COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 12.5.2022
COM(2022) 210 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO
sobre a aplicação da Diretiva 2011/24/UE relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços
{SWD(2022) 200 final}
Introdução
O objetivo geral da Diretiva 2011/24/UE relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços (a seguir designada por «diretiva») é facilitar o acesso a cuidados de saúde seguros e de elevada qualidade noutro Estado-Membro e garantir a mobilidade dos doentes, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (a seguir designado por «Tribunal de Justiça»). Os Estados-Membros continuam a ser responsáveis pela organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos no seu território. Além disso, a diretiva também promove a cooperação entre os Estados-Membros no domínio dos cuidados de saúde, em benefício dos cidadãos da UE, no que diz respeito a receitas médicas, doenças raras, saúde em linha e à avaliação das tecnologias da saúde. A diretiva visa igualmente clarificar a sua relação com o quadro existente em matéria de coordenação dos sistemas de segurança social, previsto no Regulamento (CE) n.º 883/2004 (a seguir designado por «regulamento»), e aplica-se sem prejuízo deste quadro.
A diretiva devia ser transposta pelos Estados-Membros até 25 de outubro de 2013. No entanto, na maioria dos Estados-Membros, a transposição só foi concluída em 2015. Este é o terceiro relatório trienal da Comissão, tal como exigido pelo artigo 20.º, n.º 1, da diretiva. O relatório inclui, nomeadamente, informações sobre os fluxos de doentes, as dimensões financeiras da mobilidade dos doentes, a aplicação do artigo 7.º, n.º 9, relativo às restrições dos Estados‑Membros às regras em matéria de reembolso, e do artigo 8.º, relativo aos cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia, bem como ao funcionamento das redes europeias de referência e dos pontos de contacto nacionais.
O presente relatório tem em conta as avaliações da diretiva pelo Parlamento Europeu, o Conselho, o Comité das Regiões Europeu e o Tribunal de Contas Europeu, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça que interpreta determinadas disposições da diretiva. Além disso, toma em consideração o parecer da Plataforma Prontos para o Futuro sobre os direitos dos doentes.
Uma década após a adoção da diretiva em 2011, a Comissão procedeu à sua avaliação em 2021. O presente relatório inclui, no documento de trabalho dos serviços da Comissão em anexo, um resumo das conclusões da Comissão, um quadro com as medidas de acompanhamento e uma análise técnica.
1.Aplicação
A Comissão tem verificado sistematicamente a conformidade das medidas nacionais de transposição com as disposições da diretiva, centrando-se nos quatro domínios prioritários que, se não forem colmatados, têm mais possibilidade de constituir obstáculos aos doentes como, por exemplo: os sistemas de reembolso, a autorização prévia, os procedimentos administrativos e os custos cobrados aos doentes provenientes de outros países. A Comissão prossegue os seus diálogos estruturados com os Estados-Membros, com vista a assegurar a melhor aplicação possível da diretiva. Este esforço intenso conduziu a alterações na legislação nacional em benefício dos doentes. No entanto, como o presente relatório e as conclusões da avaliação demonstram, importa desenvolver mais esforços.
Para apoiar a sua avaliação da aplicação prática da diretiva, a Comissão realizou um estudo que, entre outras questões, identificou os cuidados de saúde sujeitos a autorização prévia e os procedimentos administrativos aplicáveis aos cuidados de saúde transfronteiriços na UE e nos Estados da EFTA membros do EEE.
1.1. Sistemas de reembolso
De acordo com o artigo 7.º, n.º 4, da diretiva, os «custos dos cuidados de saúde transfronteiriços são reembolsados e pagos […] até ao limite que teria sido assumido pelo Estado-Membro de afiliação caso esses cuidados tivessem sido prestados no seu território, sem exceder contudo os custos reais dos cuidados de saúde recebidos». O artigo 7.º, n.º 9, permite que os Estados‑Membros restrinjam a aplicação das regras relativas ao reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços com base em razões imperiosas de interesse geral. Nos termos do artigo 7.º, n.º 11, tais restrições não devem ir além do que for «necessário e proporcional e não podem constituir um meio de discriminação arbitrária ou um entrave injustificado à livre circulação de mercadorias, de pessoas ou de serviços». Além disso, os Estados-Membros são obrigados a notificar a Comissão de qualquer decisão de aplicação das restrições nos termos do artigo 7.º, n.º 9.
A Comissão não recebeu qualquer notificação específica nos termos do artigo 7.º, n.º 9. No entanto, determinadas medidas de transposição poderão ser postas em causa no sentido de limitarem o montante do reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços e de comprometerem os direitos dos doentes. No que diz respeito ao ponto de referência para o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços ao abrigo da diretiva, três Estados-Membros, em condições e graus variáveis, utilizam o nível de reembolso mais baixo aplicável aos cuidados de saúde fornecidos por prestadores de cuidados de saúde privados/não contratados em relação ao sistema de saúde público. Consequentemente, a Comissão instaurou processos contra esses Estados-Membros por incumprimento das obrigações que lhes incumbiam por força da diretiva.
1.2. Autorização prévia
Nos termos do artigo 8.º, os Estados-Membros podem sujeitar o reembolso dos custos dos cuidados de saúde recebidos noutro Estado-Membro a autorização prévia. À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal requisito constitui uma restrição à livre prestação de serviços. Por conseguinte, regra geral, os Estados-Membros não deverão sujeitar o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços a autorização prévia. No entanto, o artigo 8.º, n.º 2, alínea a), permite que os Estados-Membros utilizem um sistema de autorização prévia para cuidados de saúde sujeitos a requisitos de planeamento para garantir o acesso a tratamentos de elevada qualidade ou para controlar os custos, caso esses cuidados de saúde: 1) impliquem o internamento hospitalar do doente durante, pelo menos, uma noite; ou 2) exijam o recurso a infraestruturas ou equipamentos médicos altamente especializados e onerosos. Por conseguinte, não pode ser exigida autorização prévia para uma consulta médica noutro Estado-Membro. Nos termos do artigo 8.º, n.º 7, os Estados-Membros «torna[m] pública a lista dos cuidados de saúde sujeitos a autorização prévia».
O Tribunal de Justiça esclareceu que os pedidos de autorização prévia têm de ser apreciados em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais. Por conseguinte, um Estado-Membro pode recusar conceder ao doente uma autorização para tratamento médico noutro país da UE, mas apenas se essa recusa for necessária e proporcional ao objetivo a alcançar, como a manutenção de uma capacidade dos cuidados de saúde ou de uma competência médica. Além disso, o Tribunal de Justiça esclareceu que a legislação nacional que exclui o reembolso, na falta de autorização prévia, das despesas relacionadas com cuidados de saúde urgentes recebidos por um segurado noutro Estado-Membro não é coerente com o princípio da livre prestação de serviços nem com a diretiva.
Apenas sete Estados-Membros e um Estado da EFTA membro do EEE não dispõem de um sistema de autorização prévia, dando assim aos doentes a liberdade de escolherem um prestador de cuidados de saúde no estrangeiro e reduzindo os encargos administrativos.
Todos os outros países dispõem de um sistema de autorização prévia, principalmente para efeitos de proteção dos respetivos sistemas de saúde. Aquando da transposição, o efeito da diretiva nos sistemas era incerto e o recurso à autorização prévia foi um meio de controlar esse efeito.
A Comissão continua muito preocupada com o facto de os sistemas nacionais de autorização prévia terem de satisfazer os critérios estabelecidos no artigo 8.º, n.º 2, da diretiva e de respeitar o princípio da proporcionalidade. Tal como descrito mais adiante na secção 3, a mobilidade dos doentes continua a ser muito reduzida e o seu impacto nos orçamentos nacionais da saúde é marginal, o que, em geral, não aponta para a necessidade de criar sistemas de autorização prévia extensivos para proteger o planeamento dos cuidados de saúde. Por conseguinte, dois Estados‑Membros decidiram suprimir a autorização prévia.
Se a autorização prévia for considerada justificada, os doentes têm o direito de saber quais os tratamentos sujeitos a autorização prévia. Para o efeito, devem ser elaboradas e disponibilizadas ao público listas restritas de tratamentos, exaustivas e bem definidas, para que os doentes possam identificar facilmente as regras aplicáveis. No entanto, as listas de cuidados de saúde sujeitos a autorização prévia variam significativamente consoante os Estados-Membros no que se refere ao grau de especificação dos cuidados de saúde.
As conclusões da avaliação confirmam que uma ampla utilização da autorização prévia e a falta de transparência na sua aplicação constituem um grande obstáculo aos cuidados de saúde transfronteiriços, prejudicando a eficácia da diretiva no que se refere ao benefício dos doentes.
Por conseguinte, a Comissão insta os Estados-Membros a avaliarem se, dez anos após a adoção da diretiva, a autorização prévia continua a justificar-se para os fins a que se destina e se as suas listas de cuidados de saúde sujeitos a autorização prévia podem ser reduzidas, nomeadamente para garantir a segurança jurídica dos doentes e a transparência dos sistemas de autorização prévia.
1.3. Procedimentos administrativos
Nos termos do artigo 7.º, n.º 7, o Estado-Membro pode impor a um doente que solicite o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços as mesmas condições, critérios de elegibilidade e formalidades legais e administrativas que imporia se esses cuidados de saúde tivessem sido prestados no seu território. No entanto, nenhuma condição, critério ou formalidade pode ser discriminatória ou constituir um obstáculo à livre circulação de doentes, a menos que tal se justifique por requisitos de planeamento.
De igual modo, de acordo com o artigo 9.º, n.º 1, os Estados-Membros devem assegurar que os procedimentos administrativos para o recurso a cuidados de saúde transfronteiriços se baseiem em critérios objetivos e não discriminatórios que sejam necessários e proporcionais ao objetivo a alcançar.
De acordo com estes princípios, a Comissão insta os Estados-Membros a avaliarem se os procedimentos de autorização prévia e de reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços podem tornar-se menos onerosos para os doentes, para que estes possam beneficiar plenamente dos direitos previstos na diretiva.
Os dados recolhidos para a avaliação confirmam que procedimentos administrativos complexos e desproporcionados, em alguns Estados-Membros, comprometem os direitos dos cidadãos a cuidados de saúde transfronteiriços. Deve ser dada especial atenção à necessidade de garantir que os doentes sejam apenas obrigados a apresentar informações facilmente acessíveis e que sejam estritamente necessárias para o tratamento dos pedidos de autorização prévia ou de reembolso em conformidade com a diretiva. As seguradoras de saúde não devem exigir aos doentes que forneçam uma estimativa dos custos dos cuidados de saúde previstos nem uma avaliação médica da eficácia do tratamento recebido. Além disso, os Estados-Membros devem evitar solicitar aos doentes informações normalmente na posse do órgão encarregado do seguro de doença que avalia o pedido, tais como o tempo de espera para a realização de um determinado tratamento. Também não deve caber ao doente a responsabilidade de provar que não existe motivo que fundamente a recusa de autorização prévia, por exemplo, provar que o prestador de cuidados de saúde no estrangeiro não suscita dúvidas sérias específicas no que diz respeito à qualidade dos cuidados de saúde e à segurança dos doentes.
Por último, ao avaliar a proporcionalidade dos requisitos administrativos, os Estados-Membros devem ter em conta os custos associados à apresentação de pedidos de prestação de cuidados de saúde transfronteiriços. Em especial, a obrigação de os doentes fornecerem uma tradução certificada da documentação pode representar um obstáculo desproporcionado à livre prestação de serviços.
1.4. Taxas aplicadas a doentes de outros Estados-Membros
O artigo 4.º, n.º 3, estabelece que os Estados-Membros devem respeitar o princípio da não discriminação relativamente aos doentes de outros países da UE. Observa igualmente que, em determinadas circunstâncias, os Estados-Membros podem adotar medidas relativas ao acesso ao tratamento. Tais medidas devem, no entanto, ser justificadas, proporcionadas e necessárias, devendo ser tornadas públicas antecipadamente.
Os Estados-Membros podem definir as taxas aplicáveis à prestação de cuidados de saúde no seu território. No entanto, nos termos do artigo 4.º, n.º 4, têm de assegurar que os prestadores de cuidados de saúde apliquem aos doentes dos outros Estados-Membros a mesma tabela de preços que a aplicada aos doentes nacionais em situação médica comparável. Caso não haja um preço comparável para os doentes nacionais, o artigo 4.º, n.º 4, impõe aos prestadores a obrigação de cobrarem um preço calculado de acordo com critérios objetivos e não discriminatórios. No entanto, estes requisitos não prejudicam a legislação nacional que autoriza os prestadores de cuidados de saúde a fixarem os seus próprios preços, desde que não sejam discriminatórios relativamente aos doentes de outros Estados-Membros da UE.
Durante a verificação da conformidade, a Comissão não detetou que os prestadores de cuidados de saúde estejam a fixar, ou possam fixar, preços discriminatórios para doentes de outros Estados-Membros, o que entraria em contradição com os princípios acima referidos. No entanto, a Plataforma Prontos para o Futuro regista as conclusões do relatório do Comité das Regiões Europeu de que a tabela dos honorários médicos cobrados aos doentes não se encontra facilmente disponível em todos os Estados-Membros. O seu parecer apela, por conseguinte, à melhoria das informações sobre as taxas aplicáveis aos tratamentos nos Estados-Membros.
2.Relatórios de outras instituições e organismos da UE
O Parlamento Europeu analisou lacunas na aplicação da diretiva e concluiu que são necessárias medidas, por exemplo, para simplificar os procedimentos administrativos e melhorar as informações fornecidas pelos pontos de contacto nacionais (PCN) criados especificamente para o efeito.
O Tribunal de Contas Europeu concluiu que a Comissão acompanhara devidamente a transposição da diretiva para o direito nacional e a sua aplicação pelos Estados-Membros. Embora as medidas da UE tenham melhorado a cooperação entre os Estados-Membros, o impacto nos doentes, à data da auditoria, era bastante reduzido. As suas recomendações apelam a um maior apoio aos PCN, à implantação de intercâmbios transfronteiriços de dados de saúde e ao reforço das ações da UE no domínio das doenças raras e das redes europeias de referência. A Comissão continua a dar seguimento a estas recomendações.
As conclusões do Conselho reiteraram o conteúdo do relatório do Tribunal de Contas e incentivaram a Comissão a apoiar os PCN no sentido de melhorarem as informações prestadas aos doentes sobre os seus direitos a cuidados de saúde transfronteiriços, incluindo informações sobre as redes europeias de referência.
O Comité das Regiões Europeu apoiou a utilização da autorização prévia sempre que necessário para proteger os sistemas de saúde e promoveu o recurso a notificação prévia, a fim de elucidar os doentes sobre os custos dos seus cuidados de saúde e de apoiar as autoridades no cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força da diretiva.
3.Dados sobre a mobilidade dos doentes
Nos termos do artigo 20.º da diretiva, os Estados-Membros são convidados a contribuir para os relatórios da Comissão sobre a mobilidade dos doentes, fornecendo informações sobre os PCN, as limitações dos fluxos de doentes, os cuidados de saúde com ou sem autorização prévia, os pedidos de informações sobre cuidados de saúde, os reembolsos efetuados e os motivos pelos quais os cuidados de saúde foram ou não reembolsados.
O presente relatório apresenta uma panorâmica geral dos dados recebidos relativos ao período 2018-2020 e inclui dados relativos a 2016 e 2017 para efeitos de comparação. O número de Estados-Membros e de Estados da EFTA membros do EEE que forneceram dados não é o mesmo em cada ano de referência. Além disso, muitos países só conseguiram fornecer informações limitadas. Em alguns países, também não foi possível separar os dados relativos aos cuidados de saúde transfronteiriços, no âmbito da diretiva e do regulamento, de outros sistemas paralelos.
3.1. Números relativos à mobilidade dos doentes
Os dados agregados comunicados sobre o número de pedidos de autorização prévia e de pedidos de reembolso sem autorização prévia mostram que a mobilidade dos doentes ao abrigo da diretiva continua a ser muito baixa, registando uma queda significativa em 2020 devido à pandemia de COVID-19 e às restrições à livre circulação (ver figura 1 relativa aos cuidados de saúde sujeitos a autorização prévia).
Figura 1 Número de pedidos de autorização prévia recebidos e deferidos relativos a todos os países que forneceram dados, 2016-2020
Os totais das autorizações prévias, excluindo o Reino Unido, são os seguintes: no ano de referência de 2016, foram recebidos 6 009 pedidos e deferidos 3 822; em 2017, foram recebidos 5 471 pedidos e deferidos 3 727; em 2018, foram recebidos 6 301 e deferidos 4 447; em 2019, foram recebidos 5 352 e deferidos 3 291; e, em 2020, foram recebidos 5 218 e deferidos 3 542.
Fonte Questionários sobre a Diretiva 2011/24/UE no que se refere à comunicação de informações sobre a mobilidade dos doentes
Nos países que forneceram dados para todos os anos de referência do período de 2016-2020, o número de pedidos de autorização prévia recebidos e deferidos atingiu o seu valor mais elevado em 2018. Registou-se um aumento do número de pedidos recebidos durante este período, nomeadamente no caso da Irlanda, do Luxemburgo e da Eslováquia. No entanto, na maioria dos países, o número de pedidos recebidos e deferidos diminuiu ao longo dos anos. Foi especialmente o caso da Bélgica, da Bulgária, da Itália e da Polónia.
O número de pedidos de reembolso sem autorização prévia é significativamente superior ao número de pedidos de autorização prévia (figura 2).
Figura 2Número de pedidos de reembolso sem autorização prévia recebidos e deferidos relativos a todos os países que forneceram dados, 2016-2020
Os totais, excluindo o Reino Unido, são os seguintes: no ano de referência de 2016, foram recebidos 238 680 pedidos de reembolso e deferidos 197 152; em 2017, foram recebidos 233 508 pedidos e deferidos 193 803; em 2018, foram recebidos 269 006 e deferidos 225 186; em 2019, foram recebidos 280 594 e deferidos 236 891; e, em 2020, foram recebidos 188 013 e deferidos 153 960.
Fonte Questionários sobre a Diretiva 2011/24/UE no que se refere à comunicação de informações sobre a mobilidade dos doentes
Nos países que forneceram dados para todos os anos de referência do período de 2016-2020, o número de pedidos de reembolso recebidos e deferidos também atingiu o seu valor mais elevado 2018, regredindo posteriormente em 2019 e 2020. Na maioria destes países, verificou-se um decréscimo a nível da mobilidade dos doentes no período de 2016-2020. No entanto, alguns países, nomeadamente a Chéquia, a Irlanda, a Eslováquia e o Reino Unido, registaram um aumento do número de pedidos de reembolso recebidos.
3.2. Implicações financeiras da mobilidade dos doentes
No período de 2018-2020, o montante total reembolsado foi de 243 milhões de EUR (73,4 milhões de EUR em 2018, 92,1 milhões de EUR em 2019 e 77,5 milhões de EUR em 2020).
Nos países que conseguiram fornecer dados em todos os anos de referência pertinentes relativos a cuidados de saúde com e sem autorização prévia, o total dos montantes reembolsados aumentou todos os anos de 2016 a 2019, seguido de uma queda significativa em 2020.
Em 2019, relativamente aos Estados-Membros da UE-28, da despesa pública total de 7,5 biliões de EUR, cerca de 1,2 biliões de EUR destinaram-se à saúde. Nos países que conseguiram fornecer informações sobre o montante total reembolsado em 2019 por cuidados de saúde com e sem autorização prévia, as despesas totais com cuidados de saúde ascenderam a 882 mil milhões de EUR. Por conseguinte, a parte do montante reembolsado, ao abrigo da diretiva, do total das despesas públicas com cuidados de saúde ascendeu a 0,01 % (= 92,1 milhões de EUR/882 mil milhões de EUR).
Os cuidados de saúde transfronteiriços, em geral, continuam a ser muito reduzidos e o impacto, nos orçamentos nacionais, dos cuidados de saúde decorrente do acesso a cuidados de saúde transfronteiriços ao abrigo da diretiva parece ser marginal. Esta conclusão é válida para todos os países, independentemente de terem ou não criado sistemas de autorização prévia.
3.3.Direção da mobilidade dos doentes
Ao analisar os fluxos de doentes, os padrões não se alteraram significativamente no período de 2018-2020. A maior parte da mobilidade dos doentes continua a ocorrer principalmente entre países vizinhos. Tal sugere que as pessoas preferem, em geral, receber cuidados de saúde perto de casa, se possível, e que, quando optam por viajar, preferem fazê-lo para um país vizinho. Chegou-se a uma conclusão semelhante em relação aos cuidados de saúde transfronteiriços ao abrigo do regulamento.
Os maiores fluxos de doentes que viajam para o estrangeiro após terem recebido autorização prévia da sua seguradora de saúde deslocaram-se da Irlanda para o Reino Unido, da França para a Alemanha e da França para a Espanha em 2018, da Irlanda para o Reino Unido, do Reino Unido para a Irlanda e do Luxemburgo para a Alemanha em 2019 e, em 2020, da Irlanda para o Reino Unido, da França para a Espanha e da França para a Alemanha.
Os maiores fluxos de doentes que procuram cuidados de saúde sem autorização prévia deslocaram-se da França para Portugal, Bélgica e Espanha. Os maiores fluxos seguintes vão da Dinamarca para a Alemanha, da Polónia para a Chéquia e da Suécia e da Noruega para a Espanha. Os dois últimos fluxos ilustram uma tendência visível de doentes dos Estados nórdicos que utilizam serviços de cuidados de saúde transfronteiriços na Espanha.
É interessante observar que alguns países autorizam mais de 90 % dos pedidos de autorização prévia de tratamento num país específico, por exemplo, a Irlanda para tratamento no Reino Unido, a Eslováquia para tratamento na Chéquia, a Bulgária para a França e a Áustria para a Alemanha. Do mesmo modo, relativamente aos cuidados de saúde não sujeitos a autorização prévia, uma grande percentagem de pedidos de reembolso diz respeito a um país de tratamento específico, por exemplo na Irlanda para tratamento no Reino Unido, na Polónia para tratamento na Chéquia e na Finlândia para tratamento na Estónia.
4.Informação prestada aos doentes
Os pontos de contacto nacionais (PCN) desempenham um papel essencial ao permitirem que os doentes exerçam os seus direitos em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços ao abrigo da diretiva e do regulamento. Como a avaliação demonstrou, as pessoas têm muitas vezes dificuldade em encontrar informações e compreender as regras aplicáveis. Embora se tenha registado uma melhoria progressiva no que respeita às informações prestadas aos doentes, subsistem lacunas importantes em termos de disponibilidade, exaustividade e clareza da informação e em termos de acessibilidade das pessoas com deficiência. Além disso, as informações sobre as redes europeias de referência (RER) e as doenças raras só são fornecidas por 14 PCN. A avaliação revelou que esse facto constitui um motivo de grande preocupação para as organizações de doentes e para o Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência.
Em 2018, para resolver este problema, a Comissão, em cooperação com os Estados-Membros, elaborou princípios orientadores para a prática dos PCN. Estes destinam-se a ajudar os PCN no seu trabalho quotidiano de fornecer informações claras, precisas e de elevada qualidade sobre os principais aspetos dos cuidados de saúde transfronteiriços. Mais importante ainda, as informações devem ser sempre centradas numa perspetiva do doente. A avaliação concluiu que os sítios Web dos PCN nem sempre são acessíveis por via digital a doentes com deficiência, tal como exigido pela Diretiva Acessibilidade da Web, e que apenas 30 % dos sítios Web fornecem informações sobre a acessibilidade física das instalações de cuidados de saúde. De acordo com o princípio da inclusão, os PCN são convidados a reconhecer e a apoiar o direito das pessoas com deficiência de beneficiarem de igualdade de acesso à informação relativa aos cuidados de saúde prestados noutros países da UE, tal como previsto no artigo 6.º, n.º 5, da diretiva.
Em 2021, os Estados-Membros aprovaram outros princípios orientadores para a prestação de informações sobre os sistemas de autorização prévia. Pretende-se, nomeadamente, garantir que os doentes recebam informações claras e completas sobre os seus direitos a cuidados de saúde transfronteiriços sujeitos a autorização prévia.
O conjunto de instrumentos multilingue da Comissão para os cuidados de saúde transfronteiriços, que inclui um manual para os doentes, destina-se a ajudar os doentes a navegar pelas diferentes vias de acesso a cuidados de saúde transfronteiriços. A maioria dos PCN publicou o manual para doentes nos respetivos sítios Web e outros são incentivados a fazê-lo. O Portal Digital Único da UE pode ajudar as pessoas que procuram assistência médica a estabelecer contactos com os PCN através do portal «A sua Europa».
5.Cooperação entre sistemas de saúde
5.1. Reconhecimento das receitas médicas
Nos termos do artigo 11.º, n.º 1, da diretiva, os Estados-Membros devem, em determinadas condições, assegurar que as receitas médicas de medicamentos ou dispositivos médicos prescritos noutro Estado-Membro para um determinado doente possam ser aviadas no seu território. A Diretiva de Execução 2012/52/UE aplica o princípio do reconhecimento mútuo das receitas médicas. O Tribunal de Justiça esclareceu que a diretiva (2011/24/UE) não exige que um farmacêutico reconheça notas de encomenda emitidas por profissionais de saúde noutro Estado‑Membro que não incluam o nome do doente em causa.
A avaliação concluiu que, embora o reconhecimento das receitas médicas tenha melhorado consideravelmente, os doentes continuam a enfrentar problemas relacionados com o reconhecimento das receitas médicas noutro país da UE, principalmente devido a problemas de verificação da autenticidade e relacionados com a língua.
5.2. Redes europeias de referência
As RER são redes transfronteiriças virtuais e voluntárias, que reúnem prestadores de cuidados de saúde altamente especializados em toda a Europa para ajudar a diagnosticar e a tratar doentes que sofrem de doenças complexas raras ou de baixa prevalência, que exigem cuidados de saúde altamente especializados e uma concentração de conhecimentos e recursos. Funcionam como pontos centrais fundamentais para a geração e divulgação de conhecimentos, a formação profissional no domínio da saúde e a educação e investigação no domínio das doenças complexas raras ou de baixa prevalência.
Lançadas em 2017, estão atualmente em funcionamento 24 RER numa vasta gama de questões temáticas que incluem os cancros raros. Desde então, expandiram-se significativamente, reforçando a capacidade da UE de fornecer os melhores conhecimentos especializados e de salvar vidas de doentes com doenças complexas raras e de baixa prevalência. Em 1 de janeiro de 2022, aderiram à rede 620 novos membros, elevando o número total de membros das RER para 1 466 e alargando a sua cobertura geográfica aos 27 Estados-Membros e à Noruega. Até ao final de 2020, as RER incluíam também 289 parceiros afiliados (228 centros nacionais associados, mais 61 centros pertencentes a 4 polos de coordenação nacionais). As quatro RER para os cancros raros desempenharão um papel importante no Plano Europeu de Luta contra o Cancro e na missão da UE no domínio do cancro, ligando-se à futura rede de centros nacionais integrados de oncologia.
Em novembro de 2017, entrou em funcionamento o sistema de gestão clínica dos doentes financiado pela Comissão. Esta plataforma informática específica apoia os painéis virtuais de peritos dos profissionais de saúde das RER, provenientes de diferentes centros de especialização de toda a UE, que se reúnem para partilhar os seus conhecimentos especializados para o diagnóstico e o tratamento de doentes com doenças complexas raras e de baixa prevalência. Em junho de 2021, tinham sido criados cerca de 2 000 painéis de peritos, um número que continua em constante crescimento. A Comissão está a trabalhar numa versão melhorada do sistema a fim de aperfeiçoar o seu funcionamento.
No intuito de facilitar o intercâmbio de informações sobre doentes com doenças raras e de apoiar as RER na recolha e partilha de informações, a Comissão criou também, em 2019, a Plataforma Europeia de Registo de Doenças Raras (Plataforma RD da UE).
A Comissão prestou um apoio considerável às RER através do Terceiro Programa de Saúde da UE e, desde 2021, do Programa UE pela Saúde. Estes incluem uma vasta gama de atividades, como a elaboração de orientações sobre práticas clínicas das RER e de instrumentos de apoio à decisão clínica, a criação e a manutenção de registos de doentes das RER para facilitar a prestação de cuidados, um programa de mobilidade e de intercâmbio de curta duração para os profissionais de saúde das RER e a avaliação, monitorização e avaliação das RER. As atividades de investigação clínica das RER são cofinanciadas ao abrigo dos programas de investigação e inovação da UE. Mediante financiamento do programa Horizonte 2020, as RER são os principais beneficiários do Programa Comum Europeu sobre Doenças Raras e do projeto ERICA, que criará uma plataforma que integra todas as capacidades de investigação e inovação das RER, melhorando o acesso às terapias.
5.3. Saúde em linha
A rede de saúde em linha, criada nos termos do artigo 14.º da diretiva, é uma rede voluntária composta por autoridades nacionais responsáveis pela saúde em linha. Tem em vista a criação de aplicações interoperáveis e o reforço da continuidade e do acesso aos cuidados de saúde.
A Comissão adotou uma proposta legislativa sobre o Espaço Europeu de Dados de Saúde, com base numa avaliação distinta do artigo 14.º. A avaliação conclui que a eficácia e a eficiência da rede de saúde em linha têm sido limitadas, principalmente devido ao caráter voluntário da colaboração. Desde 2018, as suas atividades centraram-se no aumento da utilização e do intercâmbio de dados de saúde para a prestação e continuidade dos cuidados de saúde e na criação da infraestrutura MyHealth@EU. O número de Estados-Membros ligados à plataforma MyHealth@EU está a aumentar e a maioria dos Estados-Membros deverá implementar a plataforma até 2025. Até à data, dez Estados-Membros estão ligados através de pontos de contacto nacionais para a saúde em linha e começaram a intercambiar resumos clínicos e receitas eletrónicas, a fim de assegurar a continuidade dos cuidados prestados aos doentes a nível transfronteiriço. Está a ser prestado apoio para outros conteúdos de dados a introduzir na infraestrutura MyHealth@EU, nomeadamente resultados de testes laboratoriais, relatórios de altas hospitalares e imagiologia médica.
Na sequência do surto da pandemia de COVID-19 em 2020, a rede de saúde em linha deu prioridade à crise de saúde pública. Ajudou a criar e a implementar rapidamente duas iniciativas importantes para proteger a saúde pública e assegurar a livre circulação de pessoas: a interoperabilidade a nível da UE das aplicações de rastreio e alerta de contactos e o Certificado Digital COVID da UE.
5.4. Avaliação das tecnologias da saúde
O artigo 15.º proporcionou uma base jurídica para a promoção da cooperação europeia em matéria de avaliação das tecnologias da saúde (ATS), uma parte importante da tomada de decisões em matéria de saúde baseada em dados concretos. Em 31 de janeiro de 2018, a Comissão adotou uma proposta de regulamento relativo à ATS, destinado a reforçar e a tornar sustentável a cooperação europeia neste domínio. O novo regulamento foi adotado em 15 de dezembro de 2021 e entrou em vigor em 12 de janeiro de 2022, tendo suprimido o artigo 15.º da diretiva. Em paralelo com as negociações sobre a proposta da Comissão, as atividades da rede de ATS prosseguiram e foram complementadas pelo trabalho técnico da Ação Comum 3 da EUnetHTA. No início da pandemia de COVID-19, em 2020, a Ação Comum 3 da EUnetHTA elaborou e publicou as suas «exames contínuos colaborativos» de várias terapias farmacêuticas e não farmacêuticas para a COVID-19.
5.5. Cooperação transfronteiriça e cooperação regional
A diretiva exige que os Estados-Membros prestem assistência mútua e facilitem a cooperação em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços entre países vizinhos e que a Comissão incentive os Estados-Membros nessa cooperação.
A UE apoia a cooperação e a integração dos sistemas de saúde nas regiões fronteiriças através do seu programa Interreg. Esta iniciativa funcionou como catalisador de uma série de parcerias regionais no domínio dos cuidados de saúde, para promover o acesso a nível local aos cuidados de saúde, bem como instalações e serviços conjuntos. No entanto, a complexidade dos procedimentos de faturação e de reembolso dos serviços de saúde nos diferentes sistemas de saúde constitui ainda um problema. Tal pode afetar significativamente o bem-estar das pessoas que vivem em regiões fronteiriças, onde reside mais de 40 % da população da UE. A avaliação constatou que a diretiva proporciona um instrumento adicional para facilitar os cuidados de saúde nas regiões fronteiriças, uma vez que não é necessária autorização prévia para os cuidados de saúde transfronteiriços para tratamentos ambulatórios de rotina. A Associação das Regiões Fronteiriças Europeias concluiu que o mecanismo de reembolso ao abrigo da diretiva não é normalmente a opção preferida, uma vez que o pagamento antecipado dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços desincentiva a sua utilização.
Vários acordos regionais em matéria de cuidados de saúde oferecem modelos de cooperação para superar os obstáculos financeiros e administrativos. Um manual de fácil utilização para os doentes, elaborado pela região do Alto Reno, constitui um modelo de boas práticas no domínio da cooperação entre os PCN e as seguradoras de saúde, para a prestação de informações claras para satisfazer as necessidades específicas do doente.
A pandemia de COVID-19 acentuou a importância da cooperação regional transfronteiriça. Várias regiões da UE desempenharam um papel crucial durante a crise da COVID-19 ao disponibilizarem mais de 300 centros de cuidados intensivos e tratamentos para aliviar a sobrecarga dos hospitais transfronteiriços. As Orientações da Comissão sobre a assistência de emergência da UE em matéria de cooperação transfronteiriça no domínio dos cuidados de saúde criaram um mecanismo de coordenação à escala da UE e chamaram a atenção para os direitos dos doentes ao reembolso, à transferência de registos médicos, à continuidade dos cuidados de saúde e ao reconhecimento das receitas médicas quando recebem cuidados de saúde no estrangeiro. A avaliação concluiu que a diretiva poderá ajudar a reduzir o enorme atraso no que respeita aos tratamentos de rotina não urgentes adiados devido à pandemia de COVID-19, sempre que exista capacidade de cuidados de saúde disponível além-fronteiras.
6.Conclusões da avaliação
A diretiva tem sido moderadamente eficaz na consecução dos seus objetivos, ou seja, facilitar o acesso a cuidados de saúde seguros e de elevada qualidade noutro país da UE. Trouxe uma maior clareza jurídica sobre os direitos dos doentes de utilizarem serviços de saúde em qualquer parte da UE e continua a ser pertinente para salvaguardar a livre prestação de serviços de saúde, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.
A avaliação demonstrou que a diretiva consagrou importantes direitos dos doentes, como a igualdade de tratamento dos doentes da UE e dos doentes nacionais. Conseguiu uma abordagem mais coerente a nível da UE em matéria de reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços para os cidadãos da União. Constituiu um fator impulsionador dos direitos dos doentes em geral, aumentando a transparência dos preços dos tratamentos e introduzindo mudanças em vários sistemas nacionais de saúde em benefício dos doentes. Os cidadãos da UE estão a fazer uso dos seus direitos e dos mecanismos de reembolso previstos na diretiva, embora o seu número seja ainda reduzido. O público em geral beneficiou em grande medida das disposições da diretiva que regulam o reconhecimento das receitas médicas; no entanto, persistem alguns problemas relacionados com a língua, a verificação e a autenticidade das receitas médicas.
O potencial da diretiva para melhorar o acesso aos cuidados de saúde transfronteiriços continua a ser prejudicado por alguns problemas, nomeadamente: o baixo nível de sensibilização para os direitos dos doentes a cuidados de saúde transfronteiriços; a prestação inadequada de informação aos doentes; os encargos administrativos desproporcionados; e a incerteza quanto aos custos e ao reembolso dos cuidados de saúde no estrangeiro. As organizações de doentes, em particular, criticam a obrigação de os doentes pagarem antecipadamente o tratamento no estrangeiro, argumentando que esse facto cria desigualdades no acesso aos cuidados de saúde. No entanto, nos termos da diretiva, os doentes têm de pagar os custos antecipadamente, uma vez que é a única possibilidade viável de o doente poder escolher cuidados de saúde públicos ou privados noutro país da UE sem aprovação prévia, ao mesmo tempo que lhe confere o direito ao reembolso dos custos, até determinado montante, pela respetiva seguradora de saúde. A diretiva proporciona ao doente outras possibilidades de aceder a cuidados de saúde transfronteiriços para além das regras de coordenação dos sistemas de segurança social.
A relação jurídica complexa entre a diretiva e o regulamento é difícil de entender para o público em geral, sendo também difícil de comunicar aos doentes por parte dos PCN e das seguradoras de saúde. Ao mesmo tempo, a responsabilidade pela escolha da via mais vantajosa é muitas vezes deixada aos doentes, o que implica alguma incerteza em termos financeiros. Esta situação suscita dúvidas quanto à questão de saber se a clareza entre a diretiva e o regulamento tem sido assegurada, em benefício dos doentes.
A diretiva teve um impacto substancial no domínio das doenças raras, através da criação das RER para apoiar o diagnóstico e o tratamento de doentes com doenças raras. As RER facilitam a geração e a partilha de conhecimentos e apoiam a investigação clínica. No entanto, a fim de assegurar a sua sustentabilidade a longo prazo, são necessárias mais melhorias para integrar as RER nos sistemas nacionais de saúde e criar vias claras para os doentes terem acesso às RER a nível nacional. Além disso, o sistema de gestão clínica dos doentes que apoia os painéis virtuais de peritos médicos necessita de maior desenvolvimento técnico, e a ausência de um mecanismo distinto de faturação e reembolso para os prestadores de cuidados de saúde das RER que participam nos painéis virtuais de peritos impede a sua maior utilização. As fontes de financiamento da UE para apoio às RER também eram complexas do ponto de vista administrativo.
A Comissão incentivou efetivamente a cooperação regional transfronteiriça no domínio dos cuidados de saúde através do apoio do programa Interreg. Embora a diretiva seja utilizada para complementar outros mecanismos de cuidados de saúde transfronteiriços, existem poucos dados sobre o seu impacto na mobilidade dos doentes nas regiões fronteiriças. As partes interessadas consideraram a possibilidade de a diretiva desempenhar um papel como mecanismo para fazer face aos crescentes atrasos nos tratamentos de rotina.
Embora fora do âmbito desta avaliação, a diretiva tem desempenhado um papel crucial no aprofundamento da cooperação europeia entre os sistemas de saúde no domínio da avaliação das tecnologias da saúde, que levou à adoção de um regulamento distinto em 2021, e também no domínio da saúde em linha, contribuindo para a criação do futuro Espaço Europeu de Dados de Saúde.
De um modo geral, a avaliação concluiu que, embora a mobilidade transfronteiriça dos doentes continue a ser reduzida, a diretiva proporcionou valor acrescentado e os seus objetivos continuam a ser pertinentes para satisfazer as necessidades dos doentes no que diz respeito ao acesso a cuidados de saúde noutro Estado-Membro. A diretiva tem sido particularmente bem sucedida no que se refere ao incentivo à cooperação entre os sistemas de saúde, em especial nos domínios das doenças raras, da saúde em linha e da avaliação das tecnologias da saúde.
No entanto, os problemas suscitados na avaliação mostram que os objetivos da diretiva ainda não estão a ser plenamente realizados em benefício dos doentes.
Conclusões e rumo a seguir
A valorização do potencial da diretiva e o reforço da cooperação entre os Estados-Membros no domínio dos cuidados de saúde transfronteiriços constituirão mais um passo na construção da União Europeia da Saúde.
O presente relatório e os resultados da avaliação mostram que persistem problemas importantes no que diz respeito à aplicação coerente da diretiva nos Estados-Membros. As novas informações recolhidas pela Comissão exigem uma investigação sobre a conformidade das medidas nacionais com as disposições da diretiva e os seus princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica. Por conseguinte, a Comissão convida os Estados-Membros a reavaliarem a necessidade e a proporcionalidade das medidas nacionais que limitam o acesso dos doentes aos cuidados de saúde transfronteiriços e geram encargos administrativos desnecessários.
A Comissão prosseguirá os seus intercâmbios bilaterais com os Estados-Membros para assegurar a aplicação da diretiva e, se for caso disso, fará tudo o que estiver ao seu alcance para assegurar que os Estados-Membros cumpram as suas obrigações.
Além disso, a pandemia de COVID-19 salientou a importância de dados de qualidade para o funcionamento eficaz dos sistemas de saúde. A Comissão insta os Estados-Membros a cumprirem o seu compromisso jurídico no âmbito da diretiva no que respeita ao fornecimento de dados sobre a mobilidade dos doentes, necessários para acompanhar a aplicação dos direitos dos doentes, e a fornecerem os elementos de prova necessários para fundamentar as futuras políticas em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços.
Com base nos ensinamentos retirados da avaliação, a cooperação europeia poderá continuar a apoiar a aplicação da diretiva de várias formas. O presente relatório estabelece medidas para reduzir e simplificar os procedimentos através da digitalização dos cuidados de saúde, aumentar a sensibilização para os direitos dos doentes e melhorar a informação prestada aos doentes, clarificar a interação entre a diretiva e o regulamento, salvaguardar a sustentabilidade das RER, continuar a apoiar a cooperação transfronteiriça entre regiões e reforçar o acompanhamento e a aplicação da diretiva.
A utilização das tecnologias digitais nos cuidados de saúde registou maior aceleração em resposta à pandemia de COVID-19. A aplicação de novas ferramentas digitais para os cuidados de saúde transfronteiriços, como a digitalização das faturas, da autorização prévia e dos pedidos de reembolso, poderá simplificar e reduzir os encargos administrativos, tornando o acesso a cuidados de saúde transfronteiriços mais fácil e menos oneroso. A adoção de soluções digitais exigirá medidas a nível regional, nacional e da UE.
Com base na cooperação europeia no domínio da saúde em linha, a Comissão adotou uma proposta de regulamento relativo ao Espaço Europeu de Dados de Saúde, que deverá aumentar a infraestrutura de serviços digitais de saúde em linha. Tal contribuirá para assegurar a continuidade dos cuidados prestados aos cidadãos da UE quando viajam para o estrangeiro. A introdução gradual de serviços de prescrição eletrónica nos Estados-Membros permite que os cidadãos da UE obtenham mais facilmente os seus medicamentos no estrangeiro.
Embora a diretiva tenha sido bem sucedida na consagração dos direitos dos doentes, a plena fruição desses direitos implica que os doentes tenham conhecimento deles. Apesar das melhorias introduzidas pelos PCN, são necessários mais esforços para melhorar a facilidade de utilização e a acessibilidade da informação para os doentes, incluindo para as pessoas com deficiência. O manual para os doentes e os princípios orientadores da Comissão fornecem instrumentos para apoiar os PCN no seu trabalho e devem ser amplamente promovidos. A Comissão considera que os PCN devem colaborar com as organizações de doentes, os profissionais de saúde e as seguradoras de saúde para aumentar a sensibilização para os cuidados de saúde transfronteiriços e unir esforços para reduzir a carga administrativa e emotiva para os doentes que procuram cuidados de saúde no estrangeiro. Além disso, proporcionar uma maior clareza sobre a relação entre a diretiva e o regulamento, bem como informações sobre o funcionamento destes regimes, é uma prioridade para melhorar a escolha dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços.
A criação das redes europeias de referência mobilizou um grande empenho por parte dos profissionais de saúde e investimento dos prestadores de cuidados de saúde no domínio das doenças raras. As RER permitiram o intercâmbio dos escassos conhecimentos, em benefício dos doentes com doenças raras. A sua participação na investigação sobre doenças raras é fundamental para encontrar soluções para os doentes com dificuldades de diagnóstico ou sem opção de tratamento para uma das 6 000 a 8 000 doenças raras estimadas. A salvaguarda do desenvolvimento sustentável das RER exige uma ação por parte dos Estados-Membros, apoiada pela Comissão, para integrar melhor as RER nos sistemas nacionais de saúde. Estão a ser desenvolvidas soluções para assegurar o bom funcionamento dos painéis de consulta virtuais no âmbito das RER, de modo que mais doentes com doenças raras possam receber as respostas há muito aguardadas sobre o seu diagnóstico e tratamento.
A pandemia de COVID-19 demonstrou a importância da solidariedade dos Estados-Membros da União Europeia em tempos de crise. As pessoas nas regiões fronteiriças beneficiam consideravelmente de uma cooperação regional estruturada no domínio dos cuidados de saúde em situações de emergência e nos cuidados de saúde já planeados, através da partilha das instalações de cuidados de saúde. Várias regiões são um exemplo de inspiração e de boas práticas de cooperação estruturada entre as administrações de saúde, as seguradoras e os prestadores de cuidados de saúde, que trabalham em conjunto além-fronteiras para superar as diferenças dos sistemas nacionais de saúde a fim de satisfazer as necessidades dos doentes.