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Document 52013AE6166

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às novas substâncias psicoativas [COM(2013) 619 final — 2013/0305 (COD), COM(2013) 618 final — 2013/0304 (COD)]

OJ C 177, 11.6.2014, p. 52–57 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

11.6.2014   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 177/52


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às novas substâncias psicoativas

[COM(2013) 619 final — 2013/0305 (COD),

COM(2013) 618 final — 2013/0304 (COD)]

(2014/C 177/10)

Relator: David SEARS

Em 4 de outubro, em 7 de outubro e em 8 de outubro de 2013, respetivamente, a Comissão Europeia, o Conselho e o Parlamento Europeu decidiram, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às novas substâncias psicoativas

COM(2013) 619 final — 2013/0305 (COD) e COM(2013) 618 final — 2013/0304 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, que emitiu parecer em 19 de dezembro de 2013.

Na 495.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2014 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 148 votos a favor e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Síntese e recomendações

1.1

O CESE partilha a opinião de que a Decisão do Conselho de 2005 (1) relativa a novas substâncias psicoativas precisa de ser atualizada. Concorda igualmente que é necessária uma ação mais coordenada entre as agências da UE pertinentes, bem como um prazo mais curto para a recolha de dados, e que deve ser possível dispor de uma classificação interna mais precisa, que divida as substâncias segundo o grau de risco — baixo, moderado ou grave — que representam. Quaisquer medidas de limitação da oferta deverão seguir estas classificações, atuando de forma atempada e proporcionada.

1.2

O CESE assinala igualmente que, em muitos casos, a avaliação de impacto não assenta em dados factuais, que o consumo das novas substâncias psicoativas varia muito na UE e que as atitudes do público e as respostas políticas são também muito divergentes. Faz sentido que a Comissão indique as medidas possíveis do ponto de vista político, à luz do Tratado da União Europeia e das atuais restrições financeiras, mas deveria ir mais longe e identificar o que é realmente necessário.

1.3

O CESE considera ainda que as experiências de países exteriores à UE podem ser fonte de ensinamentos, pelo que devem ser salientadas em futuras avaliações de impacto. Entretanto, é essencial melhorar a recolha e diversificar as fontes dos dados obtidos na UE sobre a entrada das substâncias (disponibilidade, rotas de abastecimento, oportunidades económicas e necessidades sociais), as vias de comunicação (Internet e redes sociais) e os resultados (nível mensurável de doenças e outros efeitos nocivos).

1.4

Na sua forma atual, a proposta de regulamento contém uma série de questões técnicas que importa clarificar e que são expostas na secção 5 do presente parecer. O êxito dependerá do apoio político, da disponibilização de dados e do financiamento por parte dos Estados-Membros. Importa chegar a acordo quanto a objetivos concretos. A investigação deve prosseguir, identificando as melhores (e piores) práticas em matéria de controlo e tratamento. Os planos relativos a programas de investigação financiados pela UE, como o eSBIRTes, o Orion e o ALICE-RAP, devem, tal como os respetivos resultados, ser partilhados regularmente com outros intervenientes neste domínio e ser mais bem integrados nas avaliações de impacto e em propostas legislativas subsequentes. A recolha de dados, a avaliação dos riscos e a transferência de conhecimentos devem continuar a ser efetuados em tempo real, através do Fórum da Sociedade Civil sobre a Droga (ou, porventura, através de uma plataforma mais alargada dedicada às novas substâncias psicoativas), com a participação de todos os interessados, em especial as ONG e os grupos de apoio diretamente envolvidos. Importa incluir todas as novas substâncias psicoativas, incluindo as já notificadas no âmbito de uma utilização enquanto substância única, parte de uma mistura ou adulterante contido noutras substâncias psicoativas. Os Estados-Membros devem chegar a acordo, com maior frequência, quanto às prioridades e às possibilidades de ação. Convém ponderar alternativas a uma resposta única da UE centrada exclusivamente na redução da oferta ou considerar aspetos a incorporar nessa resposta.

2.   Introdução

2.1

Uma substância, quer natural ou sintetizada deliberadamente para qualquer fim, lícito ou ilícito, é considerada «psicoativa» se, além das suas propriedades físicas, químicas, toxicológicas e ambientais, tiver a capacidade, quando consumida por seres humanos, seja por que motivo for, de interagir com o sistema nervoso, estimulando-o ou deprimindo-o, provocando alucinações e/ou alterações da função motora, do raciocínio, do comportamento ou da disposição.

2.2

Estes efeitos podem ser considerados benéficos quando as substâncias são criadas, receitadas e utilizadas em condições controladas, enquanto produtos médicos para o tratamento de doenças específicas, ou podem ser nocivos e potencial ou efetivamente perigosos, por vezes muito perigosos, se as substâncias forem autoadministradas apenas para sentir os supostos benefícios decorrentes dos efeitos acima descritos. Os riscos das substâncias aumentam dramaticamente se estas criarem também dependência e se o seu consumo for passível de exploração económica.

2.3

Por conseguinte, as substâncias como a morfina, a heroína, a cocaína, o ecstasy e a canábis, assim como muitos dos seus derivados e precursores e uma série de anfetaminas, barbitúricos, benzodiazepinas e outras drogas ditas «psicadélicas», estão sujeitas a controlo, de eficácia variável, ao abrigo de duas convenções das Nações Unidas (2) (de 1961 e 1971) e de um Protocolo (3) (de 1972), aplicados, de forma diferenciada, ao nível nacional em todo o mundo.

2.4

Quaisquer substâncias psicoativas não enumeradas e controladas através dos procedimentos acima indicados serão descritas, para efeitos da legislação da UE (e outra) como substâncias «novas» — independentemente da data desde a qual são conhecidas ou utilizadas para outros fins, inclusivamente lícitos. As substâncias são designadas «novas substâncias psicoativas» apenas se forem identificadas (ou se houver suspeitas nesse sentido) como sendo comercializadas ou distribuídas exclusivamente devido às suas propriedades psicoativas, para utilização por consumidores individuais não sujeitos a controlo médico ou de outra natureza.

2.5

O álcool, o tabaco e a cafeína que, dependendo da dosagem, podem corresponder aos critérios acima indicados, produzindo efeitos nocivos a longo prazo, são especificamente excluídos das definições das Nações Unidas e da UE. Esta exclusão é mais difícil de aplicar «no terreno» ou em estudos académicos, que verificam que o consumo e os efeitos destas substâncias estão frequentemente correlacionados — tendo o álcool e o tabaco efeitos sociais e impactos na saúde largamente superiores aos da maioria das novas substâncias psicoativas. Porém, os investigadores e responsáveis pela regulamentação nem sempre conseguem chegar a acordo quanto a estas questões, pelo que é agora urgente definir processos consensuais de determinação quantitativa dos efeitos nocivos e dos riscos.

2.6

Foram identificadas mais de 300 novas substâncias psicoativas como estando (atualmente ou no passado) em uso — ocasional ou prolongado — na UE. Hoje em dia, os Estados-Membros emitem cerca de uma nova notificação por semana. Uma vez que estas substâncias não estão sujeitas a controlos, a sua utilização não é ilícita. Assim sendo, podem ser descritas como «lícitas» — transmitindo, por conseguinte, a ideia falsa de que são também «seguras» ou «aprovadas». Na maioria dos casos, há poucos dados científicos que permitam confirmar ou refutar este pressuposto. Novas moléculas, variantes de substâncias explicitamente proibidas, podem ser rapidamente sintetizadas na China ou Índia e importadas destes países, por vezes em resposta à procura de grupos organizados ou de indivíduos na UE. Além disso, as moléculas existentes podem também ser desviadas, dentro da UE, para utilizações diferentes da utilização legítima a que se destinam. Na maioria dos casos, estas atividades são motivadas pelo dinheiro. Noutros, o principal desafio é contornar a lei. Os pontos focais nacionais da Rede Europeia de Informação sobre a Droga e a Toxicodependência (REITOX) emitem alertas precoces e partilham informações sobre as novas substâncias psicoativas identificadas recentemente.

2.7

As novas substâncias psicoativas são comercializadas com várias designações aleatórias, abreviadas e/ou exóticas, muitas vezes misturadas com outros produtos proibidos, novos ou excluídos, incluindo produtos à base de plantas, princípios ativos de medicamentos, aditivos alimentares, tabaco, cafeína e substâncias inertes (fillers). Os componentes nem sempre são os mesmos e escapam a qualquer controlo. Não há advertências de segurança, ou estas são incluídas apenas para possibilitar a venda (indicando «produto não destinado ao consumo humano»). A rotulagem pode ser deliberadamente enganadora (por exemplo, rotulando como «sais de banho» ou «incenso» produtos destinados a serem inalados, fumados ou injetados).

2.8

A venda processa-se através de negociantes especializados ou pontos de venda a retalho («head shops», «smart shops» ou lojas «de fumo», para além de lojas dedicadas à venda de artigos relacionados com o tabaco), assim como através da Internet (que possibilita compras por cartão de crédito, publicação de informações sobre os produtos e os fornecedores e entregas rápidas ao domicílio). Os sítios Web anónimos suscitam problemas especiais. Os preços por dose tendem a ser baixos em comparação com os das drogas ilícitas. As redes sociais incentivam novas tendências e ajudam a partilhar experiências. O consumo (sob a forma de euforizantes legais, drogas de discoteca, de festa ou de «design»/recreativas) varia muito na UE e parece estar a aumentar lentamente, com consumos acima da média verificados na Irlanda, Polónia, Letónia e Reino Unido. O número de pessoas hospitalizadas como consequência direta do consumo destas substâncias permanece relativamente baixo (o que, na ausência de dados fiáveis, pode ou não ser uma medida genuína dos seus efeitos nocivos reais).

2.9

Neste sentido, e em comparação com os consumidores regulares e dependentes de drogas ilícitas, os consumidores das novas substâncias psicoativas (em particular no Reino Unido, onde há um elevado nível de recolha de dados) tendem até à data a ser jovens, relativamente abastados, sem cadastro e mais dispostos a procurar tratamento, quando tal for necessário. Por ainda estarem integrados na vida familiar e laboral, apresentam, em geral, taxas de recuperação bastante elevadas. Os casos de acidentes ou óbito são normalmente vistos como tragédias pessoais inesperadas, recebendo considerável atenção dos meios de comunicação social e, consequentemente, também a nível político.

2.10

À luz do acima disposto, não é surpreendente que as atitudes do público e dos políticos em relação ao controlo das novas substâncias psicoativas variem muito nos Estados-Membros da UE e no resto do mundo. O Uruguai legalizou recentemente a canábis e a Nova Zelândia irá autorizar substâncias psicoativas que representem um risco «aceitavelmente» reduzido e sejam sujeitas a controlos de qualidade. A Irlanda reduziu drasticamente a quantidade de lojas de venda a retalho destes produtos e os Países Baixos e o Canadá estão a ponderar medidas semelhantes. Tradicionalmente, o Reino Unido tem preferido proibir produtos, individualmente ou em grupo, mas está agora a examinar estratégias alternativas. A Bélgica tenciona proibir grupos de produtos. Têm também sido envidados esforços para limitar as vendas em linha de drogas ilícitas através de sítios Web anónimos, mas é provável que o volume de vendas lícitas aumente.

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1

O quadro para a troca de informações, avaliação dos riscos e controlo das novas substâncias psicoativas foi estabelecido por decisão do Conselho de 2005 (4). Este revelou-se reativo, com pouca informação recolhida, fraca categorização dos riscos e poucas opções para medidas restritivas. Em 2011, o Conselho solicitou à Comissão uma atualização da decisão.

3.2

A proposta em análise estabelece as medidas consideradas necessárias, incluindo uma proposta de diretiva que altera a Decisão-Quadro do Conselho (5) relativa às regras mínimas no domínio do tráfico de droga, alargando a definição de «droga» de forma que as substâncias que apresentam riscos graves para a saúde, a sociedade e a segurança, e estejam sujeitas a uma restrição permanente de comercialização na UE, sejam incluídas na mesma classificação do que as substâncias já abrangidas pelas Convenções e Protocolo pertinentes das Nações Unidas.

3.3

A proposta de regulamento relativa especificamente às novas substâncias psicoativas é acompanhada por uma avaliação do impacto interno que salienta as diferenças existentes na UE em matéria de disponibilidade de dados, consumo real, custo para a saúde e reações da opinião pública e dos governos. Nos casos em que não há dados disponíveis, recorreu-se a estimativas. As opções de política são avaliadas à luz do seu êxito na realização dos objetivos, do seu impacto económico, financeiro e social, da sua proporcionalidade e do seu grau de aceitação pelos intervenientes.

3.4

A proposta baseia-se no artigo 114.o do TFUE, para assegurar o funcionamento adequado do mercado interno com um elevado nível de defesa da segurança, da saúde e dos consumidores. Os objetivos são: reduzir o tempo de resposta a nível da UE; permitir respostas adequadas e bem direcionadas; tratar os problemas decorrentes da dupla utilização das substâncias e da falta de segurança jurídica para os operadores legais; estabelecer uma ligação entre o mercado das novas substâncias psicoativas e o mercado interno geral.

3.5

A proposta define um calendário para a recolha dos dados que servirão de base para um relatório conjunto da Comissão, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), da Europol e de outras agências europeias envolvidas (a Agência Europeia de Medicamentos, a Agência Europeia dos Produtos Químicos e a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos), que assentará nos alertas precoces emitidos pelos Estados-Membros relativos às novas substâncias psicoativas identificadas recentemente.

3.6

O relatório destas instâncias conduzirá a uma avaliação formal dos riscos por parte do OEDT, que servirá de base às medidas da Comissão. São propostos critérios para distinguir o grau de risco — baixo, moderado e grave — para a saúde, a sociedade e a segurança. Se os riscos forem considerados baixos, não será tomada qualquer medida adicional. Em caso de riscos moderados ou graves, a Comissão pode proibir, a título temporário ou permanente, a venda de substâncias específicas e, em casos pontuais, a sua produção, distribuição, importação ou exportação.

3.7

A proposta prevê que os níveis de risco sejam reavaliados à luz de novas informações e que se proceda, periodicamente, à elaboração de relatórios e à avaliação da implementação, execução e eficácia do regulamento. Dar-se-á continuidade à investigação e análise. Os Estados-Membros serão obrigados a estabelecer as sanções administrativas necessárias para garantir o cumprimento da restrição de mercado, devendo igualmente assegurar a sua eficácia, proporcionalidade e natureza dissuasora. A proposta é descrita como não tendo incidência direta no orçamento da UE.

3.8

O regulamento entrará em vigor 20 dias após publicação no Jornal Oficial da União Europeia e será vinculativo para os Estados-Membros. A decisão original do Conselho (6) será revogada e substituída.

4.   Observações na generalidade

4.1

O CESE regozijou-se com a comunicação de 2011 da Comissão — Para uma resposta europeia mais eficaz na luta contra a droga, bem como com a Proposta de regulamento relativo aos precursores de drogas, de 2012. O CESE aguardou com expectativa a apresentação de propostas relativas às novas substâncias psicoativas e sugeriu orientações gerais para iniciativas eficazes a nível da UE e dos Estados-Membros.

4.2

No caso dos precursores de drogas, analisou-se se os intervenientes (a Comissão e um grupo restrito de produtores, comerciantes e utilizadores finais lícitos) tinham respeitado plenamente os requisitos do artigo 12.o da Convenção das Nações Unidas de 1988 (7), em relação à necessidade de trabalhar em conjunto para alcançar os objetivos propostos. Neste caso específico, no que diz respeito ao desvio das pequenas quantidades de anidrido acético necessárias para o fabrico de heroína, foi possível definir os objetivos com muita clareza.

4.3

Não é o caso das novas substâncias psicoativas visto que a situação nos Estados-Membros e a nível mundial é bastante diferente de país para país quer em termos de utilização real quer nas respostas dos responsáveis políticos e da opinião pública. Frequentemente, não se recolhem nem compilam dados fundamentais; a atenção da comunicação social recai sobre as tragédias individuais; as reações políticas nem sempre se baseiam em pareceres científicos ou profissionais e por vezes vão claramente no sentido oposto; outros fatores de complexidade, designadamente o consumo muito mais generalizado e nocivo de álcool e de tabaco, são considerados demasiado sensíveis para serem integrados numa abordagem regulamentar uniforme; existe um fosso geracional no que diz respeito à comercialização através da Internet e à influência das redes sociais na formação da perceção individual, da assunção de riscos e da utilização de substâncias psicoativas — antigas ou novas — para fins recreativos.

4.4

Neste contexto, claramente muito difícil para quem tenta equacionar a problemática das novas substâncias psicoativas, duas observações formuladas pelo CESE em pareceres anteriores revelam-se especialmente pertinentes, ou seja «um Estado-Membro não deve causar danos nem provocar mais riscos do que aqueles que pretende prevenir»  (8) e «as políticas devem basear-se em dados e factos e não o inverso» (9)». Isto mais fácil de dizer do que de concretizar.

4.5

O problema das propostas em apreço não é que poderão causar danos, mas sim que podem revelar-se ineficazes e que a sua existência pode atrasar a adoção de abordagens mais globais, transversais à sociedade, pluridisciplinares e assentes em dados factuais indispensáveis para chegar a acordo tanto sobre a situação atual como sobre os objetivos a mais longo prazo para as populações específicas. Se tal não se conseguir realizar e não se obtiver apoio político e financeiro, qualquer proposta legislativa da UE terá que espelhar esta realidade.

4.6

O CESE verifica que a proposta persegue outros objetivos, designadamente a questão da dupla utilização, o desvio de substâncias lícitas na UE e a falta de certeza jurídica para «operadores legais». No entanto, estes objetivos não são quantificados na avaliação de impacto e é-lhes dada pouca atenção na proposta. Tão pouco foram consideradas outras possibilidades para colmatar as lacunas através de outros textos legislativos. É, por conseguinte, difícil determinar se a base jurídica (artigo 114.o do TFUE) escolhida é adequada ou não. Os dados estatísticos sobre as 300 substâncias inventariadas poderiam servir para clarificar este e outros aspetos.

4.7

O CESE está firmemente convicto, e já por várias vezes declarou que a regulação da oferta é apenas uma parte da solução, e, por si só, não é suscetível de dar resultados úteis ou quantificáveis. É necessário um maior esforço para compreender a procura e propor meios mais eficazes para garantir que esta é satisfeita com o menor risco possível. Como sempre, o risco nunca pode ser totalmente excluído, mas pode ser consideravelmente reduzido. Haveria toda a utilidade em dispor de dados precisos e devidamente difundidos.

4.8

O CESE faz notar que a aplicação das sanções penais deve limitar-se às pessoas que pretendem retirar um ganho comercial com a venda de substâncias que já se sabem ser proibidas ou suscetíveis de causar graves danos à saúde das pessoas. Isto é particularmente verdade no atinente às novas substâncias psicoativas cujo risco, por enquanto, parece ser inferior ao das «antigas» substâncias ou das substâncias psicoativas excluídas, na medida em que a prisão dos utilizadores, que ficariam forçosamente expostos a substâncias psicoativas «antigas», seria o pior resultado possível no plano pessoal e social. Esta questão tem que ser claramente enunciada na proposta para que as medidas possam merecer credibilidade por parte das populações afetadas na UE, especialmente os jovens diretamente envolvidos.

5.   Observações na especialidade

5.1

A proposta contém definições de alguns dos termos principais utilizados (não todos), mas não explica como os aplicar a este mercado estruturado de forma pouco habitual, em rápido crescimento, em parte legal e em parte delituoso, parcialmente transparente e regulado, para produtos fabricados principalmente fora da União Europeia. O termo «operador económico» não está definido. Ora pode tratar-se de agentes legais (um vendedor de novas substâncias psicoativas que atua diretamente ou através de uma «head shop» ou da Internet) ou de agentes ilegais (um traficante de drogas proibidas). Que significa «disponibilizar no mercado» no contexto de vendas na Internet de produtos provenientes do mundo inteiro? Por que razão se limita o conceito de «mistura» à combinação de duas ou mais novas substâncias psicoativas e não, por exemplo, uma desta substâncias com diversas quantidades de tabaco, cafeína, ervas ou fillers? Seria preferível centrar-se nos «utilizadores» definidos como «qualquer pessoa que consome novas substâncias psicoativas sem controlo médico» em vez de o grupo mais amplo de «consumidores» («pessoa singular que aja com intuitos que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional») que em geral pouco têm que ver com esta atividade? Se a proposta pretende ser proativa e não reativa, não deveria focalizar-se também nas novas substâncias psicoativas que têm razoáveis probabilidades de emergir, com base em avaliações e pareceres científicos? Mais ainda, por que razão é o ónus da prova transferido dos fornecedores, que deveriam ser obrigados a demonstrar que os seus produtos representam um «baixo risco», para o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) e a Comissão — que deste modo poderiam ser considerados os órgãos que concedem a autorização?

5.2

A definição de novas substâncias psicoativas também poderia ser clarificada: talvez que o «n» pudesse significar «notificadas» no âmbito da presente proposta da UE em vez de «novas», que apenas remete para as atuais convenções das Nações Unidas. Dado que as propriedades psicoativas das referidas substâncias não são (e não podem nem devem ser) sistematicamente testadas no âmbito do Regulamento REACH ou de outros atos legislativos referentes a estas substâncias, é escassa a informação sobre o número de moléculas que eventualmente possam apresentar estes efeitos (ou que poderiam ser comercializadas com a indicação de que apresentam estes efeitos) em maior ou menor grau. Como o termo «substância psicoativa» só se aplica aos efeitos experimentados por seres humanos, obviamente que as experiências com animais têm limitações.

5.3

O CESE verifica, com alguma preocupação, que a proposta se centra em substâncias isoladas e não em misturas, que são comercializadas em grande escala. Foi definido um calendário para as agências responderem mas não há nenhum prazo para a Comissão elaborar o relatório conjunto ou proceder à avaliação dos riscos. O processo arranca se «vários» Estados-Membros identificarem a mesma nova substância psicoativa; por que não um só Estado, se ele for duramente afetado? E o que se entende por «vários»? Não fica claro como decidirá a Comissão na ausência (provável) de informações provenientes das agências e, sobretudo, na falta de contributos políticos dos Estados-Membros. Não está prevista nenhuma ação no âmbito de outros textos legislativos da UE ou dos Estados-Membros como, por exemplo, a legislação em matéria de etiquetagem, de venda de bens, de proteção geral dos consumidores ou de outras disposições legislativas respeitantes a produtos químicos, à saúde e à segurança alimentar. As «head shops», se continuarem a ser permitidas, devem adequar-se plenamente à legislação em vigor em matéria de proteção do consumidor.

5.4

O CESE manifesta especial preocupação pelo facto de não se preverem verbas adicionais para estas atividades. Se os orçamentos existentes são suficientes, por que razão não se avança com os procedimentos propostos? Será possível obter resultados significativos sem esse financiamento? Será que um regulamento (dirigido aos Estados-Membros) é indispensável para definir como deverão interagir as várias agências da UE? Não poderiam os procedimentos internos ser modificados mais eficazmente por mútuo consentimento à luz da experiência adquirida?

5.5

O CESE observa que a avaliação de impacto subjacente a esta proposta carece de dados comparáveis provenientes de todos os Estados-Membros sobre a utilização, as consequências e os custos sanitários das novas substâncias psicoativas. Se se demonstrar que estes custos são generalizados e significativos, a ação das agências da UE seria então uma solução rentável. Preocupa o CESE que a proposta não estabeleça normas mínimas para a elaboração dos relatórios, o que poderá exigir maior reconhecimento e apoio para o papel dos «pontos focais nacionais», de caráter essencialmente voluntário, que fornecem dados essenciais através da Rede Europeia de Informação sobre a Droga e a Toxicodependência (REITOX).

5.6

O CESE concorda que as novas substâncias psicoativas deveriam ser classificadas a nível interno com base em critérios previamente acordados como substâncias que, segundo provas atualmente disponíveis, apresentam um risco baixo, moderado ou elevado. Contudo, esta classificação não deve ser entendida como uma autorização de venda lícita ou segura e qualquer lista facultada ao público deverá mencionar este aspeto claramente. Atendendo à escassez de dados disponíveis e às dificuldades de avaliação quantitativa do risco, é expectável nova classificação baseada em novas provas.

5.7

O CESE subscreve a opinião do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência nas suas notas explicativas sobre avaliação do risco das novas substâncias psicoativas quanto ao facto de que outras substâncias psicoativas «antigas» ou excluídas, mas de consumo muito generalizado e mais conhecidas, nomeadamente a heroína, a cocaína, a canábis, o ecstasy, o álcool e o tabaco deveriam ser incluídas em pé de igualdade como marcadores. Se tal não for realizado, e mau grado a grande quantidade de provas disponíveis, tão pouco será possível fazê-lo para as novas substâncias, visto que as provas disponíveis são mais escassas, incompletas e amiúde contraditórias. As novas substâncias psicoativas recentemente comercializadas podem ter talvez poucas repercussões sociais, penais ou ambientais mas, no entanto, podem ser muito perigosas para a saúde humana se utilizadas indevidamente.

5.8

O CESE considera que esta abordagem global da adição e dependência a drogas permitiria também lançar ações preventivas e tratamentos beneficiando de melhor financiamento ao nível nacional. É essencial compreender as práticas e os comportamentos dos diferentes grupos etários (10-18, 18-25 e 25+). O papel dos meios de comunicação social e dos serviços de comercialização e de aconselhamento em linha no aparecimento das tendências ou na difusão dos avisos é já importante e continuará a exercer uma influência crescente nas decisões pessoais neste domínio. É preciso encorajar e financiar devidamente projetos de acompanhamento neste campo. A vertente da proteção da saúde deveria prevalecer sobre questões de justiça e de mercado interno.

5.9

O CESE reconhece que poderá vir a ser necessária regulamentação apropriada, embora subsistam dúvidas quanto à sua necessidade e à forma que assumirão. Os Estados-Membros estão confrontados com problemas diversos, preferem soluções diferentes e devem poder atuar com ritmos diferentes. São grandes os contrastes entre restrição e autorização a nível mundial. Seria útil observar como evolui a situação em dois países do hemisfério Sul adjacentes e similares do ponto de vista económico e cultural — a Austrália e a Nova Zelândia. É essencial cooperar de forma estreita com os Estados Unidos da América e com outros países que vendem produtos na Internet. As negociações comerciais com a China e a Índia deveriam comportar medidas que limitam a transformação e a venda de substâncias psicoativas, sejam elas antigas, novas ou excluídas.

5.10

Trata-se, antes de mais, de um verdadeiro problema mundial e toda e qualquer futura avaliação de impacto ou proposta legislativa deveria ter em conta estes aspetos e examinar um maior espetro de opções, ainda que inicialmente se considerem difíceis de aplicar à escala da UE. O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência desempenhará um papel fundamental nesta matéria. Sendo necessário, deveriam ser concedidas verbas suplementares. É preciso que os programas de investigação pertinentes sejam objeto de uma maior coordenação e os seus resultados mais amplamente divulgados. Esperemos que, sendo necessário legislar, seja a que nível for, se possa dispor de dados mais sólidos para dar resposta aos problemas levantados neste parecer.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2014

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  2005/387/JAI, JO L 127 de 20.5.2005, p. 32.

(2)  Convenção Única sobre os Estupefacientes, de 1961[em inglês].

(3)  Protocolo das Nações Unidas de 1972, que altera a Convenção Única sobre os Estupefacientes. [em inglês]

(4)  Ver nota 1.

(5)  2004/757/JAI, JO L 335 de 11.11.2004, p. 8.

(6)  Ver nota 1.

(7)  Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988 [em inglês].

(8)  Ver parecer CESE , JO C 229 de de 31.7.2012, p. 85.

(9)  Ver parecer CESE , JO C 76 de 14.3.2013, p. 54.


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