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Document 61991CO0225

Despacho do presidente do Tribunal de 4 de Dezembro de 1991.
Matra SA contra Comissão das Comunidades Europeias.
Auxílios de Estado - Incentivos de base regional no secto automóvel.
Processo C-225/91 R.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-05823

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:460

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

4 de Dezembro de 1991 ( *1 )

No processo C-225/91 R,

Matra SA, sociedade de direito francês, com sede social em Paris, representada por M. Siragusa, advogado no foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medërnach, 4, avenue Marie-Thérèse,

requerente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Abate, consultor jurídico principal, e por M. Nolin, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de R. Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

requerida,

que tem por objecto principal um pedido de suspensão da execução da decisão da Comissão, comunicada por carta de 16 de Julho de 1991 às autoridades portuguesas e por carta de 30 de Julho do mesmo ano à Matra SA, que autorizou um programa de auxílios de Estado a uma empresa resultante dà associação entre a Ford Motor Company Inc ea Volkswagen AG, destinada à criação de uma fábrica de veículos automóveis monocorpo em Setúbal (Portugal),

o presidente do tribunal de Justiça profere o presente

Despacho

1

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de Setembro de 1991, a Matra SA (a seguir «Matra») pediu, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 173.° do Tratado CEE, a anulação da decisão da Comissão, comunicada por carta de 16 de Julho de 1991 às autoridades portuguesas e por carta de 30 de Julho do mesmo ano à Matra, que autorizou um programa de auxílios de Estado a uma empresa resultante da associação entre a Ford Motor Company Inc e a Volkswagen AG, destinada à criação de uma fábrica de veículos automóveis monocorpo em Setúbal (Portugal).

2

Por requerimento separado apresentado na Secretaria deste Tribunal nesse mesmo dia, a Matra apresentou igualmente, ao abrigo dos artigos 185.° e 186.° do Tratado CEE, um pedido de medidas provisórias no qual requeria a suspensão da execução da referida decisão, pedia que as autoridades portuguesas fossem intimadas a não proceder ao pagamento dos auxílios em causa e ainda, como se esclareceu aquando da audição das partes, que essas autoridades fossem obrigadas a exigir a devolução dos montantes que já tivessem sido pagos.

3

A Comissão pronunciou-se por escrito sobre o pedido de medidas provisórias em 8 de Outubro de 1991 e as partes apresentaram observações orais em 4 de Novembro de 1991.

4

Antes de julgar da procedência do pedido de medidas provisórias, impõe-se recordar sucintamente os antecedentes do litígio.

5

A Comissão adoptou, nos termos do n.° 1 do artigo 93.° do Tratado CEE, um enquadramento comunitário dos auxílios estatais no sector dos veículos automóveis (JO 1989, C 123, p. 3), entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1989, e que obriga os Estados-membros a notificar previamente, nos termos do n.° 3 do artigo 93.° do Tratado CEE, todos os auxílios previstos no âmbito de um regime de auxílios já autorizados pela Comissão, em caso de concessão a uma empresa do sector automóvel e sempre que o custo do projecto beneficiário ultrapasse 12 milhões de ecus.

6

Quanto aos auxílios concedidos no âmbito de um sistema autorizado de incentivos regionais, a Comissão reconhece, no referido enquadramento, que a implantação de novas instalações de produção de veículos automóveis em regiões desfavorecidas pode dar um valioso contributo para o desenvolvimento regional e declara adoptar uma atitude geralmente favorável aos incentivos ao investimento concedidos com o objectivo de ultrapassar limitações estruturais de que sofrem essas regiões. A notificação prévia desses incentivos deve, no entanto, permitir à Comissão confrontar os benefícios no plano do desenvolvimento regional com as eventuais consequências prejudiciais sobre a globalidade do sector automóvel (como a criação de importantes excedentes produtivos).

7

Em cumprimento deste enquadramento, o Governo português, por carta de 16 de Abril de 1991, completada em nova carta de 31 de Maio do mesmo ano, notificou à Comissão o programa de incentivos referido na decisão impugnada, incentivos esses que este Governo pretendia conceder, designadamente ao abrigo do sistema português de incentivos regionais («Sistema de Incentivos de Base Regional»).

8

Consta da decisão impugnada que a empresa beneficiária do auxílio resultou da.. associação entre a Ford Motor Company Inc e a Volkswagen AG, sendo detida por estes dois construtores em partes iguais. O seu objectivo é desenvolver e produzir um veículo monocorpo a ser distribuído, em versões individualizadas, pelas respectivas redes de comercialização, independentemente uma da outra. A decisão impugnada indica que os custos totais do projecto se elevam a 2550 milhões de ecus.

9

Esta empresa comum projecta construir, entre 1991 e 1995, uma fábrica de veículos monocorpo em Setúbal. Pensa-se que a instalação projectada iniciará a sua produção no final de 1994 e que produzirá, a partir de 1996, 830 unidades por dia ou 190000 unidades por ano, empregando directamente 5020 pessoas.

10

As autoridades portuguesas consideraram, segundo.consta da decisão, que um investimento de 1668 milhões de ecus era susceptível de beneficiar de um auxílio de Estado e decidiram conceder, ao abrigo do sistema português de incentivos de base regional, um auxílio directo de 500 milhões de ecus. Além disso, essas autoridades decidiram, ao abrigo da legislação fiscal portuguesa, conceder à empresa comum uma isenção de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas com a duração de cinco anos, a partir de 1997, para um montante global que não poderá exceder 47 milhões de ecus.

11

Na sua decisão, a Comissão sublinha, em primeiro lugar, que o auxílio, no montante global de 547 milhões de ecus, equivale apenas a 27,1 % da subvenção líquida, sendo certo que a Comissão, ao autorizar o sistema português de incentivos de base regional, aceitou, para a região de Setúbal, auxílios podendo ir até 75 % da subvenção líquida a conceder, fosse qual fosse a importância do projecto beneficiário.

12

No que respeita aos benefícios no plano do desenvolvimento regional, a Comissão sublinha a grande importância que poderá ter a realização do projecto para o desenvolvimento económico da região de Setúbal, quer em termos de emprego, quer em termos de infra-estruturas. A Comissão assinala que a localização do projecto em Setúbal comporta importantes inconvenientes estruturais para o próprio projecto, provocando o afastamento geográfico dos principais mercados, além de que o relativo atraso económico da região provoca custos muito elevados a nível do transporte, da armazenagem, do pessoal expatriado e das infra-estruturas. Embora tais inconvenientes estruturais sejam em parte compensados, designadamente pela possibilidade de recorrer a mão-de-obra mais barata, a Comissão considera que as desvantagens evidentes, em termos de custos, e a necessidade de dar incentivos suplementares para atrair investimentos a esta região desfavorecida justificam um auxílio do nível e do montante previstos.

13

Quanto às consequências do projecto sobre o conjunto do sector automóvel, a Comissão assinala que as previsões para o mercado dos veículos monocorpo mostram um crescimento contínuo e significativo da procura, devendo a venda destes veículos representar, por volta de 1995, 2 % a 3 % do mercado europeu dos veículos de turismo, ou seja, 300000 a 400000 unidades por ano. Embora o projecto em causa dê à empresa comum uma parte considerável das capacidades de produção comunitárias, segundo a Comissão há poucos elementos que permitam concluir que daí resultarão problemas de capacidade excessiva num futuro próximo, mesmo tendo em conta os projectos de outros construtores actualmente em curso ou em fase de estudo no domínio dos veículos monocorpo.

14

Da decisão impugnada resulta, além disso, que as autoridades portuguesas encaram a possibilidade de pôr em prática um programa de formação no valor de 202 milhões de ecus, financiado em 90 % por essas autoridades. O referido programa comporta diferentes acções de formação, realizadas designadamente num centro de formação a criar a par da instalação projectada e gerido e financiado conjuntamente com a empresa comum. A Comissão considera, no entanto, que este programa não constitui um auxílio ao projecto em causa, já que as acções de formação a realizar não se destinam a satisfazer unicamente as necessidades da empresa comum, sendo acessíveis a outros operadores do sector automóvel. A Comissão entende que o mesmo acontece com certos investimentos em infra-estruturas locais previstos pelas autoridades portuguesas, infra-estruturas essas que serão acessíveis a qualquer utilizador industrial ou cuja utilização será facturada à empresa comum nas condições do mercado.

15

A Matra, que já em 26 de Junho'de 1991 apresentara uma queixa à Comissão contra o programa de incentivos previsto pelas autoridades portuguesas, queixa que a Comissão indefere na decisão, é um construtor automóvel independente. A Matra concebeu e desenvolveu um veículo monocorpo designado «Espace», produzido em França, desde 1986, em instalações criadas para o efeito. Este veículo, comercializado pelo grupo Renault, detém actualmente cerca de 50 % do mercado comunitário dos veículos monocorpo, que, relativamente a 1991, se calcula em 95000 unidades.

16

A Matra alega que a decisão da Comissão viola o disposto no artigo 93.° do Tratado. A decisão não pode ter legalmente sido adoptada, como foi, com base no n.° 3 do artigo 93.° A Comissão deveria ter aberto o processo «interlocutório» previsto no n° 2 do artigo 93.° e dado aos interessados a possibilidade de àpresentarem as suas observações antes de tomar qualquer decisão. No entender da ora requerente, a Comissão é obrigada a organizar este processo sempre que tiver dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio notificado com as regras do Tratado. A duração das conversações que tiveram lugar e as adaptações introduzidas no programa de auxílios inicial demonstram que tal circunstância se verifica no presente processo. Entende a requerente que se justificava que a Comissão tivesse dúvidas sérias quanto à compatibilidade da empresa comum e do seu projecto com as regras de concorrência do Tratado. O acordo entre os dois importantes construtores que culminou na criação da empresa comum cai, como a própria Comissão assinalou na decisão, sob a alçada da proibição constante do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado. A decisão viola igualmente esta disposição e a regulamentação adoptada em sua aplicação, não podendo legalmente a Comissão, numa decisão sobre auxílios, declarar que pretende conceder a esse acordo uma isenção nos termos do n.° 3 do artigo 85.° sem respeitar o processo prévio previsto para a adopção de tal decisão e antes de esse processo se ter iniciado.

17

Além disso, a Matra alega que a decisão padece de manifestos erros de apreciação. Em seu entender, é errado admitir que o projecto subvencionado não provocará um excesso de capacidade de produção. A estimativa optimista da evolução do mercado dos veículos monocorpo, sobre a qual a Comissão se baseia, não é partilhada por muitos peritos e as capacidades de produção para 1995 anunciadas actualmente pelos diferentes construtores europeus, incluindo a empresa comum, elevam-se já a mais de 450000 unidades por ano, número que não tem em conta as importações. A apreciação dos inconvenientes estruturais inerentes à localização escolhida é, no entender da Matra, irrealista, e o auxílio concedido, que corresponde a uma subvenção por veículo produzido de 4000 a 7000 FF, é desproporcionado se comparado com os custos de transporte suplementares em causa. Em violação das regras do n.° 3 do artigo 92.°, a Comissão inclui, aliás, no seu cálculo, um incentivo destinado a atrair investimentos às regiões desfavorecidas. Finalmente, a requerente entende que a Comissão considerou erradamente que o importante programa de formação e os investimentos em infra-estruturas feitos pelas autoridades portuguesas não constituíam auxílios ao projecto.

18

Recorde-se que, nos termos do n.° 2 do artigo 83.° do Regulamento de Processo, uma decisão que decreta a suspensão da execução de uma decisão ou medidas provisórias depende da existência de circunstâncias que justifiquem a urgência bem como de fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam que se decrete a suspensão ou a medida provisória requerida.

19

E jurisprudência assente que o caracter urgente de um pedido de suspensão ou de medidas provisórias deve ser apreciado tendo em atenção a necessidade de decidir provisoriamente, a fim de evitar um prejuízo grave e irreparável à parte que solicita a suspensão ou as medidas provisórias, a qual deve provar que não pode aguardar o desfecho do processo principal sem sofrer um prejuízo de consequências graves e irreparáveis.

20

A este propósito, a Matra ‘alega que as subvenções autorizadas pela Comissão provocam perturbações no mercado dos veículos monocorpo. A empresa comum, apoiada nos dois mais poderosos circuitos de vendas da Comunidade e beneficiando de uma ajuda substancial, ficaria, a breve trecho, em condições de saturar o mercado graças a custos de produção artificialmente reduzidos. Tal prejuízo seria directamente sentido pela Matra, que, no sector automóvel, apenas produz veículos monocorpo, e poria em perigo o desenvolvimento actualmente em curso de um novo modelo «Espace». Sendo o auxílio em causa pago, com toda a probabilidade, desde o início da realização do projecto subvencionado, os efeitos prejudiciais ma-nifestar-se-iam imediatamente. A empresa comum reduziria, assim, e de modo considerável, os seus encargos de desenvolvimento e de financiamento. Segundo a Matra, aliás, os mercados financeiros já reagiram, procedendo a revisões das estimativas relativas aos resultados futuros da requerente, causando, desse modo, uma diminuição da cotação das acções da Matra. Finalmente, segundo a requerente, trata-se de um prejuízo irreparável,’ uma vez que a devolução de um auxílio autorizado pela Comissão, ainda que erradamente, está fora de questão.

21

Em primeiro lugar, há que ter presente que a Matra reconhece que os projectos no domínio dos veículos monocorpo, lançados pelos diferentes construtores europeus e actualmente em fase de realização, provocarão necessariamente uma redução progressiva da sua quota de mercado. A Matra também reconhece, no entanto, que o projecto comum Ford/Volkswagen será realizado mesmo sem os auxílios impugnados, embora, nesse caso, provavelmente em menor escala.

22

Assinale-se, em seguida, que, de acordo com o programa de incentivos notificado à Comissão pelas autoridades portuguesas, os auxílios impugnados serão pagos em parcelas assim distribuídas: 5 % na assinatura do contrato, 20 % em 31 de Janeiro de 1992, 12,5 % em 30 de Junho de 1992, 12,5 % em 28 de Fevereiro de 1993, 25 % em 30 de Dezembro de 1993 e os 25 % restantes em 30 de Dezembro de 1994.

23

Além disso, resulta dos autos que a instalação projectada pela empresa comum iniciará a sua produção no final de 1994 e apenas atingirá pleno rendimento em 1996. A perturbação do mercado invocada não poderá, assim, verificar-se antes de 1994.

24

Nestas circunstâncias, cabe salientar que só após o termo previsível do processo principal é que a maior parte dos auxílios será paga e que só nesse momento é que haverá eventualmente o risco de o mercado ser perturbado. A este propósito, acrescente-se que, como a Comissão sublinhou, a requerente não contesta genericamente a legalidade de um incentivo de base regional ao projecto em causa, mas apenas a parte desse incentivo que, em sua opinião, constitui uma compensação excessiva das desvantagens estruturais inerentes à localização escolhida.

25

Daqui resulta que, sem que haja necessidade de tomar posição sobre o argumento da requerente acerca da impossibilidade de obter a devolução dos montantes pagos antes do termo do processo principal, não está provado que a requerente, na falta de medidas provisórias, corra o risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável.

26

Não estando preenchido o requisito relativo à urgência, há que indeferir o pedido de medidas provisórias.

 

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

O pedido de medidas provisórias é indeferido.

 

2)

Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

 

Proferido no Luxemburgo, em 4 de Dezembro de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: francês.

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