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Document 52008AE1665

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização

OJ C 100, 30.4.2009, p. 33–38 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/33


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema Linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização

2009/C 100/06

Em 17 de Janeiro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema:

«Linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infra-estruturas e Sociedade da Informação que emitiu parecer em 24 de Setembro de 2008, sendo relator B. Hernández BATALLER.

Na sua 448.a reunião plenária de 21, 22 e 23 de Outubro de 2008 (sessão de 23 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou por 50 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção o presente parecer.

1.   Conclusões e recomendações

A)

O CESE insta as demais instituições a prepararem uma iniciativa comunitária que lance o debate em profundidade sobre a necessidade de definir linhas de conduta para os serviços de interesse geral no contexto da globalização.

B)

O CESE solicita à Comissão que, nos relatórios de avaliação a apresentar sobre os serviços de interesse geral (SIG), reserve periodicamente um capítulo para a globalização e os seus eventuais efeitos nestes serviços.

C)

No atinente aos contratos públicos, e sem prejuízo da necessária inovação através da prestação dos serviços da sociedade da informação (1), é imprescindível que nesta evolução se procure preservar as principais características destes serviços e criar para eles um enquadramento (por exemplo, na telemedicina, na deontologia profissional e na protecção de dados e da vida privada).

D)

É preciso encorajar, no futuro, a implantação de uma governação mundial, cuja configuração poderia ter como ponto de partida a participação equilibrada das organizações internacionais, dos Estados-Membros e das partes interessadas.

E)

A OIT e a OMS, responsáveis pelas questões laborais e de saúde, deveriam participar como observadores nesta iniciativa de governação mundial da OMC.

F)

Poder-se-ia contribuir para esta governação mediante um fórum consultivo, cuja missão seria definir e rever as futuras medidas a adoptar no âmbito dos SIG, bem como zelar pela observância dos princípios e dos valores que norteiam os serviços de interesse geral.

G)

No que se refere à gestão dos Bens Públicos Mundiais (BPM), será necessário reflectir desde já sobre os principais aspectos da futura governação mundial destes bens. Ao nível comunitário, haverá que conceber um plano de acção europeu fixando as respectivas modalidades de financiamento.

A gestão dos BPM devia ser uma preocupação da governação mundial a quem competirá explorar o caminho aberto pela Cimeira do G8 de Heiligendamm sobre a biodiversidade e os recursos energéticos.

2.   Introdução

2.1   É inquestionável que os serviços de interesse geral cumprem uma função de primeira ordem na vida quotidiana dos cidadãos europeus, na medida em que o seu contributo para a coesão social, económica e territorial e para o desenvolvimento sustentável da UE se integra plenamente no modelo social europeu (2). Eles completam e vão além do mercado único e constituem uma condição prévia necessária para o bem-estar económico e social dos cidadãos e das empresas (3).

2.1.1   Entende-se por globalização o fenómeno de abertura das economias e das fronteiras em consequência do aumento das trocas comerciais, dos movimentos de capitais, da circulação de pessoas e ideias, da disseminação da informação, dos conhecimentos e das tecnologias, acompanhado de um processo de desregulamentação. Este processo, tanto geográfico como sectorial, não é recente mas tem vindo a acelerar-se nos últimos anos.

2.1.2   A globalização é fonte de múltiplas oportunidades, mesmo continuando a ser um dos maiores desafios que a União Europeia tem de enfrentar neste momento. É fundamental explorar plenamente o potencial de crescimento deste fenómeno e garantir uma distribuição justa dos benefícios que dele decorrem. A União Europeia tem procurado, por isso, criar um modelo de desenvolvimento sustentável através de uma governação multilateral capaz de conciliar o crescimento económico, a coesão social e a preservação do ambiente.

2.2   A globalização económica está, contudo, a configurar um novo cenário em que adquirem extrema relevância as decisões adoptadas por alguns organismos internacionais como, por exemplo, a OMC, que podem comprometer a subsistência dos serviços de interesse geral como elemento distintivo do referido modelo.

2.3   Neste contexto, importa articular os mecanismos jurídicos internacionais pertinentes para que a UE e os Estados-Membros possam garantir a viabilidade dos serviços de interesse geral sem recorrer a estratégias que criem entraves à aplicação dos princípios do comércio livre internacional ou comprometam a competitividade da economia europeia.

2.3.1   Além disso, as instituições da União Europeia terão de prestar especial atenção ao funcionamento dos organismos de auto-regulação incumbidos de definir, ao nível universal, as regras comuns de actuação dos poderes públicos em domínios com incidência nos serviços de interesse geral [como a União Internacional das Telecomunicações (UIT)].

2.3.2   O artigo 36.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (4), estabelece que a UE reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com os Tratados, a fim de promover a coesão social e territorial da União, estabelecendo pela primeira vez uma ligação entre serviços e direitos fundamentais (5).

2.3.3   O Tratado de Lisboa, por sua vez, reforça consideravelmente o papel da União Europeia nos domínios económico e comercial. Esta acção da UE no plano internacional é essencial no contexto actual em que assistimos a um processo imparável de globalização da economia e a um reforço cada vez maior do sistema multilateral de comércio em consequência do forte impulso que lhe imprimiu a criação, em 1995, da Organização Mundial do Comércio.

2.3.4   O Tratado de Lisboa inclui no capítulo I do título V do Tratado da União Europeia (TUE) disposições gerais relativas à acção externa da União. Por seu turno, a regulamentação que corresponde à política comunitária está incluída actualmente no Título IX da Terceira Parte do TCE — artigos 131.o a 134.o — consagrados à «Política comercial comum». O Tratado usa esta expressão para designar um conjunto de mecanismos institucionais de adopção de decisões em âmbitos materiais concretos para alcançar determinados objectivos, e que dá à Comunidade a possibilidade de intervir nestes domínios de uma forma global (6).

2.3.5   Nos termos do artigo 131.o do TCE, os objectivos inerentes à política comunitária são contribuir para o desenvolvimento harmonioso do comércio mundial, para a supressão progressiva das restrições às trocas comerciais e para a redução das barreiras alfandegárias.

2.3.6   Além disso, há que ter em conta a incidência na configuração da política comercial comunitária das várias políticas horizontais da Comunidade, por exemplo, a da cultura, a da saúde pública (7), a de protecção dos consumidores, a industrial, sendo esta última, a par dos serviços, uma das que podem provavelmente ter maior e mais problemática influência na condução da política comercial comum.

2.3.7   O CESE indicou já oportunamente que a reforma dos Tratados constitui um novo passo em frente, especialmente no atinente aos serviços de interesse geral (SIG), ao incluir no dispositivo sobre o funcionamento da União uma cláusula de aplicação geral para os serviços de interesse económico geral (SIEG) (artigo 14.o), a aplicar em todas as políticas da União Europeia, incluindo o mercado interno e a concorrência, bem como um protocolo respeitante aos serviços de interesse geral, apenso aos dois Tratados, incluindo os serviços de interesse geral não económicos (8).

2.4   A recente assinatura do Tratado de Lisboa abre, neste sentido, novos horizontes ao projecto de integração europeia, com novas disposições que permitem estabelecer de novo um quadro supranacional mais adequado para a definição e a regulamentação do acesso e do funcionamento desses serviços em todos os Estados-Membros da UE. Prevêem especialmente:

o papel essencial e o amplo poder de apreciação das autoridades nacionais, regionais e locais para prestar, mandar executar e organizar serviços de interesse económico geral de uma forma que atenda tanto quanto possível às necessidades dos utilizadores;

a diversidade dos variados serviços de interesse económico geral e as diferenças nas necessidades e preferências dos utilizadores que possam resultar das diversas situações geográficas, sociais ou culturais;

um elevado nível de qualidade, de segurança e de acessibilidade de preços, a igualdade de tratamento e a promoção do acesso universal e dos direitos dos utilizadores.

2.4.1   Certos actos no âmbito da governação da globalização promovidos pelos organismos internacionais multilaterais, como a OMC, reforçariam porventura esta posição, sobretudo através dos seus painéis de arbitragem que poderiam assumir aqui um papel fundamental.

2.5   Com esta perspectiva supranacional será mais fácil exercer uma verdadeira influência na comunidade internacional e dotar-se de todos os meios necessários para afastar qualquer ameaça ao nosso modelo social e transmitir a ideia de que este deve ser, para todos os cidadãos da Europa, um conceito de espaço de bem-estar social simultaneamente democrático, capaz de assegurar a protecção do ambiente, competitivo, assente na solidariedade e socialmente inclusivo (9).

2.6   No actual contexto internacional, são, portanto, identificáveis vários planos ou estratos que requerem da UE um tratamento estratégico diferenciado. Eis alguns exemplos:

2.6.1   A gestão dos bens públicos mundiais (ar, água, florestas, etc.) que, partindo de argumentos intocáveis de solidariedade como os previstos na Declaração sobre o estabelecimento de uma nova ordem económica internacional (Resolução n.o 3201 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 2.5.1974), redundou na criação pela União Europeia de um quadro supranacional coerente com os acordos e as decisões internacionais a adoptar neste contexto.

2.6.1.1   Os bens públicos mundiais são bens ou serviços indispensáveis tanto para o bem-estar dos indivíduos como para o equilíbrio das sociedades do Norte e do Sul do planeta. Estes bens públicos mundiais não podem subordinar-se apenas ao nível nacional ou ao mercado: a sua preservação e a sua produção requerem uma cooperação internacional.

2.6.2   A manutenção e o desenvolvimento de alguns serviços comuns no interesse geral dos cidadãos da UE, como o GALILEO, que requerem investimentos públicos avultados.

2.6.3   A partilha de competências entre a UE e os seus Estados-Membros na regulamentação do acesso a certos serviços universais de comunicações electrónicas, como a Internet.

2.6.4   A definição das funções das entidades infra-estatais (federais, regionais e locais) que actualmente apoiam, gerem e regulam a prestação de serviços sociais, num futuro contexto de aplicação de acordos internacionais para a liberalização dos serviços em sectores ainda não liberalizados ou excluídos inicialmente dessa possibilidade.

2.6.5   A definição de uma estratégia política e jurídica diferenciada sobre a situação futura dos serviços de interesse geral em rede e dos demais serviços.

2.6.6   Infelizmente, os serviços de interesse geral não são tratados nos actuais fóruns internacionais onde poderiam ser preservados e difundidos os seus princípios e valores.

2.6.7   É certo que, desde Janeiro de 2003, seis organizações internacionais (Banco Mundial, UNCTAD-Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, a FAO e o FMI, a OCDE e a ONU) possuem o estatuto de observador dentro da OMC, dando corpo ao princípio de uma incipiente governação mundial — a completar futuramente — em que são consubstanciadas as regras do direito internacional (acordos multilaterais sobre o ambiente, convenções laborais internacionais, direitos humanos, áreas económica e social). Dada, todavia, a ausência da OIT e da OMS, os problemas relacionados com o emprego e a saúde estão excluídos desse gérmen da governação mundial. A União deveria, por conseguinte, fazer o possível por colmatar esta lacuna.

3.   O acervo jurídico dos serviços de interesse geral que deverá manter a UE no âmbito do Acordo GATS-OMC

3.1   Nos últimos dez anos, as instituições da União progrediram na elaboração de um conceito e de um quadro jurídico para os serviços de interesse geral, mas não lograram instaurar um quadro jurídico comum na matéria (10).

3.2   Convém, todavia, sublinhar a coerência orgânica do Comité Económico Social Europeu que, em pareceres sucessivos (11), tem defendido uma posição consensual e permanente sobre os aspectos jurídicos essenciais dos serviços de interesse geral (SIG), preconizando a necessidade de (12):

respeitar os princípios da igualdade, universalidade, acessibilidade, fiabilidade, continuidade, qualidade e eficácia, garantia dos direitos dos utilizadores e rentabilidade económica e social;

ter em conta as necessidades específicas de certos grupos de utentes, como as pessoas com deficiência, dependentes, desfavorecidas, etc.

3.3   Neste sentido, o CESE sustenta que não convém definir exaustivamente os SIG, mas concentrar-se antes na sua missão, ainda que os serviços de interesse económico geral sejam caracterizados pela busca de uma série de compromissos entre:

mercado e interesse geral,

objectivos económicos, sociais e ambientais,

utilizadores (particulares, incluindo os grupos desfavorecidos, empresas, colectividades locais, etc.) que nem sempre têm as mesmas necessidades ou interesses,

o que é da competência de cada Estado-Membro e o que é da esfera comunitária (13).

3.3.1   Por seu turno, o objectivo dos serviços sociais de interesse geral (14) é responder a todas as situações de fragilização social devido a: doença, velhice, incapacidade de trabalho, invalidez, precariedade, pobreza, exclusão social, toxicodependência, dificuldades familiares e de alojamento, dificuldades ligadas à integração dos estrangeiros.

3.3.2   Sem pôr em causa a liberdade de escolha das autoridades nacionais, o CESE considera que entre estes serviços de interesse nacional, regional ou municipal, há que incluir a título enunciativo e não limitativo os serviços relacionados com os sistemas de ensino obrigatório, de saúde e de segurança social, as actividades culturais, de solidariedade, de carácter social, caritativo ou baseado em donativos, bem como os serviços audiovisuais, os serviços de distribuição de água e de saneamento básico (15).

3.4   O CESE defende, em contrapartida, que seria mais pertinente concentrar-se na função específica dos SIG e nos requisitos (obrigações de serviço público) que terão de cumprir para desempenhá-la, os quais deveriam ser definidos com toda a clareza.

3.5   O Protocolo relativo aos SIG, apenso ao Tratado de Lisboa, introduz uma definição com carácter interpretativo, compatível com a posição do CESE. É a primeira vez que o direito primário da UE aborda especificamente esta questão e, dado o seu carácter vinculativo, esse protocolo será uma orientação sólida para a acção institucional da UE, quer dentro quer fora do território dos seus Estados-Membros.

3.6   Concretamente, o artigo 2.o do Protocolo afirma que «as disposições dos Tratados em nada afectam a competência dos Estados-Membros para prestar, mandar executar e organizar serviços de interesse geral não económicos».

3.6.1   Embora o Protocolo faça implicitamente a distinção entre o carácter económico e não económico dos SIG, na ausência de um acto institucional que classifique uns e outros, e à luz da Declaração sobre delimitação de competências – anexa à Acta Final da CIG de 2007 — e do Protocolo relativo ao exercício das competências partilhadas — anexo ao TUE e ao TFUE –, a posição dos Estados-Membros neste contexto específico continua a ser a referência jurídica mais pertinente a ter em conta.

Neste sentido, será muito mais útil seguir as avaliações a realizar pela Comissão Europeia sobre a aplicação nos Estados-Membros da Directiva «Serviços», dado o seu impacto posterior na negociação e na celebração pela UE de acordos de liberalização do comércio dos serviços regulamentados dentro da UE.

3.6.2   Por conseguinte, a acção da UE neste âmbito continua a estar, para já, sujeita a duas condições:

a)

Na elaboração e na adopção de futuros actos de direito derivado é preciso ter em conta as tradições jurídicas dos Estados-Membros no atinente ao conceito, às categorias e aos critérios de funcionamento dos SIG;

b)

Na elaboração de acordos internacionais, inclusivamente os celebrados em organizações em que estejam representados a UE e os seus Estados-Membros, bem como na assunção de posições comuns em qualquer uma das rondas de negociações ou em conferências internacionais, terá de haver uma concertação mista — Estados-Membros e União Europeia — e a preocupação de reflectir os elementos essenciais contidos no Tratado de Lisboa e os que são parte integrante do regime jurídico dos Estados-Membros que regula os SIG.

4.   O caso específico do GATS/OMC

4.1   A Organização Mundial do Comércio (OMC) é a organização internacional a quem cabe estabelecer as normas gerais que regem o comércio entre os países, com base num sistema multilateral. Os pilares sobre os quais repousa são os acordos da OMC negociados e assinados pela grande maioria dos países que participam no comércio mundial (16).

4.2   A sua principal função é garantir que os fluxos comerciais sejam os mais fluentes, previsíveis e livres possível. Praticamente todas as decisões são adoptadas por consenso entre todos os países membros e são ratificadas posteriormente pelos seus parlamentos nacionais. Os conflitos comerciais são tratados por intermédio do mecanismo de resolução de litígios da OMC.

4.3   O Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS/AGCS) é o primeiro conjunto de princípios e de normas acordado multilateralmente com o fito de regular o comércio internacional de serviços. O Acordo especifica os sectores de serviços que os membros da OMC estão dispostos a abrir à concorrência externa, bem como o grau de abertura desses mercados. Figuram entre eles alguns serviços de interesse económico geral (SIEG), como os serviços financeiros, as comunicações electrónicas, os serviços postais, os serviços de transporte e de energia e outros.

4.4   O CESE insistiu já junto das demais instituições comunitárias (17) que os princípios atrás mencionados também deveriam determinar as posições da União nas negociações comerciais, em especial no âmbito da OMC e do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS). Considerava inadmissível que a UE tomasse, nas negociações comerciais, compromissos de liberalização de sectores ou de actividades que não tivessem sido decididos no quadro das regras específicas dos serviços de interesse geral estabelecidas no Tratado. Na sua opinião, os Estados-Membros devem continuar a ter a possibilidade de regulamentar os serviços de interesse geral, a fim de atingirem os objectivos sociais e de desenvolvimento estabelecidos pela União, o que requer a exclusão dos serviços de interesse económico geral não regulamentados das negociações supracitadas.

4.5   Nos termos da alínea b) do n.o 3 do artigo 1.o do GATS, ficam, em princípio excluídos da sua aplicação os «serviços prestados no exercício da autoridade do Estado», na definição da alínea c) do mesmo artigo, «qualquer serviço que não seja prestado nem numa base comercial nem em concorrência com um ou mais prestadores de serviços».

4.5.1   Uma vez que o GATS não se refere, em sentido estrito, aos «serviços de interesse geral», salvo na acepção terminológica da alínea c) do artigo XXVIII (18), é grande a margem de incerteza no estabelecimento de um conceito consensual e de um quadro internacional adequado para regular o funcionamento dos SIG no âmbito da OMC, o que poderia pôr em causa certas disposições do direito comunitário.

4.5.2   Além disso, a miríade de medidas governamentais (ou de carácter público) a que se aplicaria o GATS, à luz do n.o1 do artigo 1.o  (19) e a posição do órgão de recurso da OMC nitidamente favorável à aplicação do Acordo a todas a medidas, não suficientemente justificadas, que possam causar distorções no comércio de serviços (20), exigem que a UE adopte uma posição uniforme e firme dentro da OMC, susceptível de salvaguardar os princípios comuns e valores que são parte integrante do acervo comunitário.

4.5.3   Aqui a única excepção são as alíneas a) e b) do n.o 2 do anexo ao GATS relativo aos serviços de transporte aéreo que exclui da aplicação do Acordo e do seu mecanismo de resolução de litígios «os direitos de tráfego, seja qual for a sua forma de atribuição» ou «os serviços directamente relacionados com o exercício dos direitos de tráfego».

4.6   Nesta situação, há várias opções sobre as quais a OMC se deveria pronunciar:

4.6.1   Seja como for, é conveniente fomentar a celebração de um acordo com as demais partes contratantes para desenvolver o conceito de «serviços prestados no exercício da autoridade do Estado» a que se refere o n.o 3 do Artigo 1.o do GATS, para que a disposição da alínea b) desse mesmo artigo, a qual confere carácter geral à liberalização de qualquer serviço em qualquer sector económico, não impeça os Estados de adoptarem medidas de excepção, excluindo da liberalização os serviços sociais e os serviços de interesse geral sem, com isso, violar as obrigações derivadas do GATS no atinente à remoção dos entraves ao comércio de serviços.

4.6.2   Os diversos ângulos a partir dos quais se pode avaliar a prestação de um serviço e, eventualmente, classificá-lo de SIG para efeitos da aplicação do GATS, consoante visem os consumidores do serviço ou a entidade que o presta. Apenas se poderia alegar aqui os motivos de preservação do interesse geral, quer ao nível comunitário quer nacional, e de protecção do consumidor dos serviços para a exclusão dos SIG da aplicação do GATS, até porque é irrelevante neste caso o serviço ser prestado por uma entidade pública ou privada, nacional ou estrangeira.

4.6.3   A necessidade de conciliar a noção comunitária de instituições de crédito de carácter público e de serviços financeiros de interesse público [por exemplo, planos de pensões de reforma públicos), com a noção constante do artigo 1.o (iii) da alínea b)] do anexo GATS relativo aos serviços financeiros que entende por «serviços prestados no exercício da autoridade do Estado»«outras actividades desenvolvidas por uma entidade pública por conta ou com a garantia do Estado, ou utilizando os recursos financeiros do Estado».

4.6.4   O G20 financeiro (21) poderia servir de «catalisador» para as decisões a adoptar pelas organizações internacionais especializadas (como a OMS, a FAO, o Banco Mundial, o FMI, etc.) em matéria de serviços financeiros e salvaguardar os princípios e os valores dos serviços de interesse geral.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Ponto 1.3 do parecer do CESE sobre «Promover o amplo acesso de todos os cidadãos à biblioteca digital europeia», JO C 162, de 25.6.2008, p. 46.

(2)  Parecer do CESE sobre «Coesão social: dar conteúdo a um modelo social europeu»JO C 309, de 16.12.2006, p. 119.

(3)  Ponto 2.1 do parecer do CESE sobre «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006, p. 135.

(4)  JO C 303 de 14.12.2007 (Proclamação solene em 2007 do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão).

(5)  Ponto 3.9 do parecer do CESE sobre «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006.

(6)  Los objetivos de la Política Comercial Común ala luz del Tratado de Lisboa. Miguel Angel Cepillo Galvín, na obra colectiva: El Tratado de Lisboa: salida de la crisis constitucional. Coordenador, José Martín y Pérez Nanclares, Ed.Iustel, 2008.

(7)  Parecer do CESE sobre «Melhorar a qualidade e a produtividade do trabalho», JO C 224 de 30.8.2008, p. 87.

(8)  Parecer do CESE sobre «Avaliação dos serviços de interesse geral», JO C 162 de 25.6.2008, p. 42.

(9)  Parecer do CESE sobre «Coesão social: dar conteúdo a um modelo social europeu»JO C 309, de 16.12.2006.

(10)  Resolução do Parlamento Europeu, A.6-0275/2006 de 26.9.2006; Livro Branco da Comissão Europeia, COM(2004) 374 de 12.5.2004; Comunicação da Comissão Europeia, COM(2007) 725 de 20.11.2007, etc.

(11)  Parecer exploratório do CESE sobre os SIG in JO C 241 de 7.10.2002, p. 119; parecer do CESE sobre o Livro Branco sobre os SIG in JO C 221 de 8.9.2005, p. 17; parecer de iniciativa do CESE sobre «O futuro dos SIG» no JO C 309 de 16.12.2006, p. 135.

(12)  Ponto 3.2 do parecer CESE sobre a «Avaliação dos serviços de interesse geral», JO C 162 de 25.6.2008.

(13)  Ponto 3.7 do parecer CESE sobre a «Avaliação dos serviços de interesse geral», JO C 162 de 25.6.2008.

(14)  Parecer do CESE sobre a «Comunicação da Comissão: Realizar o programa comunitário de Lisboa: Os serviços sociais de interesse geral na União Europeia», JO C 161, 13.7.2007, p. 80.

(15)  Ponto 10.3 do parecer do CESE sobre o «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006.

(16)  Na sua Decisão 94/800/CE, de 22 de Dezembro de 1994 (no JO L 336 de 23.12.1994), o Conselho adopta os textos jurídicos emergentes das negociações comerciais multilaterais do Uruguay Round concluídas com a assinatura da Acta Final de Marraquexe e a criação da Organização Mundial do Comércio.

(17)  Parecer do CESE sobre «O futuro dos serviços de interesse geral», JO C 309, de 16.12.2006.

(18)  Este artigo que contém «Definições» entende, designadamente, por «medidas tomadas por membros que afectam o comércio de serviços» o «acesso e utilização, relacionados com a prestação de um serviço, de serviços que esses membros exigem que sejam oferecidos ao público em geral».

(19)  Que reza: «O presente acordo é aplicável às medidas tomadas pelos membros que afectem o comércio de serviços».

(20)  Processo Estados Unidos (medidas que afectam a prestação transfronteiras de serviços de jogos de azar e apostas), WT/DS/AB/R(AB-2005-1). Uma análise em Moreira González, C. J. «Las cláusulas de Seguridad Nacional», Madrid 2007, p. 229 e seg. Analogamente, Processo CE (Regime aplicável à importação, venda e distribuição de bananas), WT/DS27/AB/R/197.

(21)  O G20 financeiro congrega, para além dos países do G8, 11 ministros das finanças e governadores dos bancos centrais que representam um total de 85 % do PIB mundial, mais a União Europeia (país que exerce a Presidência do Conselho e presidente do Banco Central Europeu).


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