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Document 61988CJ0021

Acórdão do Tribunal de 20 de Março de 1990.
Du Pont de Nemours Italiana SPA contra Unità Sanitaria locale no 2 di Carrara.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale della Toscana - Itália.
Contratos de fornecimento de direito público - Reserva de 30% desses contratos para empresas situadas numa determinada região.
Processo C-21/88.

European Court Reports 1990 I-00889

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:121

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-21/88 ( *1 )

I — Enquadramento jurídico

1. Disposições jurídicas nacionais

1.

Os factos que estão na origem do litígio no processo principal respeitam, essencialmente, à regulamentação jurídica italiana que reserva às empresas implantadas nas regiões do Mezzorgiorno uma percentagem dos contratos de fornecimento de direito público.

2.

O princípio da «reserva» aparecia já no Decreto-Lei CPdS n.° 40, de 18 de Fevereiro de 1947, que autorizava a administração nacional a abastecer-se até 1/6 dos fornecimentos em empresas situadas em certas regiões meridionais da Itália. Seguidamente, a Lei n.° 835, de 6 de Outubro de 1950, converteu esta faculdade em obrigação.

3.

A parte reservada foi confirmada e mantida em vigor pelas diferentes leis que regulamentaram a questão nas intervenções a favor do Mezzogiorno; em último lugar, a Lei n.° 64, de 1 de Março de 1986 (regulamentação orgânica da intervenção extraordinária no Mezzogiorno, doravante «Lei 64/86»), que dispôs neste sentido.

4.

O artigo 17.° desta lei dispõe, nos n.os 16 e 17, o seguinte:

«16.

A obrigação de reservar parte dos fornecimentos e serviços constante do n.o 1 do artigo 113.° do referido texto único é alargada a todas as adminstraçoes públicas, regiões, províncias, comunas, unidades sanitárias locais, comunas de montanha, sociedades e organismos de participação do Estado, universidades e estabelecimentos hospitalares autónomos.

17.

Estes organismos, empresas e administrações têm a obrigação de se abastecerem, em parte equivalente pelo menos a 30 % do material necessario, em empresas industriais, agrícolas e artesanais com estabelecimentos e instalações permanentes situadas nas zonas referidas no artigo 1.° do texto único referido, nelas devendo ter sido fabricados, ainda que parcialmente, os produtos pretendidos.»

5.

O texto único referido no artigo 17.° é o decreto do presidente da República n.° 218, de 6 de Março de 1978 (texto único das leis sobre o Mezzogiorno), cujo artigo 13.°, n.° 1, impunha a certas administrações a reserva, em cada ano orçamental, de uma parte de 30 % dos contratos de fornecimentos de direito público e de prestações de serviços, à excepção dos tecnicamente não divisíveis, a empresas com sede, ou, em qualquer caso, estabelecimentos, no Mezzogiorno e com as necessárias capacidades técnicas.

6.

A Lei 64/86 alargou nitidamente o alcance do n.° 1 do artigo 113.° já referido, por um lado, ampliando a obrigação de reserva de parte dos contratos de fornecimento de direito público originalmente não previstos, entre os quais as unidades sanitárias locais (USL), e, por outro, impondo esta obrigação (não mais mas pelo menos 30 %) a favor não apenas das empresas industriais mas também das agrícolas e artesanais, e ao impor, como condição mínima, ter estabelecimentos nas zonas abrangidas, nestas realizando a transformação, ainda que parcial, dos produtos considerados.

2. Regulamentacăo comunitária

7.

Sobre esta matéria, o Conselho adoptar a Directiva 77/62/CEE, de 21 de Dezembro de 1976, «relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público» (JO L 13, p. 1; EE 17 Fl p. 29) (doravante «Directiva 77/62»), com o objectivo de eliminar as restrições à livre circulação das mercadorias contrárias ao artigo 30.° do Tratado de Roma, no domínio dos contratos de fornecimento de direito público.

O seu artigo 26.° dispõe:

«A presente directiva não impede a aplicação das disposições em vigor à data da sua adopção, que figuram na lei italiana n.° 835 de 6 de Outubro de 1950 (GURI n.° 245 de 24.10.1950) bem como das suas sucessivas alterações, sem prejuízo da compatibilidade dessas disposições com o Tratado.»

8.

Nos termos do artigo 16.° da Directiva 88/295/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1988, que altera a Directiva 77/62/CEE, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos de fornecimento de direito público e revoga certas disposições da Directiva 80/767/CEE (JO L 127, p. 1), o texto do citado artigo 26.° é substituído pelo seguinte:

«Artigo 26.°

1.   A presente directiva não prejudica, até 31 de Dezembro de 1992, a aplicação das disposições nacionais em vigor cujo objectivo seja reduzir as diferenças entre as diversas regiões e promover o emprego nas regiões menos favorecidas ou afectadas por dificuldades no sector industrial, desde que essas disposições sejam compatíveis com o Tratado e com as obrigações internacionais da Comunidade.

2.   ...»

II — Factos e tramitação do processo principal

O litígio no processo principal surgiu na sequência de uma medida da Unità sanitaria locale n.° 2 di Carrara (Centro Sanitário Local, doravante «USL»), de 3 de Junho de 1986, que estabelecia as condições de concurso limitado para fornecimento de películas e líquidos de radiologia, distinguindo, no caderno especial de encargos anexo, dois lotes de fornecimentos, um deles, igual a 30 % do montante global, reservado às empresas situadas no Mezzogiorno.

No recurso n.° 2026/86, notificado em 16 e 17 de Setembro de 1986 e apresentado no tribunale amministrativo regionale della Toscana, a sociedae Du Pont De Nemours Italiana SpA impugnou aquele acto com o fundamento de que o sistema da reserva de uma parte dos contratos de fornecimento de direito público e de obras públicas previsto no n.° 1 do artigo 113.° do DPR n.° 218, de 6 de Março de 1978, e a alteração introduzida pelo artigo 17.°, n.os 16 e 17, da Lei 64/86 eram incompatíveis com os artigos 3.°, 7.°, 8.°, 30.°, 31.°, 32.° 59.° e 62.° do Tratado e com a Directiva 77/62 do Conselho.

A USL procedeu entretanto à adjudicação do lote de 70 % pela Decisão n.° 1044, de 15 de Julho de 1986, que a sociedade Du Pont De Nemours Italiana SpA impugnou no recurso n.° 3491/86 para o TAR de Toscana, notificado em 20 e 24 de Novembro de 1986, invocando os mesmos fundamentos do primeiro.

A sociedade 3M Itália, com interesse na solução do litígio, na medida em que era adjudicatária do lote de 30 %, pediu para intervir em apoio da recorrida. A sociedade Du Pont de Nemours Deutschland GmbH interveio em seguida em apoio da posição da recorrente.

No quadro do exame dos fundamentos do recurso invocados pela sociedade Du Pont de Nemours, o TAR de Toscana considerou útil pedir ao Tribunal uma decisão a título prejudicial. O juiz nacional, ainda que não tivesse formulado questões precisas, suscitou os seguintes pontos:

1)

O artigo 30.° do Tratado, que proíbe as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação nacional em causa?

2)

A obrigação de reservar parte das aquisições previstas no artigo 17.° da Lei n.° 64, de 1 de Março de 1986, reveste as características de «auxílio» nos termos do artigo 92.°, na medida em que se destine a «promover o desenvolvimento económico» de uma região em que «o nível de vida seja anormalmente baixo», através da instalação de empresas de molde a contribuir para o desenvolvimento económico-social de tais regiões?

3)

O artigo 93.° do Tratado atribui em exclusivo à Comissão a apreciação da compatibilidade dos auxílios referidos no artigo 92.° ou essa função incumbe igualmente ao juiz nacional quando se verifique eventual conflito da lei nacional com as normas do sistema jurídico comunitário?

A decisão de reenvio foi registada na Secretaria do Tribunal em 20 de Janeiro de 1988.

Nos termos do artigo 20.° do protocolo relativo ao estatuto do Tribunal, foram apresentadas observações escritas pela recorrente no processo principal, apoiada pela sociedade Du Pont de Nemours Deutschland GmbH, ambas representadas por G. P. Zanchini e M. Siragusa, advogados em Roma, e por G. Scassellati Sforzolini, procuratore do foro judicial de Bolonha; pela sociedade 3M Italia SpA, admitida a intervir no processo principal, representada por E. A. Raffaelli, C. Rucellai e C. Lessona, advogados em Florença; pelo Governo da República Italiana, representado por P. G. Ferri, na qualidade de agente; e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Berardis, na qualidade de agente.

Com base no relatório do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem diligências de instrução prévias.

III — Observações escritas apresentadas no Tribunal

1.

A recorrente no processo principal entende, em relação ao primeiro ponto, que resulta da jurisprudência do Tribunal que a proibição estabelecida pelo artigo 30.° se aplica a qualquer regulamentação de um Estado-membro susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário, quer tal regulamentação nacional se aplique apenas aos produtos importados quer também aos produtos nacionais.

Sustenta seguidamente que as disposições do artigo 17.°, n.os 16 e 17, da Lei 64/86 constituem uma medida discriminatória de efeito equivalente a uma restrição quantitativa na medida em que impedem as administrações e organismos públicos ou com participação do Estado de adquirir mercadorias provenientes de outras partes do mercado comum.

A este respeito, sustenta que resulta de jurisprudência constante do Tribunal que qualquer discriminação baseada na origem das mercadorias e no lugar da sua transformação viola o artigo 30.°

Por outro lado, Du Pont de Nemours considera que não é possível aplicar ao caso em apreço uma das excepções ao artigo 30.° previstas no artigo 36.°, dado que o Tribunal sempre excluiu que esta disposição pudesse ser invocada para justificar medidas de natureza económica e também não se poderem justificar as medidas restritivas em causa com base nas «exigências imperativas» enumeradas pela jurisprudência do Tribunal, uma vez que estas não são aplicáveis a medidas de carácter discriminatório.

No entender da recorrente, o sistema da parte reservada dos contratos de fornecimento de direito público previsto na Lei 64/86 é contrário à Directiva 77/62. Esta, aplicando os princípios superiores do Tratado, proíbe qualquer discriminação, seja fundada na origem do produto a fornecer, seja no lugar onde o eventual fornecedor esteja estabelecido.

Alega que, além disso, não se pode invocar o artigo 26.° da Directiva 77/62 para justificar a parte reservada do fornecimento. Este artigo, diz, dispõe simplesmente que a directiva não se opõe à aplicação das disposições da Lei n.° 835/50, sem prejuízo da compatibilidade dessas disposições com o Tratado.

Sustenta que, mais ainda, na medida em que a parte reservada engloba não apenas os fornecimentos de produtos mas também as prestações de serviços, o artigo 17.° da Lei 64/84 viola o artigo 59.° do Tratado na medida em que reserva às empresas do Mezzogiorno parte importante dos fornecimentos necessários, discriminando claramente os potenciais fornecedores instalados noutras regiões da Itália ou noutros Estados-membros.

No que respeita ao segundo ponto suscitado pelo juiz a quo, lembra que, segundo jurisprudência constante do Tribunal, o artigo 92.° não pode servir para iludir a proibição prevista no artigo 30.° Além disso, considera muito duvidoso, ou mesmo excluído, que a reserva de fornecimentos públicos a favor das empresas do sul possa revestir a natureza de um auxílio. Efectivamente, segundo ela, a circunstância de as disposições relativas à parte reservada de fornecimentos poderem ter como finalidade desenvolver a actividade de produção do Mezzogiorno, não permite necessariamente a sua qualificação como auxílio do Estado regido pelos artigos 92.° e seguintes do Tratado.

Na hipótese de a reserva de fornecimentos ser considerada assimilável a um auxílio do Estado, na acepção do n.° 1 do artigo 92.°, a recorrente esclarece que tal «auxílio» não reveste as características necessárias para ser considerado compatível com o mercado comum nos termos do n.° 3 do mesmo artigo.

Em apoio deste argumento, Du Pont de Nemours reporta-se aos critérios aplicados pela Comissão para ajuizar da compatibilidade com o mercado comum de dado regime de auxílios publicados em comunicação de 3 de Fevereiro de 1979 (JO C 31 p. 9).

Por estes fundamentos, Du Pont de Nemours pede que o Tribunal se digne declarar que a parte reservada dos contratos de fornecimento de direito público e de obras públicas prevista no artigo 17.° da Lei 64/86 não deve qualificar-se de auxílio financeiro às empresas, na acepção do artigo 92.°, mas antes ser considerada medida discriminatória destinada a orientar a procura para produtos nacionais, e, como tal, incursa no âmbito do disposto no artigo 30.°

A título subsidiário, a recorrente pede que o Tribunal se digne declarar que, não podendo o artigo 92.° servir, em caso algum, para escapar às disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias, o facto de uma medida nacional poder eventualmente ser qualificada de auxílio não constitui fundamento bastante para a subtrair à proibição estabelecida pelo artigo 30.°

Subsidiariamente a este pedido, que o Tribunal se digne declarar que um auxílio como a parte reservada dos contratos de fornecimento de direito público em favor de empresas localizadas no Mezzogiorno é incompatível com o mercado comum, nos termos do n.° 1 do artigo 92.° do Tratado e que tal auxílio não pode ser considerado compatível com o mercado comum nos termos da alínea a) do n.° 3 do seu artigo 92.°

Quanto ao terceiro ponto, a recorrente assinala que, como o Tribunal afirmou no acórdão de 22 de Março de 1977 (Steinike & Weinlig, 78/76, Recueil, p. 595), é incontestável que incumbe exclusivamente à Comissão ajuizar da compatibilidade de um projecto de auxílio, ainda que a sua decisão possa ser ulteriormente sujeita à apreciação do Tribunal, na sequência de recurso de anulação.

Segundo a recorrente, um órgão jurisdicional de um Estado-membro não pode, por conseguinte, conhecer da compatibilidade de um projecto de auxílio com o mercado comum, nos termos do artigo 92.°, pela razão de que, segundo a jurisprudência do Tribunal, este artigo não tem efeito directo.

No entanto, refere, tal não exclui que o juiz nacional possa ter de se pronunciar sobre a natureza de auxílio com determinada dimensão, a fim de verificar se foi concedido em violação das regras de procedimento constantes do n.° 3 do artigo 93.° A este respeito, a demandante considera que o Estado italiano violou duplamente esta disposição: a primeira vez, dando conhecimento de um plano de auxílios em 2 de Maio de 1986, isto é, após se ter tornado lei do Estado (1 de Março de 1986) e, assim, sem ser em forma de projecto nem em tempo útil para a Comissão poder formular observações, colocando-a, ao invés, perante um facto consumado; em segundo lugar, ao dar cumprimento à obrigação de reservar parte dos contratos de fornecimento de direito público antes de a Comissão ter tomado uma decisão definitiva sobre a sua compatibilidade com o mercado comum, a recorrente demonstra que esta violação foi cometida igualmente após a Comissão ter iniciado o procedimento interlocutòrio estabelecido no n.° 2 do artigo 93.°, não obstante, na notificação do início deste procedimento, ter chamado a atenção das partes para a produção de efeito suspensivo pela abertura do procedimento, de forma que os auxílios só podem ser concedidos se e quando a Comissão os tiver aprovado (comunicação de 29 de Setembro de 1987, JO C 259, p. 2).

A obrigação de não pôr em prática a medida projectada impender sobre o Estado italiano, mesmo posteriormente à publicação — ocorrida em 2 de Março de 1988 — da decisão não definitiva em que a Comissão se reservava o direito de analisar ulteriormente as disposições relativas à parte reservada.

Por outro lado, Du Pont de Nemours considera que a incompetência do juiz nacional para ajuizar se um auxílio deve ser aceite se estende também ao caso de a Comissão não se ter pronunciado sobre este ponto. Todavia, no caso em apreço, não se verificou esta omissão da parte da Comissão.

A recorrente conclui que, atento o modo como está prevista na Lei 64/86, a parte reservada entra na definição de um auxílio incompatível com o mercado comum, abrangido pelo disposto no n.° 1 do artigo 92.°, e não preenche as condições exigidas para ser autorizado com base no disposto no n.° 3 do mesmo artigo. Por estes fundamentos, Du Pont pede ao Tribunal a declaração de que um auxílio como o da parte reservada dos contratos de fornecimento de direito público não pode considerar-se compatível com o mercado comum.

2.

No entendimento da sociedade 3M Italia, autorizada a intervir em apoio da recorrida, para se poder responder à questão de saber se o artigo 30.° do Tratado se opõe à aplicação da «reserva» de fornecimentos em causa, é necessário, antes de mais, interpretá-lo tendo em conta o sistema do Tratado CEE. Aquela sociedade entende que esta disposição se destina a eliminar qualquer regulamentação comercial da parte dos Estados-membros susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário.

No entanto, no caso em apreço, afirma a 3M Italia, ainda que se admita que esta parte reservada possa ter influência nas trocas comerciais intracomunitárias, verifica-se que a regulamentação da referida reserva estende os seus efeitos limitativos tanto às empresas nacionais não situadas no Sul de Itália como às que tenham sede noutros Estados-membros da Comunidade. Esta regulamentação não traduz por isso vontade proteccionista, tendo antes por origem a exigência de contribuir para a eliminação do desequilíbrio económico social nas regiões italianas meridionais.

A interveniente sustenta que, neste contexto, não pode considerar-se automaticamente aplicável a proibição prevista no artigo 30.° Efectivamente, refere, resulta da jurisprudência do Tribunal que, mesmo medidas estatais objectivamente susceptíveis de restringir a liberdade das trocas comerciais podem considerar-se justificadas não apenas quando se verifiquem os fundamentos referidos no artigo 36.° mas também quando prossigam um fim de interesse geral que se sobreponha às exigências da livre circulação das mercadorais. Ora, no caso em apreço, a regulamentação italiana considerada visa atingir um fim de interesse geral não apenas do ponto de vista do Estado italiano mas igualmente do ponto de vista comunitário e isto mediante o reconhecimento expresso e repetido dos Estados-membros da Comunidade no seu conjunto.

A este respeito, a interveniente lembra o conteúdo do protocolo relativo à Itália anexo ao Tratado, salientando que, em definitivo, a regulamentação da reserva a favor das empresas meridionais, já em vigor à data da conclusão do Tratado, foi considerada como tendo por finalidade prosseguir o objectivo fundamental da Comunidade inscrito no artigo 2° do referido Tratado.

Entendo, por isso, que uma regulamentação nacional que vise corrigir os desequilíbrios estruturais da economia de algumas regiões, prosseguindo assim um fim de interesse comunitário, é de molde a derrogar as exigências da livre circulação de mercadorias e deve, por conseguinte, ser considerada compatível com o artigo 30.° do Tratado.

Segundo a 3M Itália, a parte reservada dos contratos de fornecimento de direito público faz parte dos auxílios destinados ao sul de Itália e entra na categoria dos previstos na alínea a) do n.° 3 do artigo 92.° Desta forma, declara, o Estado canaliza para as empresas meridionais receitas equivalentes ao valor de 30 % dos contratos de fornecimento de direito público.

A 3M Itália considera, por outro lado, que a parte reservada constitui um auxílio estadual e invoca, nesse sentido, o acórdão de 22 de Março de 1977, já referido, segundo o qual a proibição constante do n.° 1 do artigo 92.° abrange o conjunto dos auxílios concedidos pelos estados ou mediante recursos estaduais, sem haver que distinguir entre ajudas concedidas directamente pelo Estado ou por organismos públicos ou privados por ele instituídos ou designados para a gestão desses auxílios.

Quanto ao procedimento previsto no artigo 93.° do Tratado, a interveniente lembra que foi seguido, nomeadamente pela notificação pelo Governo italiano à Comissão do projecto referente à Lei 64/86 desde 2 de Janeiro de 1985 [Comunicação da Comissão (87)C-259/02, de 29 de Setembro de 1987, JO C 259, p. 2], tendo aquela iniciado o referido procedimento apenas em relação a algumas disposições da referida lei. No entanto, relativamente às disposições sobre a parte reservada contidas no artigo 17.° da mesma lei, a 3M sublinha que a Comissão não instaurou qualquer procedimento, limitando-se a afirmar que se reservava o direito de agir.

A 3M Italia entende que a ausência de decisão da Comissão, sobre esta matéria, considerando que tinha sido informada há mais de dois anos, equivale a uma aceitação tácita da legalidade do auxílio. Em apoio desta tese, a 3M Italia reporta-se ao acórdão de 11 de Dezembro de 1973, em que o Tribunal afirmou que o prazo em que a Comissão deve dar a conhecer a sua posição é de dois meses, por analogia com o disposto nos artigos 173.° e 175.° do Tratado.

Atentas as suas considerações, a 3M Italia conclui pedindo que o Tribunal se digne declarar que:

«1)

a proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas (artigo 30.° CEE) não impede uma regulamentação nacional que reserve determinada percentagem de pedidos de apresentação de propostas de fornecimentos públicos a empresas situadas em regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo, com o objectivo de facilitar o seu desenvolvimento, desde que esta medida tenha sido notificada à Comissão e esta não se tenha pronunciado em sentido negativo no prazo de dois meses;

2)

uma reserva de fornecimentos como a prevista no artigo 17.° da Lei italiana n.° 64, de 1 de Março de 1986, reveste as características de um auxílio nos termos da alínea a) do artigo 92.° do Tratado;

3)

o artigo 93.° do Tratado atribui em exclusivo à Comissão o encargo de apreciar a compatibilidade dos auxílios referidos no artigo 92.° do Tratado mas, no termo do prazo destinado ao exame preliminar (que pode ser fixado em dois meses por analogia com o de disposição contida nos artigos 173.° e 175.° do Tratado), o Estado-membro interessado pode pôr em prática o regime dos auxílios projectados;

4)

se a Comissão, informada por um Estado-membro da confirmação de um projecto de auxílios, se reserva o direito de decidir sobre a sua compatibilidade com o Tratado e prolongou, sem qualquer justificação, o prazo destinado ao exame do projecto, deve aceitar-se que ficou derrogada a proibição de impor restrições às trocas comerciais pelo menos até que a Comissão tome uma decisão negativa;

5)

um auxílio como a reserva prevista no artigo 17.°, n.os 16.° e 17.°, da lei italiana n.° 64/86, não é de molde a alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum ou a falsear ou ameaçar falsear a concorrência.»

3.

Do ponto de vista do Governo italiano, a parte reservada dos contratos de fornecimento de direito público prevista no artigo 17.° da Lei 64/86 reveste as características de um auxílio nos termos do artigo 92.° do Tratado, na medida em que se trata de uma disposição tomada pelo Estado, a vantagem é posta a cargo das administrações públicas e concedida a uma categoria de produtores delimitada pela localização da respectiva actividade.

No entender do mesmo Governo, a reserva, por revestir as características de auxílio, deve ser sujeita ao procedimento previsto no artigo 93.° do Tratado, o que significa que a decisão na Comissão não pode ser antecipada e substituída por acórdão do Tribunal nos termos do artigo 177.° do Tratado.

Tratando-se, por outro lado, de auxílios cuja legitimidade comunitária resulta da alínea a) do n.° 3 do artigo 92.°, observa que esta disposição, ao invés da constante da alínea c) seguinte, não sujeita a legalidade dos auxílios à condição de que «não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum». Tal significa que os auxílios dos estados destinados a favorecer o desenvolvimento das regiões subdesenvolvidas assumem, no quadro comunitário, um papel positivo primordial, não subordinado a outros objectivos da Comunidade.

Segundo o mesmo governo, ainda que a parte reservada dos contratos de fornecimento de direito público constitua uma medida de direito interno que favorece as empresas nacionais, não entra no campo de aplicação do artigo 30.° do Tratado, em virtude de apenas conceder preferência às empresas situadas em certas regiões, determinadas com base num critério objectivo e que assumem importância comunitária.

Além disso, declara, as medidas nacionais previstas no artigo 30.° do Tratado são as susceptíveis de criar discriminação entre os produtos nacionais e os produtos de outros Estados-membros. Tal não se verifica no caso em apreço, uma vez que o sistema da parte reservada concede uma posição privilegiada exclusivamente aos operadores estabelecidos no Mezzogiorno, abrangendo a situação de desvantagem todas as demais empresas comunitárias, incluindo as estabelecidas na Itália fora daquela região.

Efectivamente, refere, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, alínea k) da Directiva 70/50//CEE da Comissão, de 22 de Dezembro de 1969, para se estar perante uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, é necessário que os produtos atingidos o sejam enquanto produtos importados e que a preferência favoreça produtos nacionais.

4.

A Comissão começa por recordar a jurisprudência do Tribunal segundo a qual os incitamentos à compra de produtos nacionais constituem uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas, proibidas pelo artigo 30.° do Tratado, uma vez que são susceptíveis de restringir, directa, indirecta, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário. A mesma análise pode fazer-se, também segundo ela, quando uma regulamentação nacional preveja que as autoridades públicas reservem certas aquisições aos produtores nacionais.

A Comissão menciona, seguidamente, várias disposições da Directiva 70/32 da Comissão, de 17 de Dezembro de 1969, relativa ao fornecimento de produtos ao Estado, suas colectividades territoriais e pessoas colectivas de direito público, prevendo nomeadamente a supressão das disposições nacionais que reservem os fornecimentos aos produtos nacionais ou lhes concedam preferência diversa de um auxílio nos termos do artigo 92.° do Tratado.

A Comissão invoca ainda a Directiva 77/62 que parte do princípio de que as restrições à livre circulação das mercadorias aplicadas no domínio dos concursos públicos de fornecimentos são proibidas pelos artigos 30.° e seguintes do Tratado.

A luz do que precede, a Comissão pergunta se as disposições nacionais que, em matéria de contratos de fornecimento de direito público, reservam parte destes a empresas implantadas em regiões determinadas são medidas que, dado o seu caracter selectivo, constituem não medidas de efeito equivalente nos termos do artigo 30.°, mas antes auxílios, nos do artigo 92.°

A este respeito, a Comissão entende, por um lado, que estas disposições têm sobre as importações os mesmos efeitos que as que impõem uma parte reservada a favor de todos os produtores nacionais. Aliás, refere, a amplitude dos seus efeitos não depende do número de produtos favorecidos mas da importância das necessidades das autoridades públicas cuja satisfação por produtos importados é excluída, limitada ou tornada mais difícil.

Por outro lado, considera que, para efeitos da qualificação jurídica das disposições em causa, não há que ter em conta os objectivos prosseguidos pelos Estados-membros, por exemplo as políticas regionais ou sociais, uma vez que a livre circulação de mercadorias é princípio fundamental do Tratado, cuja violação só pode ser tolerada com base nos fundamentos referidos no artigo 36.° ou em qualquer das razões «imperativas» definidas pela jurisprudência do Tribunal: nem uns nem outras, no entender da Comissão, podem descortinar-se no caso em apreço.

Por outro lado, prossegue, a qualificação de medida de efeito equivalente de que aqui se trata não pode ser posta em causa apenas porque as reservas selectivas agem em detrimento não apenas dos produtos dos outros Estados-membros mas também dos produtos nacionais que delas não beneficiem. De facto, o elemento essencial desta qualificação é o efeito restritivo que se reflecte nas trocas comerciais.

Quanto à noção de auxílio nos termos do artigo 92.° do Tratado, a Comissão afirma que dele decorre, bem como da jurisprudência do Tribunal nesta matéria, que abrange não apenas prestações positivas concretizadas em pagamentos financeiros, mas também intervenções que aligeirem os encargos que pesam normalmente sobre o orçamento de uma empresa e que, por isso, sem serem subvenções no sentido estrito da palavra, são da mesma natureza e têm efeitos idênticos. Estas intervenções são realizadas graças ao emprego de recursos financeiros do Estado.

A Comissão acrescenta que não é concebível que o artigo 92.° proíba medidas já proibidas noutras disposições do Tratado. Conclui que, uma vez que o artigo 92.° proíbe os auxílios, deve tratar-se necessariamente de medidas diversas de direitos aduaneiros, taxas ou medidas de efeito equivalente. Por conseguinte, o campo de aplicação do artigo 92.° limita-se apenas às intervenções dos poderes públicos que envolvam um emprego de recursos financeiros do Estado a favor de empresas que deles beneficiam.

Daqui resulta, pois, segundo a Comissão, que as disposições italianas não podem considerar-se «auxílios» nos termos do artigo 92.°, uma vez que não abrangem, nem directa nem indirectamente, o emprego de recursos financeiros do Estado, que nada mais faz do que impor ao sector público a obrigação de se abastecer em determinadas empresas, limitando dessa forma a possibilidade de procurar os fornecimentos noutras. Além disso, assinala a Comissão, o dinheiro dispendido pelo Estado em tais casos apenas representa o preço pago pela mercadoria adquirida nas condições do mercado. Não se trata, pois, de uma liberalidade, mas de uma contraprestação.

Por conseguinte, considera que as medidas italianas em causa constituem um obstáculo directo à importação de produtos concorrentes e não «auxílios» nos termos do artigo 92.° do Tratado.

Para o caso de estas medidas poderem ser consideradas um auxílio nos termos do artigo 92.°, a Comissão sustenta que esta hipótese não imporia necessariamente a sua consideração como compatíveis com o artigo 30.° Apoia-se, para o efeito, na jurisprudência constante do Tribunal, que vai desde o acórdão de 22 de Março de 1977 (Iannelli & Volpi, 74/76, Recueil, p. 557) até ao de 5 de Junho de 1986 (Commissão//Itália, 103/84, Colect. p. 1759), em cujos termos os artigos 92.° e seguintes do Tratado não podem, em caso algum, servir para pôr em causa as respectivas normas sobre a livre circulação de mercadorias.

A Comissão chama por fim a atenção para o facto de que regimes preferenciais do tipo do regime em causa são igualmente incompatíveis com as disposições da Directiva 77/62. É exacto, concede, que o artigo 26.° da referida directiva prevê que «não impede a aplicação das disposições em vigor à data da sua adopção, que figuram na Lei italiana n.° 835, de 6 de Outubro de 1950... bem como das suas sucessivas alterações».

Não deixa no entanto de continuar a verificar-se, acrescenta, que, por um lado, o conteúdo da legislação nacional a que o juiz a quo se refere (Lei n° 64) é em parte diferente do que era no momento da adopção da directiva e mais alargado e, por outro, que a directiva se aplica, em qualquer caso, «sem prejuízo da compatibilidade destas disposições com o Tratado».

A Comissão pede que o Tribunal responda da seguinte forma:

«1)

O artigo 30.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que as reservas, mesmo parciais, de pedidos de fornecimentos públicos a determinadas empresas nacionais constituem medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas, proibidas por este artigo.

2.

O artigo 92.° deve ser interpretado no sentido de que as referidas reservas constituem ‘auxílios’ no sentido do (mesmo artigo.»

IV — Fase oral do processo

O Governo francês, que não apresentou observações escritas no presente processo, participou na audiência de 18 de Outubro de 1989, representado por Cl. Chavane, afirmando, em substância, que o regime preferencial italiano é incompatível com o artigo 30.° do Tratado.

A este propósito, depois de lembrar que todo o organismo público ou parapúblico italiano é legalmente obrigado a fazer concursos com reserva de fornecimentos em benefício exclusivo das empresas do Mezzogiorno e que, consequentemente, a medida em causa constitui uma medida nacional, afirma que ela não pode ser justificada nem nos termos do artigo 36.° nem com base em exigências imperativas de ordem geral.

Salienta igualmente o carácter desproporcionado do regime preferencial, decorrente do número desproporcionado de organismos abrangidos, do facto de a quantidade reservada não poder ser inferior a 30 % mas sem ter, por outro lado, um limite legalmente definido, e, por fim, da circunstância de se sobrepor, em relação aos produtoss considerados, às diversas ajudas efectivamente pagas.

Invoca, por outro lado, a jurisprudência do Tribunal que condena as medidas de incitação à compra de produtos nacionais. Conclui que, ainda que se tratasse de ajudas e este regime pudesse ser examinado nesse ângulo, devia ser respeitado o artigo 30.°

M. Diez de Velasco

Juiz relator


( *1 ) Lingua do processo: italiano.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

20 de Março de 1990 ( *1 )

No processo C-21/88,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo tribunale amministrativo regionale della Toscana e destinado a obter, no processo pendente perante esse órgão jurisdicional entre

Du Pont de Nemours Italiana SpA

e

Unità sanitaria locale n.° 2 de Carrara,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 30.°, 92.° e 93.° do Tratado CEE,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. O. Due, presidente, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e M. Zuleeg, presidentes de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, R. Joliét, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse e M. Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral : C. O. Lenz

secretário: B. Pastor, administradora

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da demandante no processo principal, apoiada pela sociedade Du Pont de Nemours Deutschland GmbH, por G. P. Zanchini e M. Siragusa, advogados no foro de Roma, e por G. Scassellati Sforzolini, procuratore do foro de Bolonha,

em representação da sociedade 3M Italia SpA, interveniente no processo principal, por E. A. Raffaella C. Rucellai e C. Lessona, advogados no foro de Florença,

em representação do Governo da República Italiana, por P. G. Ferri, avvocato dello Stato, na qualidade de agente,

em representação do Governo da República Francesa, por Claude Chavance, adido principal da administração central junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Berardis, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 18 de Outubro de 1989,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 28 de Novembro de 1989,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 1 de Abril de 1987, chegado ao Tribunal em 20 de Janeiro de 1988, o tribunale amministrativo regionale della Toscana apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 30.°, 92.° e 93.° do Tratado CEE, com vista a apreciar a compatibilidade, com estas disposições, de uma regulamentação italiana que reserva para as empresas estabelecidas na zona do Mezzogiorno uma percentagem dos contratos de fornecimento de direito público.

2

Estas questões foram levantadas no âmbito de um processo que opõe Du Pont de Nemours Italiana SpA, apoiada por Du Pont de Nemours Deutschland GmbH, à Unità sanitaria locale n.° 2 di Carrara (a seguir «USL»), apoiada pela sociedade 3M Italia, quanto às condições de celebração de um contrato de fornecimento de películas e líquidos de radiologia.

3

Por força do disposto no artigo 17.°, n.os 16 e 17, da Lei n.° 64 de 1 de Março de 1986 (Disciplina orgànica da intervenção extraordinária no Mezzogiorno), o Estado italiano estendeu a todos os organismos e serviços da administração pública bem como aos organismos e sociedades com participação do Estado, incluindo as USL situadas em todo o território nacional, a obrigação de se abastecerem, até ao limite de, pelo menos, 30 % das suas necessidades, junto de empresas industriais, agrícolas e artesanais estabelecidas no Mezzogiorno, nas quais os produtos visados sofram uma transformação.

4

Em conformidade com as disposições desta legislação nacional, a USL, por decisão de 3 de Junho de 1986, fixou as condições do concurso limitado para a celebração de um contrato de fornecimento de películas e de líquidos de radiologia. No caderno especial de encargos anexo, repartiu o contrato de fornecimento em duas partes, das quais uma, igual a 30 % do montante global, era reservado às empresas sediadas no Mezzogiorno. Du Pont de Nemours Italiana SpA impugnou essa decisão para o tribunale amministrativo regionale della Toscana arguindo o facto de que tinha sido excluída da participação no processo de concurso para adjudicação dessa parte, pela razão de que não tinha estabelecimento no Mezzogiorno. Por decisão de 15 de Julho de 1986, a USL procedeu à adjudicação do lote correspondente a 70 % do valor global do contrato em causa. Du Pont de Nemours Italiana SpA interpôs recurso igualmente dessa decisão para o mesmo tribunale.

5

No âmbito do exame destes dois recursos, o órgão jurisdicional nacional decidiu solicitar a intervenção do Tribunal, a título prejudicial, quanto às questões de saber se:

1)

o artigo 30.° do Tratado, que proíbe as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação nacional em causa;

2)

a obrigação de reservar parte das aquisições previstas no artigo 17.° da Lei n.° 64 de 1 de Março de 1986, reveste as características de «auxílio» nos termos do artigo 92.°, na medida em que se destine a «promover o desenvolvimento económico» de uma região em que «o nível de vida seja anormalmente baixo», através da instalação de empresas de molde a contribuir para o desenvolvimento económico-social de tais regiões;

3)

o artigo 93.° do Tratado atribui em exclusivo à Comissão a apreciação da compatibilidade dos auxílios referidos no artigo 92.° ou essa função incumbe igualmente ao juiz nacional quando se verifique eventual conflito da lei nacional com as normas do sistema jurídico comunitário.

6

Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da regulamentação aplicável, bem como das observações escritas apresentadas perante o Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

A — Quanto à primeira questão

7

Por esta questão, o órgão jurisdicional nacional visa saber se o artigo 30.°, que proíbe as restrições quantitativas à importação bem como qualquer medida de efeito equivalente, se opõe a uma regulamentação nacional que reserva para as empresas estabelecidas em certas regiões do território nacional uma percentagem dos contratos de fornecimento de direito público.

8

Convém, a título preliminar, recordar a este propósito que, segundo jurisprudência constante do Tribunal estabelecida pelo acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville, n.° 5 (8/74, Recueil 1974, p. 837), o artigo 30.°, ao proibir entre os Esta-dos-membros as medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, tem em vista toda a regulamentação comercial susceptível de constituir, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, entrave ao comércio intracomunitário.

9

Convém assinalar, aliás, que, nos termos do primeiro considerando do preâmbulo da Directiva 77/62/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO 1977, L 13, p. 1; EE 17 Fl p. 29, a seguir «Directiva 77/62»), em vigor à época dos factos do litígio no processo principal, «as restrições à livre circulação de mercadorias aplicadas no domínio dos contratos de fornecimento de direito público são proibidas pelos artigos 30.° e seguintes do Tratado».

10

Convém, por isso, determinar o efeito que um regime de preferência tal como o visado no caso em apreço no processo principal é susceptível de ter sobre a livre circulação de mercadorias.

11

Há que observar, a este respeito, que tal regime, que favorece os produtos transformados numa determinada região de um Estado-membro, impede os serviços da administração pública e os organismos públicos interessados de se abastecerem, quanto a parte das suas necessidades, junto de empresas situadas em outros Esta-dos-membros. Nestas condições, tem de admitir-se que os produtos originários de outros Estados-membros são discriminados em relação aos produtos fabricados no Estado-membro em questão e que, assim, constitui obstáculo ao curso normal das trocas intracomunitárias.

12

Esta conclusão não é infirmada pela circunstância de tal regime de preferência desenvolver os seus efeitos restritivos em proporção idêntica tanto em relação aos produtos fabricados por empresas do Estado-membro em questão, não situadas na região beneficiária do regime de preferência, como em relação a produtos fabricados pelas empresas estabelecidas nos outros Estados-membros.

13

Com efeito, há que sublinhar, por um lado, que se nem todos os produtos do Estado-membro em questão são favorecidos em relação aos produtos estrangeiros, não é menos verdade que todos os produtos que beneficiam do regime de preferência são produtos nacionais e, por outro, que o facto de o efeito restritivo de uma medida estatal sobre as importações favorecer não a totalidade dos produtos nacionais mas apenas uma parte desses produtos não é susceptível de colocar a medida em causa fora do alcance da proibição do artigo 30.°

14

Há que afirmar em seguida que, em virtude do seu caracter discriminatório, um regime tal como o previsto no caso em apreço no processo principal não poderá ser justificado com base em exigências imperiosas reconhecidas pela jurisprudência do Tribunal, exigências essas que podem ser apenas tomadas em consideração em relação a medidas indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e aos produtos importados (acórdão de 17 de Junho de 1981, Comissão/Irlanda, 113/80, Recueil 1981, p. 1625).

15

Convém acrescentar que tal regime também não cabe no àmbito de aplicação das excepções taxativamente enumeradas pelo artigo 36.° do Tratado.

16

O Governo italiano invocou, no entanto, o artigo 26.° da Directiva 77/62, já referida, nos termos do qual «a presente directiva não impede a aplicação das disposições em vigor à data da sua adopção, que figuram na Lei italiana n.° 835 de 6 de Outubro de 1950 (GURI n.° 245 de 24.10.1950) bem como das suas sucessivas alterações, sem prejuízo da compatibilidade dessas disposições com o Tratado».

17

Há que salientar, a este respeito, por um lado, que o conteúdo da legislação nacional à qual o órgão jurisdicional nacional se refere (Lei n.° 64/86) é em parte diferente e mais extenso do que o era no momento da adopção da directiva (Lei n.° 835/50) e, por outro, que o artigo 26.° da directiva especifica que esta se aplica «sem prejuízo da compatibilidade dessas disposições com o Tratado». De qualquer forma, a directiva não poderá ser interpretada no sentido de que autoriza a aplicação de uma legislação nacional cujas disposições violem as do Tratado e, por conseguinte, que constitui um obstáculo à aplicação do artigo 30.° num processo tal como o da causa principal.

18

Deve, por isso, responder-se ao órgão jurisdicional nacional que o artigo 30.° deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que reserve para empresas estabelecidas em determinadas regiões do território nacional uma percentagem dos contratos de fornecimento de direito público.

B — Quanto à segunda questão

19

Com esta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se uma eventual qualificação da regulamentação em causa como auxílio, na acepção do artigo 92.°, poderá pôr esta fora do alcance da proibição do artigo 30.°

20

A este respeito, basta lembrar que, segundo jurisprudência constante (ver, nomeadamente, acórdão de 5 de Junho de 1986, Comissão/Itália, 103/84, Colect. 1986, p. 1759), o artigo 92.° não poderá em nenhum caso servir para pôr em causa as normas do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias. Resulta, com efeito, dessa jurisprudência que essas normas, tal como as disposições do Tratado relativas aos auxílios estatais, prosseguem um objectivo comum, que é assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-membros em condições normais de concorrência. Tal como o Tribunal esclareceu na jurisprudência já referida, o facto de uma medida nacional poder eventualmente ser qualificada como auxílio na acepção do artigo 92.° não é razão suficiente para colocar essa medida fora do alcance da proibição contida no artigo 30.°

21

Tendo em conta esta jurisprudência, sem que haja necessidade de examinar o caracter de auxílio da regulamentação em causa, convém responder ao órgão jurisdicional nacional que a eventual qualificação de uma regulamentação nacional como auxílio na acepção do artigo 92.° não poderá colocar essa regulamentação fora do alcance da proibição contida no artigo 30.°

C — Quanto à terceira questão

22

Resulta das respostas dadas às questões precedentes que, numa situação como a do caso em apreço no processo principal, cabe ao tribunal nacional garantir a plena aplicação do artigo 30.° Nestas condições, a terceira questão, que respeita ao papel do tribunal nacional na apreciação da compatibilidade dos auxílios com o artigo 92.°, fica desprovida de objecto.

Quanto às despesas

23

As despesas efectuadas pelo Governo italiano, pelo Governo francês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram apresentadas pelo tribunale amministrativo regionale della Toscana, por decisão de 1 de Abril de 1987, declara:

 

1)

O artigo 30.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que reserva para as empresas estabelecidas em determinadas regiões do território nacional uma percentagem dos contratos de fornecimento de direito público.

 

2)

A qualificação eventual de uma regulamentação nacional como auxílio na acepção do artigo 92.° do Tratado não poderá colocar essa regulamentação fora do alcance da proibição do artigo 30.° do Tratado.

 

Due

Kakouris

Schockweiler

Zuleeg

Koopmans

Mancini

Joliét

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Grévisse

Diez de Velasco

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 20 de Março de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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