)
1 A acção através da qual o destinatário de mercadorias reconhecidas avariadas na sequência de um transporte marítimo e seguidamente terrestre, ou o seu segurador sub-rogado nos seus direitos por o ter indemnizado, reclama a reparação do seu prejuízo, fundando-se no conhecimento de carga que cobre o transporte marítimo, não à pessoa que emitiu esse documento - no seu próprio papel timbrado - mas à pessoa que o demandante considera ser o real transportador marítimo, não se insere na matéria contratual na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, na medida em que o conhecimento em causa não permite estabelecer qualquer relação contratual livremente assumida entre o destinatário e o requerido.
Esta acção insere-se, pelo contrário, na matéria extracontratual na acepção do artigo 5._, ponto 3, da referida convenção, dado que este conceito abrange qualquer acção que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do requerido e que não esteja relacionada com a matéria contratual na acepção do artigo 5._, ponto 1. No que toca à determinação do «lugar onde ocorreu o facto danoso», na acepção do artigo 5._, ponto 3, o lugar em que o destinatário, após a execução do transporte marítimo e seguidamente do transporte terrestre final, mais não fez do que verificar as avarias das mercadorias que lhe foram entregues, não pode servir para esse efeito. A este respeito, se é certo que o conceito já referido pode visar simultaneamente o lugar onde se produziu o dano e o do evento causal, o lugar da ocorrência do dano só pode ser, no caso em apreço, o lugar em que o transportador marítimo devia entregar as mercadorias.
2 O ponto 1 do artigo 6._ da Convenção de 27 de Setembro de 1968 deve ser interpretado no sentido de que um requerido domiciliado no território de um Estado contratante não pode ser demandado, com base nesta disposição, noutro Estado contratante num tribunal chamado a conhecer de um pedido dirigido contra um co-demandado domiciliado fora do território de qualquer Estado contratante, com o fundamento de que o litígio apresenta carácter indivisível e não apenas conexo. Com efeito, o objectivo de segurança jurídica que a convenção visa não seria atingido caso o facto de o tribunal de um Estado contratante se ter reconhecido competente em relação a um dos requeridos não domiciliado no Estado contratante permitisse demandar um outro requerido, domiciliado num Estado contratante, perante esse mesmo tribunal e fora dos casos previstos pela convenção, privando-o, assim, do benefício das regras protectoras que enuncia.
No processo C-51/97,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pela Cour de cassation (França), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Réunion européenne SA e o.
e
Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV,
Capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002»,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5._, pontos 1 e 3, e 6._ da Convenção de 27 de Setembro de 1968, já referida (JO 1972, L 299, p. 32; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 24), com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1), e - texto modificado - p. 77; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 41), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 54) e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Terceira Secção),
composto por: J. -P. Puissochet, presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida (relator) e C. Gulmann, juízes,
advogado-geral: G. Cosmas,
secretário: R. Grass,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação da Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e do capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», por D. Le Prado, advogado no foro de Paris,
- em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e J.-M Belorgey, encarregado de missão na mesma direcção, na qualidade de agentes,
- em representação do Governo alemão, por P. Grass, Ministerialdirigent no Ministério Federal da Justiça, na qualidade de agente,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. L. Iglesias, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por H. Lehman, advogado no foro de Paris,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 5 de Fevereiro de 1998,
profere o presente
Acórdão
1 Por acórdão de 28 de Janeiro de 1997, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de Fevereiro seguinte, a Cour de cassation submeteu, nos termos do protocolo de 3 Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, quatro questões relativas à interpretação dos artigos 5._, pontos 1 e 3, e 6._ desta Convenção (JO 1972, L 299, p. 32; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 24), com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e - texto modificado - p. 77; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 41), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; versão portuguesa, JO 1989, L 285, p. 54) e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1, a seguir «convenção»).
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe nove companhias de seguros e a companhia Réunion européenne, companhia líder do co-seguro (a seguir «seguradoras»), sub-rogadas nos direitos da sociedade Brambi fruits (a seguir «Brambi»), que tem sede em Rungis (França), à Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV, que tem sede em Amesterdão (Países Baixos), e ao capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», domiciliado nos Países Baixos, na sequência da constatação de avarias no fornecimento à Brambi de um carregamento de 5 199 caixas de peras em cujo transporte intervieram os requeridos.
A convenção
3 O artigo 2._, primeiro parágrafo, da convenção enuncia:
«Sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»
4 O artigo 3._, primeiro parágrafo, prevê seguidamente:
«As pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado contratante por força das regras enunciadas nas secções 2 a 6 do presente título.»
5 Nos termos do artigo 5._ da convenção,
«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:
1) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação foi ou deva ser cumprida.
...
3) Em matéria excontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.
...»
6 O ponto 1 do artigo 6._ da convenção acrescenta que este mesmo requerido também pode ser demandado, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles.
7 Por último, o artigo 22._ estipula:
«Quando acções conexas forem submetidas a tribunais de diferentes Estados contratantes e estiverem pendentes em primeira instância, o tribunal a que a acção foi submetida em segundo lugar pode suspender a instância.»
O litígio na causa principal
8 Carregadas em oito contentores frigoríficos, as mercadorias que estão na origem do litígio na causa principal foram transportadas por via marítima de Melburne (Austrália) para Roterdão (Países Baixos) no navio «Alblasgracht V002», a coberto de um conhecimento de carga ao portador emitido em 8 de Maio de 1992 em Sydney (Austrália) pela sociedade Refrigerated container carriers PTY Ltd (a seguir «RCC»), que tem sede em Sydney, e seguidamente por via rodoviária, a coberto de uma carta de porte internacional, de Roterdão até Rungis (França), onde a Brambi fez constatar a existência das avarias. Estas terão resultado de uma maturação precoce dos frutos, devido a uma ruptura na cadeia de frio.
9 As seguradoras assumiram o prejuízo sofrido pela Brambi. Sub-rogadas nos direitos desta última sociedade após a terem indemnizado, intentaram uma acção destinada a obter a reparação do seu prejuízo contra a RCC, que emitiu no seu papel timbrado o conhecimento de carga cobrindo a parte marítima do transporte, contra a Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV, que assegurou efectivamente o transporte marítimo apesar de não ser mencionada no conhecimento de carga, e, por último, contra o capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», na sua qualidade de representante dos armadores, fretadores e proprietário deste navio, no tribunal de commerce de Créteil, em cuja área de jurisdição se situa Rungis.
10 Por decisão de 17 de Maio de 1994, o tribunal de commerce de Créteil considerou-se competente em relação à RCC, considerando que as mercadorias deviam ser entregues à Brambi em Rungis. Pelo contrário, julgou-se incompetente nos termos das disposições do artigo 5._, ponto 1, da convenção no que respeita à Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e ao capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», considerando que não se tratava de um transporte combinado de Melburne a Rungis, pois que tinha sido emitida uma carta de porte internacional para o transporte de Roterdão para Rungis. O tribunal de commerce de Créteil considerou, portanto, que se devia declarar incompetente no que toca ao litígio entre as seguradoras, por um lado, e a Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e o capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», por outro, a favor dos tribunais de Roterdão, como os do lugar onde a obrigação foi cumprida, na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da convenção, ou dos de Amesterdão ou de Sydney, por força do ponto 1 do artigo 6._ da convenção, nos termos do qual o requerido também pode ser demandado, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles.
11 Tendo a cour d'appel de Paris confirmado, por acórdão de 16 de Novembro de 1994, a incompetência internacional do tribunal de commerce de Créteil no que toca à Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e ao capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», as seguradoras interpuseram recurso de cassação, invocando que não estava provado que a Brambi tivesse celebrado um contrato com os requeridos e que, portanto, a cour d'appel não podia aplicar-lhes o disposto no ponto 1 do artigo 5._ da convenção. Segundo as seguradoras, a cour d'appel deveria ter aplicado o ponto 3 do artigo 5._ da convenção, referente à atribuição de competência em caso de responsabilidade extracontratual.
12 A título subsidiário, as seguradoras invocaram que o litígio apresentava carácter indivisível, na medida em que a RCC, por um lado, e a Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e o capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», por outro, tinham participado na mesma operação de transporte. Por conseguinte, o tribunal de commerce de Créteil deveria ter-se declarado competente para conhecer do litígio, uma vez que se julgou competente para decidir do pedido dirigido contra a RCC.
13 Considerando que a solução do litígio necessitava a interpretação da convenção, a Cour de cassation decidiu suspender a instância para submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) A acção em que o destinatário de mercadorias reconhecidas avariadas na sequência de um transporte marítimo e terrestre, ou o seu segurador sub-rogado nos seus direitos por o ter indemnizado, reclama a reparação do seu prejuízo, baseando-se no conhecimento de carga que cobre o transporte marítimo, não à pessoa que emitiu esse documento - no seu próprio papel timbrado - mas à pessoa que o demandante considera ser o real transportador marítimo, tem por base o contrato de transporte e recai, a este ou a qualquer outro título, no âmbito da matéria contratual na acepção do artigo 5._, ponto 1, da convenção?
2) Em caso de resposta negativa à questão anterior, a matéria é extracontratual na acepção do artigo 5._, ponto 3, da convenção ou há que aplicar a regra da competência de princípio a favor dos órgãos jurisdicionais do Estado em cujo território reside o demandado, constante do artigo 2._ da convenção?
3) Na hipótese de a matéria dever ser considerada extracontratual, o lugar em que o destinatário, após a execução do transporte marítimo e do transporte terrestre final, mais não fez do que constatar as avarias das mercadorias que lhe foram fornecidas, pode, e em que condições, constituir o lugar em que ocorreu o dano que o acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1976, Bier/Mines de potasses d'Alsace (21/76, Colect., p. 677), definiu como podendo ser o `lugar onde ocorreu o facto danoso', na acepção do artigo 5._, ponto 3, da convenção?
4) Um demandado domiciliado no território de um Estado contratante pode ser demandado noutro Estado contratante por um tribunal chamado a conhecer de um pedido dirigido contra um co-demandado domiciliado fora do território de qualquer Estado contratante, com o fundamento de que o litígio apresenta carácter indivisível e não apenas conexo?»
Quanto às primeira e segunda questões
14 Segundo a Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e o capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», o litígio inscreve-se na matéria contratual na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da convenção, na medida em que a acção intentada contra eles terá por base o conhecimento de carga, documento comprovativo do contrato de transporte.
15 Há que referir que, segundo uma jurisprudência constante (v. acórdãos de 22 de Março de 1983, Peters, 34/82, Recueil, p. 987, n.os 9 e 10; de 8 de Março de 1988, Arcado, 9/87, Colect., p. 1539, n.os 10 e 11, e de 17 de Junho de 1992, Handte, C-26/91, Colect., p. I-3967, n._ 10), a noção de «matéria contratual», que consta do artigo 5._, ponto 1, da convenção, deve ser interpretada de uma forma autónoma, por referência principalmente ao sistema e aos objectivos dessa convenção, com vista a assegurar-lhe uma aplicação uniforme em todos os Estados contratantes; esta noção não pode, portanto, ser entendida como remetendo para a qualificação que a lei nacional aplicável efectua da relação jurídica em causa no órgão jurisdicional nacional.
16 Também resulta de uma jurisprudência constante que, no sistema da convenção, é a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o requerido tem o seu domicílio que constitui o princípio geral e que é só por derrogação a esse princípio que a convenção prevê casos, taxativamente enumerados, em que o requerido pode ou deve, conforme o caso, ser demandado perante um órgão jurisdicional de outro Estado contratante. Em consequência, as normas de competência derrogatórias a esse princípio geral não podem dar lugar a uma interpretação que extravase as hipóteses previstas pela convenção (v., designadamente, acórdão de 3 de Julho de 1997, Benincasa, C-269/95, Colect. p. I-3767, n._ 13).
17 Donde resulta, como o Tribunal de Justiça indicou no acórdão Handte, já referido, n._ 15, que a noção de «matéria contratual», constante do artigo 5._, ponto 1, da convenção, não pode ser entendida como abrangendo uma situação em que não existe nenhum compromisso livremente assumido de uma parte relativamente à outra.
18 No caso em apreço, resulta da matéria assente pelos tribunais de primeira instância e de recurso que o conhecimento de carga ao portador emitido pela RCC cobre o transporte marítimo da mercadoria até Roterdão, porto de desembarque e de entrega, que menciona a Brambi como sendo a pessoa à qual a chegada da mercadoria deve ser notificada e que indica que o transporte deve ser efectuado no navio «Alblasgracht V002».
19 Portanto, é forçoso concluir que o referido conhecimento de carga não permite estabelecer qualquer relação contratual livremente assumida entre a Brambi, por um lado, e a Spliethoff's Bevrachtingskantoor BV e o capitão que comanda o navio «Alblasgracht V002», por outro, que constituirão, segundo as seguradoras, os reais transportadores marítimos da mercadoria.
20 Nestas condições, a acção intentada contra estes últimos pelas seguradoras não pode inscrever-se na matéria contratual na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da convenção.
21 Seguidamente, há que analisar se esta acção se inscreve na matéria extracontratual na acepção do ponto 3 do artigo 5._ da referida convenção.
22 A este respeito, há que referir que, no acórdão de 27 de Setembro de 1988, Kalfelis (189/87, Colect., p. 5565, n._ 18), o Tribunal de Justiça definiu o conceito de matéria extracontratual na acepção do ponto 3 do artigo 5._ da convenção como um conceito autónomo que abrange qualquer acção que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do requerido e que não esteja relacionada com a «matéria contratual» na acepção do ponto 1 do artigo 5._
23 É este o caso da acção no processo principal. Uma acção através da qual as seguradoras sub-rogadas nos direitos do destinatário de mercadorias reconhecidas avariadas na sequência de um transporte marítimo e seguidamente terrestre reclamam a reparação do prejuízo, fundando-se no conhecimento de carga que cobre o transporte marítimo, a pessoas que consideram como sendo os reais transportadores marítimos, visa, com efeito, pôr em causa a responsabilidade destes últimos e não se insere, como resulta dos n.os 18 a 20 do presente acórdão, na «matéria contratual» na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da convenção.
24 Nestas condições, há que considerar que semelhante acção se inscreve na matéria extracontratual na acepção do ponto 3 do artigo 5._ da referida convenção e que, portanto, deve ser afastada a aplicação do princípio geral da competência dos tribunais do Estado do domicílio do requerido, consagrado no primeiro parágrafo do artigo 2._ da convenção.
25 Com efeito, a competência, em matéria extracontratual, do tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso figura entre as «competência especiais» enumeradas nos artigos 5._ e 6._ da convenção, que constituem derrogações ao princípio geral enunciado no primeiro parágrafo do artigo 2._
26 Portanto, há que responder às duas primeiras questões submetidas que a acção através da qual o destinatário de mercadorias reconhecidas avariadas na sequência de um transporte marítimo e seguidamente terrestre, ou o seu segurador sub-rogado nos seus direitos por o ter indemnizado, reclama a reparação do seu prejuízo, fundando-se no conhecimento de carga que cobre o transporte marítimo não à pessoa que emitiu esse documento - no seu próprio papel timbrado -, mas à pessoa que o demandante considera ser o real transportador marítimo, não se insere na matéria contratual, na acepção do ponto 1 artigo 5._ da convenção, mas sim na matéria extracontratual na acepção do ponto 3 do artigo 5._ da referida convenção.
Quanto à terceira questão
27 Há, em primeiro, lugar que recordar que, como o Tribunal de Justiça salientou várias vezes (v. acórdãos Mines de potasse d'Alsace, já referido, n._ 11; de 11 de Janeiro de 1990, Dumez France e Tracoba, C-220/88, Colect., p. I-49, n._ 17; de 7 de Março de 1995, Shevill e o., C-68/93, Colect., p. I-415, n._ 19, e de 19 de Setembro de 1995, Marinari, C-364/93, Colect., p. I-2719, n._ 10), a regra de competência especial, enunciada no ponto 3 do artigo 5._ da convenção, cuja escolha depende de uma opção do demandante, é fundada na existência de uma conexão particularmente estreita entre o litígio e tribunais que não os do domicílio do demandado, a qual justifica uma atribuição de competência a esses tribunais por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo.
28 Há, seguidamente, que recordar que, nos acórdãos já referidos Mines de potasse d'Alsace, n.os 24 e 25, e Shevill e o., n._ 20, o Tribunal de Justiça declarou que, caso o lugar onde se situa o facto susceptível de implicar uma responsabilidade extracontratual não coincida com o lugar onde esse facto provocou o dano, a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso» contida no artigo 5._, ponto 3, da convenção deve ser entendida no sentido de que se refere simultaneamente ao lugar onde o dano se verificou e ao lugar onde decorreu o evento causal, de modo que o réu pode ser demandado, consoante a opção do autor, perante o tribunal de um ou outro desses dois lugares.
29 No acórdão Marinari, já referido, n._ 13, o Tribunal de Justiça precisou que a opção que deste modo é dada ao autor não pode, todavia, ir para além das circunstâncias especiais que a justificam, sob pena de esvaziar do seu conteúdo o princípio geral, consagrado no artigo 2._, primeiro parágrafo, da convenção, da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante no território do qual o requerido tem o seu domicílio e de ser reconhecida, fora dos casos expressamente previstos, a competência dos órgãos jurisdicionais do domicílio do autor, situação relativamente à qual a convenção se manifestou contra, afastando, no seu artigo 3._, segundo parágrafo, a aplicação de disposições nacionais prevendo tais atribuições de competência em relação a requeridos domiciliados no território de um Estado contratante.
30 Daí deduziu o Tribunal de Justiça no n._ 14 do referido acórdão que, embora se admita que o conceito «lugar onde ocorreu o facto danoso», na acepção do artigo 5._, ponto 3, da convenção, pode visar simultaneamente o lugar onde se produziu o dano e o do evento causal, esta noção não pode, todavia, ser interpretado de modo extensivo, ao ponto de englobar todo e qualquer lugar onde se podem fazer sentir as consequências danosas de um facto que causou já um dano efectivamente ocorrido noutro lugar.
31 Pelas mesmas razões, no acórdão Dumez France e Tracoba, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que a regra de competência jurisdicional enunciada no ponto 3 do artigo 5._ da convenção não pode ser interpretada no sentido de que autoriza um demandante, que invoque um prejuízo que diz ser a consequência do dano sofrido por outras pessoas directamente lesadas pelo facto danoso, a accionar o autor deste nos tribunais do lugar onde ele próprio verificou a existência do dano no seu património.
32 Resulta das precedentes considerações que o destinatário de mercadorias que, após a execução do transporte marítimo e seguidamente do transporte terrestre final, constata avarias nas mercadorias que lhe foram fornecidas pode demandar a pessoa que entenda ser o real transportador marítimo ou no tribunal do lugar onde o dano se verificou ou no tribunal do lugar onde decorreu o evento causal.
33 Como sublinha o advogado-geral nos n.os 54 a 56 das suas conclusões, em caso de um transporte internacional como o que está em causa no processo principal, pode ser difícil ou mesmo impossível determinar o lugar onde decorreu o evento causal. Em semelhante hipótese, incumbirá ao destinatário das mercadorias avariadas demandar o transportador marítimo real no tribunal do lugar onde o dano se verificou. A este respeito, há que referir que, no caso de um transporte internacional como o que está em causa no processo principal, o lugar de ocorrência do dano não pode ser nem o lugar da entrega final, que, como correctamente observa a Comissão, pode ser modificado durante o percurso, nem o lugar de verificação do dano.
34 Com efeito, permitir ao destinatário demandar o transportador marítimo real no tribunal do lugar de entrega final ou no tribunal do lugar de verificação do dano levaria quase sempre a reconhecer a competência dos tribunais do domicílio do requerente, competência em relação à qual os autores da convenção manifestaram o seu desagrado fora dos casos que ela expressamente prevê (v., neste sentido, acórdãos Dumez France e Tracoba, já referido, n.os 16 e 19, e de 19 de Janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton, C-89/91, Colect., p. I-139, n._ 17). Ao que acresce que semelhante interpretação da convenção faria depender a determinação do tribunal competente de circunstâncias incertas e fortuitas, o que seria incompatível com o objectivo da convenção, que é o de definir atribuições de competência certas e previsíveis (v., neste sentido, os acórdãos já referidos Marinari, n._ 19, e Handte, n._ 19).
35 Nestas condições, o lugar de ocorrência do dano no caso de um transporte internacional como o que está em causa no processo principal só pode ser o lugar em que o transportador marítimo real devia entregar as mercadorias.
36 Com efeito, este lugar preenche as exigências de previsibilidade e de certeza impostas pela convenção e apresenta uma conexão particularmente estreita com o litígio no processo principal, pelo que a atribuição da competência ao tribunal desse lugar se justifica por razões de boa administração da justiça e da organização útil do processo.
37 Há, assim, que responder à terceira questão que o lugar em que o destinatário de mercadorias, após a execução do transporte marítimo e seguidamente do transporte terrestre final, mais não fez do que verificar as avarias das mercadorias que lhe foram entregues, não pode servir para a determinação do «lugar onde ocorreu o facto danoso», na acepção do ponto 3 do artigo 5._ da convenção, como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça.
Quanto à quarta questão
38 Em primeiro lugar, há que considerar que a convenção não se refere à noção de litígio «indivisível», mas apenas à que é mencionada no artigo 22._ de acções «conexas».
39 Como o Tribunal de Justiça precisou no acórdão de 24 de Junho de 1981, Elefanten Schuh (150/80, Recueil, p. 1671, n._ 19), o artigo 22._ da convenção tem por objectivo regular o destino de pedidos conexos submetidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais de diferentes Estados contratantes. Não é atributivo de competências; nomeadamente, não atribui competência a um juiz de um Estado-Membro contratante para conhecer de um pedido que seja conexo com outro pedido que tenha sido submetido à apreciação deste juiz por força das regras da convenção.
40 No referido acórdão, o Tribunal declarou, portanto, que o artigo 22._ da convenção apenas é aplicável quando pedidos conexos são apresentados perante os órgãos jurisdicionais de dois ou vários Estados contratantes.
41 Ora, resulta dos autos que, no caso em apreço, não foram intentadas acções separadas perante tribunais de diferentes Estados contratantes, pelo que, em todo o caso, não estão reunidas as condições de aplicação do artigo 22._
42 Seguidamente, há que recordar que, em conformidade com o artigo 3._ da convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado contratante por força das regras enunciadas nas secções 2 a 6 do título II.
43 Entre estas figura o ponto 1 do artigo 6._ da convenção, nos termos do qual o requerido pode também ser demandado «se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles».
44 Como resulta do próprio teor do ponto 1 do artigo 6._, este só é aplicável caso o litígio em questão seja levado ao conhecimento dos tribunais do lugar do domicílio de um dos requeridos.
45 Ora, não é o que ocorre no caso em apreço.
46 A este respeito, há que observar que o objectivo de segurança jurídica que a convenção visa não seria atingido caso o facto de o tribunal de um Estado contratante se ter reconhecido competente em relação a um dos requeridos não domiciliado no Estado contratante permitisse demandar um outro requerido, domiciliado num Estado contratante, perante esse mesmo tribunal, fora dos casos previstos pela convenção, privando-o, assim, do benefício das regras protectoras que enuncia.
47 Em todo o caso, é de referir que a excepção enunciada no ponto 1 do artigo 6._ da convenção, que constitui uma derrogação ao princípio da competência dos tribunais do Estado do domicílio do requerido, deve ser interpretada por forma a não pôr em causa a própria existência do princípio, designadamente permitindo ao requerente demandar vários requeridos com a única finalidade de subtrair um destes requeridos aos tribunais do Estado em que está domiciliado (v. acórdão Kalfelis, já referido, n.os 8 e 9).
48 Portanto, após ter recordado que o ponto 1 do artigo 6._ da convenção, do mesmo modo que o artigo 22._, tem por finalidade evitar que sejam proferidas nos Estados contratantes decisões contraditórias, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Kalfelis, já referido, que, para a aplicação do ponto 1 do artigo 6._ da convenção, deve existir entre as diferentes acções intentadas por um mesmo demandante contra vários requeridos um nexo tão estreito que haja interesse em julgá-las simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser incompatíveis se as causas fossem julgadas separadamente.
49 A este respeito, o Tribunal de Justiça também declarou, no acórdão já referido, que o tribunal competente, nos termos do ponto 3 do artigo 5._ da convenção, para conhecer do elemento da acção baseado em facto ilícito não o é para conhecer dos outros elementos da mesma acção não baseados em facto ilícito.
50 Resulta das precedentes considerações que dois pedidos de uma mesma acção de indemnização, dirigidos contra requeridos diferentes e fundados, um, na responsabilidade contratual e, o outro, na responsabilidade extracontratual, não podem ser considerados como apresentando uma conexão.
51 Por último, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça considerou no acórdão Kalfelis, já referido, n._ 20, embora, na realidade, o facto de os diversos aspectos de um mesmo litígio serem julgados por tribunais diferentes apresente inconvenientes, deve observar-se, por um lado, que o demandante dispõe sempre da faculdade de propor integralmente a acção no tribunal do domicílio do requerido e, por outro lado, que o artigo 22._ da convenção permite, em certas condições, que o tribunal demandado em primeiro lugar conheça integralmente do litígio, desde que entre as acções intentadas perante órgãos jurisdicionais diferentes exista conexão.
52 Há, assim, que responder à quarta questão que o ponto 1 do artigo 6._ da convenção deve ser interpretado no sentido de que um requerido domiciliado no território de um Estado contratante não pode ser demandado noutro Estado contratante num tribunal chamado a conhecer de um pedido dirigido contra um co-demandado domiciliado fora do território de qualquer Estado contratante, com o fundamento de que o litígio apresenta carácter indivisível, e não apenas conexo.
Quanto às despesas
53 As despesas efectuadas pelos Governos francês e alemão e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Terceira Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Cour de cassation, por acórdão de 28 de Janeiro de 1997, declara:
54 A acção através da qual o destinatário de mercadorias reconhecidas avariadas na sequência de um transporte marítimo e seguidamente terrestre, ou o seu segurador sub-rogado nos seus direitos por o ter indemnizado, reclama a reparação do seu prejuízo, fundando-se no conhecimento de carga que cobre o transporte marítimo não à pessoa que emitiu esse documento - no seu próprio papel timbrado -, mas à pessoa que o demandante considera ser o real transportador marítimo, não se insere na matéria contratual, na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, mas sim na matéria extracontratual na acepção do ponto 3 do artigo 5._ da referida convenção.
55 O lugar em que o destinatário de mercadorias, após a execução do transporte marítimo e seguidamente do transporte terrestre final, mais não fez do que verificar as avarias das mercadorias que lhe foram entregues não pode servir para a determinação do «lugar onde ocorreu o facto danoso» na acepção do ponto 3 do artigo 5._ da convenção de 27 de Setembro de 1968, como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça.
56 O ponto 1 do artigo 6._ da convenção de 27 de Setembro de 1968 deve ser interpretado no sentido de que um requerido domiciliado no território de um Estado contratante não pode ser demandado noutro Estado contratante num tribunal chamado a conhecer de um pedido dirigido contra um co-demandado domiciliado fora do território de qualquer Estado contratante, com o fundamento de que o litígio apresenta carácter indivisível, e não apenas conexo.