EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 52006AE0401

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Relatório sobre a política de concorrência 2004 SEC(2005) 805 final

OJ C 110, 9.5.2006, p. 8–13 (ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, NL, PL, PT, SK, SL, FI, SV)

9.5.2006   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 110/8


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Relatório sobre a política de concorrência 2004»

SEC(2005) 805 final

(2006/C 110/02)

Em 17 de Junho de 2005, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado CE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o: «Relatório sobre a política de concorrência 2004».

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 21 de Fevereiro de 2006, sendo relator H. MALOSSE.

Na 425.a reunião plenária de 15 e 16 de Março de 2006 (sessão de 15 de Março), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 138 votos a favor, 1 voto contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Introdução

1.1.

A política de concorrência da União foi durante muito tempo considerada um dos emblemas da integração europeia e um acervo que não podia ser posto em causa. Todavia, quando se debateu o Tratado Constitucional, o bem-fundado de uma política que visava assegurar «uma concorrência livre e não falseada» suscitou interrogações. Após a reforma dos instrumentos de controlo dos acordos e abusos de posição dominante, a Comissão Europeia levou a cabo uma reforma do regime dos auxílios estatais, através de um plano de acção. A apresentação do relatório 2004 dá ao CESE a possibilidade de uma reflexão global sobre as finalidades e os métodos da política comunitária de concorrência, nomeadamente no que respeita:

à globalização das trocas comerciais;

ao alargamento da UE com o aumento das disparidades de desenvolvimento;

ao crescente atraso da UE no que se refere ao crescimento e ao emprego em relação aos seus principais concorrentes económicos;

à preocupação legítima dos cidadãos que aspiram a melhor governação, melhor legitimação das políticas levadas a cabo e participação mais alargada nas tomadas de decisão.

1.2.

Após um «enquadramento político» do Director-Geral da DG Concorrência, o relatório dá uma panorâmica das actividades da Comissão atinentes a:

acordos e abusos de posição dominante (artigos 81.o e 82.o do Tratado) com algumas decisões proferidas pelas jurisdições comunitárias e pelas jurisdições nacionais da UE;

concentrações, com uma avaliação sectorial;

controlo dos auxílios estatais, incluindo as normas legislativas e de interpretação, e algumas decisões proferidas pelas jurisdições europeias;

alargamento, bem como cooperação internacional, bilateral e multilateral.

O ano de 2004, ano do alargamento aos dez novos Estados-Membros, foi marcado pela entrada em vigor da reforma do direito comunitário da concorrência, em 1 de Maio.

2.   Reflexões sobre a política de concorrência da União Europeia

2.1.

O relatório sublinha a relação entre a política de concorrência e a Estratégia de Lisboa: o crescimento, o emprego e o desenvolvimento sustentável. A Comissão pretende assim centrar a sua acção nos sectores fundamentais para o mercado interno e para a Agenda de Lisboa, pondo a tónica na supressão dos obstáculos à concorrência nos sectores recentemente liberalizados e em determinados sectores regulamentados, como as telecomunicações, os serviços postais, a energia e os transportes. A relação com a Agenda de Lisboa deveria ser mais bem fundamentada e explicitada.

2.2.

Questão preliminar é saber se a política de concorrência deve reflectir prioridades políticas conjunturais ou, pelo contrário, ter uma lógica própria e autónoma. O CESE privilegia a segunda, pelas seguintes razões:

2.2.1.

As empresas, os consumidores e os agentes económicos e sociais precisam de um quadro jurídico estável e previsível. Se a política de concorrência variar consoante as prioridades do momento dará azo a instabilidade jurídica, pelo que será pouco favorável ao investimento e ao emprego.

2.2.2.

A criação de uma concorrência livre e não falseada constitui por si só um objectivo fundamental não em relação a uma estratégia conjuntural, mas para assegurar o bom funcionamento do mercado único europeu. Caso contrário, esse mercado deixa de fazer sentido e desaparecem as vantagens que ele pode oferecer à economia europeia, isto é, o estímulo da procura, o alargamento da oferta e a força de um mercado com 450 milhões de consumidores.

2.2.3.

Hoje em dia, na Europa alargada, são enormes as disparidades das condições económicas e sociais entre os diferentes Estados-Membros, razão pela qual a política de concorrência adquire uma acuidade específica. Por outras palavras, a criação de uma concorrência verdadeiramente livre e não falseada é determinante para os agentes económicos e sociais tanto dos países mais ricos como dos menos desenvolvidos terem a garantia de igualdade de oportunidades e de tratamento, bem como para se reunirem as condições para reforçar a coesão económica e social da União.

2.2.4.

A autonomia da política de concorrência deve ser preservada e reforçada. Esta política também tem de se articular com as demais políticas da União, como as políticas a favor dos consumidores, do desenvolvimento económico, da inovação, do crescimento, do emprego e da coesão económica e social. Através das reformas de que é e será objecto, a política de concorrência deve reflectir essa visão para o exterior. Nesse espírito, a Comissão deve pautar-se necessariamente pela procura de um equilíbrio constante para proteger o melhor possível os consumidores, as empresas o interesse geral da União. Por essa razão, a elaboração de orientações para a resolução de litígios deve ser determinada com base em certos imperativos, a saber:

continuar a aplicar rigorosamente as regras de concorrência, nomeadamente no atinente aos auxílios estatais, a fim de evitar qualquer complacência com políticas nacionais de apoio a «campeões nacionais» ou monopólios passíveis de asfixiar a concorrência à escala nacional e europeia, especialmente em detrimento das pequenas e médias empresas. Ao invés, devem ser apoiados os esforços públicos em prol da inovação e da investigação para incentivar grandes projectos europeus federadores e apoiar o potencial de inovação das pequenas e médias empresas.

De igual modo, as políticas a favor do emprego devem incidir prioritariamente no apoio às pessoas (formação ao longo da vida, guarda de crianças, mobilidade, luta contra todas as formas de discriminação), e não nos auxílios directos que podem originar distorções de concorrência;

combater os novos «nichos anti-concorrenciais» como as «substituições» de monopólios públicos por monopólios privados e as posições dominantes de facto de uma actividade económica (por exemplo a distribuição face aos produtores e vice-versa). Por isso, é necessário perceber melhor a especificidade das pequenas e médias empresas, motor do crescimento na Europa, mas cuja criação e desenvolvimento são muitas vezes refreados por práticas discriminatórias (auxílios estatais, monopólios e posições dominantes). Deveria incentivar-se, nomeadamente, a cooperação e os agrupamentos de PME, que são muitas vezes o único meio de que elas dispõem para ficar em pé de igualdade com os seus concorrentes;

fazer com que os consumidores possam beneficiar realmente das economias de escala e do potencial do mercado único europeu.

2.2.5.

É necessário atender à especificidade dos serviços de interesse geral, nomeadamente nos sectores da saúde, da protecção social e da educação, na observância dos valores de justiça social e de transparência, de acordo com as tradições e as práticas nacionais. No caso de missões de serviço de interesse público geral confiadas total ou parcialmente a privados, as autoridades da concorrência devem assegurar a igualdade de tratamento entre todos os potenciais intervenientes, a efectividade, a continuidade e a qualidade do serviço. A este respeito, o Comité saúda o trabalho da Comissão que, desde o acórdão Altmark, precisou as regras sobre o financiamento das obrigações de serviço público, o que induzirá uma maior transparência na gestão dos serviços de interesse económico geral.

2.2.6

Em linhas gerais, o problema da política de concorrência comunitária é assentar no pressuposto do funcionamento ideal do mercado único: informação perfeita e gratuita dos agentes, livre entrada e saída das empresas, tantos mercados quantas as eventualidades possíveis ou desejadas pelos agentes, bem como inexistência de rendimentos de escala crescentes e de posições dominantes. A realidade, porém, é diferente, nomeadamente devido ao comportamento de certos Estados-Membros que continuam a pensar em «nacional».

2.2.7

A DG Concorrência deveria efectuar balanços económicos e sociais de acompanhamento sobre os casos que estuda, bem como análises de impacto das decisões mais importantes que toma, quer no domínio económico, incluindo a competitividade global da União, quer no domínio social e em relação ao desenvolvimento sustentável.

3.   Observações sobre a aplicação da política de concorrência na UE em 2004

3.1.

A apresentação do relatório seria mais clara e compreender-se-ia melhor o sistema, se ele incluísse, nomeadamente no que se refere aos auxílios estatais, um inventário das decisões em que não houve objecção à sua concessão, explicando a razão pela qual em certos casos o auxílio não estava abrangido pelo n.o 1 do artigo 87.o. Seria esse o quadro de boas práticas para todos os Estados-Membros na atribuição de auxílios.

3.2.

Por outro lado, tendo o ano de 2004 sido marcado pelo alargamento, lamenta-se que o relatório dê tão poucas indicações sobre a aplicação da política comunitária de concorrência pelos novos Estados-Membros. O Comité espera assim que o relatório de 2005 dê informações mais completas e actualizadas.

3.3.   Aplicação da legislação contra os acordos entre empresas

3.3.1.

O relatório revela que a análise económica passou a ser parte integrante da política de concorrência, como o CESE sempre preconizou. A evolução da legislação do direito da concorrência (artigos 81.o e 82.o) foi marcada por um avanço específico e pragmático, que consistiu em definir melhor o mercado e aperfeiçoar a abordagem das práticas horizontais e verticais.

3.3.1.1.

No n.o3 do artigo 81.o (à excepção da proibição dos acordos restritivos), pode constatar-se que a análise económica ganhou sobretudo por ter em conta os ganhos de eficácia. É assim que as empresas podem invocar o recurso a novas tecnologias, a métodos de trabalho mais adequados, a sinergias resultantes da integração de activos e de economias de escala, ou alegar o progresso técnico e tecnológico através dos acordos de investigação e de desenvolvimento em comum, por exemplo.

3.3.2   A política de imunidade

3.3.2.1.

Como demonstram os processos evocados no relatório, a política de imunidade é um êxito. Recorde-se que este mecanismo incita as empresas que são parte num acordo a «denunciá-lo» junto das autoridades de concorrência, o que, em contrapartida, implica que sejam total ou parcialmente eximidas das coimas em que incorrem. Para o efeito, a Comissão e alguns Estados-Membros instituíram programas de imunidade que estabelecem as condições do dispositivo. Estes programas revestem-se de especial importância para as empresas, porquanto, independentemente de acordos muitas vezes meramente colusórios, elas descobrem que, sem o seu conhecimento, foi celebrado um acordo através de trocas de fax e de correio electrónico entre os seus agentes comerciais e os de outras empresas.

3.3.2.2.

Ora, o relatório não dá o destaque suficiente a alguns disfuncionamentos subjacentes: os programas de imunidade existentes na UE são muito heterogéneos, tanto no que diz respeito às condições de fundo para a obtenção da imunidade, como processualmente; além disso, nem todas as autoridades nacionais em matéria de concorrência instituíram programas de imunidade. Só dezoito delas dispõem de um (e a Comissão) (1).

3.3.2.3.

Por último, um pedido de imunidade dirigido a uma determinada autoridade não é válido para as outras. Nestas condições, para obter a imunidade, a empresa em questão é obrigada a solicitá-la a todas as autoridades competentes em matéria de concorrência, razão pela qual o CESE considera fundamental a optimização do dispositivo em caso de pedidos múltiplos das empresas. Afigura-se, pois, necessária a simplificação dos procedimentos existentes para criar um sistema de concordância na «denúncia» do acordo, o que faria cessar automaticamente qualquer participação num cartel.

3.3.3.   A Rede Europeia da Concorrência (REC)

3.3.3.1.

Segundo o relatório, os primeiros resultados obtidos pela REC parecem satisfatórios. Através desta rede, a Comissão Europeia e as autoridades nacionais em matéria de concorrência de todos os Estados-Membros da UE cooperam, informando-se reciprocamente dos novos processos e decisões. Se necessário, coordenam as investigações, prestando-se assistência mútua e trocando elementos de prova.

3.3.3.2.

Esta cooperação cria um mecanismo eficaz para combater as empresas que se dedicam a práticas transfronteiriças restritivas da concorrência e ajuda a eliminar as que violam as regras do mercado, causando prejuízos consideráveis à concorrência e aos consumidores.

3.3.3.3.

Uma questão fundamental é a da confidencialidade das informações, assegurada por uma função específica o ADO «Authorised Disclosure Officer», graças à qual uma ou várias pessoas podem intervir na transferência de informações confidenciais. Estes mecanismos foram aplicados várias vezes desde 1 de Maio de 2004, sobretudo com a Comissão, e aparentemente com êxito.

3.3.3.4.

Se o balanço do funcionamento da REC é muito positivo para os agentes económicos, o CESE alerta, todavia, a Comissão para a eventual dificuldade em garantir, a prazo, a protecção cabal do intercâmbio de informações confidenciais, devido à proliferação de processos.

3.4.   Artigo 82.o — Abusos de posição dominante

3.4.1.

O artigo 82.o do Tratado proíbe a exploração abusiva de qualquer posição dominante por uma empresa (preços abusivos, repartição dos mercados mediante acordos de venda exclusivos e prémios de fidelidade que visem desviar os fornecedores dos seus concorrentes). Por outro lado, o controlo das concentrações está sujeito a esta disposição, a partir do momento em que uma fusão implique um abuso no reforço da posição dominante da empresa que está na origem da operação. Este artigo, elo fundamental da legislação antitrust, padece em certos aspectos de uma interpretação equívoca que se observa através da análise dos comportamentos das empresas e das implicações das suas práticas comerciais. Por outras palavras, ainda não foi encontrada uma verdadeira definição para o conceito de abuso de posição dominante, sendo por vezes muito difícil para as empresas saber o que podem ou não fazer. Por exemplo, quanto a abusos nos preços, como preços predadores ou descontos, um determinado comportamento pode ter efeitos diferentes: um concorrente muito eficaz pode conseguir prosperar num mercado onde a empresa dominante pratica determinados preços, ao passo que um concorrente «menos eficaz» pode ser excluído do mercado. Deverá a política de concorrência proteger este último? Não seria antes necessário desenvolver regras baseadas no princípio de que só é abusiva a exclusão de concorrentes «performantes»?

3.4.2.

A Comissão publicou recentemente um projecto de orientações sobre a aplicação do artigo 82.o que o CESE aprova. Pretende desse modo estabelecer um método a seguir para avaliar algumas das práticas mais correntes que podem fragilizar a concorrência, como as vendas ligadas e os descontos (2). O CESE saúda os esforços envidados pela Comissão para mobilizar o máximo de recursos em relação às práticas mais susceptíveis de lesar os consumidores e introduzir clareza e segurança jurídica com uma definição clara do que pode ser um abuso de posição dominante. Espera que, com este projecto actualmente em estudo, as empresas em posição dominante possam avaliar claramente a licitude do seu comportamento e recorda que, para a conclusão da reflexão, deve ser assegurado um diálogo com os interessados (empresas, nomeadamente as PME, consumidores, parceiros sociais, ...).

3.5.   O controlo das concentrações

3.5.1.

O CESE saúda a evolução marcada pelo pragmatismo, por um lado, através da criação do balcão único para a notificação de operações de concentrações e, por outro, com a indispensável clarificação introduzida no teste de concorrência, porquanto está mais próximo da realidade económica e é mais compatível com as regras vigentes nos principais sistemas de controlo das concentrações espalhadas pelo mundo. Por último, embora na prática ainda seja difícil demonstrar os ganhos de eficácia gerados pelas fusões, espera-se que neste contexto melhorado o controlo das concentrações possa servir duradouramente os interesses do consumidor europeu.

3.5.2.

Quanto às relações entre a grande distribuição e o comércio de proximidade, assiste-se desde há alguns anos a um fenómeno maciço de concentração, que reduz as quotas de mercado do comércio de proximidade em prol da grande distribuição. Tendo em conta práticas comerciais por vezes muito constringentes, as políticas de preços e o valor dos descontos concedidos em função do volume de compras, os comércios de proximidade dificilmente podem ter preços competitivos face à importante margem de manobra da grande distribuição e à atractividade que ela gera. Por outro lado, os produtores também estão sujeitos a pressões por vezes exageradas. Por último, o aumento do número de fusões deve levar imperativamente à conciliação dos objectivos da política de concorrência com os da política dos consumidores para assegurar o abastecimento constante dos mercados e uma diversidade da oferta em qualidade. Ao mesmo tempo, conviria não limitar a cooperação entre pequenas empresas dado não ser significativa, no domínio em causa, a sua parte no mercado global.

3.6.   A reorganização da DG Concorrência

3.6.1.

O relatório faz um balanço positivo dos efeitos da reorganização da DG Concorrência em resposta às críticas tecidas pela opinião pública à Comissão relativamente a determinados processos (Airtours/First Choice, Tetra Laval/Sidel e Schneider/Legrand).

3.6.2.

A criação de um lugar de economista-chefe (Chief Competition Economist) coadjuvado por vários economistas, a designação de um grupo de funcionários experientes encarregados de analisar com um novo olhar as conclusões dos investigadores da DG Concorrência sobre as concentrações sensíveis e o reforço do papel de conselheiro-auditor no processo de controlo das concentrações são todas elas medidas com o objectivo comum de tornar o processo de investigação do controlo das concentrações mais rigoroso e transparente, dando assim resposta aos pedidos recorrentes do CESE, que as acolhe favoravelmente.

3.6.3.

O CESE aprova ainda a nomeação do «encarregado das relações com os consumidores» para os representar na DG Concorrência, embora lamente que, um ano volvido, o relatório não tenha feito um balanço rigoroso do verdadeiro diálogo instaurado com os consumidores europeus. Espera assim que o relatório de 2005 apresente elementos tangíveis que permitam avaliar a sua efectividade e eficácia, tendo aliás lançado um parecer de iniciativa sobre esta matéria.

3.6.4.

Os recentes pareceres do CESE destacaram a questão dos meios de que dispõe a Comissão Europeia, nomeadamente no que se refere ao controlo das concentrações, considerados demasiado escassos face aos recursos que podem ser mobilizados pelos agentes em questão. Continua em aberto a questão de a DG Concorrência ter, aparentemente, falta de pessoal qualificado para tratar os processos atinentes a determinados Estados, especialmente novos Estados-Membros. O Comité continua preocupado e perplexo com esta falta de previsão na gestão dos recursos humanos da Comissão e reclama medidas urgentes para obviar à situação.

3.6.5.

Por último, apesar dos recentes esforços para aumentar a transparência, o Comité constata a inexistência de uma política de consulta activa dos agentes concernidos. Com efeito, no tocante aos processos horizontais tratados pela DG Concorrência, a única informação sobre concentrações no sítio web da Comissão não pode ser considerada adequada para a obtenção de pareceres esclarecidos da sociedade civil e das várias organizações interessadas, tendo em vista uma boa governação.

3.6.6.

Quanto à publicação das decisões dos tribunais nacionais no sítio Internet «Concorrência» da Comissão, é forçoso constatar que não foram atingidos os objectivos informativos e didácticos pretendidos (n.o 2 do artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003). Por um lado, verifica-se que o sistema criado nesse sítio só funciona parcialmente, pois os novos Estados-Membros não enviam cópia das decisões proferidas pelos seus tribunais nacionais ou raramente o fazem, o que dificulta um pouco a percepção da aplicação do direito de concorrência nesses países e prejudica a almejada harmonização deste. Por outro lado, essas decisões estão disponíveis apenas na língua original, o que limita ou impede a sua leitura, quando certamente têm bastante importância prática pelos problemas inéditos que suscitam.

3.7.   O controlo dos auxílios estatais

O Conselho Europeu de Março de 2005 reafirmou o objectivo de «(...) prosseguirem numa via de redução do nível geral dos auxílios estatais, sem deixar de ter em conta as eventuais falhas dos mercados.»

3.7.1.

Em 7 de Junho de 2005, a Comissão Europeia apresentou o plano de acção no domínio dos auxílios estatais sobre o qual o CESE se pronunciou (3) e para o qual remete este parecer. No entanto, o estudo do relatório 2004 suscita as seguintes observações na generalidade:

3.7.2.

É indispensável reforçar a transparência da informação dada às empresas que beneficiam de auxílio individualizado (data de notificação e elementos justificativos apresentados pelos Estados-Membros). Esta transparência é tanto mais necessária quanto paira sobre as empresas o risco de recuperação de auxílios ilegais, especialmente sobre as pequenas e médias empresas e as micro-empresas, ainda que o processo de notificação tenha sido efectuado pelo próprio Estado-Membro.

3.7.3.

As autoridades nacionais encarregadas de apreciar se os auxílios satisfazem ou não os critérios exigidos nem sempre possuem os conhecimentos necessários para a análise económica atinente aos procedimentos de notificação; são muitas vezes as autoridades locais e regionais que concedem auxílios no domínio do emprego ou do ambiente, por exemplo, sem fazerem uma análise optimizada das quotas de mercado, o que em caso de auxílio ilegal faz pairar sobre as empresas uma grande incerteza financeira.

3.7.4.

No âmbito da análise dos auxílios de emergência e à reestruturação de empresas, constata-se que a política comunitária se centra mais nas consequências económicas para os concorrentes do beneficiário do auxílio público, nomeadamente nos meios para os «indemnizar». Na verdade, com a preocupação de evitar distorções de concorrência, a Comissão impõe determinadas restrições às empresas beneficiárias: por exemplo, limitar a percentagem de quotas de mercado numa determinada zona geográfica, como aconteceu no processo Thomson Multimedia, ou compelir o beneficiário a fazer parcerias com os concorrentes.

3.7.5.

O CESE lamenta que esta preocupação oculte outro aspecto igualmente essencial, isto é, os efeitos de tais operações para o consumidor final (cliente e contribuinte), porquanto a Comissão não investiga suficientemente se os auxílios impedirão ou não uma redução dos preços, uma maior escolha de produtos e de serviços ou melhor qualidade. Todavia, o interesse dos consumidores está no centro da política de concorrência e o direito aos auxílios estatais deve necessariamente poder beneficiar das mesmas exigências de rigor do que os acordos entre empresas ou as concentrações, no que à análise a longo prazo diz respeito.

3.7.6.

De um modo geral, o CESE está preocupado com distorções de concorrência que possam surgir de divergências entre os diferentes Estados-Membros na concessão de auxílios públicos e, sobretudo, com o carácter muitas vezes discriminatório desses auxílios. Com efeito, os Estados mobilizam-se muitas vezes a favor de investimentos e da salvação de grandes empresas, descurando as pequenas e médias empresas (que na realidade criam 4 em cada 5 postos de trabalho na UE) e privilegiando determinados sectores ou tipos de empresas. Esta situação em nada favorece o desenvolvimento do espírito empresarial, esclerosando o tecido económico, já de si pouco dinâmico, e é demasiado desfavorável a quem queira entrar no mercado.

4.   Propostas para uma política de concorrência reforçada

A análise leva o CESE a formular as seguintes recomendações:

4.1.   No plano técnico

4.1.1.

Nos seus próximos relatórios, a Comissão deveria prestar especial atenção aos efeitos do alargamento, dedicando mesmo um capítulo específico à evolução da legislação e ao controlo da aplicação do direito comunitário.

4.1.2.

Para melhorar a segurança jurídica, afigura-se essencial simplificar o sistema de imunidade. Dada a sensibilidade das informações que devem ser fornecidas e a dificuldade que representa multiplicar o mesmo procedimento junto das várias autoridades concernidas (acordo com efeitos para vários Estados-Membros), seria oportuna uma reforma através do reconhecimento mútuo ou do sistema de balcão único.

4.1.2.1.

Por outro lado, seria bastante desejável a aproximação dos programas nacionais de imunidade através de uma harmonização flexível e indirecta, que poderia assumir a forma de «melhores práticas».

4.1.3.

Na perspectiva da revisão em curso da política da Comissão sobre os abusos de posição dominante através do projecto de orientações, haverá que dilucidar várias questões para se recentrar a apreciação desses abusos nos prejuízos sofridos pelo consumidor. A Comissão deverá precisar o que se deve entender por posição dominante, mas sobretudo o que é um abuso e quais os diferentes tipos. Por último, deverá fazer uma distinção clara entre a concorrência legítima baseada no desempenho e a concorrência abusiva que lesa o funcionamento da concorrência e, por conseguinte, o consumidor.

4.1.4.

Quanto ao controlo das concentrações, para avaliar o contributo da tomada em conta dos ganhos de eficácia, o relatório da Comissão, no futuro, poderia deter-se um pouco sobre as operações em causa e as suas repercussões nos consumidores.

4.1.5.

Para assegurar um equilíbrio mais justo entre a produção e a distribuição, e na própria distribuição (evitar o desaparecimento total do comércio nas zonas rurais ou urbanas desfavorecidas ou nas regiões pouco habitadas), haveria que reflectir sobre os instrumentos de concorrência, regulamentação comercial ou apoios às pequenas empresas, para não bloquear o acesso ao mercado dos potenciais agentes e permitir às PME beneficiar das ajudas de Estado.

4.1.6.

Seria útil que os próximos relatórios contivessem uma descrição das relações entre o «encarregado das relações com os consumidores» e as organizações de consumidores no exame dos processos: puderam estas dar parecer ou informações à Comissão no âmbito de processos de concentrações, de acordos entre empresas ou de abusos de posição dominante? É fundamental demonstrar a efectividade do trabalho do encarregado das relações com os consumidores.

4.1.7.

Para melhorar o funcionamento do sistema de publicação dos acórdãos dos tribunais nacionais, seria oportuno criar uma rede de correspondentes encarregada de coligir as decisões judiciais a fim de tornar o sistema actual mais eficaz em tempo real, devendo ser afectados mais meios humanos e financeiros para o efeito.

4.2.   No plano político e económico

4.2.1.   Reforçar a análise sobre as distorções mais graves.

4.2.1.1.

A avaliação do funcionamento da política de concorrência deve permitir verificar se ela favorece efectivamente uma «concorrência livre e não falseada» na UE e medir a eficácia da luta contra os monopólios de facto e os abusos de posição dominante, bem como o respectivo impacto na criação de novas empresas e no espírito empresarial. A Comissão não deveria cercear os acordos entre PME para que elas possam fazer face à concorrência de grandes grupos integrados), devendo antes mobilizar mais meios para lutar eficazmente contra as distorções mais graves.

4.2.1.2.

No que se refere às profissões liberais, na sequência da comunicação de 9 de Fevereiro de 2004, a Comissão publicou um relatório sobre a concorrência neste sector (4), que expõe os progressos realizados na abolição de restrições desnecessárias à concorrência, como os preços fixos, as regras em matéria de publicidade, as restrições de acesso à profissão e determinadas tarefas reservadas. O CESE confirma a opinião unanimemente formulada no parecer sobre o relatório referente à política de concorrência 2003, segundo a qual a introdução de mecanismos mais favoráveis à concorrência permitirá que as profissões liberais melhorem a qualidade e a oferta dos seus serviços, o que beneficiará directamente os consumidores e as empresas.

4.2.2.   Lutar contra a compartimentação do mercado e efectuar estudos socioeconómicos.

4.2.2.1.

No entender do CESE, é necessário analisar as questões da concorrência no que refere à coesão global da União e verificar se comportamentos ainda demasiado nacionais (auxílios públicos directos ou «dissimulados» a campeões nacionais, auxílios para atrair investimentos, comportamentos discriminatórios, persistência de monopólios de facto e abusos de posição dominante, etc.) não visam manter uma compartimentação do mercado único e refrear a aproximação entre os agentes económicos da União. Neste espírito, a Comissão deve ainda efectuar análises socioeconómicas sobre o impacto global das suas decisões políticas, bem como interpelar o Conselho e os Estados-Membros para assegurar uma mudança de comportamentos e de práticas de compartimentação que penalizam os interesses dos agentes económicos e sociais.

4.2.3.   Garantir uma informação e uma consulta optimizadas.

4.2.3.1.

O CESE está ao dispor da Comissão para reflectir sobre o modo de garantir maior transparência — dentro dos limites que o respeito pela vida dos negócios permite — aos agentes que tenham a ver com a política de concorrência: empresas, parcerias económicas e sociais, consumidores e outros agentes da sociedade civil. Nomeadamente, no que se refere às concentrações, devemos interrogar-nos sobre os meios para se organizar uma participação mais activa destes últimos, tanto através do processo de consulta como de audições, o que responderia à preocupação de boa governação e de democracia participativa. Mais genericamente, deveria criar-se uma rede de informação de proximidade para dar a conhecer melhor as prioridades da política de concorrência e alertar as empresas e os consumidores para os seus direitos e para as suas obrigações, com base na Rede de Eurogabinetes da DG Empresas e nas redes das câmaras de comércio e indústria e das organizações de consumidores. É indispensável este esforço de informação permanente e eficiente, especialmente nos novos Estados-Membros e nos países candidatos.

4.2.4.   Assegurar a coerência global da política de concorrência com as demais políticas da União.

4.2.4.1.

A política de concorrência é fundamental para assegurar o funcionamento efectivo do mercado interno europeu. Os seus disfuncionamentos sublinham a necessidade imperiosa de assegurar a conclusão do mercado único e fazer cessar as práticas que tendem sistematicamente a compartimentá-lo. Mas esta política não pode ser auto-suficiente se não estiver coordenada com as demais políticas da União, tendo em mente o êxito da Estratégia de Lisboa revista e a eficácia da política de protecção dos consumidores. Em todo o caso, urge definir um projecto económico e social de coesão para a União com uma política de concorrência que mantenha um papel específico e encontre uma nova legitimação: garantir a todos igualdade de oportunidade no acesso ao mercado único, para que consumidores, empresários e assalariados beneficiem realmente das vantagens do principal mercado do mundo.

Bruxelas, 15 de Março de 2006.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  Bélgica, Chipre, República Checa, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Países Baixos, Polónia, Eslováquia, Suécia e Reino Unido.

(2)  Documento da DG Concorrência sobre a aplicação do Artigo 82.o do Tratado. Consulta pública. Dezembro 2005.

(3)  JO C 65 de 17.3.2006, Relator Pezzini.

(4)  Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões COM(2004) 83, de 9 de Fevereiro de 2004, (SEC(2005) 1064).


Top