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Document 52012AE0839

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Participação da sociedade civil nas políticas de desenvolvimento e de cooperação para o desenvolvimento da União Europeia» (parecer exploratório)

OJ C 181, 21.6.2012, p. 28–34 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

21.6.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 181/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Participação da sociedade civil nas políticas de desenvolvimento e de cooperação para o desenvolvimento da União Europeia» (parecer exploratório)

2012/C 181/06

Relator: J. M. ZUFIAUR NARVAIZA

Por carta de 20 de outubro de 2011, a Comissão Europeia solicitou ao Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a elaboração de um parecer exploratório sobre

«A participação da sociedade civil nas políticas de desenvolvimento e de cooperação para o desenvolvimento da União Europeia».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 6 de março de 2012.

Na 479.a reunião plenária de 28 e 29 de março de 2012 (sessão de 28 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 167 votos a favor, 15 votos contra e 5 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   Numa situação em que as crises económica, ambiental e social condicionam o futuro da humanidade, o CESE considera prioritário que os diferentes atores da cooperação cheguem a um consenso quanto a conceções comuns sobre o tipo de desenvolvimento que se pretende promover (1).

1.2   Para que a cooperação seja eficaz, é essencial assegurar a coerência do conjunto das políticas da UE com a política de desenvolvimento, devendo também as organizações da sociedade civil (OSC) ser encorajadas a intensificar e a melhorar a sua coordenação.

1.3   As OSC são, de pleno direito, atores maiores do desenvolvimento e devem, por conseguinte, manter esse protagonismo ao nível das políticas de cooperação. Cabe integrá-las na definição, aplicação e acompanhamento das políticas e dos programas de cooperação, e inclui-las entre as entidades estratégicas responsáveis pela afetação dos seus recursos.

1.4   O CESE defende uma colaboração de cariz mais estratégico entre as instituições europeias e as OSC, mediante um diálogo político, acordos-quadro e mecanismos de canalização de fundos mais eficazes.

1.5   A Comissão Europeia e todos os governos devem apoiar os princípios de Istambul para a eficácia do desenvolvimento das OSC.

1.6   As OSC devem beneficiar de um maior reconhecimento em novas formas de cooperação, como a cooperação Sul–Sul ou a cooperação triangular.

1.7   As políticas de cooperação e desenvolvimento (PCD), especialmente as europeias, devem ter em conta a singularidade e a diversidade das OSC, bem como a sua experiência em relação aos países parceiros.

1.8   Num mundo globalizado, há que reconhecer o caráter mundial de algumas OSC e tirar partido das suas potencialidades enquanto intervenientes globais.

1.9   Há que introduzir mudanças no sistema de concessão de fundos europeus para o desenvolvimento através das OSC. Urge introduzir, nomeadamente, mecanismos como os «acordos-quadro», as subvenções de funcionamento, as subvenções em cascata, os acordos plurianuais, os fundos para casos urgentes ou a implementação da «caixa de ferramentas» definida no âmbito do diálogo estruturado. Na opinião do CESE, as redes, federações ou confederações de OSC devem ser as principais destinatárias destas modalidades de financiamento.

1.10   Há que assegurar às OSC um ambiente favorável que lhes permita desempenhar o seu trabalho em todos os países. Tal implica o respeito de normas básicas, como a liberdade de associação, de expressão, de reunião e de atuação. Este objetivo deve ser incorporado nas políticas públicas em matéria de cooperação.

1.11   A participação da sociedade civil deve ser uma componente real da governação e, por conseguinte, cabe à UE adotá-la como critério de atuação na sua relação com os países parceiros.

1.12   Embora se regozije com a implicação dos órgãos de poder local na política de desenvolvimento da UE (2), o CESE entende que associá-los às organizações da sociedade civil no âmbito da política de cooperação para o desenvolvimento – sem prejuízo da sua necessária complementaridade e cooperação – gera confusão a nível conceptual e tem inconvenientes no plano funcional.

1.13   A associação do setor privado às políticas de desenvolvimento é essencial para que estas tenham um maior impacto. Contudo, importa evitar que sirva de pretexto para reduzir o contributo público ou de qualquer outro setor que implique o estabelecimento de novas «condições» para os projetos de cooperação. Além disso, há que estabelecer um quadro, assente em normas internacionais, que assegure o empenho efetivo de qualquer SETOR em conformidade com os objetivos da cooperação para o desenvolvimento.

1.14   Há que reforçar os mecanismos de transparência e de prestação de contas no domínio da cooperação, incluindo os que afetam as OSC, assim como os de combate à corrupção.

1.15   As OSC devem também associar a política de desenvolvimento ao Corpo Europeu de Voluntários para a Ajuda Humanitária, previsto no Tratado de Lisboa.

1.16   As atividades internacionais de longa data do CESE contribuíram, como no caso do mandato conferido ao CESE no acordo de Cotonu, para o reconhecimento da dimensão institucional das OSC. Trata-se de um dos atributos fundamentais do Acordo de Cotonu, que é o primeiro tratado internacional assinado pela UE a reconhecer o papel essencial dos «atores não estatais» enquanto parceiros da cooperação para o desenvolvimento (3). Como elemento de importância capital, o Acordo também estabelece que os atores não estatais receberão recursos financeiros para desenvolverem as suas capacidades e estarem, assim, à altura de agir como autênticos parceiros nesse Acordo. Este mandato facilitou a criação do Comité de Acompanhamento ACP-UE, que constituiu pela primeira vez um órgão paritário de representantes das OSC, neste caso dos países ACP, e de membros do CESE financiado pelo FED. O papel do Comité de Acompanhamento, como o seu próprio nome indica, consiste em fazer o acompanhamento da aplicação do acordo de Cotonu e dos acordos de parceria económica. Foi também decisivo no estabelecimento de uma cláusula de desenvolvimento sustentável. Esta forma de trabalhar constituiu um ponto de referência para as funções do CESE noutras áreas geográficas, que foi muito proveitoso e contribuiu, por exemplo, para o reforço das capacidades organizativas das OSC, para a criação de plataformas e para o estabelecimento de pontos de contacto com as OSC nas delegações da UE, bem como para facilitar o seu acesso ao financiamento europeu e à participação nas negociações de acordos comerciais.

1.17   O CESE considera que importa consolidar e alargar essas experiências através do apoio das políticas de cooperação. Acima de tudo, ecoando a opinião de inúmeras OSC de grande dimensão, exorta o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE) a velar por que as delegações da UE adotem o compromisso efetivo de as apoiar, contactar com elas, conhecer as suas atividades e promovê-las, quer se trate de OSC europeias, quer de OSC de países parceiros. Num contexto de reforço das Delegações do Serviço Externo da União, é ainda mais premente que elas assumam esse compromisso como uma competência própria e vinculativa e não como um ato voluntário ou de boa vontade.

1.18   No âmbito da descentralização da cooperação europeia para o desenvolvimento, o CESE considera que pode cooperar com grande eficácia com o Serviço Europeu de Ação Externa ao nível da interação das delegações com as OSC locais – por um lado, porque o CESE é o homólogo europeu dos diversos órgãos consultivos que se estão a criar nos acordos de parceria económica (Cariforum), comerciais (Coreia do Sul), de associação (América Central, Chile), entre outros; por outro, dada a relação duradoura e estável do CESE com as organizações da sociedade civil e as suas instituições representativas em todos os continentes e, nomeadamente, no que respeita aos países ACP, da América Latina e do Mediterrâneo (4).

1.19   O CESE reitera a importância de as OSC fomentarem a sensibilização e a formação da cidadania da UE em matéria de cooperação, numa conjuntura de crise que pode fazer esquecer os compromissos com as políticas de desenvolvimento. Para o efeito, há que dotar de meios suficientes uma linha de financiamento específica, com salvaguardas suficientes em matéria de transparência e prestação de contas.

2.   Princípios e objetivos gerais

2.1   A União Europeia tem dispensado na última década uma atenção crescente ao diálogo com as OSC. O Consenso Europeu para o Desenvolvimento, o Instrumento de Cooperação para o Desenvolvimento, o Relatório do Tribunal de Contas Europeu e, por último, o Diálogo Estruturado, vieram alargar o universo e o alcance do diálogo de forma a nele participarem hoje em dia, nomeadamente, a Comissão e o Parlamento Europeu, o Comité das Regiões e o CESE, os Estados-Membros e as organizações da sociedade civil – entre outras, as organizações sindicais, as cooperativas e organizações da economia social, organizações de agricultores, consumidores e empresas, as plataformas de ONG e as entidades homólogas de países parceiros.

2.2   Contudo, não obstante estes progressos e os compromissos assumidos a nível internacional (5), há uma perceção generalizada de que detêm no plano da retórica sem passarem satisfatoriamente para o plano da prática. Em inúmeros países – tanto doadores como em desenvolvimento – as OSC continuam a enfrentar grandes dificuldades e o seu trabalho tem vindo a deteriorar-se. Tal é o caso, por exemplo, das organizações sindicais que têm dificuldade em aceder à ajuda oficial para o desenvolvimento nos países doadores, ao mesmo tempo que o acesso é limitado ou nulo nos países parceiros, tanto em termos de recursos como de diálogo político. Em geral – são disso exemplo as recentes medidas adotadas pelo governo do Zimbabué –, o apoio às OSC e ao seu papel enquanto atores do desenvolvimento está sob ameaça.

2.3   O CESE entende que um maior e melhor reconhecimento do papel das OSC passa pela aceitação de um conjunto de critérios, princípios e valores nas políticas de desenvolvimento e de cooperação.

2.4   Em primeiro lugar, é fundamental debater entre as OSC, e entre estas e as instituições europeias, sobre o que se entende por desenvolvimento. Este objetivo afigura-se extremamente necessário e urgente num contexto em que convergem três crises: a crise ambiental (alterações climáticas, perda de biodiversidade, etc.), a crise social (aumento das desigualdades, etc.) e a crise económica (desemprego, precarização do trabalho, prevalência do setor financeiro sobre a economia real, etc.). Estas três crises geraram uma quarta: a crise alimentar. Os dados que revelam a profundidade dessas crises – que se alimentam umas às outras – mostram que o futuro de todos está em perigo. A única forma de minimizar os danos é dar um salto qualitativo nas dimensões da igualdade, da cooperação e da assistência. No entanto, o desenvolvimento não pode ser entendido como sinónimo de crescimento económico, nem a prosperidade e o progresso podem ser equiparados aos indicadores do PIB.

2.5   O CESE continua a considerar que, independentemente da necessidade de proceder a uma reforma dos seus critérios de atuação, a cooperação para o desenvolvimento constitui um instrumento essencial para promover o desenvolvimento, designadamente nos países mais empobrecidos.

2.5.1   Neste sentido, reitera a necessidade de cumprir os compromissos em matéria de financiamento do desenvolvimento assumidos à escala internacional, que devem permanecer imperativos para os países doadores e, em particular, para a União Europeia. A cooperação para o desenvolvimento é uma política pública nos países doadores, assente em boas práticas, que deve dispor dos recursos necessários à sua realização.

2.5.2   O CESE preconiza, como previsto no Tratado de Lisboa, que se vele pela coerência entre a política de cooperação para o desenvolvimento e as demais políticas – comércio, investimento, finanças. As OSC devem também ser encorajadas a intensificar e a melhorar a sua coordenação.

2.6   Na última década, ocorreram mudanças profundas em matéria de cooperação, destacando-se a cooperação Sul–Sul e a cooperação triangular. O papel das OSC e das suas redes deve obter maior reconhecimento nestas novas modalidades de cooperação.

2.7   De igual modo, algumas vias de afetação de fundos destinadas a melhorar a apropriação, como o apoio orçamental, tiveram como efeito a marginalização da sociedade civil nos países parceiros. O CESE insiste na necessidade de conferir um protagonismo adequado às OSC locais em matéria de apropriação democrática, bem como nos programas temáticos, incluindo a componente financeira.

2.8   A presença do CESE em diversas Associações Estratégicas da UE (com o Brasil, a China), o reconhecimento do seu papel em acordos internacionais como o de Cotonu, bem como a sua participação em programas de envergadura mundial, como a conferência Rio+20, aconselha a sua associação aos programas temáticos da política de cooperação e desenvolvimento da UE.

2.9   Os consensos alcançados no plano internacional e expressos na Declaração de Paris, a Agenda de Ação de Accra (AAA) e o Fórum de Alto Nível de Busan constituem passos importantes na forma de conceber a eficácia da ajuda. Contudo, as OSC consideram que há que alargar alguns critérios e conceitos desses documentos – nomeadamente, o que se deve entender por apropriação, harmonização, alinhamento, gestão do desempenho, responsabilidade mútua, eficácia da ajuda. Uma definição mais consistente destes critérios deve traduzir-se num diálogo entre as OSC e as instituições europeias.

2.10   Há que abordar a eficácia da ajuda através de uma perspetiva assente nas diferentes componentes do conceito de direitos humanos e avaliá-la em termos do seu contributo para a redução da pobreza e da desigualdade e, inclusive, do fim da dependência da ajuda propriamente dita.

2.11   As posições expressas por diversos organismos e as declarações internacionais confirmam que as OSC são atores do desenvolvimento de pleno direito  (6). O CESE insta a Comissão Europeia e todos os governos a apoiarem os Princípios de Istambul para a Eficácia do Desenvolvimento das OSC.

2.12   As políticas de desenvolvimento e cooperação devem ter em conta a singularidade e a diversidade das OSC. O potencial valor acrescentado de uma ONG dedicada à proteção do meio ambiente ou dos direitos humanos; uma organização sindical que protege os direitos laborais, a distribuição primária da riqueza através da negociação salarial e a proteção social dos trabalhadores; uma cooperativa agrícola que tem um impacto direto na segurança e na soberania alimentares; uma associação de migrantes e a sua participação no codesenvolvimento; ou uma organização de empregadores ou de autoemprego, com o seu contributo decisivo para a criação de tecido produtivo e de criação de emprego, constituem alguns exemplos da multiplicidade de formas que podem revestir os contributos das OSC para o desenvolvimento, apoiadas por políticas de cooperação adequadas. O CESE considera essencial que as políticas de cooperação e desenvolvimento das instituições públicas se articulem tirando partido de todas as potencialidades que tal diversidade representa.

2.13   O CESE reivindica, para as OSC, em todos os países, um quadro normativo, institucional, de capacitação e de atuação propício à sua existência, desenvolvimento e intervenção. A participação da sociedade civil organizada deve converter-se numa componente essencial da governação democrática (7).

2.14   A colaboração com o setor privado é essencial para a consecução do desenvolvimento. Há que destacar a grande diversidade do setor privado (incluindo as organizações de economia social e as associações sem fins lucrativos), assim como os grandes benefícios decorrentes de iniciativas socialmente responsáveis (RSE). O desafio está em saber como maximizar o seu contributo em termos de desenvolvimento económico e social e de segurança num mundo globalizado. Contudo, as parcerias público-privadas ou o apoio exclusivamente privado das grandes empresas à cooperação para o desenvolvimento suscita alguma controvérsia quanto ao modo como estas parcerias poderão afetar os objetivos de desenvolvimento. As parcerias público-privadas podem servir de instrumento para aproximar a estratégia de desenvolvimento dos diferentes parceiros e de ferramenta eficaz de partilha de conhecimentos dos recursos à sua disposição. Neste sentido, será necessário criar um quadro para a participação efetiva e responsável do setor privado, em conformidade com normas internacionais já acordadas, como as normas laborais da OIT, as Orientações para as Empresas Multinacionais, da OCDE, e os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, da ONU. Cabe também referir iniciativas internacionais em matéria de transparência, como os «Princípios EITI» (Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas) ou o «Processo de Kimberley» sobre os negócios e investimentos internacionais.

2.14.1   Além disso, a participação do setor privado não deve supor um menor compromisso financeiro por parte dos Estados na cooperação para o desenvolvimento, nem deve condicionar a ajuda, por exemplo, à privatização de setores estratégicos ou serviços essenciais à comunidade.

2.14.2   Por outro lado, em sintonia com o ponto 1.13, é essencial fomentar a participação das OSC nas associações público-privadas, assim como o papel dos interlocutores sociais e do diálogo social.

2.15   Todavia, há que promover mais os mecanismos de transparência e de prestação de contas da cooperação para todos os envolvidos. Cumpre também aplicar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – corrupção que prejudica o apoio dos cidadãos às políticas de cooperação. As OSC estão bem posicionadas para o fazerem, quer na vertente de prestação de contas relativamente à sua própria atuação, quer como mecanismos de controlo social no que respeita à cooperação em geral. Só através de uma ligação e de uma interação concreta com a cidadania será possível alcançar as metas de desenvolvimento estabelecidas.

2.16   Num mundo globalizado, há que reconhecer o caráter internacional das OSC e tirar partido das suas potencialidades enquanto intervenientes responsáveis à escala mundial. Por outro lado, num mundo multipolar, faz cada vez menos sentido a distinção entre OSC do Norte e do Sul. O apoio às redes de OSC, às suas plataformas de coordenação, aos seus mecanismos federativos e ao seu nível de filiação, entre outros, deverá, no entanto, fazer parte das ações de desenvolvimento financiadas pelos doadores e, muito especialmente, pela cooperação da UE.

3.   Reforço do papel das organizações da sociedade civil

3.1   Os resultados do diálogo estruturado que constam do Documento Final da Conferência de Budapeste (8) constituem considerações e propostas de grande relevância dirigidas a todas as partes interessadas. O CESE considera que importa consolidar este diálogo e criar um mecanismo de coordenação ou grupo de contacto que se reúna regularmente e seja representativo das componentes do FDE, com o objetivo de zelar pelo cumprimento e aplicação das suas recomendações (9). Um tal fórum deveria ter um caráter político permanente (debate sobre as políticas de cooperação, com meios e instrumentos disponibilizados pela Comissão Europeia) e representativo (OSC, Comissão, PE, Estados-Membros, etc.). O CESE entende que, mercê do seu mandato institucional e da sua experiência, deveria ter um papel específico nesse fórum de diálogo.

3.2   Há que assegurar às OSC a possibilidade de participarem e de contribuírem para as políticas de desenvolvimento na sua conceção, aplicação e acompanhamento. Para o efeito – tendo em vista o reforço das OSC ativas a nível mundial e para reforçar a cooperação entre as organizações europeias – conviria que a UE analisasse a pertinência de criar um estatuto jurídico para as OSC europeias assente em critérios precisos e repartidos pelos elementos que integram o diálogo estruturado.

3.3   Desde a entrada em vigor do Acordo de Cotonu que o CESE tem desempenhado um papel fulcral no reforço da participação dos atores não estatais, essencialmente devido ao mandato que lhe foi conferido (10). Concretamente, este apoio assumiu a forma de um Comité de Acompanhamento ACP-UE permanente, de seminários regionais regulares e das conferências ACP que, ao longo dos anos, têm vindo a dar um contributo direto para a concretização dos princípios de responsabilização de todas as partes, de transparência, de boa governação e de parceria, que são inerentes ao Acordo de Cotonu (11).

3.4   Além disso, é importante que, ao estabelecer um diálogo político permanente ao nível do país beneficiário, se tenha em conta a especificidade de cada ator ou organização da sociedade civil.

3.5   O diálogo estruturado deve ter como consequência uma colaboração de cariz mais estratégico entre as instituições europeias e as OSC. Neste sentido, o CESE salienta a necessidade de definir quadros de relação e de participação que vão além do financiamento de projetos. Refira-se, a título de exemplo, a «caixa de ferramentas» definida no diálogo estruturado, para aplicação, não só a nível local – delegação da UE – mas também central. O resultado seria uma associação mais flexível e eficaz entre a UE e as OSC à escala mundial.

3.6   Por sua vez, o papel das OSC é determinante para, com o seu impulso e reivindicações, fazer progredir a agenda da coerência das políticas para o desenvolvimento e promover um novo pacto global pós-2015, com vista a integrar na agenda do desenvolvimento a redução das desigualdades, a proteção social universal, a distribuição equitativa da riqueza e a conservação dos recursos naturais.

3.7   Tratando-se as OSC de entidades de grande diversidade e heterogeneidade, poderá afigurar-se necessário defini-las com maior precisão. Além disso, tais diversidade, experiência e relação com os países parceiros devem ser reconhecidas pela cooperação europeia, que as deverá aproveitar, utilizando as potencialidades e as especificidades de todos os atores.

4.   Participação das OSC nos diversos instrumentos e programas de ajuda externa da UE

4.1   O CESE exprimiu a sua posição quanto à função das OSC em relação ao Instrumento de Cooperação para o Desenvolvimento (ICD) (12). Ademais, o CESE considera que a sociedade civil deve intervir em relação ao conjunto de instrumentos de cooperação, em conformidade com as considerações do diálogo estruturado e de acordo com o previsto na Agenda para a Mudança que foi recentemente aprovada.

4.2   Em sintonia com as propostas do diálogo estruturado, o CESE considera que se devem introduzir mudanças no sistema de concessão de fundos europeus para o desenvolvimento através das OSC. Os instrumentos previstos nas perspetivas financeiras para 2014-2020 devem contemplar novas modalidades que vão além dos mecanismos clássicos de subvenção de projetos. Urge introduzir, nomeadamente, modalidades como os «acordos-quadro», as subvenções de funcionamento, as subvenções em cascata ou os acordos plurianuais, capazes de garantir um maior impacto em termos de desenvolvimento a médio e longo prazo.

4.3   Convém igualmente criar fundos especiais para casos urgentes como, por exemplo, os processos democráticos no Mediterrâneo, que não possam esperar pela aprovação de convites à apresentação de propostas para subvenções e que só possam ser executados eficazmente através de redes de diferentes OSC, como organizações sindicais, ONG, organizações de cooperativas, de pequenas empresas, organizações de mulheres, etc.

4.3.1   Nesta perspetiva, as redes, federações ou confederações de OSC devem ser as principais destinatárias destas modalidades de financiamento. Para tal, mecanismos como as subvenções de funcionamento, as subvenções em cascata seriam um bom instrumento para potenciar o valor acrescentado das redes de OSC envolvidas no desenvolvimento.

4.3.2   No quadro da Agenda para a Mudança, a cooperação europeia deve abordar e reformular os seus mecanismos de planeamento e gestão do ciclo dos projetos, centrar-se em aspetos como a concessão mais atempada dos fundos e uma flexibilidade adaptada às circunstâncias. De igual modo, há que conferir mais importância ao apoio às fases de diagnóstico e de estudo de viabilidade de ações de desenvolvimento, a fim de garantir melhor o seu sucesso.

4.3.3   Nos modelos de financiamento, devem ser incluídos incentivos de três tipos: 1) que fomentem a prestação de contas sobre os resultados em termos de desenvolvimento; 2) que fomentem a integração e a fusão de organizações e a criação de OSC globais; 3) que promovam novos tipos de redes e alianças com múltiplos intervenientes.

4.3.4   O Tratado de Lisboa prevê o Corpo Voluntário Europeu de Ajuda Humanitária (CEVAH), atualmente em fase-piloto a cargo da DG ECHO; os resultados desta fase-piloto devem ser cuidadosamente avaliados antes do lançamento do CEVAH. O CESE crê no potencial concreto das OSC para canalizarem os esforços do voluntariado europeu em todos os setores e, muito especialmente, no setor do desenvolvimento. O CESE considera que, com base em critérios definidos, o voluntariado terá que entender-se como uma prestação em espécie nos projetos sujeitos a cofinanciamento (13).

5.   Reforço da sociedade civil e das OSC nos países parceiros

5.1   As OSC deparam-se em inúmeras ocasiões e em diversos países com situações de grande vulnerabilidade política, institucional ou económica que dificulta o seu trabalho, ou atuam em contextos em que são alvo de perseguição, intimidação e criminalização. Isto é amiúde fruto de práticas restritivas por parte dos governos. O CESE reitera a importância de incorporar uma dimensão de vigilância dos quadros legislativos, liberdades fundamentais e medidas de apoio às OSC nas políticas de cooperação para o desenvolvimento, bem como de incluir de normas relativas às ações de desenvolvimento e cooperação.

5.2   O CESE está ciente de que os quadros normativos aplicáveis às OSC são muito diferentes, quer na UE, quer nos países parceiros. Tal não deve impedir que se atue no respeito das normas internacionais (como a liberdade de associação, de expressão e de reunião, com vista a operar em total liberdade, comunicar e cooperar, procurar financiamento e beneficiar de proteção do Estado) em todos os casos e a todos os níveis. A presença e a participação da sociedade civil e das OSC não só não retira legitimidade à democracia representativa, como na verdade a reforça, se houver canais para a sua intervenção (14). A participação da sociedade civil deve ser uma componente efetiva de governação e, como tal, cabe à UE adotá-la como critério na sua relação com os países parceiros.

5.3   A dimensão institucional e o reforço das capacidades de gestão das organizações parceiras de países terceiros, merecem maior reconhecimento por parte da cooperação europeia. Além da capacidade de gestão dos projetos, o apoio ao reforço das OSC contribui para o desenvolvimento integral das respetivas sociedades. Importa, por isso, fomentar a formação e o reforço das capacidades das OSC dos países parceiros, tanto em termos gerais como em matéria de procedimentos de acesso ao financiamento europeu, incluindo projetos locais de menor dimensão, ou a participação nas negociações de acordos comerciais, por exemplo.

5.4   Ao mesmo tempo, o CESE defende que a política de cooperação para o desenvolvimento da UE deve discriminar as organizações que, designando-se de sociedade civil, não são democráticas ou dependem diretamente dos Estados.

5.5   Há que favorecer o agrupamento e o reconhecimento jurídico enquanto organismos de participação das OSC nos países parceiros. Como vem sendo proposto no quadro do Acordo de Cotonu ou na América Latina, por exemplo, há que prosseguir com a organização de plataformas e de redes representativas a diversos níveis para criar sinergias entre elas e melhorar os seus canais de relação com as entidades públicas.

5.6   A existência de pontos de contacto ou de pessoas especialmente dedicadas às relações com a sociedade civil nas delegações da UE nos países parceiros tem-se revelado útil em diversos contextos. Importa aprofundar o seu papel e a sua capacidade para analisar a situação nos respetivos países e fomentar o contacto com as OSC. Há que potenciar uma maior coordenação entre estes pontos de contacto e o CESE para aprender com a experiência e as boas práticas na matéria.

5.7   A aplicação do conceito da apropriação democrática deve, por sua vez, ser concomitante com maiores possibilidades de acesso aos recursos da cooperação europeia por parte das OSC dos países parceiros, em especial para os agrupamentos, redes ou organizações mais representativas.

5.8   Em simultâneo, há que avançar por novas formas de cooperação entre OSC, abrindo vias de cooperação triangular, Sul-Sul, ou mediante a partilha de conhecimentos especializados e de assistência técnica por parte de OSC europeias, e de tecnologia de gestão, por exemplo. Estas novas formas de cooperação podem ser muito importantes para as OSC dos países de rendimentos médios, que assistirão a uma redução da cooperação clássica da UE, bem como para os países onde as OSC são essenciais para a consolidação da democracia e para a promoção do reconhecimento dos direitos da cidadania, para a redução das desigualdades, a participação dos cidadãos, a igualdade de género, a redistribuição fiscal, a transparência ou a proteção dos direitos ambientais.

6.   Sensibilização da opinião pública e educação para o desenvolvimento

6.1   A UE tem mantido o seu papel de doador para o desenvolvimento, inclusive em períodos de crise económica. A manutenção deste compromisso constitui um desafio para todos os Estados e instituições da União. Aquele compromisso dependerá em larga medida do apoio da população e da informação e sensibilização dos cidadãos em matéria de desenvolvimento e no atinente aos problemas globais que afetam todos os países.

6.2   As OSC constituem um veículo apto a promover a educação para o desenvolvimento e a sensibilizar a opinião pública. O CESE reitera a importância de prestar atenção a este tema, particularmente numa conjuntura de crise. A educação para o desenvolvimento exige abordagens inovadoras que recuperem o seu caráter transformador e direcionem as suas mensagens a faixas mais alargadas, para lá da esfera das crianças e dos jovens. Além disso, a inovação neste campo implica o estabelecimento de alianças com múltiplos intervenientes. Isto aplica-se, em particular, aos países que aderiram recentemente à UE e que têm uma menor tradição de cooperação para o desenvolvimento e um menor grau de desenvolvimento das OSC.

6.3   As OSC europeias e o CESE, dada a sua ligação à sociedade civil europeia, estão em condições de abordar esta tarefa de sensibilização dos cidadãos. Podem, além disso, contribuir com a credibilidade que lhes é conferida por trabalharem na UE com os mais diversos setores sociais, incluindo os mais vulneráveis. Nesse sentido, é fundamental incluir nos objetivos em matéria de sensibilização a visibilidade dos projetos realizados pelas OSC nos países parceiros ou, nomeadamente, nos países que fazem parte da política de vizinhança da UE.

6.4   A manutenção de linhas de financiamento específicas para ações de sensibilização e educação para o desenvolvimento e para a realização de campanhas europeias de divulgação dos temas de desenvolvimento e cooperação é, nesta perspetiva, fundamental.

Bruxelas, 28 de março de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 376 de 22.12.2011, pp. 102-109. Ver ponto 1.5. Relator: Hans-Joachim Wilms.

(2)  Aumentar o impacto da política de desenvolvimento da UE: uma Agenda para a Mudança, JO C 113 de 18.4.2012, p. 52-55

(3)  Com efeito, o artigo 4.o do capítulo 2 do Acordo de Cotonu estipula que a UE e as autoridades dos países ACP devem informar e consultar os atores não estatais sobre as políticas e estratégias de cooperação e que estes devem participar na execução destas estratégias.

(4)  http://www.eesc.europa.eu/?i=portal.en.external-relations-other-continents.

(5)  Declaração de Paris sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, de março de 2005; Fórum de Alto Nível, de Accra, de 2008; Princípios de Istambul para o desenvolvimento (http://www.aideffectiveness.org/busanhlf4/images/stories/hlf4/PrincipiosdeOSC-Estambul-Final.pdf); Quadro Internacional para a Eficácia do Desenvolvimento das OSC (http://www.cso-effectiveness.org/IMG/pdf/spanish_framework_for_cso_dev_eff.pdf); Declaração do Fórum de Alto Nível de Busan, de 2011.

(6)  Artigo 20.o do AAA. Conclusões de Busan, de 1 de dezembro de 2011. Princípios de Istambul.

(7)  Declaração Final do 10.o Seminário Regional das Organizações Económicas e Sociais ACP-UE. 28, 29 e 30 de junho de 2009, http://www.eesc.europa.eu/?i=portal.fr.acp-eu-tenth-regional-seminar-reports.6271

(8)  https://webgate.ec.europa.eu/fpfis/mwikis/aidco/images/c/ce/FINAL_ES_-_Final_Statement_May.pdf.

(9)  Como é o caso em várias direções-gerais da Comissão Europeia em relação a outros temas.

(10)  «As reuniões de consultas e as reuniões dos operadores económicos e sociais ACP-UE serão organizadas pelo Comité Económico e Social da União Europeia» (Protocolo n.o 1 do Acordo de Cotonu). Este mandato foi completado pelo pedido do anterior comissário europeu para o Comércio, Pascal Lamy, no sentido de o CESE acompanhar as negociações sobre os Acordos de Parceria Económica (APE). Neste contexto, o CESE apoiou a inclusão de capítulos sobre questões sociais e ambientais no APE CARIFORUM-UE, bem como a constituição de um comité consultivo da sociedade civil para acompanhar a execução do APE. Tudo isto foi incorporado no acordo de comércio final concluído com esta região. Cabe, portanto, constatar que as disposições institucionais estabelecidas tanto no Acordo de Cotonu como no APE com as Caraíbas, para além dos mandatos conferidos ao CESE, serviram para reforçar o papel das organizações da sociedade civil na cooperação para o desenvolvimento.

(11)  Para uma avaliação exaustiva do papel dos intervenientes não estatais na aplicação do Acordo de Cotonu, consultar a declaração final do 11.o Seminário Regional dos Meios Económicos e Sociais ACPUE, que teve lugar na Etiópia em 2010: http://www.eesc.europa.eu/resources/docs/f_ces6152-2010_decl_en.doc [em inglês].

(12)  Pareceres do CESE sobre o «Instrumento de Cooperação para o Desenvolvimento da União Europeia»JO C 44 de 11.2.2011, pp. 123-128, e sobre o tema «Aumentar o impacto da política de desenvolvimento da UE: Uma Agenda para a Mudança». COM(2011) 637 final (ainda não publicado no JO).

(13)  Parecer do CESE sobre a «Comunicação sobre as Políticas da UE e o Voluntariado: Reconhecer e Promover as Atividades de Voluntariado Transfronteiras na EU», Ver página 150 do presente Jornal Oficial.

(14)  O teor do programa de ação de Accra e do Fórum de Busan vincula todos os países.


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