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Document 61988CJ0362

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 7 de Março de 1990.
GB-INNO-BM contra Confédération du commerce luxembourgeois.
Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - Grand-duché de Luxemburgo.
Medidas de efeito equivalente - Proibição nacional de publicitar a duração e o antigo preço de uma oferta de venda.
Processo C-362/88.

European Court Reports 1990 I-00667

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:102

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-362/88 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

1. Enquadramento jurídico e factos do litígio a título principal

O artigo 8.° do regulamento grão-ducal de 23 de Dezembro de 1974, relativo à concorrência desleal (Memorial A 1974, p. 2392), alterado pelo regulamento grão-ducal de 17 de Dezembro de 1976 (Mémorial A 1976, p. 1458) e o regulamento grão-ducal de 22 de Dezembro de 1981 (Memorial A 1981, p. 2400), proíbe as ofertas de venda ou vendas a retalho integrando temporariamente uma redução de preços e praticadas fora das ocasiões de vendas especiais ou liquidações, quando as ofertas indiquem a respectiva duração ou façam referência a preços antigos.

Este regulamento luxemburguês bem como a lei de 27 de Novembro de 1986, entrada em vigor em 1 de Dezembro de 1986 (Memorial A 1986, p. 2214) e que substituiu essa regulamentação, dão uma definição precisa dos termos de vendas especiais ou liquidações.

A sociedade anónima belga, GB-INNO--BM, que explora supermercados «Super--GB» e «Maxi-GB» no território belga, distribuiu no Grão-Ducado do Luxemburgo folhetos plubicitários destinados à promoção de venda dos seus produtos. Esses anúncios, que eram idênticos aos distribuídos na Bélgica, integravam nomeadamente as seguintes ofertas :

reduções de preços limitadas no tempo (preços reduzidos válidos de quinta-feira 4 a terça-feira 9 de Setembro de 1976);

anúncio de preços reduzidos com referência ao preço antigo (iogurtes pelo preço de 48 BFR — preço riscado 78 BFR).

A publicidade contida nestes folhetos estava em conformidade com a legislação belga relativa à concorrência desleal. No Grão-Ducado do Luxemburgo, tratava-se de ofertas de venda fora das ocasiões de vendas especiais ou liquidações, na acepção das disposições luxemburguesas.

A associação sem fins lucrativos Confédération du commerce luxembourgeois (a seguir «CCL») citou a GB-INNO em processo de medidas provisórias perante o juiz que preside à secção do tribunal d'arrondissement do Luxemburgo, competente em matèria comercial. Por despacho de 7 de Novembro de 1986, este magistrado ordenou a cessação da distribuição de panfletos publicitários, postos em causa no território do Grão-Ducado do Luxemburgo, em virtude de serem contrários ao regulamento grão-ducal relativo à concorrência desleal, segundo o qual as ofertas que integrem uma redução de preço não devem conter indicação da duração da oferta nem referência aos preços antigos. Esse despacho foi confirmado pelo acórdão de 27 de Maio de 1987 da cour d'appel do Luxemburgo, competente em matéria comercial.

Contra este acórdão, a GB-INNO interpôs recurso de cassação junto da Cour supérieure de justice do Luxemburgo, actuando como Cour de cassation. Este tribunal rejeitou os dois primeiros fundamentos de cassação invocados pela GB-INNO, mas considerou que o artigo 8.° do regulamento grão-ducal de 23 de Dezembro de 1974, relativo à concorrência desleal levanta uma questão de interpretação de direito comunitário.

2. Questão prejudicial

A Cour de cassation do Grão-Ducado do Luxemburgo endereçou ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado, a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 30.°, o primeiro parágrafo do artigo 31.° e o artigo 36.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a legislação de um Estado-membro preveja que as ofertas ou as vendas a retalho com redução temporária dos preços e praticadas fora das épocas de vendas especiais ou liquidações só sejam autorizadas desde que as ofertas não indiquem a sua duração e não seja feita qualquer referência aos antigos preços?»

3. Tramitação processual

O despacho de reenvio de 8 de Dezembro de 1988 foi registado na Secretaria do Tribunal em 14 de Dezembro de 1988.

Em conformidade com o artigo 20.° do protocolo relativo ao estatuto CEE do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações :

em representação da sociedade anónima constituída ao abrigo do direito belga, GB-INNO-BM, recorrente em cassação, por Nicolas Decker, avocat-avoué no foro do Luxemburgo, e Antoine de Bruyn, advogado na Cour de cassation de Belgique, Louis van Bunnen e Michel Mahieu, advogados no foro de Bruxelas,

em representação da associação sem fins lucrativos Confédération du commerce luxembourgeois, recorrida em cassação por Yvette Hamilius, avocat-avoué no foro do Luxemburgo,

em representação do Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo, por Alain Gross, avocat-avoué no foro do Luxemburgo,

em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Dr. Martin Seidel e Dr. Horst Teske, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Christine Be-rardis-Kayser, membro do seu serviço jurídico.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu atribuir o processo à Sexta Secção e iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia.

II — Resumo das observações escritas

Âmbito de aplicação do artigo 30.° do Tratado

A GB-INNO e a Comissão alegam que as exigências da legislação luxemburguesa constituem uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo artigo 30.° do Tratado.

Lembram que, de acordo com o acórdão do Tribunal de 15 de Dezembro de 1982, Oosthoek, n.° 15 (268/81, Recueil 1982, p. 4575), uma legislação nacional que limite ou proíba certas formas de publicidade e certos meios de promoção de vendas pode ser susceptível de restringir o volume das importações pelo facto de afectar as possibilidades de comercialização para os produtos importados. O facto de o operador em causa ser forçado ou a adoptar sistemas diferentes de publicidade ou de promoção de vendas em função dos Estados-membros em causa ou a abandonar um sistema que julga particularmente eficaz, pode constituir um obstáculo às importações, mesmo que tal legislação se aplique indistintamente aos produtos nacionais e importados.

A GB-INNO e a Comissão entendem que a noção de comércio intracomunitário engloba a venda a retalho em regiões fronteiriças aos residentes de outro Estado-membro. A regulamentação em litígio tem por efeito entravar esse comércio, nomeadamente num caso, como o que está em apreço, que atinge as regiões fronteiriças.

A CCL, o Governo alemão e o Governo luxemburguês observam que a regulamentação nacional em litígio não proíbe nem a venda nem a importação de mercadorias ou de certos produtos determinados. Visa somente meios publicitários que façam referência ao antigo preço de um produto em promoção ou à duração de uma oferta de venda.

Dado que a venda de mercadorias pela GB-INNO é feita exclusivamente em território belga, não haveria também um entrave ao comércio intracomunitário. O artigo 30.° do Tratado CEE não é por isso aplicável.

O Governo alemão acrescenta que o Tribunal declarou, no acórdão de 31 de Março de 1982, Blesgen (75/81, Recueil 1982, p. 1211), que o artigo 30.° do Tratado não proíbe medidas de comercialização que se apliquem indistintamente aos produtos nacionais e importados, que não tenham na realidade ligação com a importação de mercadorias e que não sejam por isso susceptíveis de entravar o comércio intracomunitário. Se é verdade que resulta do acórdão Oosthoek, já referido, que regulamentações nacionais relativas à publicidade podem, em certos casos, cair sobre a alçada do artigo 30.°, nenhum elemento é susceptível de prejudicar as possibilidades de comercialização dos produtos considerados de uma forma que afecte as trocas.

A CCL sustenta, além disso, que, não contendo a questão prejudicial qualquer elemento relativo à importação de produtos, o Tribunal não é competente para resolver o problema apresentado pelo tribunal de reenvio. Há, por isso, que recordar que o Tribunal declarou no acórdão de 13 de Março de 1980, Foglia (104/79, Recueil 1980, p. 745), que a função que lhe é confiada pelo artigo 177.° do Tratado consiste em fornecer a todo o órgão jurisdicional da Comunidade os elementos de interpretação do direito comunitário que lhe sejam necessários para a solução de litígios reais que lhe sejam submetidos.

A justificação e a proporcionalidade da regulamentação em litígio

A GB-INNO e a Comissão observam que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal (acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Cassis de Dijon, 120/78, Recueil 1979, p. 649), os obstáculos à livre circulação de mercadorias resultantes das disparidades de regulamentações nacionais devem ser admitidos na medida em que essas regulamentações, indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e importados, se afiguram necessárias para satisfazer exigências imperativas atinentes, entre outras coisas, à defesa dos consumidores e à transparência das transacções comerciais. No processo Oosthoek, já referido, o Tribunal estabeleceu que uma regulamentação que limite certas formas de publicidade e certos meios de promoção de vendas pode configurar uma tal medida. Segundo este acórdão, a proibição nacional pode ser justificada em virtude de prémios em espécie serem susceptíveis de induzir em erro os consumidores quanto aos preços reais dos produtos e falsear assim as condições de uma concorrência baseada na competitividade. A proibição não deve ultrapassar o que seja necessário para atingir os objectivos legítimos resultantes da protecção do consumidor e da lealdade nas transacções.

A GB-INNO e a Comissão procedem à comparação de disposições luxemburguesas em litígio com o direito em matéria de publicidade de ofertas de venda em outros Es-tados-membros, com vista a verificar se a regulamentação luxemburguesa não deve ser considerada como excessiva ou desproporcionada.

O direito belga prevê que uma redução de preços com indicação de ambos os preços, o preço antigo e o preço reduzido, é legal na medida em que o preço de referência é o preço habitualmente praticado no mês precedente à redução. Quanto à duração da oferta, deve indicar-se a data a partir da qual o preço reduzido se aplica; é permitido ao comerciante indicar a duração da oferta.

Em França, o antigo preço riscado ou a percentagem da redução deve ser indicada, tal como a duração da oferta. O comerciante não pode aumentar o seu preço exacto antes de anunciar uma redução.

Está em preparação uma lei espanhola segundo a qual se deve indicar, para as ofertas especiais e os saldos anuais, o antigo e o novo preço.

O Trade Descriptions Act 1968 restringe no Reino Unido as indicações enganosas tendentes a fazer acreditar que o preço de um bem é inferior a um preço recomendado ou a um preço de referência.

A República Federal da Alemanha é o único Estado-membro a proibir a comparação de preços, na sequência de uma alteração da lei sobre concorrência desleal, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1987. As novas disposições proíbem a comparação dos preços para os produtos que são objecto de ofertas com uma redução de preço nominal ou sob a forma de uma percentagem de redução, dando assim a impressão de que os preços superiores foram praticados antes.

A GB-INNO e a Comissão deduzem deste apanhado que certas legislações de outros Estados-membros têm por ponto comum autorizar a indicação dos dois preços desde que o preço de referência seja de facto o preço realmente praticado, mesmo que as soluções consagradas sejam diferentes no que toca à definição do preço de referência. Além disso, a nova lei luxemburguesa, a de 1986, admitiria a mesma ideia, pois que o seu artigo 4.° refere que «os preços em saldos devem ser realmente inferiores aos preços habitualmente exigidos pelo vendedor para os mesmos artigos», sem proibir uma comparação de preços. Tal atitude do legislador seria compreensível, dado que a referência ao preço antigo é uma informação de interesse, até determinante para o consumidor. Quando essa informação é exacta e transparente, constitui um elemento de protecção complementar do consumidor e favorece o jogo de uma concorrência leal. Além disso, soluções alternativas poderiam ser encaradas para evitar a prática enganosa dos preços de referência exagerados. Uma definição geral do preço de referência pode ser útil para guiar o tribunal na apreciação de tal regulamentação.

A proibição da indicação da duração de uma oferta especial, tendo o objectivo legítimo de evitar a confusão entre as ofertas com redução de preço e as vendas especiais regulamentadas, que são limitadas no tempo, é igualmente desproporcional: o risco de confusão entre os dois tipos de vendas parece, com efeito, muito limitado. Em contrapartida, a proibição de indicar a duração seria susceptível de desconcertar o consumidor que não pode saber durante que período a oferta especial é válida.

A GB-INNO acrescenta que a legislação luxemburguesa afecta seriamente a possibilidade de os armazéns comerciais belgas, estabelecidos nas regiões fronteiriças, comercializarem os seus produtos no Grão-Ducado do Luxemburgo. Observa que redigiu a sua publicidade em plena conformidade com as disposições do direito belga, que têm em conta o interesse dos consumidores. A regulamentação luxemburguesa constitui em si um obstáculo às trocas intracomunitárias. Pouco importa que os seus efeitos se afigurem reduzidos, pois qualquer entrave à importação, mesmo pouco importante, é suficiente para poder qualificar a medida nacional em questão de medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa.

A CCL lembra que, em conformidade com o acórdão de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked (58/80, Recueil 1981, p. 181), o Tribunal reconheceu como compatíveis com o direito comunitário certas regulamentações que poderiam constituir um entrave ao comércio intracomunitário, mas que são consideradas por um Estado-membro como sendo necessárias para assegurar a defesa dos consumidores e a transparência das transacções comerciais.

As proibições em litígio justificam-se pela necessidade de identificar, aos olhos do consumidor, as vendas temporárias especiais ou liquidações, que são precisamente limitadas no tempo, e proteger o consumidor que não pode controlar a realidade e a veracidade dos antigos preços indicados. A nível comunitário, o Conselho reconheceu essas exigências em 1975 e 1981 pela adopção de programas relativos a uma política de protecção e de informação dos consumidores.

Em seguida, a CCL salienta que, segundo o acórdão de 17 de Março de 1983, De Kikvorsen, n.os 11 e 12 (94/82, Recueil 1983, p. 947), a protecção dos consumidores pode incluir a proibição de dar certas informações sobre um produto, nomeadamente quando essas informações podem induzir o consumidor em erro. Aliás, a CCL é de opinião que cabe ao tribunal nacional examinar se certas informações se arriscam a criar urna confusão junto do consumidor, como o fez o tribunal de primeira instância e o tribunal de apelação nos casos em apreço.

Por fim, a CCL observa que, de forma geral, o consumidor deve ser protegido contra um sobreconsumo e contra a pressão psicológica exercida pelas ofertas de venda a preços supostamente reduzidos. Conclui que as disposições luxemburguesas em litígio são conformes aos artigos 30.° e seguintes do Tratado.

O Governo luxemburguês observa que a regulamentação luxemburguesa se justifica pelos objectivos de protecção dos consumidores, como o Tribunal o declarou no acórdão Oosthoek, já referido, enquanto este processo, contrariamente ao do caso aí em apreço, dizia respeito a um verdadeiro problema de importação.

A proibição de qualquer referência ao antigo preço foi introduzida para evitar, por um lado, que o comerciante utilize a venda a preços reduzidos para organizar uma verdadeira venda disfarçada em saldo, fora dos períodos legais admitidos, e, por outro, que um controlo sobre a realidade do preço anterior não se torne necessária. O Governo luxemburguês quis assim sanear o mercado limitando de forma restritiva todas as práticas comerciais susceptíveis de lesar o consumidor e de perturbar o jogo normal da concorrência. Com efeito, o interesse do consumidor não é salvaguardado pela multiplicação dessas práticas comerciais, que conduzem a aumentar, em tempo normal, a margem de lucro correlativamente à perda sofrida por ocasião das vendas especiais.

O Governo alemão entende que as condições que permitem justificar a regulamentação em causa estão reunidas. Com efeito, as disposições em litígio são indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e aos produtos importados, e fazem parte de um domínio jurídico em que não existe ainda uma harmonização das legislações, ainda que se justifiquem pelas exigências imperativas nomeadamente no domínio da concorrência. Com efeito a regulamentação nacional em questão visa essencialmente organizar a concorrência: não é necessário que um concorrente possa, por vendas que saem do comércio regular, comunicar ao público a apresentação de certas vantagens e garantir-se assim um avanço sobre os seus concorrentes. Tal situação arriscaria a provocar ofertas mais vantajosas, de parte a parte, que não seriam rentáveis. Ao mesmo tempo, o consumidor seria protegido contra o incitamento à compra assim provocado.

A proibição de fazer referência ao preço antigo é necessária, porque é impossível para o consumidor verificar a comparação entre os antigos e os novos preços.

O Governo alemão é de opinião que semelhante regulamentação, justificada por imperativos de transparência no comércio, não é desproporcionada em relação a este objectivo mesmo que os sistemas nacionais sejam diferentes. No processo Oosthoek, o Tribunal declarou que uma proibição neerlandesa era compatível com o princípio da livre circulação de mercadorias, mesmo que não exista proibição análoga na Bélgica.

Ademais, no preâmbulo da Directiva 84/450, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa QO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55), o Conselho afirmou que aos Esta-dos-membros assiste o direito de adoptar disposições que visem assegurar uma protecção mais ampla dos consumidores.

O Governo alemão acrescenta que, desde 1 de Janeiro de 1987, a legislação alemã conhece disposições comparáveis às do direito luxemburguês.

III — Conclusão da Comissão

A Comissão propõe ao Tribunal que responda à questão prejudicial como se segue:

«O artigo 30.° do Tratado CEE opõe-se à aplicação por um Estado-membro de uma legislação que preveja que as ofertas de venda ou vendas a retalho que incluam temporariamente uma redução dos preços e praticadas fora das épocas de vendas especiais ou liquidações são autorizadas apenas na condição de as ofertas não indicarem a sua duração e de nenhuma referência ser feita aos preços antigos, desde que essa legislação vise da mesma forma os produtos a importar provenientes de um outro Estado-membro onde constituem objecto de uma oferta de venda legal.»

T. Koopmans

Juiz relator


( *1 ) Lingua do processo: francês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Sexta Secção)

7 de Março de 1990 ( *1 )

No processo C-362/88,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pela Cour de cassation do Grão-Ducado do Luxemburgo e destinado a obter no processo pendente perante esse órgão jurisdicional entre

GB-INNO-BM, sociedade constituída ao abrigo do direito belga, com sede em Bruxelas,

e

Confédération du commerce luxembourgeois, associação sem fins lucrativos, com sede no Luxemburgo,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE,

O TRIBUNAL (Sexta Secção),

constituído pelos Srs. C. N. Kakouris, presidente de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins e M. Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral: C. O. Lenz

secretário: D. Louterman, administradora principal

vistas as observações apresentadas:

em representação da sociedade anónima, constituída ao abrigo do direito belga, GB-INNO-BM, recorrente em cassação, por Nicolas Decker, avocat-avoué no foro do Luxemburgo, Antoine de Bruyn, advogado na Cour de cassation da Bélgica, Louis van Bunnen e Michel Mahieu, advogados no foro de Bruxelas,

em representação da associação sem fins lucrativos Confédération du commerce luxembourgeois, recorrida em cassação, por Yvette Hamilius, avocat-avoué no foro do Luxemburgo,

em representação do Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo, por Alain Gross, avocat-avoué no foro do Luxemburgo,

em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Horst Teske, Martin Seidel e A. von Mühlendahl, na qualidade de agentes,

em representação do Governo da República Francesa, por G. de Bergues, na qualidade de agente,

em representação da Comissão, por Christine Berardis-Kayser, na fase escrita do processo, e E. White e H. Lehman, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 23 de Novembro de 1989,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 10 de Janeiro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por acórdão de 8 de Dezembro de 1988, chegado ao Tribunal em 14 do mesmo mês, a Cour de cassation do Grão-Ducado do Luxemburgo apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 30.°, 31.°, primeiro parágrafo, e 36.° do mesmo Tratado com vista a poder apreciar a compatibilidade com essas disposições de uma regulamentação nacional em matéria de publicidade comercial.

2

Essa questão foi suscitada no âmbito de um processo entre a Confédération du commerce luxemburgeois (a seguir «CCL»), associação sem fins lucrativos que declara representar os interesses dos comerciantes luxemburgueses, e a sociedade anónima belga GB-INNO-BM, que explora supermercados em território belga, entre outros locais, em Arlon, junto à fronteira belgo-luxemburguesa. Tendo a sociedade belga feito distribuir folhetos publicitários no território belga, bem como no território do Grão-Ducado, foi citada em processo de medidas provisórias perante um tribunal luxemburguês a pedido da CCL, que requereu que fosse ordenada a cessação da distribuição dos folhetos em causa. A CCL alegou que a publicidade contida nos folhetos era contrária ao regulamento grão-ducal de 23 de Dezembro de 1974 relativo à concorrência desleal (Memorial A 1974, p. 2392), segundo o qual as ofertas de venda que integram uma redução de preços não devem conter nem indicação da duração da oferta nem referência aos preços antigos.

3

O presidente da secção comercial do tribunal d'arrondissement do Luxemburgo deu seguimento ao pedido formulado no processo de medidas provisórias, considerando que a distribuição dos folhetos em causa constituía uma oferta de venda, proibida pelo regulamento grão-ducal de 1974, bem como uma prática desleal violadora do mesmo regulamento. Após confirmação deste despacho pela Cour d'appel, a GB-INNO-BM interpôs recurso de cassação. Sustentou que a publicidade contida nos panfletos era conforme às disposições belgas em matéria de concorrência desleal e que seria, por isso, contrário ao disposto no artigo 30.° do Tratado CEE aplicar-lhe as disposições previstas pela regulamentação luxemburguesa.

4

A Cour de cassation suspendeu a instância até que o Tribunal se pronuncie a título prejudicial sobre a seguinte questão:

«O artigo 30.°, o primeiro parágrafo do artigo 31.° e o artigo 36.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a legislação de um Estado-membro preveja que as ofertas de venda ou as vendas a retalho com redução temporária dos preços e praticadas fora das épocas de vendas especiais ou liquidações só sejam autorizadas desde que as propostas não indiquem a sua duração e não seja feita qualquer referência aos antigos preços?»

5

Para mais ampla exposição dos factos e da tramitação do processo, bem como das observações apresentadas perante o Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

6

Convém examinar, a título preliminar, um argumento avançado pela CCL, bem como pelos governos alemão e luxemburguês. Ele consiste em sustentar que as disposições dos artigos 30.°, 31.° e 36.° do Tratado são estranhas ao objecto do litigio subjacente ao processo principal que diria respeito apenas à publicidade comercial sem pôr em causa a circulação de mercadorias entre Estados-membros. Aliás, a GB-INNO-BM venderia as suas mercadorias apenas em território belga.

7

Este argumento não pode ser acolhido. O Tribunal já considerou, no seu acórdão de 15 de Dezembro de 1982, Oosthoek's Uitgeversmaatschappij (286/81, Recueil 1982, p. 4575), que uma legislação que limite ou proíba certas formas de publicidade e certos meios de promoção de vendas, se bem que não condicione directamente as trocas, pode ser susceptível de restringir o volume destas pelo facto de afectar as possibilidades de comercialização.

8

Ora, a livre circulação de mercadorias diz respeito não somente ao comércio profissional mas igualmente aos particulares. Implica, nomeadamente nas regiões fronteiriças, que os consumidores residentes num Estado-membro possam dirigir-se livremente ao território de um outro Estado-membro com vista a nele se abastecerem, nas mesmas condições, que a população local. Esta liberdade dos consumidores fica comprometida quando o acesso à publicidade disponível no Estado de compra lhes é recusado. Por conseguinte, uma proibição de difusão de tal publicidade deve ser examinada com cuidado à luz do disposto nos artigos 30.°, 31.° e 36.° do Tratado.

9

Nestas condições, afigura-se que a questão prejudicial diz respeito à compatibilidade, com o artigo 30.° do Tratado, de um obstáculo à livre circulação de mercadorias resultante de disparidades entre regulamentações nacionais aplicáveis. Resulta, com efeito, dos autos que uma publicidade de ofertas de venda integrando uma redução de preços com indicação do período de duração da proposta e dos antigos preços é proibida pela regulamentação luxemburguesa, quando é admitida segundo as disposições em vigor na Bélgica.

10

A este propósito, convém recordar a jurisprudência constante do Tribunal segundo a qual, à falta de uma regulamentação comum da comercialização, os obstáculos à livre circulação intracomunitária resultantes de disparidades entre regulamentações nacionais devem ser admitidas, na medida em que a regulamentação em causa seja indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados e possa ser justificada pela necessidade de satisfazer exigências imperativas atinentes, entre outras, à defesa dos consumidores ou à transparencia das transacções comerciais (ver em particular os acórdãos de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe, 120/78, Recueil 1979, p. 649, e de 26 de Junho de 1980, Gilli e Andress, 788/79, Recueil 1980, p. 2071).

11

Segundo a CCL e o Governo luxemburguês, ambas as proibições em causa — a de indicar o período de duração de uma oferta especial e a de publicitar o antigo preço — são justificadas por razões de protecção dos consumidores. A proibição relativa à duração da oferta especial tem por finalidade evitar um risco de confusão entre as vendas especiais e os saldos semestrais, limitados no tempo pela regulamentação luxemburguesa. A proibição de fazer constar o antigo preço na oferta justificar-se-ia pelo facto de o consumidor não estar, normalmente, em condições de controlar a veracidade de um preço antigo de referência. Ademais, a afixação de um preço antigo poderia exercer sobre o consumidor uma pressão psicológica excessiva. O Governo alemão partilha, no essencial, este ponto de vista.

12

Este é contestado pela GB-INNO-BM, bem como pela Comissão, que assinala que o consumidor medianamente advertido sabe que os saldos anuais só são praticados dois meses por ano. No que toca à comparação de preços, a Comissão faz um apanhado das legislações nacionais na matéria, para daí deduzir que estas têm como ponto comum, excepção feita às disposições luxemburguesas e alemãs, autorizar a indicação de ambos os preços, desde que o preço de referência seja o preço realmente praticado.

13

Assim, levanta-se o problema de saber se uma legislação nacional que impede o consumidor de aceder a certas informações pode ser justificada pelo interesse da protecção dos consumidores.

14

Quanto a este ponto, há que recordar, em primeiro lugar, que a política comunitária na matéria estabelece uma ligação estreita entre a protecção e a informação do consumidor. É assim que o «programa preliminar» adoptado pelo Conselho em 1975 (JO C 92, p. 1) prevê a execução de uma política «de protecção e de informação dos consumidores». Por resolução de 19 de Maio de 1981 (JO C 133, p. 1), o Conselho aprovou um «segundo programa da Comunidade Económica Europeia para uma política de protecção e de informação dos consumidores», cujos objectivos foram confirmados pela resolução do Conselho de 23 de Junho de 1986, relativa às futuras orientações da Comunidade para a protecção e promoção dos interesses dos consumidores (JO C 167, p. 1).

15

A existência de uma ligação entre a protecção e a informação dos consumidores explica-se pelas «orientações gerais» do segundo programa. Elas sublinham que as medidas tomadas ou em vias de elaboração, em aplicação do programa preliminar, contribuem para melhorar a situação do consumidor protegendo a sua saúde, a sua segurança e os seus interesses económicos, fornecendo-lhe uma informação e uma educação adequadas e permitindo-lhe manifestar-se quanto às decisões que lhe dizem respeito. Estas mesmas medidas teriam também, muitas vezes, por efeito aproximar as condições de concorrência com as quais se devem conformar produtores ou distribuidores.

16

As orientações gerais do segundo programa especificam, em seguida, que o objectivo deste é prosseguir e aprofundar a acção empreendida e, nomeadamente, contribuir para a criação das condições de um melhor diálogo entre consumidores e produtores-distribuidores. Para este efeito, o programa define «cinco direitos fundamentais» do consumidor, entre os quais figura o «direito à informação e à educação». Uma das acções propostas no programa é a melhoria da educação e da informação dos consumidores (ponto 9, alínea D). A parte do programa que fixa os princípios que devem reger a protecção dos interesses económicos dos consumidores contém passagens que referem a exactidão das informações fornecidas ao consumidor sem, contudo, lhe recusar o acesso a certas informações. É assim que, segundo um dos princípios (ponto 28, n.° 4), nenhuma forma de publicidade deve induzir em erro o adquirente; todo o autor de uma publicidade deve estar em condições de «demonstrar por meios adequados a veracidade do que afirmou».

17

Há que recordar, em seguida, que, segundo a jurisprudência do Tribunal, uma proibição de importar certos produtos num Estado-membro é contrária ao artigo 30.° quando o objectivo prosseguido por tal proibição pode igualmente ser atingido por uma rotulagem do produto em causa que seja susceptível de fornecer as informações necessárias ao consumidor e permitir-lhe assim efectuar a sua escolha com perfeito conhecimento de causa (acórdãos de 9 de Dezembro de 1981, Comissão/Itália, 193/80, Recueil 1981, p. 3019, e de 12 de Março de 1987, Comissão/República Federal da Alemanha, 178/84, Colect. 1987, p. 1227).

18

Resulta do que precede que o direito comunitário em matéria de protecção dos consumidores considera a informação destes como uma das exigências principais. Por isso, o artigo 30.° do Tratado não poderá ser interpretado num sentido implicando que uma legislação nacional, que recusa o acesso dos consumidores a certas informações, possa ser justificada por exigências imperativas atinentes à protecção dos consumidores.

19

Por conseguinte, os obstáculos ao comércio intracomunitário resultantes de urna regulamentação nacional do tipo da que está em causa no litígio subjacente ao processo principal não poderão ser justificados por razões atinentes à protecção dos consumidores. São, portanto, abrangidos pela proibição estabelecida no artigo 30.° do Tratado. As excepções à aplicação dessa disposição que constam do artigo 36.° não lhes são aplicáveis neste caso; não foram, aliás, invocadas no decurso do processo perante o Tribunal.

20

Desde que se aplique o artigo 30.°, não é necessário interpretar o artigo 31.° do Tratado, igualmente invocado na questão prejudicial.

21

Convém, por isso, responder à questão apresentada que os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja aplicada a uma acção publicitária, que foi legalmente difundida num outro Estado-membro, uma regulamentação nacional contendo uma proibição de indicar, na publicidade comercial relativa a uma proposta especial de venda, a duração da proposta e o preço antigo.

Quanto às despesas

22

As despesas efectuadas pelo Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo, pelo Governo da República Federal da Alemanha, pelo Governo da República Francesa e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Sexta Secção),

pronunciando-se quanto à questão apresentada pela Cour de cassation do Grão-Ducado do Luxemburgo, por acórdão de 8 de Dezembro de 1988, declara:

 

Os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja aplicada a uma acção publicitária que foi legalmente difundida num outro Estado-membro uma regulamentação nacional integrando uma proibição de indicar, na publicidade comercial relativa a uma proposta especial de venda, a duração da proposta e o preço antigo.

 

Kakouris

Koopmans

Mancini

O'Higgins

Diez de Velasco

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 7 de Março de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Sexta Secção

C.N. Kakouris


( *1 ) Língua do processo: francês.

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