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Document 61990CJ0097

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 11 de Julho de 1991.
    Hansgeorg Lennartz contra Finanzamt München III.
    Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht München - Alemanha.
    IVA - Dedução do imposto pago por um bem de investimento.
    Processo C-97/90.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03795

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:315

    CC

    apresentado no processo C-97/90 ( *1 )

    I — Enquadramento legal do processo principal

    No título IV (sujeitos passivos), artigo 4.°, n.° 1, a Sexta Directiva estabelece:

    «1.

    Por sujeito passivo entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.»

    Relativamente às operações tributáveis, o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), estabelece que:

    «São equiparadas a prestações de serviços efectuadas a título honeroso:

    a utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado.»

    O artigo 10.°, n.os 1 e 2, do título VII (facto gerador e exigibilidade do imposto) estabelece que:

    «1.

    Para efeitos do disposto na presente directiva :

    a)

    por facto gerador do imposto entende-se o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

    b)

    por exigibilidade do imposto entende-se o direito que o fisco pode fazer valer, nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.

    2.

    O facto gerador do imposto ocorre, e o imposto é exigível, no momento em que se efectuam a entrega do bem ou a prestação de serviços...»

    Relativamente às deduções, o título XI prevê no artigo 17.° (origem e âmbito do direito à dedução):

    «1.

    O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

    2.

    Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

    a)

    o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

    ...

    5.

    No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

    Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.»

    O artigo 18.° (disposições relativas ao exercício do direito à dedução) estabelece que:

    «1.

    Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve:

    a)

    relativamente à dedução prevista no n.° 2, alínea a), do artigo 17.°, possuir uma factura emitida nos termos do n.° 3 do artigo 22.° ;

    ...

    2.

    O sujeito passivo efectuará a dedução subtraindo do montante total do imposto devido num determinado período fiscal o montante do imposto em relação ao qual, durante o mesmo período, o direito à dedução surge e é exercido por força do n.° 1.»

    O artigo 19.° (cálculo do pro rata de dedução) estabelece que:

    «1.

    O pro rata de dedução, previsto no n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.°, resultará de uma fracção que inclui:

    no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.°;

    no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas na letra A, n.° 1, alínea a), do artigo 11.°

    O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.

    2.

    Em derrogação do disposto no n.° 1, no cálculo de pro rata de dedução, não se toma em consideração o montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na respectiva empresa...»

    O artigo 20.° (ajustamento das deduções) estabelece que:

    «1.

    A dedução inicialmente operada é ajustada segundo as modalidades fixadas pelos Estados-membros, designadamente:

    ...

    2.

    No que diz respeito aos bens de investimento, o ajustamento deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos. Anualmente, esse ajustamento é efectuado apenas sobre a quinta parte do imposto que incidiu sobre os bens em questão. Tal ajustamento é realizado em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos.

    Em derrogação do disposto no parágrafo anterior, os Estados-membros podem tomar como base, no momento do ajustamento, um período de cinco anos completos a contar do início da utilização dos bens em questão.

    ...

    3.

    No caso da entrega durante o período de ajustamento, os bens de investimento são considerados afectos a uma actividade económica do sujeito passivo até ao termo do período de ajustamento. Presume-se que esta actividade económica é inteiramente tributada nos casos em que a entrega dos referidos bens é tributada; presume-se que está totalmente isenta nos casos em que a entrega se encontra isenta. O ajustamento efectua-se uma única vez relativamente a todo o restante período de ajustamento.

    Todavia, os Estados-membros podem não exigir, neste último caso, o ajustamento na medida em que o adquirente seja ou um sujeito passivo que utiliza os bens de investimento em questão exclusivamente para operações em relação às quais o imposto sobre o valor acrescentado é dedutível.

    4.

    Para efeitos do disposto nos n.os 2 e 3, os Estados-membros podem:

    fixar a noção de bens de investimento;

    precisar qual o montante do imposto que deve ser tomado em consideração para o ajustamento;

    adoptar as disposições necessárias no sentido de evitar que os ajustamentos impliquem qualquer vantagem injustificada;

    autorizar simplificações de ordem administrativa.

    5.

    Sempre que, num Estado-membro, os efeitos práticos da aplicação dos n.os 2 e 3 sejam insignificantes, esse Estado pode, sem prejuízo da consulta prevista no artigo 29.°, renunciar à sua aplicação, tendo em conta a incidência global do imposto no Estado-membro em causa e a necessidade de simplificação de ordem administrativa, desde que daí não resultem distorções de concorrência.

    6.

    No caso de transição de um regime normal de tributação para um regime especial ou inversamente, os Estados-membros podem adoptar as disposições necessárias no sentido de evitar que o sujeito passivo em questão beneficie de vantagens ou sofra prejuízos injustificados.»

    Relativamente às obrigações dos devedores do imposto, o título XIII estabelece no artigo 22.° :

    «1.

    Os sujeitos passivos devem declarar o início, a alteração e a cessação da sua actividade como sujeitos passivos.

    2.

    Os sujeitos passivos devem possuir uma contabilidade suficientemente pormenorizada, de modo a permitir a aplicação do imposto sobre o valor acrescentado e a sua fiscalização pela administração fiscal.»

    Por último, o artigo 27.° da directiva prevê que o Conselho possa autorizar a introdução de medidas especiais derrogatórias pelos Estados-membros :

    «1.

    O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente directiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasoes fiscais. As medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não devem influir, a não ser de um modo insignificante, sobre o montante do imposto devido no estádio de consumo final.

    2.

    O Estado-membro que deseje introduzir as medidas referidas no n.° 1 delas informará a Comissão, fornecendo-lhes todos os elementos de apreciação úteis.

    ...»

    II — Matéria de facto e tramitação do processo

    Em 1985, o recorrente no processo principal (a seguir «recorrente») adquiriu um veículo automóvel por 20206,15 DM, acrescidos de 2826,86 DM de IVA. Utilizou esse veículo em 1985, principalmente para uso privado e apenas em pequena medida, de cerca de 8 %, para uso da empresa. Quando abriu o seu próprio gabinete de consultadoria fiscal, em 1 de Julho de 1986, o recorrente entrou com o veículo para a empresa.

    Na sua declaração fiscal de 1986, reivindicou a posteriori, baseando-se no artigo 15.°, alínea a), da UStG, a dedução do montante de 282,98 DM relativos à aquisição de um veículo, que afirmou corresponderem a 6/60 do montante total de IVA que teve que pagar pelo automóvel. O Finanzamt München III (a seguir «Finanzamt») não autorizou esta dedução proporcional, nos termos do artigo 15.°, alínea a), da UStG. Após ter sido desatendida a reclamação desta decisão apresentada pelo recorrente, este recorreu para o Finanzgericht München.

    O Finanzgericht considera que a interpretação dominante do artigo 15.° da UStG, nos termos do qual não existe, em relação aos bens de investimento que foram utilizados por um empresário para uso privado num primeiro momento e, depois, nos anos seguintes, para uso da empresa, qualquer direito à dedução de IVA, suscita algumas dúvidas à luz da Sexta Directiva, a qual não exclui o direito à dedução.

    O tribunal nacional decidiu assim suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva aplica-se a todos os bens de investimento que:

    a)

    tenham sido fornecidos a um sujeito passivo por outro sujeito passivo e utilizados pelo seu destinatário em qualquer altura durante o período de cinco anos, incluindo o ano em que foram adquiridos, para os fins das próprias operações tributáveis,

    ou é ainda necessário que o bem de investimento em causa:

    b)

    tenha sido utilizado a partir do momento de aquisição para os fins das próprias operações tributáveis ou isentas de imposto (fins empresariais) do sujeito passivo ou

    c)

    no momento da aquisição tenha sido afectado à empresa do sujeito passivo?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à questão 1, alinea b) :

    tratando-se de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo, quer para fins empresariais, quer para outros fins, especialmente fins privados (a utilização mista), a aplicação do artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva depende do facto de, no ano em que foi adquirido, o bem de investimento ter sido utilizado em determinada medida mínima para fins empresariais e como deve, se for caso disso, definir-se essa utilização mínima?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à questão 1, alínea c):

    a afectação do bem de investimento à empresa fica à discrição do sujeito passivo ou pressupõe que este

    a)

    adquira o bem com a intenção de o utilizar para fins empresariais, devendo esta utilização ser planeada:

    imediatamente a partir do momento da aquisição ou

    a partir de uma data durante o ano da aquisição ou

    a partir de uma data anterior ao decurso de cinco anos incluindo o ano da aquisição?

    e/ou

    b)

    o bem de investimento deve ser efectivamente utilizado para fins empresariais, e, se for caso disso, esta utilização deve ocorrer:

    a partir da data da aquisição ou

    durante o ano em que tenha sido adquirido ou

    durante o período de cinco anos, incluído o ano em que tenha sido adquirido?

    Quanto às alíneas a) e b) :

    em caso de utilização mista do bem de investimento, a utilização planeada e/ou efectivamente levada a cabo para fins empresariais deve atingir um limite mínimo, e como deve este eventualmente ser definido?»

    A decisão de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de Abril de 1990.

    Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas:

    pelo Governo alemão, representado por Ernst Roder e Joachim Karl, Bundesministerium für Wirtschaft (Ministério federal da Economia), na qualidade de agentes,

    pelo Governo francês, representado por Edwige Belliard, na qualidade de agente, e Géraud de Bergues, na qualidade de agente suplente, da direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros,

    pelo Governo do Reino Unido, representado por John Collins, Treasury Solicitor, na qualidade de agente,

    pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Henri Étienne, seu consultor jurídico, na qualidade de agente.

    Com base no relatório do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça decidiu, em 16 de Janeiro de 1991, atribuir o processo à Sexta Secção, nos termos do artigo 95.° do Regulamento de Processo, e dar início à fase oral sem instrução.

    III — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

    O Governo alemão entende que é necessário analisar as disposições

    da Sexta Directiva relativas à dedução no seu contexto geral. O direito à dedução do adquirente encontra-se condicionado pelas quatro condições materiais referidas no artigo 17.°, n.os 2 e 3, da directiva. O adquirente deve ser um sujeito passivo, na acepção do artigo 4.° O bem deve ter-lhe sido entregue, enquanto sujeito passivo, por outro sujeito passivo. O adquirente deve utilizar esse bem para os fins das próprias operações tributáveis, ou das operações referidas no artigo 17.°, n.° 3, e essas condições devem encontrar-se preenchidas no momento relevante para a dedução, nos termos do artigo 17.°, n.° 1, e do artigo 10.° da directiva.

    O artigo 17.°, n.° 5, e o artigo 19.° prevêem que a repartição do imposto pago a montante relativamente à aquisição de um bem apenas pode ser tida em conta quando esse bem tenha sido utilizado tanto para operações com direito à dedução como para operações sem tal direito. Apenas é tido em consideração o volume de negócios realizado pelo sujeito passivo no domínio das suas actividades profissionais. Por conseguinte, o pro rata de dedução apenas é aplicável quando o bem seja utilizado de forma mista em actividades ligadas à empresa. Na medida em que o bem seja utilizado para fins não profissionais, a directiva prevê un outro mecanismo de compensação, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), através do qual a dedução total do imposto inicialmente concedida acaba por ser anulada, atendendo ao uso privado ulterior e efectivo do bem.

    Ao invés, se o comprador não adquiriu o bem na qualidade de sujeito passivo, não poderá invocar qualquer direito à dedução do imposto. Neste caso, a utilização para uso privado, prevista no artigo 6.°, n.° 2, alínea a), näo pode ser tributado, dado não ter havido, em relação ao bem em questão, qualquer dedução do imposto sobre o valor acrescentado.

    Dado que o artigo 17.°, n.° 2, não permite deduzir claramente a percentagem de utilização mínima do bem adquirido para o uso da empresa, deve conceder-se uma dedução total do IVA. No entender do Governo federal, quando a parte de utilização para uso da empresa (calculada em relação ao conjunto de utilização) seja tão insignificante que não tem mais que uma importância económica mínima, deve presumir-se que a aquisição foi efectuada exclusivamente para fins estranhos à empresa, resultando daí que qualquer dedução ficaria totalmente excluída. De acordo com o princípio das considerações de natureza económica que preside à legislação do IVA, uma utilização extremamente limitada para o uso da empresa não pode, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, autorizar uma dedução total. Não é possível definir um limite mínimo de utilização aplicável a todos os casos, mas a administração fiscal alemã parte geralmente do princípio de uma aquisição efectuada exclusivamente para fins estranhos à empresa, quando a parte da utilização estranha à empresa é superior a 90 °/o.

    Deve indagar-se, com base em considerações objectivas, se se encontram preenchidos os pressupostos de outra utilização que não seja uma mera utilização mínima para uso da empresa. As disposições da directiva não permitem afirmar que tal classificação depende de uma decisão subjectiva de afectação à empresa por parte do sujeito passivo.

    No entender do Governo federal, quando um sujeito passivo utiliza um bem para uso da empresa em tão escassa medida que a aquisição se deve considerar, do ponto de vista económico, destinada exclusivamente ao uso privado, no que respeita ao ano da aquisição, o artigo 17.°, n.° 2, da directiva não autoriza a dedução, mesmo nos casos em que o sujeito passivo afecte no ano seguinte o bem em causa à empresa, utilizando-o para uso desta. Tal entrada de património privado não satisfaz os requisitos de uma dedução, por não se encontrar preenchido o requisito de fornecimento por outro sujeito passivo.

    Para o Governo federal, é no momento da aquisição que cabe decidir de forma definitiva a questão relevante para efeitos de dedução, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, a saber, se um bem é ou não adquirido para as necessidades de uma empresa. Esta decisão não pode ser corrigida pelo artigo 20.°, n.° 2, da directiva. Pode considerar-se que esta disposição vem corrigir o artigo 17.°, n.° 5, apenas sendo assim aplicável quando a afectação de um bem de investimento seja alterada dentro da empresa.

    O artigo 20.° é apenas aplicável aos bens de investimento. Não existe qualquer razão objectiva para tratar diversamente os bens de investimento e outras categorias de bens. De onde resulta que o bem para o qual se prevê uma rectificação da dedução devia ter já constituído um bem de investimento no momento da sua aquisição. Apenas é possível falar-se de bens de investimento quando estes façam parte do património profissional.

    Quanto à segunda questão, o artigo 20.°, n° 2, não é aplicável a bens que tenham sido utilizados exclusivamente para fins privados durante o ano da respectiva aquisição. Se durante esse período o bem tivesse sido utilizado, numa medida mínima, ao serviço da empresa, as considerações económicas levariam a considerar tal utilização irrelevante.

    O Governo alemão entende que a terceira questão não carece de resposta, uma vez que não responde afirmativamente à questão 1, alínea c).

    No que respeita à primeira questão, o Governo francês entende que o recorrente carece de base legal para reclamar o reembolso de uma parte do IVA por ele pago aquando da aquisição do veículo.

    Nos termos do artigo 20.°, n.° 2, da directiva, convém recordar os elementos e características do sistema do IVA, a exemplo do que fez o Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de Setembro de 1988, Comissão/França, n.os 13 a 15 (50/87, Colect., p. 4797).

    Um particular que adquira um bem para seu consumo privado não tem qualquer direito à dedução, por não ser um sujeito passivo, na acepção do artigo 4.°, n.° 1, da directiva.

    Se esse mesmo bem for adquirido ao particular por uma empresa para os fins das próprias operações tributáveis, esta não beneficia de qualquer direito à dedução, dado que o IVA não lhe foi facturado nos termos do artigo 18.°, n.° 1, alínea a), da directiva.

    Dado que se verificou a interposição de um consumidor final, o bem saiu do circuito económico, não sendo onerado pelo IVA quando a ele regressa. O sujeito passivo não pode assim beneficiar então de qualquer direito à dedução do IVA, dado que não o pagou.

    Por o Governo francês, o mesmo se deve dizer na hipótese de o bem adquirido por um particular para consumo privado ser afectado no ano seguinte à empresa individual deste. Entretanto, o bem saiu do circuito económico. Deste ponto de vista, é irrelevante que o sujeito passivo e o não sujeito passivo sejam a mesma pessoa.

    Ao invés, se o bem foi inicialmente adquirido a um sujeito passivo por outro sujeito passivo e afectado, por este ùltimo, à sua actividade profissional, há em princípio direito à dedução nos termos do artigo 17.° da directiva se o bem tiver sido utilizado parcial ou totalmente para os fins das próprias operações tributáveis. Estas compreendem, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, a utilização do bem para o uso privado do sujeito passivo, a qual é equiparada a uma prestação de serviços efectuada a título oneroso.

    Mais tarde, a dedução efectuada devia, sendo caso disso, sofrer um ajustamento, nos termos do artigo 20.°, n.° 2, da directiva. Mas este mecanismo de ajustamento apenas é aplicável, do ponto de vista jurídico, se o bem de investimento tiver sido adquirido por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

    Esta interpretação é corroborada pelo artigo 17.°, o qual especifica que o sujeito passivo adquire o direito à dedução no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, e pelo artigo 18.°, n.° 1, que prevê que, para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve possuir uma factura regularmente emitida. Ora, o artigo 22.°, n.° 3, apenas prevê a emissão obrigatória de factura caso o adquirente seja um sujeito passivo.

    O Governo francês propõe assim que se responda à primeira questão que o artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva é aplicável a todos os bens de investimento fornecidos a um sujeito passivo agindo nessa qualidade por outro sujeito passivo, desde que os bens tenham sido afectados à empresa a partir do momento em que foram adquiridos ou produzidos.

    Tendo em conta a resposta acima referida, o Governo francês entende não ser necessário responder à segunda questão.

    Quanto à terceira questão, nos termos do artigo 17.°, n.os 1, 2 e 5, da directiva, a dedução do IVA deve ser concedida a partir da aquisição pelo sujeito passivo do bem de investimento, na medida em que este se encontra afectado à própria empresa, presumindo-se, por isso, que é utilizado, ao menos parcialmente, para os fins da empresa. Esta dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante às operações tributadas.

    Para o Governo francês, qualquer utilização, mesmo mínima, para fins profissionais é em princípio susceptível de atribuir ao sujeito passivo o direito à dedução total, sem prejuízo da tributação do uso privado do bem. Contudo, tal dedução total levanta dificuldades técnicas e apresenta vantagens injustificadas sempre que o bem não tenha sido praticamente utilizado para fins empresariais.

    É por isso que a França obteve do Conselho, a título de medida de simplificação e com base no artigo 27.°, n.os 1 a 4, da Sexta Directiva, uma decisão ( 1 ) que a autoriza, até 31 de Dezembro de 1992, a excluir o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre as despesas com a aquisição de bens ou obtenção de serviços sempre que a parte relativa ao uso privado desses bens e serviços seja superior a 90 % da sua utilização global.

    Esta exclusão do direito à dedução pode, no que respeita aos Estados-membros dotados de tal regulamentação no momento da entrada em vigor da directiva, basear-se no artigo 17.°, n.° 6, ou no artigo 27.°, n.° 5, da directiva, a fim de garantir a simplificação das obrigações das empresas e das administrações.

    No entanto, o Governo francês considera não ser de recusar o exercício do direito à dedução quando se apure que o bem foi anteriormente utilizado para fins ligados à actividade da empresa. O artigo 20.°, n.° 2, não estabelece, na verdade, qualquer montante mínimo para a dedução inicial. A regulamentação francesa concede assim o direito à dedução quando um bem de investimento inicialmente afectado à empresa, mas não utilizado na realização de operações com direito à dedução seja, durante o período de ajustamento, utilizado na realização de operações com direito à dedução.

    Assim, um bem de investimento afectado durante três anos à empresa e que só depois desse período é utilizado para os fins da própria empresa justifica o direito à dedução de 2/5 do IVA que onerou o bem, à razão de 1/5 por ano durante dois anos, da mesma forma que pode ser reconhecido o direito à dedução a um sujeito passivo e isento que passa a ser tributável pelos bens de investimento em curso de utilização.

    Nos termos do artigo 20.°, n.° 5, este ajustamento pode, sem prejuízo da consulta prevista no artigo 29.°, não ser efectuado, tendo em conta a incidência global do imposto no Estado-membro em causa e a necessidade de simplificação de ordem administrativa, desde que daí não resultem distorções da concorrência.

    Atendendo ao que fica dito, o Governo francês propõe que o Tribunal de Justiça responda à questão 3, alínea a) que a afectação de um bem de investimento a uma empresa pressupõe que o sujeito passivo o tenha adquirido com a intenção de o utilizar para os fins das próprias operações tributáveis e que tal utilização deve encontrar-se prevista desde a aquisição; à questão 3, alínea b), que tal bem de investimento deve ser efectivamente utilizado para fins empresariais antes do final do período de cinco anos, incluindo o ano em que tenha sido adquirido; à questão 3, alíneas a) e b), que, se a utilização prevista não atinge, no decurso de um desses cinco anos, o limite mínimo susceptível de ser previsto pela legislação nacional por razões de simplificação, o artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva não é aplicável. O mesmo se diga quando essa utilização é de molde a satisfazer os pressupostos do artigo 20.°, n.° 5.

    Para o Governo do Reino Unido a directiva não contém qualquer disposição que vise expressamente a hipótese de os bens serem adquiridos em parte para o uso de uma empresa, e em parte para fins a ela estranhos. Resulta implicitamente do artigo 17.° que o direito à dedução apenas existe em relação às actividades económicas. O Governo do Reino Unido não deseja apresentar mais observações em relação a este aspecto do processo.

    O Reino Unido alega que o artigo 17.°, n.° 1, da directiva indica clara e precisamente que o direito à dedução de um sujeito passivo surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. O artigo 17.°, n.° 2, determina o imposto que o sujeito passivo pode realmente deduzir, isto é, o imposto devido pelos bens e serviços na medida em que estes sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

    A luz destas disposições, as autoridades fiscais devem decidir se uma pessoa tem o direito de deduzir o imposto em relação aos bens que lhe tenham sido fornecidos, tendo em conta as circunstâncias em que se encontrava no momento em que o imposto sobre os fornecimentos efectuados se tornou exigível. Se nessa data não estavam preenchidos todos os requisitos referidos no artigo 17.°, n.° 2, não haveria direito à dedução. O facto de os fornecimentos virem a satisfazer posteriormente os referidos requisitos não pode influenciar a questão de saber se o direito de deduzir um imposto surge no momento em que o bem foi fornecido.

    Em consequência, o imposto tornou-se exigível, nos termos do artigo 10.° da directiva, no momento em que o veículo foi fornecido ao recorrente em 1985. Deste ponto de vista, na medida em que o veículo não tinha sido utilizado para os fins das operações tributáveis ou isentas, o imposto exigível pelo fornecimento desse veículo não era dedutível. O facto de o veículo ter sido utilizado seguidamente no uso da empresa é aqui irrelevante. O imposto devido pela aquisição de um veículo a motor destinado ao uso privado jamais pode transformar-se, por vicissitudes posteriores, num imposto susceptível de dedução.

    Para o Reino Unido, o artigo 17.°, n.° 5, da directiva trata da repartição do imposto quando os fornecimentos são utilizados no âmbito da empresa, tanto para operações com direito à dedução como para aquelas em relação às quais tal direito não existe. A sistematização e o objectivo da directiva impedem que a expressão «operações» seja aplicável a actividades não profissionais e privadas. Esta interpretação é igualmente corroborada pelos artigos 2.° e 4.° da directiva.

    O Reino Unido considera que a segunda questão suscitada pelo Finanzgericht é a de saber se a existência de um mecanismo de ajustamento previsto nos artigos 19.° e 20.° significa que o imposto cobrado pela aquisição de bens destinados a actividades não profissionais pode ser convertido nos anos seguintes num imposto dedutível. O Reino Unido alega que estas disposições têm apenas em vista o mecanismo de cálculo do pro rata de dedução e dos ajustamentos do imposto dedutível, não podendo transformar um imposto exigível num imposto dedutível.

    Por último, a expressão «bens de investimento» contida no artigo 20.°, n.° 2, abrange apenas os bens que são utilizados ou podem ser utilizados para os fins das operações efectuadas ou que devem ser efectuadas por um sujeito passivo.

    Para o Governo do Reino Unido, deve responder-se ao conjunto da primeira questão colocada pelo Finanzgericht München da seguinte forma:

    «Sempre que tenham sido fornecidos bens de investimento por um sujeito passivo a outro sujeito passivo, o artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva IVA é apenas aplicável aos bens que, no momento da aquisição, são utilizados ou se destinam a ser utilizados para uso profissional do destinatário, a partir da data da sua aquisição por este.»

    Tendo em conta esta resposta, o Governo do Reino Unido considera desnecessário responder às outras questões colocadas pelo Finanzgericht.

    A Comissão entende que as questões visam no fundo saber se os requisitos estabelecidos no artigo 17.° da directiva para o reconhecimento do direito inicial à dedução se encontram preenchidos.

    Em acórdão de 17 de Junho de 1989, Kühne (50/88, Colect., p. 1925), o Tribunal de Justiça rejeita uma interpretação da Sexta Directiva que conduziria a uma tal dupla tributação, contrária ao sistema do IVA. No presente processo, não há dupla tributação na medida em que o imposto a montante não deduzido corresponde a uma utilização do veículo para fins estranhos à empresa. O princípio da dedução imediata do imposto a montante determina o seu ajustamento em caso de alteração da situação de direito ou de facto em função da qual a dedução foi efectuada.

    A passagem do veículo do domínio da utilização privada para o da utilização profissional não constitui assim uma entrega de bens em relação à qual o imposto dedutível se torne exigível. Se o veículo entrado na empresa era utilizado para operações não tributáveis, o IVA não pode de modo algum ser deduzido. Se o bem de investimento introduzido na empresa por quem não é sujeito passivo era utilizado para fins a ela estranhos, não há autotributação na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), dado que a condição para esta exigida, a dedução do imposto pago a montante, não se encontra preenchida.

    Coloca-se em seguida a questão de saber se, nos termos das disposições da directiva relativa ao ajustamento das deduções, é possível uma limitação do direito inicial à dedução. A margem concedida aos Estados-membros pelo artigo 20.°, n.° 4, da directiva para efectuarem o ajustamento não vai até ao ponto de lhes permitir recusar o direito à dedução do imposto pago a montante, aquando da entrega do bem de investimento. Os Estados-membros dispõem, sem dúvida, de uma determinada margem de apreciação na definição do conceito de bens de investimento e do montante do imposto a pagar.

    Quando a aceitação do ajustamento não tenha ocasionado quaisquer vantagens injustificadas, tal só acontecerá se não existir ab initio um direito à dedução e se o exercício do direito ao ajustamento fizer renascer artificialmente um direito inexistente ou extinto. Contudo, segundo a Comissão, a utilização do bem para fins estranhos à empresa durante o ano que se segue à aquisição foi normalmente tributada, nos termos da regra do pro rata.

    As simplificações administrativas não podem levar a aumentar a matéria colectável nem a impedir o exercício do direito à dedução (ver acórdão de 10 de Abril de 1984, Comissão/Bélgica, 324/82, Recueil, p. 1861). Não se vê bem por que razão a derrogação prevista no artigo 18.°, n.° 4, segundo parágrafo, autoriza os Estados-membros a limitar o direito inicial à dedução aquando do ajustamento ou a aplicar tal limitação ao próprio ajustamento.

    O legislador limitou os casos em que o ajustamento referido no artigo 20.° pode abranger o imposto pago a montante, quando não exista ab initio um direito à dedução. Tal possibilidade encontra-se prevista no artigo 20.°, n.° 6, da primeira directiva (transição de um regime normal de tributação para um regime especial ou inversamente), e no artigo 4.° da Décima Oitava Directiva IVA (requalificação das despesas referidas no artigo 17.°, n.° 6, primeiro parágrafo).

    Há sobretudo que determinar se o artigo 17.°, conjugado com as outras disposições do título XI, deve ser interpretado no sentido de que uma utilização inicial mínima do bem de investimento autoriza a dedução do imposto a montante. Uma dedução imediata não significa dedução total. Aplicando a regra do pro rata, apenas se deduz de imediato uma determinada proporção do IVA facturado. Na parte em que não é deduzido, o IVA a cargo do sujeito passivo corresponde a operações não tributáveis ou estranhas à empresa.

    Segundo a Comissão, o direito à dedução constitui condição prévia da tributação. O regime de deduções previsto pela directiva destina-se a libertar por inteiro o empresário do encargo do IVA devido ou pago no domínio de todas as suas actividades económicas (acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Rompleman, 268/83, Recueil, p. 655).

    A determinação da utilização para fins estranhos à empresa para operações não tributáveis efectua-se de acordo com a regra do pro rata estabelecida no artigo 17.°, n.° 5. Todas as possibilidades de simplificação e de derrogação previstas no título XI vão antes no sentido, no final de contas, de facilitar a dedução.

    Daí se deve concluir que uma utilização efectiva, ainda que mínima, do bem de investimento fornecido para os fins das operações tributáveis autoriza a dedução do imposto a montante.

    A Comissão propõe que se responda às questões prejudiciais da seguinte forma.

    «O artigo 20.° da Sexta Directiva é aplicável a todos os bens de investimento fornecidos por um sujeito passivo a outro sujeito passivo e utilizados por um destinatário para os fins das próprias operações tributáveis.

    O ajustamento é efectuado durante um período de cinco anos.

    Quando o bem de investimento é utilizado tanto para operações tributáveis como para operações não tributáveis (utilização mista), o ajustamento previsto no artigo 20.°, n.° 2, da directiva é efectuado em função da utilização do bem de investimento, de acordo com o disposto nos artigos 17.°, n.° 5, e 19.° da directiva.

    O artigo 17.°, n.° 1, só é aplicável quando o bem de investimento tenha sido afectado à empresa no momento da sua aquisição, quer tenha sido utilizado exclusivamente, ou apenas em parte, para os fins das próprias operações tributáveis.

    Em caso de utilização mista, a Sexta Directiva näo prevê qualquer medida mínima da utilização para os fins das próprias operações tributáveis.

    As medidas administrativas previstas no artigo 20.°, n.° 4, não podem afectar o direito à dedução do imposto a montante reconhecido pelo artigo 17.°, n.° 1, cabendo no entanto à administração nacional verificar se a utilização para os fins da empresa foi efectiva ou apenas fictícia.»

    IV — Respostas às perguntas feitas pelo Tribunal de Justiça

    O Governo alemão foi solicitado a explicar porque não tinha considerado necessário obter do Conselho, a título de medida de simplificação, nos termos do artigo 27.° da Sexta Directiva, uma decisão que o autorizasse a excluir do direito à dedução do IVA que as onera as despesas relativas à aquisição de bens, quando a percentagem de utilização privada desses bens é superior a 90 % da respectiva utilização global.

    O Governo federal alemão respondeu que tal prática da sua administração fiscal não constitui uma medida especial derrogatória, resultando no entanto da apreciação do problema de um ponto de vista económico que ela se impõe aquando da interpretação do artigo 17.° da directiva. O princípio da tomada em consideração dos aspectos económicos («Grundsatz der wirtschaftlichen Betrachtungsweise») rege o direito fiscal. A legislação do IVA apenas se aplica às prestações em sentido jurídico, quando estas sejam igualmente prestações em sentido económico.

    Para a tributação do volume de negócios, o que importa é o significado económico das operações. A utilização de um bem que apenas é utilizado em escassa medida para os fins da empresa não pode, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, da directiva, levar a uma dedução total do imposto. Do ponto de vista económico, deve considerar-se em geral que tal bem foi adquirido para fins estranhos à empresa. Na opinião do Governo federal, a dedução deve ser totalmente excluída quando a proporção de utilização para fins empresariais (em relação à utilização global) ė tão diminuta que a sua relevância económica é insignificante.

    É por isso que a administração fiscal alemã considera geralmente uma aquisição como exclusivamente realizada para fins privados quando a parte da utilização para uso privado represente mais de 90 °/o da utilização global. No entanto, não se está perante um limite fixo, mas perante um indício no sentido de aceitar ou recusar que se trata de uma «aquisição para os fins da empresa». O artigo 192.°, n.° 17, segundo parágrafo, quinta e sexta frases, da lei alemã do IVA autoriza uma decisão diferente tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

    Na hipótese de ser autorizada a dedução, a utilização privada do veículo deve ser tributada nos termos do artigo 6.°, n. ° 2, alínea a), da directiva. De acordo com o artigo 12.°, letra A, n.° 1, alinea c), da directiva, devem ser incluídas na matéria colectável todas as despesas suportadas pelo sujeito passivo. Todos os custos do veículo, incluindo o imposto sobre os veículos e o seguro automóvel, está sujeito ao IVA a pagar pelo sujeito passivo. Este encontra-se assim numa situação mais desfavorável, do ponto de vista económico, do que a que resultaria se a dedução do IVA lhe tivesse sido logo recusada no momento da aquisição do veículo.

    A prática descrita não constitui um caso de aplicação do artigo 27.°, resultando antes da interpretação do artigo 17.° da directiva.

    O processo do artigo 27.° não é adequado para resolver as questões de interpretação. Para o Governo federal, tal processo apenas se encontra previsto para os casos em que um Estado-membro pretende deliberadamente derrogar disposições da directiva, a fim de estabelecer medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto ou evitar determinadas fraudes ou evasões fiscais. Em consequência, o Governo federal não considerou necessário submeter ao Conselho esta questão, nos termos do artigo 27.° da directiva.

    T. F. O'Higgins

    Juiz relator


    ( *1 ) Lingua do processo: alemão.

    ( 1 ) Decisão n.° 89/488/CEE, de 28 de Julho de 1989, que autoriza a República Francesa a aplicar uma medida derrogatória do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO L 239, p. 22).

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    11 de Julho de 1991 ( *1 )

    No processo C-97/90,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Finanzgericht München, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    H. Lennartz, de Munique

    e

    Finanzamt München III,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/3 8 8/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, T. F. O'Higgins, C. N. Kakouris, F. Schockweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral : F. G. Jacobs

    secretário: V. Di Bucci, administrador

    vistas as observações escritas apresentadas:

    em representação do Governo alemão, por Ernst Roder e Joachim Karl, do Bundesministerium für Wirtschaft, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por Edwige Belliard, na qualidade de agente, e Géraud de Bergues, na qualidade de agente suplente, da direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros,

    em representação do Governo do Reino Unido, por John Collins, treasury solicitor, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Henri Étienne, consultor jurídico da Comissão, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações do Governo alemão, representado por Claus-Dieter Quassowski, do Bundesministerium für Wirtschaft, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por David Anderson, barrister, e da Comissão, na audiência de 7 de Março de 1991,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 30 de Abril de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por decisão de 24 de Janeiro de 1990, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de Abril do mesmo ano, o Finanzgericht München submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, várias questões prejudiciais relativas à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva»).

    2

    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um recurso interposto por H. Lennartz, consultor fiscal em Munique, da decisão do Finanzamt München III de indeferir o pedido de ajustamento ulterior da sua declaração IVA relativa ao ano de 1985.

    3

    Em 1985 e 1986, H. Lennartz trabalhou em parte como assalariado e em parte como consultor fiscal independente. Reportadas a este período, apresentou declarações anuais de IVA relativas à sua actividade por conta própria. Em 1985, H. Lennartz, adquiriu um veículo automóvel por 20206,15 DM, acrescidos de 2826,86 Dm de IVA. Em 1985, utilizou esse veículo principalmente para fins privados e apenas numa pequena medida, de cerca de 8 %, para os fins da empresa. Quando abriu, em 1 de Julho de 1986, o seu gabinete de consultor fiscal, entrou com o veículo para a empresa. Na declaração IVA de 1986, requereu a posteriori, com base no artigo 15.°, alínea a), da lei alemã do imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz 1980, a seguir «UStG»), que contém regras de execução do artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva, uma dedução de 282,98 DM, a título de aquisição de um veículo, ou seja, 6/60 do montante global de IVA por ele pago no momento da aquisição.

    4

    O Finanzamt München III decidiu que era de considerar que H. Lennartz adquiriu inicialmente o veículo exclusivamente para uso privado, pelo que apenas tinha direito aos ajustamentos previstos no artigo 15.°, alínea a), da UStG, caso o veículo tivesse sido seguidamente utilizado ao serviço da empresa. Ao concluir que o veículo apenas fora inicialmente utilizado para fins privados, o Finanzamt baseou-se numa prática administrativa das autoridades fiscais alemãs, nos termos da qual, de uma forma geral, a utilização de bens na empresa não é tido em conta sempre que representa menos de 10 % da utilização global. Nestas circunstâncias, o Finanzamt München III recusou a H. Lennartz o ajustamento ulterior da sua declaração IVA relativa ao ano de 1985.

    5

    Para o Finanzgericht München, a interpretação do artigo 15.°, alínea a), da UStG, nos termos da qual um bem de investimento que começou por ser utilizado para uso privado de um sujeito passivo, sendo depois, nos anos seguintes, utilizado ao serviço da empresa, se encontra absolutamente excluído do direito à dedução do IVA, suscita algumas dúvidas à luz da Sexta Directiva, que não exclui o direito a tal dedução. O tribunal nacional decidiu, assim, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais :

    «1)

    O artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva aplica-se a todos os bens de investimento que :

    a)

    tenham sido fornecidos a um sujeito passivo por outro sujeito passivo e utilizados pelo seu destinatário em qualquer altura durante o período de cinco anos, incluindo o ano em que foram adquiridos, para os fins das próprias operações tributáveis,

    ou é ainda necessário que o bem de investimento em causa

    b)

    tenha sido utilizado a partir do momento da aquisição para os fins das próprias operações tributáveis ou isentas de imposto (fins empresariais) do sujeito passivo ou

    c)

    no momento da aquisição tenha sido afectado à empresa do sujeito passivo?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à questão 1, alínea b) :

    tratando-se de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo quer para fins empresariais, quer para outros fins, especialmente fins privados (utilização mista), a aplicação do artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva depende do facto de, no ano em que foi adquirido, o bem de investimento ter sido utilizado em determinada medida mínima para fins empresariais e como deve, se for caso disso, definir-se esta medida mínima?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à questão 1, alínea c) :

    a afectação do bem de investimento à empresa fica à discrição do sujeito passivo ou pressupõe que este

    a)

    adquira o bem com a intenção de o utilizar para fins empresariais, devendo esta utilização ser planeada:

    imediatamente a partir do momento da aquisição ou

    a partir de uma data durante o ano da aquisição ou

    a partir de uma data anterior ao decurso de cinco anos, incluindo o ano da aquisição?

    e/ou

    b)

    de facto, o bem de investimento seja utilizado para fins empresariais, tratando-se eventualmente de saber se tal utilização tem lugar

    a partir da data da aquisição ou

    durante o ano em que tenha sido adquirido ou

    durante o período de cinco anos, incluindo o ano em que tenha sido adquirido?

    Quanto às alíneas a) e b) :

    em caso de utilização mista do bem de investimento, a utilização planeada e/ou efectivamente levada a cabo para fins empresariais deve atingir um limite mínimo e como deve este eventualmente ser definido?»

    6

    Para maior desenvolvimento do enquadramento jurídico e dos termos do litígio no processo principal, bem como da tramitação do processo e das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação do Tribunal de Justiça.

    Âmbito de aplicação do artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva (primeira questão)

    7

    A primeira parte desta questão visa, fundamentalmente, determinar se as regras de ajustamento do imposto pago a montante definidas pelo artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva se aplicam quando o sujeito passivo adquire inicialmente bens para uso privado, utilizando-os em seguida para fins profissionais durante o período de ajustamento de cinco anos. Na segunda parte, pergunta-se ao Tribunal de Justiça se basta, para a aplicação do artigo 20.°, n.° 2, que um particular adquira os bens enquanto sujeito passivo ou se é necessário que exista uma utilização imediata dos bens em relação com actividades económicas, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva.

    Quanto à primeira parte da primeira questão

    8

    Nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da Sexta Directiva, com a epígrafe «Origem e âmbito do direito à dedução», o direito à dedução do IVA surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Em consequência, só a qualidade em que o particular actua nesse momento pode decidir da existência de um direito à dedução. Resulta do artigo 17.°, n.° 2, que, na medida em que os bens sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis pelo sujeito passivo, agindo nessa qualidade, este é autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação a esses bens.

    9

    Ao invés, quando os bens não são utilizados para os fins das actividades económicas de um sujeito passivo, na acepção do artigo 4.°, sendo utilizados para o uso privado deste, não surge qualquer direito à dedução.

    10

    Por outro lado, quando um sujeito passivo adquire bens a título privado, não satisfaz os requisitos administrativos e contabilísticos exigidos para o exercício do direito à dedução pelos artigos 18.° e 22.° da Sexta Directiva.

    11

    O próprio teor do n.° 2 do artigo 20.°, sob a epígrafe «Ajustamento das deduções», corrobora esta interpretação. Este artigo não contém qualquer disposição relativa à origem do direito à dedução. Dado limitar-se a mencionar os ajustamentos das deduções prevista para os bens de investimento, deve concluir-se que a origem do direito a essas deduções é tratada em outras disposições da Sexta Directiva.

    12

    epreende-se do regime da Sexta Directiva e da própria letra do artigo 20.°, n.° 2, que esta última disposição se limita a estabelecer o mecanismo que permite calcular os ajustamentos da dedução inicial. Não pode assim dar origem a um direito à dedução, nem transformar o imposto pago por um sujeito passivo relativamente às próprias operações não tributáveis em imposto dedutível, na acepção do artigo 17.°

    Quanto à segunda parte da primeira questão

    13

    Para responder à segunda parte da primeira questão, deve recordar-se que, de acordo com o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, n.° 22 (268/83, Recueil, p. 655), as actividades económicas referidas no artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva podem consistir numa sucessão de vários actos, como sugere a própria letra do n.° 2 nesta mesma disposição. Entre esses factos, as actividades preparatórias, como a aquisição de meios de exploração, devem ser consideradas actividades económicas na acepção desse artigo.

    14

    Resulta deste acórdão que um particular que adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.°, actua na qualidade de sujeito passivo, mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para essas actividades económicas.

    15

    Em consequência, é a aquisição de bens por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, portanto, do mecanismo da dedução. A utilização que é dada às mecadorias, ou a que lhes é destinada, apenas determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 17.°, e o âmbito dos eventuais ajustamentos durante os períodos seguintes.

    16

    Resulta daqui que a utilização imediata de bens para operações tributáveis ou isentas não constitui, por si só, um pressuposto da aplicação do artigo 20.°, n.° 2.

    17

    Deve, assim, responder-se ao conjunto da primeira questão que o artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva é aplicável quando um particular adquire bens de investimento, na qualidade de sujeito passivo, colocando-os ao serviço das suas actividades económicas, na acepção do artigo 4.° da Sexta directiva.

    Quanto à utilização mínima de um bem de investimento (questão 2)

    18

    Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, torna-se desnecessário analisar a segunda.

    Quanto aos critérios a utilizar para determinar se um particular adquire bens na qualidade de sujeito passivo [questão 3, alíneas a) e b)]

    19

    Através das duas primeiras partes da terceira questão, o tribunal nacional pretende, fundamentalmente, ser esclarecido sobre os critérios a utilizar para determinar se um particular adquire bens na qualidade de sujeito passivo quando os não afecte de imediato às suas actividades económicas.

    20

    A resposta a esta questão depende da apreciação de todas as circunstâncias relevantes, designadamente da natureza dos bens em causa e do período decorrido entre a aquisição dos bens e a respectiva utilização nas actividades económicas do sujeito passivo. No entanto, os períodos de ajustamento previstos no artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva não têm, enquanto tais, qualquer relação com a questão de saber se os bens são adquiridos com vista à sua utilização nessas actividades económicas.

    21

    Deve assim responder-se às duas primeiras partes da terceira questão que o problema de saber se um sujeito passivo, num caso concreto, adquiriu bens para os fins das suas actividades económicas, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva, constimi uma questão de facto cuja apreciação deve ter em conta o conjunto dos dados do caso concreto, entre os quais a natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a sua aquisição e a respectiva utilização ao serviço das actividades económicas do sujeito passivo.

    Quanto à validade de uma regra que impõe uma restrição do direito à dedução do IVA [questão 3, alínea c)]

    22

    Na última parte da terceira questão, o tribunal nacional coloca, fundamentalmente, o problema de saber se, nos termos da Sexta Directiva, um particular que adquire bens na qualidade de sujeito passivo e que tem o direito de deduzir o imposto pago a montante em relação a esses bens o pode fazer, mesmo quando a utilização destes ao serviço da actividade económica é inicialmente, e durante um determinado período, relativamente limitada.

    23

    Na audiência, o Governo alemão defendeu que o litígio pendente no tribunal nacional se circunscreve à questão da possibilidade de H. Lennartz efectuar ajustamentos ao abrigo do artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva. Dado que não solicitou, para 1985, uma dedução do imposto a montante, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, a qualificação dada em relação a esse ano é definitiva. Em consequência, deve responder-se às questões colocadas partindo do princípio de que H. Lennartz não tinha direito à dedução do imposto com base na aquisição do veículo.

    24

    A decisão de reenvio parece confirmar esta afirmação do Governo alemão. Além disso, este último considera legitimamente que o limite se aplica ao direito de H. Lennartz à dedução do imposto a montante relativamente a 1985, nos termos do artigo 17.°, n.° 2. Em consequência, H. Lennartz apenas beneficiaria da eventual invalidade da regra em causa se tivesse a possibilidade de apresentar, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, um pedido retroactivo de dedução do imposto a montante, ao abrigo da legislação alemã adoptada em conformidade com o artigo 18.°, n.° 3, da Sexu Directiva.

    25

    No entanto, dado que o tribunal nacional suscita expressamente a questão de exigência de uma utilização mínima ao serviço da empresa, há que verificar se a medida em questão pode conduzir à recusa do direito à dedução na hipótese de utilização efectiva, ainda que limitada, dos bens de investimento ao serviço das actividades económicas de um sujeito passivo.

    26

    Para responder à questão levantada pelo tribunal nacional, há que salientar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 6.° da Sexta Directiva, a utilização de um bem afecto à empresa para o uso privado do sujeito passivo ou para fins estranhos à sua empresa, sempre que, esse bem deu direito a uma dedução completa ou parcial do IVA, é equiparada às prestações de serviços efectuadas a título oneroso. Resulta do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), conjugado com o artigo 11.°, letra A, n.° 1, alínea c), que deve considerar-se que um sujeito passivo que adquire um bem por ele parcialmente utilizado para fins privados efectua a título oneroso uma prestação de serviços tributada com base no montante das despesas efectuadas para a execução da prestação de serviços. Em consequência, deve considerar-se que um particular que utiliza um bem em parte para os fins de operações profissionais tributáveis e em parte para seu uso privado, e que, no momento da aquisição do bem, beneficiou total ou parcialmente da dedução do IVA pago a montante, utiliza o bem exclusivamente para os fins das próprias operações tributáveis, na acepção do artigo 17.°, n.° 2. Em consequência, tal particular dispõe em princípio de um direito à dedução total e imediata do imposto devido a montante pela aquisição dos bens.

    27

    As disposições relativas à determinação da percentagem da dedução do imposto a montante a conceder, constantes do artigo 17.°, n.° 5, dizem apenas respeito ao ajustamento posterior à dedução inicial. Como salientou o Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de Setembro de 1988, Comissão/França, n.os 16 e 17 (50/87, Colect., p. 4797), resulta do regime estabelecido pela Sexta Directiva, e, designadamente, das disposições dos artigos 4.° e 17.°, que, na falta de qualquer disposição que autorize os Estados-membros a limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante. Dado que tais limitações devem aplicar-se de forma análoga em todos os Estados-membros, apenas são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela referida directiva.

    28

    Dado que não existe qualquer disposição que exclua o direito à dedução quando a utilização de bens para os fins de actividades económicas não atinge um determinado nível, e dadas as disposições expressas dos artigos 17.°, n.° 5, alínea e), e 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva, nada permite interpretar o artigo 17.° no sentido de que contém implicitamente uma tal regra.

    29

    Deve assim concluir-se que os Estados-membros não estão autorizados a limitar o direito à dedução, mesmo quando a utilização de bens em actividades económicas é bastante limitada, a não ser que possam prevalecer-se de uma das derrogações previstas na Sexta Directiva.

    30

    O artigo 27.°, n.os 1 e 5, da Sexta Directiva, que integra o título XV («Medidas de simplificação»), prevê dois procedimentos para a autorização de medidas derrogatórias à directiva, podendo cada um deles em princípio aplicar-se à legislação nacional em causa.

    31

    No que respeita à aplicação do artigo 27.°, n.° 5, a Comissão publicou uma lista das medidas que lhe foram notificadas, nos termos desta disposição, no anexo I do seu primeiro relatório, de 14 de Setembro de 1983, relativo ao funcionamento do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, apresentado nos termos do artigo 34.° da Sexta Directiva [COM(83) 426 final]. Dado que a medida em questão nao constava da referida lista, parece que esta não terá sido notificada nos termos do artigo 27.°, n.° 5.

    32

    Relativamente ao artigo 27.°, n.° 1, depreende-se da resposta do Governo alemão a uma pergunta escrita do Tribunal de Justiça que este último não solicitou a autorização, nos termos desta disposição, dado que, em seu entender, a legislação impugnada não derroga a directiva. Esta argumentação é infirmada pelas respostas já anteriormente fornecidas.

    33

    Como o Tribunal de Justiça já decidiu, os Estados-membros têm a obrigação, em virtude do dever geral consagrado no artigo 189.°, terceiro parágrafo, do Tratado, de dar cumprimento a todas as disposições da Sexta Directiva. Na medida em que não foi estebalecida uma derrogação, nos termos do artigo 27.°, que impõe um dever de notificação aos Estados-membros, as autoridades fiscais nacionais não podem invocar contra um sujeito passivo uma disposição derrogatória do sistema da Sexta Directiva (ver acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, Direct Cosmetics, n.° 37, 5/84, Recueil, p. 617).

    34

    Dado que a medida em causa não foi nem notificada à Comissão, nos termos do artigo 27.°, n.° 5, nem autorizada por uma decisão do Conselho ao abrigo do artigo 27.°, n.° 1, o Governo alemão não pode prevalecer-se desta medida contra sujeitos passivos.

    35

    Deve assim responder-se ao tribunal nacional que um sujeito passivo que utiliza bens para os fins de uma actividade económica tem o direito, no momento da aquisição desses bens, de deduzir o imposto pago a montante, de acordo com o disposto no artigo 17.°, por mais reduzida que seja a sua utilização ao serviço da empresa. Uma regra ou uma prática administrativa que impõe uma restrição geral do direito à dedução no caso de a utilização ao serviço da empresa ser limitada, mas não obstante efectiva, constitui uma derrogação ao artigo 17.° da Sexta Directiva que apenas será válida se forem satisfeitas as exigências do artigo 27.°, n.° 1, ou do artigo 27.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

    Quanto às despesas

    36

    As despesas efectuadas pelos governos alemão, francês e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL O JUSTIÇA (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Finanzgericht München, por decisão de 24 de Janeiro de 1990, declara:

     

    1)

    O artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável, é aplicável quando um particular adquire bens de investimento na qualidade de sujeito passivo e os coloca ao serviço das suas actividades económicas, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva.

     

    2)

    A questão de saber se um sujeito passivo, num caso concreto, adquiriu bens para os fins das suas actividades económicas, na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva, é uma questão de facto que deve ser apreciada tendo em conta o conjunto das circunstâncias do caso concreto, entre as quais a natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a aquisição dos bens e a respectiva utilização para os fins das actividades económicas do sujeito passivo.

     

    3)

    Um sujeito passivo que utiliza bens para os fins de uma actividade económica tem o direito, no momento da aquisição desses bens, de deduzir o imposto pago a montante, em conformidade com o estabelecido no artigo 17.°, por mais reduzida que seja a percentagem da sua utilização ao serviço da empresa. Uma regra ou uma prática administrativa que imponha uma restrição geral do direito à dedução no caso de a utilização ao serviço da empresa ser limitada, mas não obstante efectiva, constitui uma derrogação do artigo 17.° da Sexta Directiva e apenas é válida se forem satisfeitas as exigências do artigo 25.°, n.° 1, ou do artigo 27.°, n.° 5, da Sexta Directiva.

     

    Mancini

    O'Higgins

    Kakouris

    Schockweiler

    Kapteyn

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Julho de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente da Sexta Secção

    G. F. Mancini


    ( *1 ) Lingua do processo: alemão.

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