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Document 61991CC0237

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 10 de Novembro de 1992.
Kazim Kus contra Landeshauptstadt Wiesbaden.
Pedido de decisão prejudicial: Hessischer Verwaltungsgerichtshof - Alemanha.
Acordo de associação CEE-Turquia - Decisão do Conselho de associação - Conceito de "emprego regular" - Direito de residência.
Processo C-237/91.

European Court Reports 1992 I-06781

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:427

61991C0237

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 10 de Novembro de 1992. - KAZIM KUS CONTRA LANDESHAUPTSTADT WIESBADEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HESSISCHER VERWALTUNGSGERICHTSHOF - ALEMANHA. - ACORDO DE ASSOCIACAO CEE-TURQUIA - DECISAO DU CONSELHO DE ASSOCIACAO - CONCEITO DE TRABALHO REGULAR - DIREITO DE RESIDENCIA. - PROCESSO C-237/91.

Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-06781
Edição especial sueca página I-00243
Edição especial finlandesa página I-00255


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. As três questões prejudiciais que o Hessische Verwaltungsgerichtshof submete ao Tribunal de Justiça dizem respeito à interpretação de uma decisão adoptada pelo conselho de associação instituído pelo acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em Ankara em 12 de Setembro de 1963 (1) (a seguir "acordo de associação"). Incidem nomeadamente sobre a questão de saber se um trabalhador turco, que trabalha desde há mais de nove anos na Alemanha, dispõe de um direito de residência nesse país, quando as razões que motivaram a sua entrada no território desse Estado desapareceram.

2. O acordo de associação, adoptado em aplicação do artigo 238. do Tratado, é o único acordo externo da Comunidade que regulamenta a livre circulação de nacionais de um país terceiro na Comunidade (2).

3. Nos termos do seu artigo 12. , que figura no título II relativo à fase transitória da associação, "as partes contratantes acordam em inspirar-se nos artigos 48. , 49. e 50. do Tratado que institui a Comunidade na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores".

4. Para fixar as condições da realização dessa fase transitória, as partes contratantes assinaram, em 23 de Novembro de 1970 em Bruxelas, um protocolo adicional (3), anexado ao acordo, cujo artigo 36. dispõe que "em conformidade com os princípios enunciados no artigo 12. do acordo de associação, a livre circulação de trabalhadores entre os Estados-membros e a Turquia será realizada gradualmente, entre o final do décimo segundo ano e do vigésimo segundo ano após a entrada em vigor do referido acordo".

5. As modalidades dessa livre cirulação no quadro do acordo de associação foram fixadas por uma decisão do conselho de associação de 20 de Dezembro de 1976 (4), e posteriormente pela Decisão n. 1/80, de 19 de Dezembro de 1980, "relativa ao desenvolvimento da associação" (a seguir "decisão"), cujo artigo 6. , n. 1, constitui o ponto central do presente processo. Este artigo, que consta da secção I ("Questões relativas ao emprego e à livre circulação de trabalhadores") do capítulo II ("Disposições sociais"), dispõe:

"1. Sem prejuízo do disposto no artigo 7. relativo ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco, que esteja integrado no mercado regular de trabalho de um Estado-membro:

- tem direito nesse Estado-membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

- ...

- beneficia nesse Estado-membro, após quatro anos de emprego regular, de livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha.

2. ...

3. As modalidades de aplicação dos n.os 1 e 2 serão fixadas pelas regulamentações nacionais."

6. As questões prejudiciais submetidas têm por origem os seguintes factos. Nascido em 1954, K. Kus chega em 1980 à Alemanha, onde casa, em 1981, com uma nacional desse Estado. Em 27 de Abril de 1981, obtém uma autorização de residência enquanto "cônjuge de uma cidadã alemã". Essa autorização é prorrogada até 17 de Agosto de 1983. Trabalha desde 1 de Abril de 1982, munido de uma autorização de trabalho "válida" (5). Em 17 de Agosto de 1983, requer a prorrogação da sua autorização de residência por dois anos. O seu divórcio torna-se definitivo em 26 de Abril de 1984. Em 6 de Agosto de 1984, o seu pedido de prorrogação é indeferido pelo Oberbuergermeister de Wiesbaden, por a razão que estava na origem da residência (o casamento) ter desaparecido com o divórcio.

7. O interessado interpõe recurso jurisdicional contra essa decisão, cujos efeitos o Verwaltungsgericht de Wiesbaden suspende provisoriamente em 23 de Maio de 1985. Em 30 de Outubro de 1987, em decisão de mérito deste órgão jurisdicional, a decisão do Oberbuergermeister é anulada e é ordenada a prorrogação da autorização de residência.

8. A Landeshauptstadt Wiesbaden recorreu para o Hessische Verwaltungsgerichtshof, que, por acórdão de 12 de Agosto de 1991, declara que o requerente não tem qualquer direito à concessão de uma autorização de residência ao abrigo do direito nacional (6). Interrogando-se sobre a aplicação ao litígio da Decisão n. 1/80 do conselho de associação, submete ao Tribunal de Justiça as três questões cujo enunciado está reproduzido no relatório para audiência (7).

9. É pacífico que: 1) a decisão do Verwaltungsgericht de 23 de Maio de 1985 suspendeu com efeitos retroactivos a decisão do Oberbuergermeister de 6 de Agosto de 1984, renovando assim provisoriamente o direito de residência do interessado, 2) com base nesse direito de residência, este pôde dispor de uma autorização de trabalho válida e exerceu uma actividade assalariada (8).

10. Antes de responder às questões de fundo, verifiquemos a competência deste Tribunal - que o Governo alemão contesta - para interpretar as disposições da decisão.

11. Desde o acórdão de 30 de Abril de 1974, Haegemann (9), o Tribunal de Justiça tem admitido que um acordo concluído pelo Conselho em conformidade com os artigos 228. e 238. do Tratado é, "no que respeita à Comunidade, um acto adoptado por uma das instituições da Comunidade, na acepção do artigo 177. , primeiro parágrafo, alínea b)", que "as disposições do acordo são parte integrante, a partir da entrada em vigor deste, da ordem jurídica comunitária" e que, "no quadro dessa ordem jurídica, o Tribunal de Justiça é, pois, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação desse acordo" (10).

12. No acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (11), convidado a interpretar o artigo 6. da decisão, o Tribunal lembrou que, segundo jurisprudência constante, as disposições de um acordo concluído pelo Conselho, em conformidade com os artigos 228. e 238. do Tratado CEE, constituem parte integrante, a partir da entrada em vigor desse acordo, da ordem jurídica comunitária (12) e que, "devido à sua ligação directa ao acordo que aplicam, as decisões do conselho de associação, da mesma forma que o próprio acordo, fazem parte integrante, a partir da sua entrada em vigor, da ordem jurídica comunitária..." (13).

13. O Tribunal concluiu daí que, sendo competente para se pronunciar a título prejudicial sobre o acordo enquanto acto adoptado por uma das instituições da Comunidade, também o era para se pronunciar sobre a interpretação das decisões adoptadas pelo Conselho instituído pelo acordo e encarregado da sua aplicação (14).

14. Para contestar a competência do Tribunal, o Governo alemão, solicitando ao Tribunal a revisão dessa jurisprudência, sustenta, em primeiro lugar, que o Tribunal não pode interpretar as decisões do conselho de associação, que não é uma instituição comunitária, e sim um órgão da associação. O Tribunal de Justiça já refutou esta argumentação no n. 10, já referido, do acórdão Sevince, com uma fundamentação que nada perdeu da sua força.

15. Baseia-se, em segundo lugar, no n. 2 do artigo 2. do "acordo de 12 de Setembro de 1963 relativo às medidas a tomar e aos procedimentos a seguir na aplicação do acordo que cria uma associação entre a CEE e a Turquia" (15), segundo o qual, "caso as decisões e recomendações do conselho de associação se refiram a um domínio que, nos termos do Tratado que institui a Comunidade, não é da competência desta, os Estados-membros tomarão as medidas de aplicação necessárias". Seria esse o caso da decisão, que tocaria um domínio que é da competência dos Estados-membros.

16. O artigo 6. dessa decisão, único que aqui está em causa, incide sobre a livre circulação de trabalhadores, como testemunha o título da secção I, a que ele pertence.

17. A propósito dos artigos 12. do acordo de associação e 36. do protocolo adicional, que o artigo 6. da decisão executa, o Tribunal salientou no acórdão Demirel (16):

"Com efeito, tratando-se de um acordo de associação, criador de vínculos especiais e privilegiados com um Estado terceiro que deve, pelo menos parcialmente, participar no regime comunitário, o artigo 238. deve necessariamente conferir à Comunidade competência para garantir os compromissos perante Estados terceiros, em todos os domínios abrangidos pelo Tratado. Constituindo, por força dos artigos 48. e seguintes do Tratado CEE, a liberdade de circulação dos trabalhadores um dos domínios abrangidos pelo Tratado, daí resulta que os compromissos relativos a essa matéria cabem na competência da Comunidade, nos termos do artigo 238. " (17).

18. A competência dos Estados-membros, em matéria de livre circulação de trabalhadores, para adoptar normas de aplicação necessárias (18) não tem como efeito excluir a decisão da ordem jurídica comunitária. O acórdão Demirel, referindo-se ao acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg (19), lembra que,

"ao garantir o respeito pelos compromissos decorrentes de um acordo concluído pelas instituições comunitárias, os Estados-membros cumprem, na ordem comunitária, uma obrigação para com a Comunidade, que assumiu a responsabilidade pela boa execução do acordo" (20),

e daí conclui que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições do acordo de associação e do protocolo relativas à livre circulação de trabalhadores.

19. Resulta daí, como dissemos nas nossas conclusões relativas ao processo Sevince (21), que a matéria sobre que incide o artigo 6. , n. 1, da decisão de modo algum exclui a pertença dessa decisão à ordem jurídica comunitária e, por conseguinte, à competência do Tribunal para a interpretar. Foi essa aliás, como lembrámos, a posição que o Tribunal acolheu (22).

20. Finalmente, não nos demoraremos no fundamento baseado na aplicação do artigo 25. do acordo (23). Tal como notámos já nas conclusões relativas ao processo Demirel (24),

"este artigo atribui competência ao conselho de associação apenas em caso de conflito interestadual, segundo um processo a ser expressamente previsto com vista a regular eventuais diferendos em que o Estado terceiro não possa recorrer ao Tribunal".

21. A competência do Tribunal de Justiça surge, pois, como indiscutível. Com efeito, é decisivo notar que, pelo acordo de associação, as partes contratantes, entre as quais a Comunidade, habilitaram o conselho de associação a adoptar decisões vinculativas (25). Como nota P. Gilsdorf, resulta daí que "a Comunidade antecipou o efeito vinculativo dessas decisões no próprio acordo. Sob este aspecto, poder-se-ia qualificar essas decisões como uma categoria de acordos celebrados sob forma simplificada" (26). As partes contratantes, de certo modo, delegaram no conselho de associação a execução dos artigos 12. do acordo e 36. do protocolo (27), realizando as decisões do conselho de associação, "relativamente a pontos determinados, os programas previstos no acordo..." (28). A decisão está ligada aos objectivos fixados pelo artigo 12. do acordo de associação: ela dá execução aos princípios consagrados por esse texto.

22. Abordemos agora a primeira questão.

23. A condição imposta pelo artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, para se ter livremente acesso ao mercado de trabalho (estar integrado no mercado regular de trabalho há pelo menos quatro anos) está preenchida quando esse período é atingido apenas pelo efeito de uma regulamentação nacional que permite a um nacional turco residir no país de acolhimento enquanto decorre o processo de concessão da autorização de residência?

24. Enquanto dura esse processo, esse nacional turco está integrado no mercado regular de trabalho, na acepção do artigo 6. , n. 1? Estará ele numa "situação estável e não precária no mercado de trabalho" (29)?

25. No processo Sevince, o pedido de prorrogação da autorização de residência apresentado pelo recorrente no processo principal tinha sido indeferido. O recurso interposto contra esta última decisão implicara automaticamente a suspensão dos efeitos desta, por simples efeito da lei (artigo 38. da Vreemdelingenwet), e o interessado tinha assim podido obter a autorização para trabalhar. A esse recurso fora negado provimento pelo juiz perto de seis anos mais tarde. Para obter uma nova autorização de residência, S. Sevince invocou os seus anos de emprego durante o período desse processo.

26. O Tribunal de Justiça decidiu que,

"... embora o exercício regular de uma actividade durante um certo período implique, no termo deste período, o reconhecimento do direito de residência, não se pode conceber que um trabalhador turco possa determinar por si próprio a possibilidade de preencher essa condição e, por conseguinte, de ver reconhecido esse direito pelo simples facto de, tendo-lhe sido recusada pelas autoridades nacionais uma autorização de residência válida durante esse período e tendo feito uso das vias de recurso previstas no direito nacional contra esta recusa, ter beneficiado do efeito suspensivo atribuído ao seu recurso e, portanto, ter podido ser autorizado, a título precário, enquanto aguarda o desfecho do litígio, a residir no Estado-membro em questão e aí exercer uma actividade" (30).

27. As palavras importantes são aqui: a título precário.

28. A lei neerlandesa, que atribui ao recurso um efeito suspensivo automático, e a lei alemã, que confere ao juiz o cuidado de decidir a suspensão dos efeitos da decisão de indeferimento, inserem-se no mesmo espírito: evitar fazer executar de forma irreversível uma decisão impugnada que poderia ser judicialmente revogada ou, como escrevemos nas nossas conclusões no processo Sevince, "(evitar) lesar de forma excessiva a situação do interessado antes de esta ter sido judicialmente qualificada" (31).

29. Esta protecção a título conservatório dos direitos do nacional turco não se pode "traduzir simultaneamente na constituição de direitos que impõe em definitivo ao Estados-membros em causa, seja qual for (o) desfecho (judicial), a manutenção destes cidadãos no seu território" (32).

30. Contrariamente à Comissão, não vemos diferença, quanto aos efeitos, entre a suspensão legal da decisão de indeferimento e a suspensão judicial retroactiva desta. Em ambos os casos a suspensão vale apenas para o período em que durar o recurso e é portanto essencialmente precária e, em ambos os casos, tem por efeito permitir ao autor do recurso permanecer e trabalhar a título essencialmente provisório.

31. Seria, em nossa opinião, ilógico considerar como "integrado no mercado regular de trabalho" um nacional turco cujo direito de residência: 1) é contestado pela administração (33), e 2) pode, a todo o momento, ser posto em causa por uma decisão judicial (34).

32. É forçoso reconhecer que a partir do dia da decisão contestada de indeferimento da prorrogação da autorização de residência o nacional turco deixa de gozar de uma "situação estável e não precária no mercado de trabalho" que lhe permita socorrer-se do artigo 6. , n. 1, terceiro travessão.

33. A partir do momento em que não possa alegar quatro anos de emprego regular antes dessa decisão de indeferimento, o nacional turco colocado na situação do recorrente no processo principal não pode invocar o benefício dessa disposição.

34. A primeira questão exige por isso uma resposta em sentido negativo.

35. Passemos à segunda questão.

36. K. Kus entrou no território alemão para casar com uma nacional alemã. O seu divórcio fez desaparecer o que constituía o motivo inicial do seu direito de residência.

37. Um nacional turco, colocado na situação do recorrente no processo principal, preenche as condições exigidas pelo artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, para obter a renovação da sua autorização de trabalho quando está empregado já há dois anos e meio pela mesma entidade patronal no dia em que o seu pedido de prorrogação de autorização de residência é indeferido pela administração?

38. Até esta última data, o interessado

- beneficiou de uma autorização de residência;

- foi titular de uma autorização de trabalho válida;

- exerceu um emprego regular desde pelo menos há um ano.

39. Titular de uma autorização de trabalho e de uma autorização de residência, pertenceu portanto ao "mercado regular de trabalho de um Estado-membro" na acepção do artigo 6. , n. 1. Satisfaz, além disso, as condições de tempo previstas no primeiro travessão dessa disposição.

40. O desaparecimento do motivo inicial do seu direito de residência (o divórcio fez-lhe perder esse direito face à legislação do Estado-membro de acolhimento) impede-o de beneficiar do artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, e de obter a renovação da autorização de trabalho e da autorização de residência?

41. No momento da decisão administrativa de indeferimento da prorrogação da autorização de residência, o nacional turco, mesmo conservando o seu emprego na mesma entidade patronal, deixa de pertencer ao mercado regular de trabalho, salvo se se admitir que se tornou titular de um direito de residência baseado não no direito interno, mas no disposto no artigo 6. , n. 1, primeiro travesão, a partir do momento em que preenche as condições previstas por esse texto: pelo menos um ano de actividade profissional estando integrado no mercado regular de trabalho.

42. Nessa hipótese, o nacional turco obteria o seu direito de residência com base do artigo 6. , n. 1, da decisão do conselho de associação, portanto do direito comunitário: o desaparecimento do motivo inicial do direito de residência resultante da legislação nacional não teria incidência na existência de um mesmo direito baseado desta vez no direito comunitário.

43. Titular de um direito de residência a este último título, deveria, por conseguinte, ser considerado como estando em situação regular ao nível do emprego e poderia solicitar a renovação da autorização de trabalho.

44. Ora, é precisamente este o sentido da primeira parte da terceira questão: o artigo 6. , n. 1 - primeiro ou terceiro travessão - fará surgir um direito de residência? Permitirá obter, além da prorrogação da autorização de trabalho, a da autorização de residência? Examiná-la-emos, portanto, antes de nos pronunciarmos sobre a resposta à segunda questão.

45. Recorde-se que, como o Tribunal referiu no acórdão Sevince, as disposições do artigo 6. se limitam a regular a situação do trabalhador turco no plano do emprego sem se referir à sua situação face ao direito de residência (35).

46. Resulta ainda desse acórdão que o princípio do efeito útil exige que a concessão de uma autorização de trabalho após certo período de emprego regular num Estado-membro seja acompanhada da existência de um direito de residência na esfera do interessado (36).

47. O objecto das normas adoptadas pelo conselho de associação deve ser bem delimitado: por aplicação do direito do Estado-membro de acolhimento, os nacionais turcos abrangidos pelas decisões do conselho de associação obtiveram um direito de entrada no território desse Estado (por exemplo a título de cônjuge de um nacional do referido Estado) (37). Só a regularidade da sua situação face ao direito de residência lhes permitiu obter uma autorização para trabalhar. Pertencem então ao mercado regular de trabalho. Em certos Estados-membros, nomeadamente a República Federal da Alemanha, não há autorização para trabalhar sem autorização de residência e o fim da segunda implica o fim da primeira (38). Nesta fase, só o direito interno é aplicável.

48. Nas nossas conclusões no processo Sevince, escrevíamos:

"(As normas adoptadas pelo conselho de associação) não visam estabelecer as condições da livre circulação dos trabalhadores entre a Turquia e os Estados-membros, nomeadamente em benefício dos cidadãos turcos, mas simplesmente consolidar a situação dos trabalhadores turcos já regularmente integrados no mercado de trabalho de um dos Estados-membros..." (39).

49. A aplicação do artigo 6. da decisão permitirá consolidar o estatuto jurídico de nacionais turcos que trabalham há pelo menos um ano (primeiro travessão), ou três anos (segundo travessão), ou quatro anos (terceiro travessão), e que são já titulares face ao direito interno de uma autorização de trabalho e de uma autorização de residência, se esta for exigida, uma vez que estão integrados no mercado regular de trabalho (40).

50. A sua inserção duradoura num ou mais empregos permitir-lhes-á retirar da decisão, logo do direito comunitário, um direito à renovação da autorização de trabalho (artigo 6. , primeiro travessão), ou um direito ao livre acesso ao mercado de trabalho (artigo 6. , terceiro travessão), que deverá ser acompanhado de um direito de residência que torne o trabalho possível?

51. Os artigos 6. a 8. da decisão regulamentam apenas o acesso ao mercado de trabalho, que pressupõe, na maior parte dos Estados-membros, uma autorização de residência.

52. Uma vez que o direito ao trabalho previsto por estes artigos só pode ser efectivo se acompanhado de um direito de residência, deve implicar um direito à concessão ou à prorrogação da autorização de residência. Assim, o Tribunal decidiu, no acórdão Sevince, que

"... estes dois aspectos (o exercício de um emprego, por um lado, o direito de residência, por outro (41)) da situação pessoal do trabalhador turco estão intimamente ligados e, ao reconhecerem a este trabalhador, após um certo período de emprego regular num Estado-membro, o acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha, as disposições em causa implicam necessariamente, sob pena de privarem de qualquer efeito o direito que reconhecem ao trabalhador turco, a existência, pelo menos neste momento, de um direito de residência do interessado" (42).

53. O Tribunal de Justiça declarou no mesmo acórdão que o artigo 6. , n. 1, tinha efeito directo nos Estados-membros da Comunidade Europeia (43).

54. Daqui resulta que os nacionais turcos que preenchem as condições do artigo 6. , n. 1, retiram dessa disposição um direito à residência directamente baseado no direito comunitário, porque ele é condição quer da renovação da autorização de trabalho, quer do livre acesso a qualquer actividade assalariada.

55. Este direito de residência está delimitado de modo muito preciso. Baseado no direito comunitário, tem efeito directo e impõe-se aos Estados-membros. Assim, se estes podem regulamentar tanto a entrada no seu território de um nacional turco como as condições do seu primeiro emprego - acesso e exercício -, não podem ir ao ponto de o privar, por medidas relativas ao direito de residência, do benefício dos direitos previstos no artigo 6. , n. 1.

56. A terceira questão assim delimitada exige, em consequência, uma resposta em sentido afirmativo.

57. Voltemos, pois, à segunda questão.

58. A situação, face ao direito de residência, dos nacionais turcos nos Estados-membros deve ser bem distinguida da dos nacionais comunitários e da dos nacionais dos Estados terceiros.

59. Por força do artigo 48. do Tratado, os trabalhadores nacionais dos Estados-membros beneficiam de um direito de livre circulação e da igualdade completa de tratamento com os nacionais do Estado de acolhimento. Resulta daí um direito de entrada e de permanência nos Estados-membros, directamente conferido pelo direito comunitário. A emissão de um documento de residência apenas pode ter efeito declarativo, sem poder de apreciação das autoridades nacionais.

60. O Tribunal declarou-o em termos particularmente claros no acórdão de 14 de Julho de 1977, Sagulo (44):

"... A emissão do documento especial de residência previsto no artigo 4. da Directiva 68/360 tem apenas efeito declarativo e... não pode, para estrangeiros que obtêm direitos do artigo 48. do Tratado ou das disposições paralelas deste, ser equiparada a uma autorização de residência que implique um poder de apreciação das autoridades nacionais, tal como está prevista para a generalidade dos estrangeiros" (45).

61. Pelo contrário, a regulamentação do direito de residência dos nacionais de Estados terceiros nos Estados-membros inclui-se na competência discricionária destes. O fim da validade de uma autorização de residência prevista para os nacionais de Estados terceiros (que tem um efeito constitutivo de direitos) implica automaticamente a extinção do direito de residência do estrangeiro. Inversamente, o fim da validade de um cartão de residência de nacional comunitário "tem como único efeito privar o seu titular da prova escrita do seu direito de residência, que subsiste de facto sem alteração, podendo o interessado exigir que esse documento de prova seja prorrogado ou renovado" (46).

62. O acordo de associação entre a CEE e a Turquia criou uma situação intermédia.

63. Em matéria de livre circulação de trabalhadores, o seu artigo 12. prevê que as partes contratantes acordam em inspirar-se nos artigos 48. , 49. e 50. do Tratado para realização progressiva da livre circulação de trabalhadores.

64. Os trabalhadores turcos não são equiparáveis a nacionais comunitários: as condições de entrada no território de um Estado-membro são determinadas apenas pelo direito nacional, que a decisão não afecta. Em contrapartida, o direito à renovação da sua autorização de trabalho e ao livre acesso a qualquer actividade assalariada está estritamente subordinado a um certo número de condições, impostas pelo artigo 6. , n. 1. O seu direito de residência é limitado ao território do Estado de acolhimento onde trabalham. Finalmente, as regras estabelecidas por esse artigo aplicam-se apenas no período transitório.

65. Mas os trabalhadores turcos não estão já na situação dos nacionais de outros Estados terceiros. Assim, beneficiam em relação a estes de uma prioridade de contratação por força do artigo 8. , n. 1, da decisão. O Estado-membro de acolhimento só nas condições fixadas pela decisão (47) pode recusar a renovação da autorização de trabalho daquele que trabalha há um determinado tempo, e a emissão da autorização de residência tem efeito declarativo e não constitutivo de direitos. Mais uma vez, o trabalhador obtém o seu direito de residência a partir do direito comunitário e não de uma decisão do Estado-membro em causa.

66. Esse Estado-membro não poderá recusar a prorrogação da autorização de residência por um motivo baseado no direito interno que a decisão não prevê, e designadamente o divórcio, quando o motivo inicial da entrada no território foi o casamento com uma nacional do Estado em causa.

67. Isto responde à segunda questão do tribunal a quo.

68. Duas observações para terminar.

69. O regime do direito de residência aplicável aos nacionais turcos tem consequências inesperadas. Assim, os artigos 6. e 10. da decisão, inspirados no artigo 48. do Tratado, não prevêem os limites à liberdade de circulação que adopta o artigo 48. , n. 4. Chegou a pôr-se a questão de saber se o artigo 6. não permitia aos nacionais turcos acederem aos empregos públicos do Estado-membro de acolhimento... observando-se ao mesmo tempo que é difícil justificar que os nacionais de um Estado terceiro, ainda que associado, estejam numa situação mais favorável que os dos Estados-membros (48).

70. Sustentar que a Decisão n. 1/80 confere ao nacional turco, além de um direito ao trabalho, um direito à residência que o Estado-membro deve reconhecer por um documento de natureza puramente declarativa permite

1) dar uma realidade ao direito a uma autorização de trabalho que o acordo de associação confere ao nacional turco;

2) não proíbe aos Estados-membros determinar as regras de aplicação desse direito, nomeadamente quanto ao direito de residência, nas condições do artigo 6. , n. 3, desde que os Estados-membros não imponham condições novas que privem de efeito útil a decisão, cujas disposições, que são parte integrante do direito comunitário, prevalecem sobre o direito nacional (49).

71. Concluímos, portanto, no sentido de que o Tribunal declare:

"1) Um trabalhador assalariado turco que exerceu um emprego durante o período em que beneficiava da suspensão da execução de uma decisão administrativa, que lhe recusava o direito de residência, contra a qual interpôs um recurso que está em apreciação, não pode, nessa fase, invocar esse período para obter o benefício do disposto no artigo 6. , n. 1, terceiro travessão, da Decisão n. 1/80 do conselho de associação CEE/Turquia, relativa ao desenvolvimento da associação, de 19 de Dezembro de 1980.

2) A um nacional turco, que obteve uma autorização de residência na Alemanha para aí casar com uma cidadã alemã, não pode, após o divórcio, ser recusada a renovação dessa autorização quando, na data em que a solicita, pode provar um ano de emprego regular na acepção do artigo 6. , n. 1, primeiro travessão, da já referida decisão.

3) Um trabalhador assalariado turco que satisfaz as condições impostas pelo artigo 6. , n. 1, primeiro ou terceiro travessão, da referida decisão pode invocar directamente essas disposições para obter, além da prorrogação da autorização de trabalho, a da autorização de residência."

(*) Língua original: francês.

(1) - Acordo concluído em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 01 F11 p. 18).

(2) - V. Stangos, P.: Les ressortissants d' Etats tiers au sein de l' ordre juridique communautaire , CDI, 1992, n.os 3-4, pp. 306, 307.

(3) - JO 1972, L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213.

(4) - Decisão n. 2/76, que prevê nomeadamente que o trabalhador turco empregado há cinco anos num Estado-membro da Comunidade beneficia do livre acesso a qualquer actividade da sua escolha.

(5) - Decisão do juiz a quo, p. 3 da tradução francesa.

(6) - Ibidem, p. 5 da tradução francesa.

(7) - Título I, n. 10.

(8) - Decisão do juiz a quo, pp. 8 e 9 da tradução francesa.

(9) - 181/73, Recueil, p. 449.

(10) - N.os 4 a 6. Tratava-se, naquele caso, do acordo de Atenas de 9 de Julho de 1961, que cria uma associação entre a CEE e a Grécia, concluído em nome da Comunidade por Decisão 63/106/CEE do Conselho, de 25 de Setembro de 1961 (JO 1963, 26, p. 293).

(11) - C-192/89, Colect., p. I-3461.

(12) - N. 8.

(13) - N. 9.

(14) - N. 10.

(15) - Decisão 64/737/CEE (JO 1964, 217, p. 3703; EE 11 F1 p. 36).

(16) - Acórdão de 30 de Setembro de 1987 (12/86, Colect., p. 3719).

(17) - N. 9. Como se notou com razão, resulta deste acórdão que a interpretação aqui dada do artigo 238. dá à Comunidade uma habilitação expressa e quase geral de tratar com Estados terceiros em matérias que se incluem no âmbito de aplicação do Tratado. Stangos, P.: obra citada, p. 327.

(18) - V. artigo 6. , n. 3, da decisão.

(19) - 104/81, Recueil, p. 3641.

(20) - Já referido, n. 11.

(21) - N. 7.

(22) - V. supra, n. 13.

(23) - O representante do Governo alemão, de resto, renunciou a sustentar esse fundamento na audiência.

(24) - N. 15 das nossas conclusões.

(25) - V. artigo 22. , n. 1, do acordo.

(26) - Gilsdorf, P.: Les organes institués par les accords communautaires: effets juridiques de leurs décisions , Revue du marché commun, n. 357, p. 328, n. 3, alínea b).

(27) - Cujo alcance é essencialmente programático . N.os 23 do acórdão Demirel e 21 do acórdão Sevince.

(28) - Acórdão Sevince, n. 21.

(29) - Ibidem, n. 30.

(30) - N. 31, sublinhado nosso.

(31) - N. 58 das nossas conclusões.

(32) - N. 59; v. igualmente n.os 60 a 62.

(33) - A Landeshauptstadt Wiesbaden recorreu da decisão do Verwaltungsgericht.

(34) - Notemos que a adopção da solução contrária teria por efeito que um candidato a asilo que obteve o direito de trabalhar durante o processo de exame do seu pedido poderia, só pelo facto desse trabalho, obter o direito de solicitar uma autorização de residência.

(35) - N. 28.

(36) - N. 29.

(37) - A competência em matéria de entrada e de permanência inicial dos nacionais de Estados terceiros cabe aos Estados-membros.

(38) - V., neste sentido, Rittstieg: Aufenthaltsrechtliche Bedeutung des Assoziationsratbeschlusses 1/80 fuer tuerkische Staatsangehoerige , InfAuslR 1/91, p. 1.

(39) - N. 55 das conclusões.

(40) - Não é contestável que em tal situação o Estado-membro em causa conserve o controlo dos seus fluxos migratórios, uma vez que o nacional turco foi admitido a entrar e a beneficiar de um direito de residência no Estado-membro em causa por uma decisão tomada, em aplicação do direito interno, soberanamente pelas autoridades nacionais competentes. Acrescente-se que o conselho de associação se pronuncia por unanimidade (artigo 23. do acordo de associação) e que em consequência todos os Estados-membros aceitaram a regulamentação que ele adopta.

(41) - Aditamento nosso.

(42) - N. 29 do acórdão Sevince, sublinhado nosso. Saliente-se, a este propósito, que o artigo 13. da Decisão n. 1/80 prevê uma cláusula de salvaguarda, nos termos da qual os Estados-membros e a Turquia não poderão introduzir novas restrições relativas às condições de acesso ao emprego dos trabalhadores e dos membros da sua família que se encontrem no respectivo território em situação regular no que respeita à residência e ao emprego (sublinhado nosso). Além disso, o artigo 38. do protocolo adicional concede ao conselho de associação um direito autónomo de examinar as questões que digam respeito à prorrogação das autorizações de trabalho e de residência.

(43) - N. 26 do acórdão Sevince.

(44) - 8/77, Recueil, p. 1495.

(45) - N. 8. A directiva citada, de 15 de Outubro de 1968, é relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88). V. também, em último lugar, acórdãos de 5 de Fevereiro de 1991, Roux, n. 9 (C-363/89, Colect., p. I-273), e de 5 de Março de 1991, Giagounidis, n.os 13 e 14 (C-376/89, Colect., p. I-1069).

(46) - Conclusões do advogado-geral Reischl no processo Sagulo, já referido (Recueil 1977, p. 1513).

(47) - V. nomeadamente o seu artigo 14.

(48) - Loercher: Die Rechte der tuerkischen Arbeitnehmer/Innen nach der Ratifizierung der Europaïschen Sozialcharta durch die Tuerkei und dem Sevince-Urteil des Europaïschen Gerichtshofs , EuZW 13/1991, p. 395.

(49) - V., a este propósito, o n. 22 do acórdão Sevince.

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