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Document 52020IE1551

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Emergência pós-COVID-19: criação de uma nova matriz multilateral (parecer de iniciativa)

EESC 2020/01551

OJ C 364, 28.10.2020, p. 53–61 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

28.10.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 364/53


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — Emergência pós-COVID-19: criação de uma nova matriz multilateral

(parecer de iniciativa)

(2020/C 364/08)

Relatora:

Emmanuelle BUTAUD-STUBBS

Decisão da Plenária

20.2.2020

Base jurídica

Artigo 32.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

16.6.2020

Adoção em plenária

16.7.2020

Reunião plenária n.o

553

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

213/3/3

1.   Conclusões e recomendações

COVID-19 e multilateralismo

1.1.

O profundo impacto económico, social e financeiro sem precedentes da crise sanitária da COVID-19 exige uma resposta clara, inédita e a longo prazo. É importante que a UE apoie a economia e as trocas comerciais internacionais, para que o comércio mundial não tenha de recuperar o atraso, como aconteceu em 1929, e que financie a retoma, protegendo simultaneamente as empresas, todo o tipo de trabalhadores (incluindo as pessoas com deficiência), os grupos vulneráveis e os cidadãos em geral, num espírito de solidariedade e de responsabilidade, não deixando ninguém para trás. Todas as empresas, incluindo as empresas da economia social, enquanto componentes essenciais da solução, precisam de ter pleno acesso a medidas de recuperação.

1.2.

A retoma após o «Grande Confinamento» deve assentar na sustentabilidade e no crescimento inclusivo e ecológico. Por conseguinte, as medidas previstas no Pacto Ecológico são mais pertinentes do que nunca (estratégia industrial, ajustamento do carbono nas fronteiras e neutralidade climática até 2050).

1.3.

A crise da COVID-19 infligiu um duro golpe a um multilateralismo já de si minado por fraquezas estruturais, como a sobreposição de organizações, um funcionamento ultrapassado e um processo de decisão que exige unanimidade em organismos compostos por muitos membros. Este enfraquecimento do multilateralismo é palpável no declínio do Órgão de Recurso do mecanismo de resolução de litígios da OMC e no congelamento da contribuição financeira dos Estados Unidos (EUA) à Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como na sua subsequente saída deste órgão. Além disso, as restrições nacionais à exportação de equipamento médico essencial e de equipamento de proteção individual, incluindo por parte de Estados-Membros da União Europeia (UE), o egoísmo nacional e algumas falhas na solidariedade e na cooperação internacional afetam os países mais vulneráveis de forma negativa e atrasam a retoma da economia mundial.

É necessária uma visão mais holística

1.4.

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) pretende partilhar as suas reflexões sobre uma «nova matriz multilateral», tendo por base a extensa lista de propostas anteriores [nomeadamente sobre a reforma da OMC e o papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT)] e apresentar novas soluções para a era pós-COVID-19 (1).

1.5.

Elaborada durante a crise, a presente reflexão visa inspirar uma nova cooperação e uma maior coerência nas decisões tomadas por organizações internacionais, supranacionais e intergovernamentais em matéria de comércio e investimento, trabalho digno, direitos humanos e sociais e alterações climáticas. Procura incentivar os países a respeitarem o princípio da cooperação leal nestas organizações e a reforçarem as sinergias, em vez de explorarem as lacunas.

1.6.

Após cada guerra mundial, as pessoas voltaram-se para organizações internacionais como garantes da paz e da prosperidade. Esta crise sanitária mundial é precisamente o momento de repensar as regras de governação mundial e integrar parte do espírito de inovação que sempre emerge quando nos encontramos face a situações sem precedentes.

Um conjunto de propostas concretas

1.7.

Várias partes interessadas, oriundas de uma multiplicidade de contextos (ver anexo), ajudaram a relatora a identificar propostas, tomando em consideração os condicionalismos jurídicos, políticos e organizacionais.

1.8.

Estas propostas visam assegurar uma melhor coordenação entre:

as normas sociais mundiais e os compromissos assumidos em matéria de alterações climáticas e de proteção do ambiente;

as regras em matéria de comércio e os tratados sobre alterações climáticas e proteção do ambiente; e

as regras em matéria de comércio e as normas sociais mundiais.

1.9.

As propostas incluem um acesso mais alargado ao estatuto de observador, o financiamento destinado à promoção de estudos, a criação de novos grupos de trabalho, o reforço da coordenação entre secretariados, políticas comuns no domínio da investigação, a interpretação de algumas disposições jurídicas em vigor e compromissos políticos.

1.10.

O CESE está ciente de que as mudanças devem ser iniciadas a nível político e está firmemente convicto de que a UE, um dos poucos intervenientes a nível mundial com um dever constitucional e um mandato para uma boa governação mundial, tem um papel crucial a desempenhar na criação de uma matriz multilateral mais eficiente a partir de dentro.

2.   Os resultados modestos do nosso apelo de longa data para mais coerência nas regras multilaterais

2.1.    Um apelo dos principais intervenientes da sociedade civil

2.1.1.

Muitas partes interessadas têm solicitado reiteradamente uma maior coerência na elaboração de políticas por parte de organizações internacionais, supranacionais e intergovernamentais.

2.1.2.

Na comunidade empresarial, a Câmara de Comércio Internacional (CCI) salientou, nomeadamente, que um dos pontos de tensão subjacentes ao atual debate sobre a globalização é a perceção de uma dissonância entre as normas comerciais, laborais e ambientais (2).

2.1.3.

A cimeira das organizações sindicais (L7) do G7, realizada em 2019, também defendeu na sua declaração (ponto 3) que a governação mundial deve ter em maior consideração os desafios sociais da atualidade, nomeadamente a necessidade de novas competências, a fim de assegurar um trabalho digno de acordo com os padrões internacionais e condições para que as empresas possam apoiar a produtividade, pagar salários mais elevados e criar bons empregos.

2.2.    Panorâmica das etapas anteriores

2.2.1.   Compreender a complexidade da globalização

2.2.1.1

As Nações Unidas (ONU) desempenham um papel importante enquanto organização internacional de cúpula capaz de definir regras e normas com maior cobertura geográfica. É por esta razão que o CESE apoia a reforma da ONU, que deve resultar de uma abordagem processual baseada nos resultados. Em setembro de 2015, a ONU adotou 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que refletem os desafios mais universais da humanidade. Embora os ODS não sejam juridicamente vinculativos, espera-se que os governos e, inclusivamente, as instituições da UE, assumam a responsabilidade e estabeleçam quadros internos para a sua consecução.

2.2.1.2

Em 2017, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) assinalou que é necessário corrigir a globalização, mas que não sabe exatamente como fazê-lo (3). O documento de orientação enumera políticas conexas (política social e mercado de trabalho, educação e competências, responsabilidade social e ambiental das empresas) e refere a necessidade urgente de aumentar a consulta pública e a participação das partes interessadas da sociedade civil nas atividades de definição de normas pelas organizações internacionais.

2.2.2.   Normas sociais mundiais e regras comerciais multilaterais: a história de uma oportunidade perdida

2.2.2.1

Logo após a tentativa fracassada de inserção de uma cláusula social nas suas regras, em 1996 (4) a OMC esclareceu que a OIT era o organismo competente para definir e lidar com normas laborais fundamentais. Desde então, a OIT adotou vários instrumentos essenciais. A secção 5 da Declaração de 1998 da OIT reconheceu que as normas laborais não devem ser utilizadas para fins de protecionismo comercial e que nada na referida declaração e na documentação subsequente deve ser invocado ou utilizado para esses fins. Além disso, reconheceu que a vantagem comparativa de qualquer país não pode, de modo algum, ser posta em causa pela declaração e pela documentação subsequente.

2.2.2.2

Na sua Declaração do Centenário de 2019, a OIT assume a liderança do processo, comprometendo-se a reforçar a cooperação e a estabelecer acordos institucionais com outras organizações para promover a coerência das políticas tendo em vista a sua abordagem do futuro do trabalho centrada no ser humano, reconhecendo as ligações fortes, complexas e cruciais que existem entre as políticas sociais, comerciais, financeiras, económicas e ambientais (secção IV, ponto F).

2.2.2.3

Embora sejam independentes, a OIT e a OMC colaboram em vários domínios e, nomeadamente, produzem interessantes publicações conjuntas sobre comércio e emprego, comércio e emprego informal, tornar a globalização socialmente sustentável e a importância das políticas de desenvolvimento de competências para ajudar os trabalhadores e as empresas a tirar partido dos benefícios do comércio.

2.2.2.4

Esta cooperação nunca transpôs o limite da Declaração Ministerial de Singapura da OMC de 1996, segundo a qual a OMC rejeita a utilização das normas laborais para fins protecionistas e acorda em que as vantagens comparativas de certos países, nomeadamente dos países em desenvolvimento com baixos salários, não deve de forma alguma ser posta em causa. A esse respeito, a OMC constatou ainda que os secretariados da OMC e da OIT prosseguiriam a sua atual colaboração.

2.2.3.   Integração gradual dos compromissos em matéria de clima e ambiente no contexto multilateral

2.2.3.1

Desde 1994, quando entrou em vigor a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC), os governos reúnem-se com regularidade para acompanhar os progressos através de um sistema sólido de transparência e responsabilização. Contudo, só no final de 2015, com o Acordo de Paris, foi adotado o primeiro acordo universal e juridicamente vinculativo sobre alterações climáticas, que prevê um sistema de contributos determinados a nível nacional sujeitos a monitorização.

2.2.3.2

Com o seu estatuto de observador na CQNUAC e com um mandato para promover o trabalho digno e uma transição justa, a OIT contribuiu substancialmente para o trabalho do «Improved Forum on the impacts of the implementation of response measures» [Fórum melhorado sobre os impactos da aplicação das medidas de resposta] (2015-2018). O fórum investigou, nomeadamente, os efeitos da aplicação de políticas, programas e medidas de atenuação (o impacto «dentro da jurisdição» e «fora da jurisdição», ou transfronteiriço), adotados pelas partes no âmbito da Convenção, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris para combater as alterações climáticas.

2.2.3.3

Na sequência de um memorando de entendimento de 2016, a OIT trabalhou em estreita colaboração com o pessoal da CQNUAC e com peritos para aumentar a compreensão mútua: formações sobre o papel dos intervenientes sociais, reforço das capacidades para medir o impacto das medidas relativas às alterações climáticas, seminários regionais sobre a transição justa e um fórum mundial bianual.

2.2.3.4

O principal canal de ação da OIT no domínio do ambiente consiste num consórcio conjunto entre o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) e o Instituto das Nações Unidas para a Formação e a Investigação (UNITAR), denominado Parceria em prol da Economia Verde (PAGE).

2.2.3.5

Foram ainda celebrados vários acordos multilaterais no domínio do ambiente, que são utilizados principalmente pela ONU e abrangem uma vasta gama de temas ambientais no domínio da biodiversidade, dos solos, dos mares, dos produtos químicos e dos resíduos perigosos ou da atmosfera. A UE é parte em cerca de 30 acordos deste tipo.

2.2.3.6

Além da rede da ONU, o Comité do Comércio e do Ambiente da OMC proporciona um fórum para a partilha de informações, eventos e troca de pontos de vista sobre o comércio e a sustentabilidade (ou seja, economia circular, iniciativas voluntárias em matéria de normas, reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis, plástico, etc.).

2.2.3.7

De acordo com a jurisprudência da OMC, os membros podem adotar medidas para melhorar a saúde dos cidadãos, a proteção do ambiente ou a conservação da biodiversidade, desde que cumpram os critérios estabelecidos para garantir o respeito das regras e disciplinas da OMC. Estas derrogações, baseadas no artigo XX do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), são consideradas compatíveis se forem proporcionadas e não discriminatórias. A aplicação de tais medidas não deve constituir «um meio de discriminação arbitrária ou injustificada» ou uma «restrição disfarçada ao comércio internacional».

2.2.3.8

Renato Ruggiero, então diretor-geral da OMC, indicou de forma muito clara, numa conferência em Bona (9 de dezembro de 1997), os limites daquilo que um governo pode ou não fazer: os governos podem utilizar qualquer tipo de restrição ao comércio, incluindo quotas e proibições de importação e exportação, ou a cobrança de impostos ou de outros encargos nas fronteiras, para efeitos de proteção ambiental ou de conservação dos recursos dentro da sua jurisdição, desde que sejam cumpridos os requisitos básicos em termos de não discriminação e de menor restrição do comércio. Acrescentou ainda que o que um país não pode fazer ao abrigo das regras da OMC é, porém, aplicar restrições comerciais para tentar alterar os processos e os métodos de produção — ou outras políticas — dos seus parceiros comerciais. Porquê? Essencialmente porque a questão dos processos e dos métodos de produção é da competência soberana de cada país.

2.2.3.9

Esta limitação, que impede a ingerência nos processos e métodos de produção, constitui um obstáculo claro ao estabelecimento de incentivos à produção e ao comércio de bens duradouros.

2.2.4.   Soluções bilaterais para uma maior coerência entre as regras económicas, sociais e ambientais

2.2.5.   Méritos e limites dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável

2.2.5.1

A UE incluiu capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre (ACL) para assegurar que a liberalização do comércio e do investimento não conduziria a uma deterioração das condições ambientais e laborais.

2.2.5.2

Em 2017, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) reconheceu o «lugar essencial» das disposições em matéria de desenvolvimento sustentável num acordo (5).

2.2.5.3

Em 2018 (6), o CESE apelou para uma maior ambição e um reforço do cumprimento efetivo dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável, aos quais deve ser dada a mesma importância que aos capítulos sobre aspetos comerciais, técnicos ou aduaneiros.

2.2.5.4

Em 2016, a OIT (7) comunicou que 63 % dos acordos com disposições laborais foram adotados após 2008, o que indica uma intensificação, e que 46,8 % dos acordos de comércio livre com disposições laborais envolveram a UE, os EUA ou o Canadá. Os textos de referência são, por ordem decrescente, a Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, a Convenção n.o 182 (Trabalho Infantil), a Agenda do Trabalho Digno e a Declaração sobre Justiça Social.

3.   Novas ideias para a criação de uma nova matriz multilateral

3.1.    Pressupostos gerais

3.1.1.

Todas as novas propostas que visem uma maior coesão devem respeitar quatro princípios:

especialização: as organizações internacionais possuem competências apenas na medida em que lhes sejam conferidas pelos Estados que as integram (8);

capacidade de decisão: as organizações dispõem de regras e processos internos claros que permitem que os organismos de governação (comités técnicos ou assembleias gerais) possam agir;

transparência: qualquer alteração funcional, como a introdução de grupos conjuntos, novos estatutos ou declarações comuns, deve ser comunicada de forma transparente, tanto a nível interno como externo;

avaliação: deve ser incentivada a criação de uma cultura de avaliação sobre o funcionamento interno.

3.1.2.

O CESE apoia, por natureza, uma comunicação e uma consulta mais abertas junto da sociedade civil sobre as políticas das organizações internacionais e defende a criação gradual de processos de diálogo permanente. Tendo em conta a sua experiência, o CESE está disposto a desempenhar um papel de facilitador na criação desses procedimentos. Tal como a CQNUAC e a OCDE, que mantêm um diálogo frutuoso com um amplo leque de parceiros, a OMC intensificou recentemente os seus contactos com a sociedade civil, para além do seu fórum público anual. Estes contactos podem dar um enorme contributo para a promoção da eficácia e da democracia no sistema de comércio multilateral. O CESE agradece à Comissão Europeia pelo seu apoio ao reforço da voz da sociedade civil a nível multilateral e acolhe favoravelmente a ação n.o 6 do recente plano de ação de 6 pontos do Grupo de Otava (9),

3.1.3.

A capacidade de negociação dos parceiros sociais também exige um maior reconhecimento. A declaração tripartida dos parceiros sociais a nível internacional e os vários acordos-quadro multinacionais contêm regras e instrumentos práticos úteis (normas sociais, relações com os fornecedores, diálogo social, luta contra o trabalho infantil e forçado).

3.2.    O conjunto de ferramentas multilaterais

Integrar a OMC no sistema da ONU de um ponto de vista funcional

3.2.1.

O sistema da ONU é o pilar da ordem internacional com a sua rede de agências especializadas, como a OIT, a UNESCO, a OMS, o FMI, o Banco Mundial e os bancos de desenvolvimento regional. Embora as regras comerciais devam contribuir para a consecução dos ODS, a OMC foi criada com organização «autónoma» e permanece fora do sistema da ONU. No entanto, o diretor-geral da OMC integra o conselho de diretores executivos da ONU, juntamente com todos os diretores-gerais das agências especializadas e outros organismos-chave da ONU. O CESE propõe que a OMC mantenha o conselho de diretores executivos da ONU informado de qualquer realização do sistema de regras comerciais que ajude a concretizar os ODS.

3.2.2.

A referência explícita a «desenvolvimento sustentável» no preâmbulo do Acordo OMC, de 1994, deve ser interpretada como abrangendo os ODS, que são a nova expressão universalmente acordada da sustentabilidade no direito internacional. A OMC parece aceitar já este pressuposto, na medida em que autoproclama no seu sítio Internet o seu papel «central para a consecução dos ODS».

Uma maior interligação de diferentes conjuntos de regras

3.2.3.   Regras sociais e ambientais mais rigorosas

3.2.3.1

Em 2018, a OIT produziu vários estudos sobre o potencial impacto global do Acordo de Paris, sobre a questão da transição ecológica e das competências (10) e sobre as competências necessárias para um futuro mais ecológico e o impacto do aquecimento nas condições de trabalho (11).

3.2.3.2

O CESE solicita uma divulgação mais ampla destes relatórios e defende a organização de seminários regionais financiados pela Comissão Europeia nos países em desenvolvimento, nomeadamente nos países menos desenvolvidos e nas economias insulares e vulneráveis, que são os mais afetados a nível social pelos efeitos brutais do aquecimento global.

3.2.3.3

Em 2015, a OIT publicou o documento Guidelines for a just transition towards environmentally sustainable economies and societies for all [Orientações da OIT para uma transição justa para sociedades e economias ambientalmente sustentáveis para todos]. O CESE propõe uma maior utilização destas orientações nos serviços da Comissão nas suas atividades de definição de normas. Além disso, a atualização destas orientações deveria constar da ordem de trabalhos do Conselho de Administração da OIT.

3.2.4.   Outras relações entre as regras comerciais e as normas sociais

3.2.4.1

Por uma questão de reciprocidade, o CESE gostaria que a OMC concedesse à OIT o estatuto de observador formal nas reuniões dos seus órgãos e comités principais. Para além da participação oficial da OIT nas conferências ministeriais da OMC, tal reforçaria a participação da OIT nos órgãos internos da OMC e poderia contribuir para integrar o respeito pelas normas laborais internacionais no âmbito do Mecanismo de Exame das Políticas Comerciais (MEPC) da OMC. O CESE propõe a criação de um grupo de trabalho temporário específico composto pelos secretariados da OMC e da OIT para elaborar e apresentar orientações até junho de 2021.

3.2.4.2

Além disso, a Comissão Mundial da OIT sobre a Dimensão Social da Globalização deve ser revitalizada à luz do impacto do surto de COVID-19 nas cadeias de valor mundiais. Com base no seu parecer sobre o tratado vinculativo das Nações Unidas (12), o CESE defende que, durante a Presidência alemã da UE, se pugne pela criação de um quadro regulamentar eficaz para assegurar o respeito pelos direitos humanos e o trabalho digno nas cadeias de valor mundiais. Este quadro regulamentar deverá incluir um plano de ação europeu com instrumentos legislativos e metas concretas, bem como ações normativas ambiciosas e eficazes a nível mundial. Tanto a OIT como a OMC devem contribuir no âmbito das respetivas funções.

3.2.4.3

No processo de exame dos acordos comerciais regionais e bilaterais — cujo número e cobertura geográfica não param de aumentar —, a OMC deve desempenhar um novo papel no âmbito das disposições laborais. Uma vez que a maioria dos novos acordos de comércio livre contém disposições laborais, o secretariado da OMC deve recolher, comparar e acompanhar este novo corpus. Este trabalho de acompanhamento poderá ser partilhado com a OIT, no âmbito do seu Plano de Ação para o Trabalho Digno nas cadeias de abastecimento mundiais, e fomentar uma cooperação mais estreita entre a OIT e a OMC.

3.2.5.   Outras relações entre as regras e as políticas em matéria de comércio e clima

3.2.5.1

Uma derrogação da OMC em matéria de clima, já debatida no meio académico e empresarial, poderia definir «medidas climáticas»: características, objetivos de interesse geral e critérios de compatibilidade com as regras da OMC. Essa derrogação permitiria aos membros da OMC introduzir medidas em matéria de clima a nível nacional (regime de comércio de licenças de emissão) ou nas suas fronteiras, assegurando que essas medidas não constituem medidas protecionistas disfarçadas.

3.2.5.2

Deve ser preparada, por um grupo de trabalho informal da OMC, uma declaração ministerial da OMC sobre comércio e ambiente, que reconheça o papel do comércio, da política comercial e do sistema de comércio multilateral no apoio aos esforços da comunidade internacional para alcançar os ODS e outros compromissos ambientais, como o Acordo de Paris, a ser apresentada na 12.a Conferência Ministerial, a realizar em 2021. O CESE anima a Comissão a prosseguir os seus esforços neste sentido.

3.2.5.3

O CESE solicita à Comissão Europeia que clarifique a sua posição sobre a eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis na UE e que apoie plenamente qualquer iniciativa apresentada a nível multilateral no âmbito da OMC.

3.2.5.4

O CESE apela para um relançamento célere das negociações multilaterais da OMC sobre um acordo em matéria de bens ambientais. Tal deve estar mais diretamente ligado ao Acordo de Paris, por exemplo, a proposta do Taipé Chinês, apresentada em 2019, de um acordo relativo a bens e serviços ambientais vinculado ao Acordo de Paris assente na eliminação dos direitos aduaneiros sobre bens e serviços relacionados com a redução das emissões de carbono. É defendido que o início da negociação de um novo acordo como o proposto pelo Taipé Chinês, com o objetivo de abordar questões tão importantes como as alterações climáticas e a liberalização do comércio internacional, será uma realização fundamental para o sistema de comércio multilateral (13).

3.2.5.5

Para uma maior coerência, os secretariados dos acordos multilaterais no domínio do ambiente devem ter o estatuto de observador num vasto leque de comités da OMC e não apenas no Comité do Comércio e do Ambiente (os comités que lidam com os obstáculos técnicos e as medidas sanitárias e fitossanitárias, por exemplo).

3.2.5.6

O CESE recomenda a criação de um grupo de trabalho conjunto para o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, a CQNUAC e a OMC. Trataria de questões relacionadas com as emissões de gases com efeito de estufa e com o comércio internacional e proporcionaria metodologias de medição ou sistemas de compensação no âmbito dos acordos de comércio livre (por exemplo, através da reflorestação). Os contributos determinados a nível nacional no âmbito do Acordo de Paris devem ter em conta esses sistemas de compensação acordados com países terceiros.

4.   Contributo da UE para um novo modelo de multilateralismo sustentável

4.1.

Para combater as fugas de carbono, o CESE apoia um mecanismo de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras da UE compatível com as regras da OMC, criando condições de concorrência equitativas para os setores com utilização intensiva de CO2 (14). O CESE insta a Comissão Europeia a cumprir o seu calendário original, com a apresentação de uma proposta legislativa na primavera de 2021. A recente avaliação de impacto inicial (roteiro) demonstrou que há apoio a esta medida, em especial em setores como o aço, o cimento, a indústria química e a eletricidade.

4.2.

O CESE sublinha a importância de uma condicionalidade social e ambiental abrangente para os países beneficiários no próximo Sistema de Preferências Generalizadas (SPG) [Regulamento (UE) n.o 978/2012 (15)].

4.3.    Disposições em matéria de desenvolvimento sustentável mais sólidas nos acordos de comércio livre

4.3.1.

Os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos comerciais e de investimento da UE devem ser reforçados:

Tal como recomendado pelo Parlamento Europeu, os capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável devem exigir que ambos os parceiros ratifiquem e apliquem os principais instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos (ou seja, a Carta Internacional dos Direitos Humanos), as convenções fundamentais da OIT, nomeadamente a Convenção sobre a Segurança e a Saúde dos Trabalhadores, e o Acordo de Paris, bem como outros acordos internacionais em matéria de ambiente.

O Comité de Acompanhamento para o Comércio Internacional do CESE considera que as avaliações de impacto sustentável devem rever o «modelo de equilíbrio geral computável (EGC) […] comparando-o com modelos alternativos, e deve incluir um conjunto mais alargado de indicadores para medir os impactos nos direitos humanos e laborais, nas alterações climáticas, na biodiversidade, nos consumidores e no IDE. […] É necessário um conjunto mais vasto de indicadores, mantendo um espírito aberto em relação aos modelos alternativos […]».

O CESE apela para uma reformulação dos mecanismos de painel, para que não só os advogados especialistas em direito comercial, mas também os peritos em matéria de trabalho, clima ou direitos humanos, possam investigar queixas nos termos dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Caso esses painéis detetem infrações, deverão desencadear um mecanismo de resolução de litígios entre Estados, com possibilidade de penalizações ou sanções financeiras, bem como vias de recurso para a parte lesada.

4.3.2.

Os futuros acordos de comércio livre da UE devem incluir uma referência ao Acordo de Paris e prever incentivos como o direito pautal nulo para bens ou serviços ambientais. O artigo 22.o, n.o 3, do CETA, no qual as partes se comprometem a promover fluxos económicos e comerciais que contribuam para promover o trabalho digno e a proteção do ambiente, deve ser utilizado com outros parceiros comerciais (Nova Zelândia, Austrália). Os futuros ACL da UE devem também alargar a função de acompanhamento dos grupos consultivos internos, não se limitando aos domínios social, do ambiente e do emprego.

4.3.3.

Qualquer tratado em matéria de investimentos negociado pela UE, nomeadamente com a China, deve conter disposições abrangentes sobre:

a utilização sustentável dos recursos naturais;

o princípio da precaução em relação à saúde humana, aos recursos naturais e aos ecossistemas;

o princípio da participação do público e do acesso à informação e à justiça; e

o princípio da integração e da inter-relação, em especial no que diz respeito aos direitos humanos e aos objetivos sociais, económicos e ambientais.

4.3.4.

A futura nomeação de um alto responsável pela aplicação dos acordos comerciais da UE contribuirá para garantir a aplicação efetiva dos acordos comerciais, incluindo os direitos laborais, os compromissos ambientais e o papel da sociedade civil.

4.4.    Um papel de liderança da UE na criação de uma nova matriz multilateral

4.4.1.

A União Europeia é um dos poucos intervenientes mundiais com um dever constitucional e um mandato para «[p]romover um sistema internacional baseado numa cooperação multilateral reforçada e uma boa governação ao nível mundial» [artigo 21.o, n.o 2, alínea h), do Tratado da União Europeia (TUE)].

4.4.2.

No entanto, enquanto organização de integração regional, a UE não pôde participar plenamente no trabalho de muitos órgãos, organismos e organizações do sistema das Nações Unidas, uma vez que tem de recorrer aos Estados-Membros para defender as posições e os interesses da União. Mais de dez anos após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, no qual se assumia o compromisso de a UE «[promover] soluções multilaterais para os problemas comuns, particularmente no âmbito das Nações Unidas» (artigo 21.o, n.o 1, do TUE), é chegada a hora de a União, juntamente com os seus Estados-Membros, desenvolver uma estratégia integrada para assumir um papel mais proeminente no sistema da ONU.

Bruxelas, 16 de julho de 2020.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Pareceres do CESE REX/509 — Reformar a OMC para adaptá-la à evolução do comércio mundial (JO C 159 de 10.5.2019), REX/486 — Papel das políticas comercial e de investimento da UE no reforço do seu desempenho económico (JO C 47 de 11.2.2020), REX/500 — Capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre (ACL) da UE (JO C 227 de 28.6.2018), NAT/760 — Documento de Reflexão — Para uma Europa sustentável até 2030 (JO C 14 de 15.1.2020).

(2)  Documento da CCI sobre a reforma da OMC: Reforming the multilateral rules-based trading system [Reformar o sistema comercial multilateral assente em regras], outubro de 2019.

(3)  http://www.oecd.org/about/sge/fixing-globalisation-time-to-make-it-work-for-all-9789264275096-en.htm, p. 9.

(4)  WTO Singapore Ministerial Declaration [Declaração Ministerial de Singapura da OMC], 1996, ponto 4.

(5)  Parecer 2/15 de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376.

(6)  Parecer do CESE REX 500 — Capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre (ACL) da UE (JO C 227 de 28.6.2018) ponto 2.4.

(7)  OIT, Labour-related provisions in trade agreements: Recent trends and relevance to the ILO [Disposições laborais em acordos comerciais: tendências recentes e pertinência para a OIT], GB.328/POL/3, ponto 9.

(8)  Jan Wouters, Cedric Ryngaert, Tom Ruys e Geert De Baere, International Law: A European Perspective [Direito internacional: uma perspetiva europeia], Oxford, Hart Publishing, 2018, p. 259.

(9)  O Canadá lidera um grupo de membros da OMC, conhecido como o Grupo de Otava, a fim de enfrentar desafios específicos ao sistema de comércio multilateral. Declaração do Grupo de Otava de junho de 2020: Centrar a ação na COVID-19, junho de 2020.

(10)  World employment social outlook 2018 — Greening with jobs [Perspetivas sociais do emprego a nível mundial 2018 — Ecologização com empregos], Genebra, OIT, 2018.

(11)  Working on a warmer planet: The impact of heat stress on labour productivity and decent work [Trabalhar num planeta mais quente: o impacto do calor na produtividade laboral e no trabalho digno], Genebra, OIT, 2019.

(12)  Parecer do CESE REX 518 — Tratado vinculativo das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos (JO C 97 de 24.3.2020, p. 9).

(13)  Documento oficioso JOB/TE/19 de 19 de janeiro de 2018.

(14)  Parecer do CESE CCMI/167 — Reconciliação das políticas climática e energética: a perspetiva do setor da indústria (JO C 353 de 18.10.2019, p. 59).

(15)  JO L 303 de 31.10.2012, p. 1.


ANEXO

REUNIÕES PREPARATÓRIAS REALIZADAS

Nome

Organização

Função

Elina BARDRAM

CE

Chefe de unidade

Relações Internacionais (CLIMA.A.1)

Daniele BASSO

CES

Conselheiro

John BRYAN

CESE

Membro do Grupo III

Cinzia DEL RIO

CESE

Membro do Grupo II

Dumitru FORNEA

CESE

Membro do Grupo II

Alan HERVÉ

Sciences Po Rennes

Professor de Direito Internacional Público

Emmanuel JULIEN

OIT

Diretor adjunto

Departamento de Empresas

Bernd LANGE

PE

Presidente da Comissão do Comércio Internacional (INTA)

Jürgen MAIER

Fórum para o

Ambiente e Desenvolvimento

Diretor

Jean-Marie PAUGAM

Governo francês

Representante permanente de França junto da OMC

Christophe PERRIN

OIT

Diretor

Departamento de Cooperação Multilateral

Denis REDONNET

CE

Diretor

OMC, Assuntos Jurídicos e Comércio de Mercadorias (TRADE.DGA2.F)

Lutz RIBBE

CESE

Membro do Grupo III

Victor VAN VUUREN

OIT

Diretor

Departamento de Empresas

Lieve VERBOVEN

OIT

Diretora do Gabinete da OIT para a UE

Jan WOUTERS

Universidade de Lovaina

Professor de Direito Internacional e Organizações Internacionais


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