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Document 52020IR2615

Parecer do Comité das Regiões Europeu — Serviços públicos transfronteiriços na Europa

COR 2020/02615

JO C 106 de 26.3.2021, p. 12–18 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

26.3.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 106/12


Parecer do Comité das Regiões Europeu — Serviços públicos transfronteiriços na Europa

(2021/C 106/04)

Relator:

Pavel BRANDA, vice-presidente do município de Rádlo

I.   OBSERVAÇÕES GERAIS

Quase um terço dos cidadãos da UE vive e trabalha nas regiões fronteiriças da Europa. Estas fronteiras têm um impacto direto e indireto nas suas vidas. As pessoas que vivem em regiões fronteiriças enfrentam amiúde desafios peculiares, tais como encontrar emprego, aceder a cuidados de saúde e a outros serviços públicos, efetuar deslocações diárias e superar problemas administrativos. A cooperação transfronteiriça demonstrou ser o instrumento mais eficaz para superar o efeito de barreira e o papel divisório das fronteiras e para reforçar a coesão territorial das regiões fronteiriças.

O acesso aos serviços públicos nas regiões fronteiriças, em particular as fortemente despovoadas, é frequentemente mais limitado em comparação com o acesso nas regiões centrais e das capitais, circunstância que se agrava quando se trata de regiões que também enfrentam desafios demográficos, constituindo um fator determinante da qualidade de vida. A prestação de serviços públicos transfronteiriços poderá não só ser benéfica para os cidadãos, mas também ser mais rentável, uma vez que alargaria a disponibilidade destes serviços e aumentaria a sua eficiência em termos de custos.

A prestação eficaz de serviços públicos transfronteiriços pode igualmente conduzir a uma maior compreensão entre vizinhos e à criação de um clima de confiança muito necessário. Estes serviços teriam um impacto direto na perceção da União Europeia, contribuindo para o reforço da identidade europeia.

O alargamento da disponibilidade de serviços públicos transfronteiriços poderá contribuir para reduzir os efeitos negativos nas fronteiras e aumentar a qualidade de vida dos cidadãos residentes em regiões fronteiriças. Ao dar uma resposta adequada à necessidade atual de serviços públicos nas nossas fronteiras internas e externas, a UE demonstraria o seu valor acrescentado incontestável a milhões dos seus cidadãos que beneficiariam de tais serviços.

A análise específica de elevada qualidade realizada pela Rede Europeia de Observação do Desenvolvimento e da Coesão Territoriais (ESPON) (1) apresenta uma primeira perspetiva sobre os serviços públicos transfronteiriços, contextualizando-os e apresentando algumas recomendações. Na situação complexa em que vivemos, que exige respostas coordenadas para enfrentar os desafios, cabe agora ao CR, através do presente parecer, a iniciativa política de apoiar a questão dos serviços públicos transfronteiriços, formular recomendações políticas do ponto de vista dos órgãos de poder local e regional e identificar as próximas medidas a tomar pelas instituições da UE e por outras partes interessadas com vista a assegurar uma maior generalização e eficiência dos serviços públicos transfronteiriços.

II.   RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU

1.

considera que, para o êxito, a eficácia e maior generalização da prestação de serviços públicos transfronteiriços, são essenciais três instrumentos ou condições: um quadro jurídico, estruturas e financiamento. Dada a natureza europeia desses serviços, cumpre à UE desempenhar um papel ativo e de liderança na disponibilização destes instrumentos ou condições. É necessária a colaboração entre os órgãos de poder nacional, regional e local, de acordo com o princípio da parceria, para eliminar e/ou reduzir os custos decorrentes do contexto transfronteiriço;

Quadro jurídico da UE

Valor acrescentado de um quadro jurídico da UE

2.

assinala a necessidade de um quadro jurídico da UE que permita uma criação e uma gestão eficientes de serviços públicos transfronteiriços que respondam às necessidades dos nossos cidadãos residentes em regiões fronteiriças. Tal constituiria um claro valor acrescentado europeu, dado que os quadros atuais impõem amiúde encargos e custos administrativos excessivos, o que faz com que muitos órgãos de poder local e regional abandonem os seus planos;

3.

neste sentido, apoia firmemente o mecanismo transfronteiriço europeu cuja proposta está atualmente bloqueada no Conselho da União Europeia; insta, por conseguinte, a Presidência portuguesa a acelerar a sua adoção;

4.

considera que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, a cooperação transfronteiriça e a prestação de serviços públicos transfronteiriços são questões de natureza europeia e podem ser abordadas de forma mais eficaz a nível da UE através de uma cooperação estreita com os órgãos de poder nacional, regional e local (princípio da parceria);

Execução do direito da União adequada às regiões transfronteiriças

5.

insta a Comissão Europeia, enquanto instituição responsável pelo acompanhamento da execução da legislação da UE e, sobretudo, os Estados-Membros e as regiões com poderes legislativos, a coordenar a transposição das diretivas com os Estados e as regiões vizinhos, para que não surjam novos obstáculos jurídicos nem assimetrias administrativas em consequência da falta de coordenação; insta, ao mesmo tempo, os Estados-Membros e as regiões com poderes legislativos a examinar os seus quadros jurídicos nacionais ou regionais, no que diz respeito ao seu impacto nas zonas fronteiriças;

6.

assinala que as avaliações de impacto podem proporcionar uma excelente visão dos efeitos da legislação da UE e insta a Comissão, os Estados-Membros e as regiões com poderes legislativos a estabelecerem metodologias que permitam realizar avaliações de impacto transfronteiriças eficazes;

Pontos de contacto transfronteiriços nas direções-gerais da Comissão Europeia

7.

insta a Comissão Europeia a ter em conta a situação dos territórios fronteiriços de forma transversal na elaboração das suas políticas e a designar pontos de contacto transfronteiriços em todas as direções-gerais suscetíveis de lidar com questões transfronteiriças, especialmente nos domínios do ambiente, dos serviços de emergência, da gestão de riscos, dos transportes, dos cuidados de saúde, da educação, do ordenamento do território, da digitalização, da comunicação, da cultura, do turismo, do desenvolvimento económico e do emprego (2). A nova legislação da UE, assim como a legislação revista, deve ter em conta a prestação de serviços públicos transfronteiriços nestes setores pertinentes, com vista a apoiar a sua aplicação;

Pontos de contacto transfronteiriços nacionais

8.

insta os Estados-Membros e as regiões com poderes legislativos a designar pontos de contacto nacionais transfronteiriços estáveis, permanentes e interadministrativos, que teriam como função trocar experiências, debater os desafios enfrentados pelos órgãos de poder local e regional em determinada fronteira, coordenar a execução da legislação da UE e trabalhar na supressão sistemática dos obstáculos fronteiriços (também no que diz respeito à criação de oferta e à prestação de serviços públicos transfronteiriços). Estes pontos de contacto poderiam ser os mesmos organismos propostos no regulamento relativo ao mecanismo transfronteiriço europeu — desde que criados na região em causa —, embora com responsabilidades mais abrangentes. No âmbito dos referidos pontos de contacto, deverá designar-se uma pessoa responsável que domine as línguas oficiais dos territórios fronteiriços. O trabalho destes pontos de contacto deverá conduzir à supressão dos obstáculos identificados pelos intervenientes locais e regionais. Poderiam avaliar a situação nas regiões fronteiriças e propor abordagens e ações conjuntas que conduzam à melhoria dos serviços prestados aos cidadãos otimizando os recursos disponíveis em ambos os lados da fronteira, assim como definir mecanismos de coordenação com os programas transfronteiriços e outros programas da UE. O Ponto de Contacto Fronteiriço da UE deve assegurar a coordenação e o apoio metodológico, bem como facilitar o intercâmbio de boas práticas entre as regiões fronteiriças da Europa;

9.

insta os Estados-Membros a mostrar maior flexibilidade quando os órgãos de poder local e regional desejem implementar serviços públicos transfronteiriços, uma vez que a flexibilidade, as soluções ad hoc e as respostas rápidas por parte dos intervenientes estatais pertinentes para implementar e manter os serviços públicos transfronteiriços podem proporcionar soluções a curto prazo que exijam uma solução duradoura e sustentável. O recurso a acordos intergovernamentais, como o recente Tratado de Aachen, poderia também estimular a prestação de serviços públicos transfronteiriços;

Ponto de Contacto Fronteiriço (DG REGIO)

10.

sublinha o seu apoio ao Ponto de Contacto Fronteiriço da DG REGIO e apela para um reforço dos recursos humanos afetados a esta estrutura, tendo em vista o seu potencial novo papel de coordenação dos pontos de contacto nacionais e pontos de contacto nas diferentes direções-gerais;

Mecanismo transfronteiriço europeu

11.

considera que a UE deve apoiar uma abordagem coordenada nas fronteiras no que se refere à execução da legislação da UE. Nos casos em que essa abordagem não tenha sido bem-sucedida e em que a legislação nacional não permite a cooperação, a UE deve prever uma solução ou quadro europeu a que os prestadores de serviços públicos transfronteiriços poderiam recorrer;

12.

sublinha, por conseguinte, a necessidade de adotar o novo instrumento proposto pela Comissão Europeia, o mecanismo transfronteiriço europeu (3), como um instrumento jurídico da base para o topo que poderá revelar-se a solução idónea para superar os obstáculos jurídicos e administrativos e criar um quadro jurídico adequado para a execução específica dos serviços públicos transfronteiriços;

13.

reitera que a análise dos obstáculos fronteiriços existentes, realizada pela Comissão Europeia no âmbito da análise transfronteiriça, e os projetos «b-solutions» subsequentes demonstram claramente a necessidade de um instrumento jurídico deste tipo no terreno. Em mais de um terço dos 43 casos de «b-solutions» (4) analisados, o mecanismo transfronteiriço europeu seria um instrumento adequado que ajudaria a remover os obstáculos, nomeadamente nos casos em que a solução proposta exigiria a alteração do quadro jurídico ou administrativo atualmente aplicável num lado da fronteira;

14.

apela, neste contexto, às partes interessadas locais e regionais para que reforcem as suas capacidades, de modo que possam desempenhar um papel mais proeminente e mais eficaz como «promotores» de soluções ao abrigo da proposta relativa ao mecanismo transfronteiriço europeu. Para que o mecanismo seja aplicado de forma correta, os órgãos de poder local e regional devem ser capazes de compreender suficientemente os obstáculos e, por conseguinte, de definir claramente soluções jurídicas ou administrativas viáveis;

15.

observa que a proposta de regulamento relativo ao mecanismo transfronteiriço europeu poderá ser crucial não só para os serviços públicos transfronteiriços mas para o futuro da cooperação transfronteiriça em geral, na medida em que é suscetível de contribuir para a eliminação dos obstáculos existentes e a libertação de todo o potencial económico das regiões fronteiriças da UE (5);

16.

insta o Conselho Europeu a retomar os debates sobre o regulamento relativo ao mecanismo transfronteiriço europeu e a adotar urgentemente a sua posição sobre a proposta, para que o regulamento possa ser rapidamente adotado;

17.

insta os Estados-Membros a integrar na ordem do dia das cimeiras entre Estados fronteiriços, e de qualquer outra instância de alto nível de cooperação transfronteiriça, o debate sobre o mecanismo para remover os obstáculos jurídicos e administrativos num contexto transfronteiriço. O exame do instrumento proposto pela Comissão Europeia nos fóruns com capacidade de decisão deve convencer os Estados-Membros da sua utilidade para remover a maior parte dos obstáculos jurídicos e administrativos remanescentes nas fronteiras da UE e, por conseguinte, para criar serviços públicos transfronteiriços;

18.

propõe à Comissão Europeia, aos Estados-Membros interessados, às regiões com poderes legislativos e às estruturas transfronteiriças a nível local e regional que testem a aplicação dos princípios e procedimentos estabelecidos na proposta relativa ao mecanismo transfronteiriço europeu em projetos concretos, a fim de compreender melhor como este instrumento pode ser aplicado a condições específicas e ajudar a superar os obstáculos jurídicos e administrativos existentes. No passado, muitas zonas transfronteiriças funcionaram como laboratórios de cooperação transfronteiriça e produziram resultados positivos na resolução de problemas transfronteiriços;

Estruturas transfronteiriças

19.

observa que a análise realizada pela ESPON demonstrou que a maioria dos serviços públicos transfronteiriços exigiu a criação de uma nova estrutura ou organismo transfronteiriço, regra geral sem ter de recorrer a uma personalidade jurídica nova. Amiúde, foram utilizadas ou adaptadas as estruturas já existentes. As novas estruturas transfronteiriças foram criadas ao abrigo de acordos intergovernamentais, do direito interno ou do Regulamento AECT em vigor;

20.

salienta as vantagens das estruturas transfronteiriças permanentes, dotadas do seu próprio pessoal e orçamento, cujo único objetivo é promover a cooperação transfronteiriça, como as eurorregiões, as comunidades de trabalho e estruturas similares, a fim de assegurar o desenvolvimento eficaz dos serviços públicos transfronteiriços;

21.

sublinha os benefícios e o potencial não plenamente aproveitado dos Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial (AECT) (6), que poderão servir como órgãos de gestão ideais para os serviços públicos transfronteiriços, especialmente nos casos que requerem um orçamento comum e a contratação de pessoal comum e que têm os poderes públicos como principais prestadores. Os esforços de sensibilização envidados pela Plataforma dos AECT do CR devem ser reforçados e centrar-se especificamente na utilização dos AECT para a prestação de serviços públicos transfronteiriços;

22.

sublinha que os AECT, embora tenham demonstrado ser de grande utilidade na cooperação transfronteiriça, têm determinadas limitações legais que os impedem de explorar plenamente as potencialidades da cooperação transfronteiriça reforçada. Tal reflete-se sobretudo nos serviços públicos transfronteiriços e nos projetos de infraestruturas. A utilização deste instrumento europeu poderia ser muito mais ampla se o quadro jurídico acima referido fosse melhorado;

Instrumentos financeiros

23.

solicita que se faça referência ao desenvolvimento dos serviços públicos transfronteiriços enquanto atividade elegível ao abrigo da política de coesão, em particular, no âmbito do Programa Interreg (sem que tal implique reduzir outros elementos do programa), assim como noutros instrumentos financeiros previstos no próximo Quadro Financeiro Plurianual e no Instrumento de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU), previsto na sequência da pandemia de COVID-19. A fim de tornar os programas de financiamento mais atrativos, é igualmente necessário reduzir os encargos administrativos associados à candidatura e à gestão desses fundos;

24.

solicita a todas as autoridades de gestão nas regiões fronteiriças que financiem operações/ações/projetos transfronteiriços no âmbito dos seus programas regionais principais (FEDER e FSE), a fim de complementar e aprofundar a ação dos programas Interreg;

25.

sublinha a importância do Programa Interreg para as regiões transfronteiriças nos últimos 30 anos. O Interreg apoiou a cooperação que permitiu a aproximação e o diálogo entre as administrações e as autoridades das várias regiões transfronteiriças, alargou o âmbito da cooperação transfronteiriça e apoiou projetos que tiveram resultados diretos na criação de serviços públicos transfronteiriços;

26.

assinala as experiências muito positivas que resultaram dos projetos «b-solutions» da Comissão Europeia, que visam remover os obstáculos fronteiriços, incluindo alguns dos projetos que abordaram os serviços públicos transfronteiriços. Estes projetos demonstraram que, mesmo com um financiamento limitado, é possível obter muito bons resultados;

27.

reitera a sua profunda deceção com o orçamento proposto para o Programa Interreg nas propostas para as próximas perspetivas financeiras, que é insuficiente para as necessidades da cooperação territorial europeia em geral e da cooperação transfronteiriça em particular, que é um dos elementos fundamentais da política de coesão, assim como do processo de integração europeia. Perder-se-ão muitas oportunidades devido ao orçamento mais reduzido do Programa Interreg, já largamente insuficiente no período de financiamento anterior;

28.

recomenda que os Estados-Membros afetem conjuntamente uma parte dos seus recursos adicionais no âmbito da Iniciativa REACT-EU a programas de cooperação transfronteiriça em que participam, permitindo, assim, relançar e reforçar de forma eficiente a cooperação transfronteiriça após a crise da COVID-19, o que passa também por apoiar o desenvolvimento de serviços públicos transfronteiriços ou de corredores sanitários. As sinergias que podem ser alcançadas através da utilização conjunta de serviços de emergência médica também devem ser analisadas neste contexto;

29.

apoia firmemente o programa-piloto «Regiões transfronteiriças confrontadas com a pandemia de COVID-19: uma oportunidade para relançar respostas comuns às crises e o codesenvolvimento», votado na sessão plenária do Parlamento Europeu, em novembro, que visa melhorar a vida dos cidadãos nas regiões fronteiriças apoiando o desenvolvimento de zonas transfronteiriças mais integradas e funcionais. Este projeto-piloto destina-se a ajudar as regiões fronteiriças a enfrentar melhor crises futuras e a promover um novo modelo de elaboração de políticas públicas, incluindo serviços públicos, nas regiões fronteiriças com base no codesenvolvimento e na melhoria da governação a vários níveis. O projeto-piloto combina, por conseguinte, duas abordagens — uma a curto e outra a médio prazo — com vista a proporcionar aos profissionais e decisores instrumentos e uma metodologia concretos que possam ser diretamente traduzidos em ações práticas, tangíveis para os cidadãos e aplicáveis a todas as fronteiras europeias;

30.

observa que, embora a UE, através dos seus programas, tenha apoiado a criação de alguns serviços públicos transfronteiriços, o financiamento a longo prazo não é sustentável. Os Estados-Membros e os órgãos de poder local e regional devem analisar outras formas de financiamento adequadas e a longo prazo, como as fontes nacionais ou regionais e as parcerias público-privadas, que devem igualmente ser flexibilizadas por forma a poderem constituir-se e funcionar além-fronteiras, pelo menos no EEE;

Serviços eletrónicos

31.

salienta que, nas regiões fronteiriças, o processo de digitalização em curso deve decorrer com base numa perspetiva tripla, nomeadamente, do tecido económico, das administrações e entidades públicas que prestam serviços ao cidadão, e do próprio conjunto de cidadãos. Nesse quadro, os serviços eletrónicos podem abrir um domínio de desenvolvimento muito interessante para a prestação de serviços públicos transfronteiriços. Por exemplo, a utilização da interface de tradução automática poderia suprimir um dos primeiros obstáculos à cooperação transfronteiriça em geral e à prestação de serviços públicos transfronteiriços em particular, nomeadamente o obstáculo linguístico. Além disso, a criação de cartões eletrónicos que permitam aos cidadãos das regiões fronteiriças aceder a serviços públicos transfronteiriços constituiria um passo importante para melhorar a qualidade de vida da população dessas regiões. Um maior recurso a procedimentos eletrónicos conduzirá à necessária harmonização das disposições administrativas, removendo outro conjunto considerável de obstáculos. Além disso, o desenvolvimento de sistemas baseados na inteligência artificial poderia promover a prestação de serviços a nível europeu;

O papel do setor privado

32.

exorta os decisores a prestar especial atenção aos pequenos e médios prestadores locais. Os operadores privados são intervenientes fundamentais na prestação de determinados serviços e/ou em determinados países. As empresas comuns transfronteiriças constituídas por pequenos e médios prestadores, por exemplo através de uma sociedade europeia (7), poderiam estar mais bem preparadas para prestar serviços públicos transfronteiriços;

Conectividade transfronteiriça

33.

solicita que se apoie a conectividade transfronteiriça. Em algumas regiões fronteiriças, as pessoas deparam-se com dificuldades de ordem física para acederem ao outro lado da fronteira, devido à existência de barreiras naturais (montanhas ou rios) e à ausência de ligações físicas entre os dois lados (estradas ou pontes) ou por falta de serviços de transporte público adequados e regulares. A melhoria da conectividade aumentaria os intercâmbios, favorecendo uma maior integração das pessoas nas regiões fronteiriças;

34.

insta as instituições da UE e os Estados-Membros a retomar os debates sobre o lançamento de um passaporte de serviços (Cartão Eletrónico Europeu de Serviços), que permitiria às PME prestar serviços transfronteiriços sem serem confrontadas com encargos administrativos adicionais das entidades reguladoras estrangeiras;

Melhor promoção e acompanhamento dos serviços públicos transfronteiriços

35.

sublinha que a esmagadora maioria de todos os serviços públicos transfronteiriços identificados (64 %) (8) se situa ao longo das fronteiras entre os antigos Estados-Membros da UE, o que contrasta com o número muito reduzido destes serviços na fronteira entre os novos Estados-Membros;

36.

convida a Comissão, bem como os Estados-Membros, a levar a cabo, juntamente com os órgãos de poder local e regional e o CR, uma campanha de informação nos Estados-Membros, a fim de demonstrar os benefícios e potencialidades dos serviços públicos transfronteiriços. Estas partes interessadas devem também investir mais no acompanhamento e na promoção dos serviços públicos transfronteiriços existentes, uma vez que muitos deles continuam a ser desconhecidos do público em geral (por exemplo, através da criação de catálogos de serviços públicos transfronteiriços);

37.

está disposto a desempenhar um papel mais importante no acompanhamento e na promoção dos serviços públicos transfronteiriços na Europa, dada a sua excelente experiência em matéria de acompanhamento e promoção dos AECT através da Plataforma dos AECT do CR. Uma vez que alguns dos AECT já prestam serviços públicos transfronteiriços, a Plataforma dos AECT deve também ser incumbida de acompanhar o desenvolvimento destes serviços e de os promover, juntamente com os AECT, como um instrumento adequado para a sua aplicação;

38.

insta as regiões fronteiriças, nomeadamente as eurorregiões, as comunidades de trabalho, os AECT e outras estruturas transfronteiriças, a consultar os seus cidadãos sobre os serviços que consideram faltar na sua região ou que podem ser melhorados, a responder a estas necessidades e a conceber serviços transfronteiriços de interesse comum novos ou melhorados;

Serviços públicos transfronteiriços nas fronteiras externas terrestres e marítimas da UE

39.

recorda a experiência com o Regulamento AECT, que demonstrou que é possível estabelecer uma cooperação frutuosa e mais bem estruturada com os países terceiros, como é particularmente o caso com a Suíça e a Ucrânia;

40.

sublinha que 17 % de todos os serviços públicos transfronteiriços identificados se situam na fronteira entre a UE e países terceiros, o que demonstra a necessidade e o potencial dessa cooperação para além das fronteiras externas da UE, tanto terrestres como marítimas. O quadro jurídico, as estruturas e o financiamento devem permitir a criação desses serviços com países terceiros, o que seria do interesse dos cidadãos destas regiões fronteiriças;

A experiência da COVID-19: encerrar fronteiras versus cooperação

41.

reitera as oportunidades que os Estados-Membros perderam durante a pandemia recente de COVID-19, quando instintivamente e unilateralmente encerraram as fronteiras, sem considerarem a congregação de esforços nas fronteiras internas da UE e a prestação de cuidados de saúde e de emergência aos cidadãos que vivem nas regiões fronteiriças. A crise poderia ter sido abordada de forma mais adequada através da cooperação e da partilha de conhecimentos especializados e recursos. Tal deve, contudo, ser visto como uma lição que demonstra, uma vez mais, a necessidade de serviços públicos transfronteiriços e de uma coordenação a nível europeu das abordagens para problemas comuns. Importa salientar que a cooperação transfronteiriça no domínio da saúde e dos serviços de emergência médica, é de grande importância para a prestação de bons cuidados à população, incluindo fora dos períodos de crise, e que esta cooperação deve ser particularmente promovida;

42.

salienta que o encerramento das fronteiras sem coordenação e consulta dos Estados vizinhos nem dos órgãos de poder local e regional nas regiões fronteiriças não só teve um efeito devastador na cooperação transfronteiriça existente, como teve também, sobretudo, repercussões extremamente negativas na vida dos cidadãos que residem nas regiões fronteiriças, uma vez que não foram acordados protocolos para assegurar a circulação excecional de pessoas e mercadorias, o que levou, por conseguinte, a um impacto negativo, designadamente na prestação de serviços públicos transfronteiriços;

43.

considera que é necessário definir um nível mínimo básico de cooperação transfronteiriça, mesmo em tempos de crise, a fim de garantir a prestação de serviços públicos transfronteiriços, em especial os serviços relacionados com a gestão de crises;

44.

congratula-se com a parceria entre o CR, a Comissão Europeia e as principais associações que trabalham em questões transfronteiriças, nomeadamente a Mission Opérationnelle Transfrontalière (MOT) [missão operacional transfronteiriça], a Associação das Regiões Fronteiriças Europeias (ARFE) e o Serviço Europeu Central para as Iniciativas Transfronteiriças (CESCI), criadas durante a crise da COVID-19. Esta experiência conduziu à constituição de uma Aliança Europeia dos Cidadãos Transfronteiriços;

45.

sublinha que, apesar das fronteiras fechadas, muitas regiões e municípios fronteiriços encontraram formas de cooperar e partilhar recursos durante estes tempos difíceis, provando, uma vez mais, que a cooperação transfronteiriça é natural para os residentes destas regiões e o caminho razoável a seguir pelas suas comunidades;

Recomendações para o futuro

46.

afirma que está preparado para retirar ensinamentos das experiências das regiões fronteiriças e formular recomendações abrangentes sobre a cooperação transfronteiriça no âmbito do contributo do CR para a Conferência sobre o Futuro da Europa;

47.

prevê, a este respeito, formular recomendações específicas à Conferência sobre duas questões:

A primeira consiste numa visão a longo prazo do futuro da cooperação transfronteiriça na União Europeia, centrada em propostas concretas, que o CR e as regiões fronteiriças desejariam ver implementadas até 2050. Os serviços públicos transfronteiriços farão parte dessa visão.

A segunda questão seria o convite à elaboração de legislação que garanta normas mínimas para a cooperação transfronteiriça em situações de crise à escala da UE e/ou local, a fim de manter um nível suficiente de serviços públicos, permitir a atividade dos cidadãos residentes em regiões fronteiriças, assegurar o funcionamento ininterrupto do mercado único e manter a dinâmica da integração europeia.

Bruxelas, 5 de fevereiro de 2021.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Apostolos TZITZIKOSTAS


(1)  Análise específica realizada pela ESPON sobre os serviços públicos transfronteiriços, de 14 de janeiro de 2019.

(2)  Domínios de intervenção identificados na análise da ESPON em que há maior oferta de serviços públicos transfronteiriços

(3)  Regulamento COM(2018) 373 final — 2018/0198 (COD).

(4)  https://www.b-solutionsproject.com

(5)  A Comunicação da Comissão Europeia Impulsionar o crescimento e a coesão nas regiões fronteiriças da UE afirma que, «se apenas 20 % dos atuais obstáculos fossem removidos, as regiões fronteiriças teriam um ganho de 2 % em termos de PIB[,] […] com um potencial para a criação de mais de 1 milhão de postos de trabalho» [COM (2017) 534, p. 4].

(6)  Regulamento (CE) n.o 1082/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativo aos agrupamentos europeus de cooperação territorial (AECT) (JO L 210 de 31.7.2006, p. 19).

(7)  Regulamento (CE) n.o 2157/2001 do Conselho, de 8 de outubro de 2001, relativo ao estatuto da sociedade europeia (SE) (JO L 294 de 10.11.2001, p. 1).

(8)  Análise específica realizada pela ESPON sobre os serviços públicos transfronteiriços, de 14 de janeiro de 2019.


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