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Document 62022CC0119

    Conclusões do advogado-geral Emiliou apresentadas em 6 de junho de 2024.


    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:472

    Edição provisória

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NICHOLAS EMILIOU

    apresentadas em 6 de junho de 2024 (1)

    Processos apensos C119/22 e C149/22

    Teva BV,

    Teva Finland Oy

    contra

    Merck Sharp & Dohme Corp.

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia)]

    e

    Merck Sharp & Dohme Corp.

    contra

    Clonmel Healthcare Limited

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda)]

    «Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Certificado complementar de proteção (CCP) — Regulamento (CE) n.° 469/2009 — Produtos que consistem numa associação de princípios ativos — Condições de concessão — Artigo 3.° — Alínea a) — O produto está “protegido” por uma patente de base — Alínea c) — O produto “não tiver sido já objeto de um certificado” — Critérios adequados para a avaliação dessas condições»






    I.      Introdução

    1.        Os presentes pedidos de decisão prejudicial, apresentados pelo Markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia) e pela Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda), respetivamente, têm por objeto as condições de concessão de um certificado complementar de proteção (a seguir «CCP») para medicamentos previstos no artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 469/2009 (2) (a seguir «Regulamento n.° 469/2009»). Estes órgãos jurisdicionais interrogam‑se essencialmente sobre se, e em que medida, pode ser concedido um CCP para uma associação de princípios ativos utilizados num tal produto, quando já tenha sido concedido um CCP anterior para um desses princípios. Neste contexto, solicitam orientações sobre a interpretação de duas dessas condições, a saber, que essa associação esteja «protegid[a] por uma patente de base em vigor» [artigo 3.°, alínea a)] e que «não [tenha] sido já objeto de [um CCP]» [artigo 3.°, alínea c)].

    2.        Como será explicado nas presentes conclusões, estas questões dificilmente podem ser consideradas novas. Com efeito, já foram objeto de várias decisões do Tribunal de Justiça, incluindo os Acórdãos Actavis I (3), Actavis II (4), e Teva I (5). Apesar (ou, como poderiam dizer alguns comentadores pouco caridosos, devido a) essas decisões, as autoridades nacionais encarregadas de conceder um CCP e os órgãos jurisdicionais chamados a fiscalizar a sua validade continuam a ter dificuldade em determinar, com certeza, os critérios que regem as condições em causa. Esta incerteza gera dificuldades e divergências de apreciação no que respeita à elegibilidade de certas matérias para um CCP (entre as quais as associações de princípios ativos).

    3.        Neste contexto, os órgãos jurisdicionais de reenvio procuram saber qual é o critério adequado no que respeita à apreciação de cada requisito. A este respeito, interrogam‑se sobre certas partes ambíguas dos Acórdãos Actavis I, Actavis II e Teva I e sobre a forma como as duas primeiras decisões interagem com a terceira. Os seus pedidos conferem ao Tribunal de Justiça uma nova oportunidade para esclarecer a questão — esperemos que de uma vez por todas.

    II.    Quadro jurídico

    4.        O artigo 3.° do Regulamento n.° 469/2009, sob a epígrafe «Condições de obtenção [de um CCP]», prevê o seguinte:

    «[Um CCP] é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.° e à data de tal pedido:

    a)      O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

    b)      O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado [...];

    c)      O produto não tiver sido já objeto de [um CCP];

    d)      A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de introdução do produto no mercado, como medicamento.»

    III. Matéria de facto, processo nacional e questões prejudiciais

    A.      Processo C119/22

    5.        A Merck Sharp & Dohme Corp. (a seguir «Merck») é uma empresa farmacêutica. É titular da patente europeia EP 1 412 357, concedida pelo Instituto Europeu de Patentes (IPO) em 22 de março de 2006, nomeadamente, à Finlândia, com data de prioridade de 5 de julho de 2002 (a seguir «patente de base no processo C‑119/22»). Esta patente era válida até 5 de julho de 2022.

    6.        O título da patente em questão é «beta‑amino‑tetra‑hidroimidazo (1,2‑A) pirazinas e beta‑aminatetra‑hidrotriazolo (4,3‑A) pirazinas como inibidores da dipeptidil‑peptidase para o tratamento ou a prevenção de diabetes». A secção «Resumo da invenção», na descrição da patente de base em causa, refere que, de acordo com a patente de base, a invenção diz respeito a substâncias que são inibidores da enzima dipeptidil‑peptidase‑IV (a seguir «inibidores de DP‑IV») e que são adequados para o tratamento ou a prevenção de patologias associadas à enzima dipeptidil‑peptidase‑IV, como p. ex., diabetes e, em especial, diabetes tipo II. Além disso, esta secção menciona que a invenção também diz respeito a composições farmacêuticas que contêm estas substâncias e à utilização destas substâncias e composições para o tratamento ou a prevenção das patologias associadas à enzima dipeptidil‑peptidase‑IV.

    7.        Esta patente contém um total de 30 reivindicações. Por exemplo, a reivindicação 1 é uma reivindicação de produto relativa a uma substância, redigida sob a forma de uma fórmula de Markush. As reivindicações 15, 26 e 28 referem‑se mais especificamente a certas substâncias abrangidas por essa fórmula, representados sob a forma de uma fórmula estrutural química, incluindo um composto que mais tarde veio a ser designado como «sitagliptina». Além disso, as reivindicações 20, 25 e 30 referem‑se a (a) associações que consistem num das substâncias reivindicadas com uma ou mais outras substâncias, selecionados de um grupo listado nessas reivindicações, que também são utilizados para o tratamento da diabetes, bem como para (b) composições farmacêuticas que contenham tal associação. Em particular, a reivindicação 30 refere‑se a uma composição farmacêutica que é constituída por uma associação de um dos compostos reivindicados na patente e uma substância conhecida como «metformina» (que é um medicamento do domínio público, também utilizado para o tratamento da diabetes) (6).

    8.        Em 21 de março de 2007, a Merck obteve uma autorização de introdução no mercado para o medicamento «Januvia». Este medicamento é utilizado para tratar a diabetes tipo II e tem a sitagliptina como princípio ativo exclusivo.

    9.        Em 31 de agosto de 2008, a Merck obteve outra autorização de introdução no mercado para o medicamento «Janumet», este medicamento é igualmente utilizado para tratar diabetes tipo II, mas contém sitagliptina e cloridrato de metformina (que é um sal de metformina farmaceuticamente aceitável) como associação de princípios ativos.

    10.      Em 13 de março de 2012, a Merck obteve um CCP na Finlândia (a saber, o CCP n.° 343) para a sitagliptina, com base (i) na patente de base em causa no processo C‑119/22 e (ii) na autorização de introdução no mercado para o «Januvia». Este CCP caducou em 23 de setembro de 2022.

    11.      Em 20 de março de 2012, foi concedido à Merck outro CCP na Finlândia (a saber, o CCP n.° 342) para a associação de sitagliptina e metformina, com base (i) na mesma patente e (ii) na autorização de introdução no mercado para o «Janumet». Este CCP era válido até 8 de abril de 2023.

    12.      Posteriormente, a Teva B.V. e a Teva Finland Oy (doravante designadas conjuntamente por «Teva»), uma empresa farmacêutica que produz medicamentos genéricos, intentou uma ação no Markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) contra a Merck, pedindo a declaração de nulidade do segundo CCP (CCP n.° 342). A Teva alega que esse certificado foi emitido em violação das condições estabelecidas no artigo 3.° do Regulamento n.° 469/2009.

    13.      Concretamente, a Teva alega, designadamente, que o CCP controvertido foi emitido em violação do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, com o fundamento de que o «produto» para o qual foi concedido, ou seja, a associação de sitagliptina e metformina, não estava «protegido» (na aceção desta disposição) pela patente de base no processo C‑119/22.

    14.      A Teva alega também que o CCP n.° 342 foi concedido em violação do artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009. Uma vez que já tinha sido concedido na Finlândia um primeiro CCP (neste caso, o CCP n.° 343) para a sitagliptina, esta disposição impedia a concessão de outro CCP para este princípio ativo em associação com a metformina.

    15.      A Merck contestou o pedido formulado pela Teva e pediu que a ação fosse julgada improcedente. No que se refere ao artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, a Merck afirmou que o argumento da Teva se baseia num critério errado para a apreciação desta condição. De acordo com o critério correto, a associação da sitagliptina e da metformina era efetivamente «protegida» (na aceção desta disposição) pela patente de base no processo C‑119/22. No que respeita ao artigo 3.°, alínea c), do referido regulamento, a Merck alegou que a concessão prévia de um CCP para a sitagliptina (CCP n.° 343) não impedia a concessão de outro CCP para uma associação de sitagliptina com a metformina (a saber, o CCP n.° 342), uma vez que essa associação é, para efeitos dessa disposição, um «produto» diferente e distinto da sitagliptina considerada isoladamente.

    16.      Nestas circunstâncias, o Markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

    «1)      Que critérios devem ser aplicados para decidir se um produto foi já objeto de [CCP] na aceção do artigo 3.°, alínea c), do [Regulamento n.° 469/2009]?

    2)      Deve considerar‑se que o requisito previsto no artigo 3.°, alínea c), do [Regulamento n.° 469/2009] é apreciado de modo diferente do requisito previsto no artigo 3.°, alínea a), do mesmo regulamento e, na afirmativa, em que medida?

    3)      Devem as considerações relativas à interpretação do artigo 3.°, alínea a), do [Regulamento n.° 469/2009] tecidas nos Acórdãos [Teva I] e [Royalty Pharma (7)] do Tribunal de Justiça ser consideradas pertinentes para efeitos da apreciação do requisito previsto no artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009 e, na afirmativa, em que medida? A este respeito, salienta‑se, em particular, o que é declarado nos referidos acórdãos em relação ao artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, quanto:

    –        à importância essencial das reivindicações e

    –        à apreciação do caso do ponto de vista do especialista na matéria e à luz da evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base.

    4)      São os conceitos de “cerne da atividade inventiva”, “atividade inventiva central” e/ou “objeto da invenção” da patente de base pertinentes para efeitos da interpretação do artigo 3.°, alínea c), do [Regulamento n.° 469/2009] e, se for esse o caso para alguns ou para todos esses conceitos, em que sentido devem estes conceitos ser entendidos no contexto da interpretação do artigo 3.°, alínea c), do [Regulamento n.° 469/2009]? Verifica‑se alguma diferença na aplicação dos referidos conceitos entre a hipótese de um produto composto por um único princípio ativo (denominado “monoproduto”) e a hipótese de um produto composto por uma associação de princípios ativos (denominado “produto combinado”) e, em caso afirmativo, em que medida? Como deve responder‑se a esta última questão num caso em que a patente de base contém, por um lado, uma reivindicação de patente para um monoproduto e, por outro, uma reivindicação de patente para um produto combinado, correspondendo esta última reivindicação a uma associação de princípios ativos composta pelo princípio ativo do monoproduto e, adicionalmente, por um ou mais princípios ativos em conformidade com a evolução da técnica conhecida?»

    B.      Processo C149/22

    17.      A Merck é igualmente titular da patente europeia EP 0 720 599, concedida pelo Instituto Europeu de Patentes (a seguir «IEP») em 19 de maio de 1999, nomeadamente, para a Irlanda, com data de prioridade de 21 de setembro de 1993 («patente de base no processo C‑149/22»). Esta patente caducou em setembro de 2014.

    18.      O título da patente em causa é «compostos de azetidinona substituídos por hidróxido úteis enquanto agentes hipocolesterolémicos». A descrição da patente indica que certas substâncias denominadas «azetidinonas» têm por efeito inibir a absorção de colesterol pela corrente sanguínea nos limites das vilosidades intestinais do intestino delgado. Como tal, estas substâncias são úteis para o tratamento e a prevenção da aterosclerose (8).

    19.      As reivindicações 1 a 8 dessa patente dizem respeito a moléculas únicas, incluindo uma substância conhecida como «ezetimiba». Em contrapartida, as reivindicações 9, 12, 15 e 16 referem‑se às utilizações da ezetimiba em associação com outras moléculas, incluindo as estatinas (que são substâncias igualmente utilizadas para tratar o colesterol elevado) (9). Além disso, a reivindicação 17 refere‑se a uma associação de ezetimiba e uma das estatinas enumeradas nessa reivindicação, incluindo a «sinvastatina» (que é uma substância do domínio público).

    20.      Em 2003, a Merck obteve uma autorização de introdução no mercado de um medicamento denominado «Ezetrol», um medicamento para baixar o colesterol que contém ezetimiba como princípio ativo exclusivo.

    21.      Nesse mesmo ano, foi concedido à Merck um CCP na Irlanda (a saber, o CCP 2003/014) para a ezetimiba, com base (i) na patente de base em causa no processo C‑149/22 e (ii) na autorização de introdução no mercado concedida para o «Ezetrol». Este CCP caducou em abril de 2018.

    22.      Em 2004, a Merck obteve uma autorização de introdução no mercado para outro medicamento denominado «Inegy», medicamentoque é igualmente um medicamento para baixar o colesterol, mas contém ezetimiba e sinvastatina como associação de princípios ativos.

    23.      Em 2005, foi concedido à Merck outro CCP na Irlanda (a saber, o CCP 2005/01) para a associação de ezetimiba e sinvastatina, com base (i) na patente de base em causa no processo C‑149/22 e (ii) na autorização de introdução no mercado concedida para o «Inergy». O CCP caducou em abril de 2019.

    24.      Após a caducidade do CCP para a ezetimiba, mas enquanto o CCP para a ezetimiba e a sinvastatina ainda era válido, a Clonmel Healthcare Limited (a seguir «Clonmel»), uma empresa farmacêutica que produz medicamentos genéricos, lançou uma versão genérica do «Inergy».

    25.      Considerando que a produção e a comercialização desse medicamento genérico violavam o segundo CCP, a Merck intentou uma ação por violação contra a Clonmel no High Court (Tribunal Superior, Irlanda), pedindo uma injunção de cessação e uma indemnização.

    26.      No âmbito da sua defesa neste processo, a Clonmel invocou a nulidade do CCP para a ezetimiba e a sinvastatina, com o fundamento de ter sido concedido em violação das condições previstas no artigo 3.° do Regulamento n.° 469/2009. No essencial, a Clonmel alegou, em primeiro lugar, que a associação de princípios ativos em questão não estava «protegida» (na aceção do artigo 3.°, alínea a), deste regulamento) pela patente de base no processo C‑149/22 e, em segundo lugar, que a concessão de um primeiro CCP para a ezetimiba impedia, nos termos do artigo 3.°, alínea c), deste regulamento, a concessão de um segundo CCP para esse princípio ativo em associação com a sinvastatina.

    27.      Em 29 de novembro de 2019, o High Court (Tribunal Superior) concluiu que o CCP para a ezetimiba e a sinvastatina era nulo nos termos do artigo 3.°, alíneas a) e c), do Regulamento n.° 469/2009, tendo, por conseguinte, emitido um despacho de revogação desse CCP. Em 24 de fevereiro de 2021, o Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda) confirmou essa decisão.

    28.      Em 24 de maio de 2021, a Merck pediu autorização para interpor recurso do acórdão da Court of Appeal (Tribunal de Recurso), que lhe foi concedida pela Supreme Court (Supremo Tribunal) em 4 de agosto de 2021.

    29.      Observando que a questão central no processo principal diz respeito à validade do CCP concedido para a associação de ezetimiba e sinvastatina, que, por sua vez, depende da interpretação correta do artigo 3.°, alíneas a) e c), do Regulamento n.° 469/2009, e que esta questão (ainda) não é clara na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda) decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

    «1)      a)      É suficiente, para a concessão de [um CCP] e para a sua validade jurídica, nos termos do artigo 3.°, alínea a), do [Regulamento n.° 469/2009], que o produto para o qual o CCP é concedido esteja expressamente identificado nas reivindicações da patente e por esta protegido, ou é necessário, para a concessão de um CCP, que o titular da patente, ao qual foi concedida uma autorização de introdução no mercado, demonstre também inovação ou inventividade ou que o produto se enquadra num conceito mais restrito, descrito como a invenção protegida pela patente?

    b)      Neste último caso, isto é, no caso da invenção protegida pela patente, o que deve ser comprovado pelo titular da patente e titular da autorização de introdução no mercado para obter um CCP válido?

          2)      Quando, como no presente processo, a patente tem por objeto um medicamento específico, a ezetimiba, e as reivindicações da patente enunciam que a aplicação em medicina humana pode consistir no uso do medicamento, isolado ou em associação com outro medicamento, neste caso, a sinvastatina, que é um medicamento do domínio público, pode ser concedido um CCP ao abrigo do artigo 3.°, alínea a), do [Regulamento n.° 469/2009] apenas para um produto que compreende a ezetimiba, enquanto monoterapia, ou pode ser concedido um CCP também para qualquer uma ou para todas as associações medicamentosas identificadas nas reivindicações da patente?

          3)      Quando é concedido um CCP a uma monoterapia, o medicamento A, neste caso, a ezetimiba, ou quando é concedido previamente um CCP para os medicamentos A e B enquanto associação terapêutica, os quais fazem parte das reivindicações da patente, embora apenas o medicamento A seja novo e, por conseguinte, patenteado, ao passo que os outros medicamentos já são conhecidos ou são do domínio público, está a concessão de um CCP limitada à primeira introdução no mercado da referida monoterapia do medicamento A ou da primeira associação terapêutica a que tenha sido concedido um CCP, A+B, com a consequência de que, após essa primeira concessão, não pode haver uma segunda ou terceira concessão de um CCP para a monoterapia ou para qualquer associação terapêutica diferente da primeira à qual foi concedido um CCP?

          4)      No caso de as reivindicações de uma patente protegerem tanto uma molécula única nova como uma associação dessa molécula com um medicamento existente e conhecido, se for o caso, do domínio público, ou várias dessas reivindicações para uma associação, o artigo 3.°, alínea c), do [Regulamento n.° 469/2009] limita a concessão de um CCP:

    a)      exclusivamente à molécula única se esta for comercializada como produto;

    b)      à primeira introdução no mercado de um produto protegido pela patente, quer se trate da monoterapia do medicamento abrangido pela patente de base em vigor quer se trate da primeira associação terapêutica[;] ou

    c)      a qualquer uma das anteriores hipóteses mencionadas em a) ou em b) à escolha do titular da patente, independentemente da data da autorização de introdução no mercado?

    E, em caso de resposta afirmativa a alguma das alíneas precedentes, por que razão?»

    IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

    30.      No processo C‑119/22, foram apresentadas observações escritas pela Teva, pela Merck, pela Irlanda, pelos Governos francês, letão, húngaro e neerlandês, bem como pela Comissão Europeia. As observações escritas no processo C‑149/22 foram apresentadas pela Merck, pela Clonmel, pela Irlanda, pelos Governos francês, húngaro, neerlandês e polaco, bem como pela Comissão.

    31.      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2023, os processos C‑119/22 e C‑149/22 foram apensados para efeitos da audiência e do acórdão.

    32.      A Teva, a Clonmel, a Merck, a Irlanda, os Governos francês, letão, húngaro e neerlandês, bem como a Comissão, estiveram representados na audiência que teve lugar em 8 de março de 2023.

    V.      Análise

    33.      Tal como referido na introdução, os casos em apreço dizem respeito às condições em que os CCP podem ser concedidos na União Europeia para associações de substâncias ativas utilizadas em medicamentos. Antes de dissecar as questões submetidas ao Tribunal de Justiça, considero oportuno fornecer ao leitor, que pode não estar familiarizado com os meandros deste complexo domínio do direito, uma panorâmica básica dos antecedentes e das regras relevantes.

    34.      Quando alguém (normalmente, uma empresa farmacêutica) descobre, através da investigação, que uma determinada substância, (ou família de substâncias, ou associação de substâncias - e assim por diante - tem um certo efeito no organismo humano, que a torna útil na prevenção, no tratamento, na prevenção ou na gestão de uma determinada doença ou patologia (ou várias doenças ou patologias, e assim por diante), pode, em determinadas circunstâncias, proteger os resultados dessa pesquisa contra a concorrência através do sistema de patentes. Na Europa, pode,designadamente (10), pedir‑se uma «patente europeia» ao IEP em Munique (Alemanha), em conformidade com o procedimento centralizado estabelecido pela CPE (11). Para que tal patente seja concedida, devem estar preenchidas determinadas condições («condições de patenteabilidade»): a ideia de usar a substância em questão como medicamento deve efetivamente constituir uma «invenção» que seja, nomeadamente, «nova» e envolva uma «atividade inventiva» (12). Para efeitos do caso em apreço, basta dizer que, admitindo que estas condições estejam preenchidas, tal patente é concedida (em geral, por um período de 20 anos)(13) e confere ao seu titular certos direitos exclusivos (essencialmente, um monopólio comercial) sobre a «invenção» patenteada em vários ou em todos os países europeus signatários da CPE (14). Enquanto tal, o titular da patente pode impedir terceiros de fabricar e de colocar à venda um medicamento que utilize a «invenção» em causa no território desses Estados. Em troca desta proteção de 20 anos contra a concorrência, o titular da patente deve «divulgar» a sua invenção na patente (15), ou seja, divulgá‑la ao público para que qualquer pessoa seja livre de a utilizar (incluindo através da preparação de uma cópia ou de uma versão genérica (16) desse medicamento) após a caducidade da patente (17).

    35.      No entanto, antes de o titular da patente poder colocar no mercado da União essa invenção farmacêutica patenteada como medicamento, deve obter uma autorização de introdução no mercado para esse produto junto das autoridades competentes (18). Neste contexto, devem ser realizados testes pré‑clínicos e ensaios clínicos exaustivos para demonstrar a segurança e a eficácia do produto. Desta forma, o procedimento de concessão de tal autorização demora geralmente anos. Com efeito, o período durante o qual o titular da patente pode comercializar a sua invenção sob a proteção da patente e tirar proveito do seu monopólio é, consequentemente, reduzido.

    36.      Neste contexto, o legislador da União considerou oportuno compensar as empresas farmacêuticas por estes atrasos regulamentares, concedendo‑lhes, em determinadas circunstâncias, um período adicional de exclusividade de comercialização. Para o efeito, criou o sistema do CCP.

    37.      Este sistema não é particularmente um mecanismo simples de prorrogação de patentes, como os que existem noutras jurisdições, em que a validade de uma patente é diretamente prorrogada por um determinado número de anos. Com efeito, embora o CCP tenha sido concebido para servir de extensão aos direitos de patente (uma vez que, como o seu próprio nome indica, fornece uma proteção que é «complementar» a esta última), a realidade jurídica é, infelizmente, mais complexa do que isso. De facto, um CCP é um direito de propriedade intelectual sui generis, que tem um objeto e um modo de funcionamento bastante sofisticados.

    38.      Em essência, um CCP pode ser concedido para um «produto» que esteja «protegido» por uma determinada patente (denominada, neste contexto, «patente de base») (19) e para o qual tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado pela primeira vez (20). De acordo com a definição constante do artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 469/2009, esse «produto» pode ser o «princípio ativo» (21)ou a «associação de princípios ativos», enquanto tal, contidos num medicamento. O titular de uma patente europeia que «proteja» esse «produto» pode apresentar, em relação a este último, um pedido de CCP no prazo de seis meses a contar da data de concessão da autorização de introdução no mercado (22). Sendo o CCP um título nacional, o titular da patente deve fazê‑lo individualmente perante os INP de todos os Estados‑Membros para os quais a patente europeia foi concedida e essa autorização obtida. Uma vez concedido, um CCP produz efeitos no termo do prazo de 20 anos da «patente de base», por um período proporcional ao tempo necessário para obter essa autorização de introdução no mercado e que, em qualquer caso, não pode exceder cinco anos (23). Durante o seu período de vigência, o CCP confere os mesmos direitos exclusivos que a patente de base (tal como definida pela lei aplicável a esta patente), mas apenas em relação ao «produto» específico para o qual esse certificado foi concedido (24). Com efeito, o CCP garante ao titular da patente até mais cinco anos de monopólio comercial do «produto» em causa.

    39.      O sistema de CCP e a (espécie de) extensão de patentes que permite, embora aparentemente à primeira vista limitado no seu efeito, revestem, na realidade, uma importância singular na prática. Com efeito, este sistema tem de ser visto à luz dos enormes e divergentes interesses económicos dos intervenientes no setor farmacêutico. Por um lado, o modelo de negócio das empresas farmacêuticas que desenvolvem novos medicamentos (a seguir «indústria de medicamentos originais») está fortemente dependente dos monopólios conferidos pelas patentes dos seus medicamentos (e das elevadas receitas que delas obtêm). Logicamente, estas empresas procuram alargar ao máximo estes monopólios. Por outro lado, o modelo de negócio dos fabricantes de medicamentos genéricos consiste em colocar no mercado os equivalentes genéricos de medicamentos originais bem-sucedidos, algo de que também podem retirar receitas consideráveis. No entanto, estas empresas não o podem fazer legalmente enquanto tal monopólio existir. Esses interesses económicos divergentes explicam por que razão o período de caducidade das patentes dos medicamentos originais é muitas vezes conflituoso e por que razão, em especial, a concessão de CCP dá frequentemente origem a litígios.

    40.      As situações em causa nos processos principais são ilustrativas das considerações precedentes. Para efeitos da minha análise, as características relevantes destes casos são essencialmente as mesmas e podem ser resumidas da seguinte forma.

    41.      Em cada caso e num dado momento, a Merck descobriu que uma determinada família de substâncias (pirazinas no processo C‑119/22 e azetidinonas no processo C‑149/22) tinha um determinado efeito no organismo humano (as pirazinas inibem a enzima dipeptidil peptidase‑IV e as azetidinonas inibem a absorção do colesterol na corrente sanguínea). Posteriormente, na década de 1990, a Merck obteve uma patente europeia (que abrange vários Estados‑Membros) para uma invenção que consistia na ideia inovadora da utilização de substâncias pertencentes a essa família, tendo em conta o seu efeito no organismo humano, como um medicamento para tratar certas patologias ou doenças (pirazinas em relação, nomeadamente, à diabetes e azetidinonas em relação ao colesterol elevado e à aterosclerose). A patente em questão também se referia à ideia de utilizar essas substâncias em associação com outras substâncias, que já eram utilizadas para tratar essas patologias ou doenças, no momento da apresentação do pedido dessa patente (metformina em relação à diabetes e estatinas em relação ao colesterol elevado e à aterosclerose).

    42.      A Merck desenvolveu e obteve uma autorização de introdução no mercado para um primeiro medicamento de tratamento das doenças ou patologias em causa, que contém uma substância pertencente à família patenteada em questão como princípio ativo único (sitagliptina no processo C‑119/22 e ezetimiba no processo C‑149/22). Por uma questão de simplicidade, no seguimento das presentes conclusões, referir‑me‑ei a essa substância como «A». Posteriormente, para compensar o tempo necessário para obter essa autorização, foi concedido à Merck um primeiro CCP para A (em vários Estados‑Membros).

    43.      Posteriormente, a Merck desenvolveu e obteve uma autorização de introdução no mercado para outro medicamento destinado ao tratamento das mesmas doenças ou patologias, que continha, como princípios ativos, A em associação com uma das outras substâncias já utilizadas para o efeito, conforme pretendido pela Merck (metformina no processo C‑119/22 e estatinas no processo C‑149/22). Por uma questão de simplicidade, no seguimento das presentes conclusões, referir‑me‑ei geralmente a essa outra substância como «B» e, por conseguinte, a tal associação de ingredientes ativos como «A+B». Posteriormente, a Merck solicitou, e foi‑lhe concedido (novamente, em vários Estados‑Membros), um segundo CCP para A+B.

    44.      Este segundo CCP (na sua versão nacional emitida, respetivamente, na Finlândia e na Irlanda) está no cerne dos casos subjacentes aos processos principais. Essencialmente, os fabricantes de medicamentos genéricos (Teva no processo C‑119/22 e Clonmel no processo C‑149/22), que continuavam impedidos de produzir e comercializar versões genéricas dos medicamentos da Merck devido a essa nova extensão do monopólio da Merck, contestam a validade desse CCP nos órgãos jurisdicionais de reenvio.

    45.      Estes fabricantes alegam, em cada caso, que o segundo CCP era nulo com o fundamento de ter sido concedido em violação das condições cumulativas (25) previstas no artigo 3.° do referido Regulamento n.° 469/2009 (26). A sua impugnação da validade centra‑se nas condições estabelecidas no artigo 3.°, alíneas a) e c), deste regulamento. Recordo que a primeira disposição exige que «[o] produto [esteja] protegido por uma patente de base em vigor» e, a segunda, que «[o] produto não [tenha] sido já objeto de um [CCP]». Em seu entender, o CCP controvertido não cumpria estes requisitos, o que a Merck contesta.

    46.      O desacordo das partes no litígio assenta numa interpretação divergente destas condições. Neste contexto, por um lado, a primeira e segunda questões no processo C‑149/22 (27), que devem ser analisadas em conjunto, dizem respeito ao artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009. Em contrapartida, todas as questões no processo C‑119/22, bem como a terceira e quarta questões no processo C‑149/22, que também devem ser analisadas em conjunto, dizem respeito ao artigo 3.°, alínea c), do referido regulamento. Como foi referido na introdução, estas numerosas questões são, no essencial, relativas aos critérios adequados a aplicar para apreciar cada uma das condições e, em última análise, à questão de saber se (e, em caso afirmativo, em que medida) uma ou outra condição (ou ambas) se opõe à concessão de um CCP para uma associação de princípios ativos (A+B), nomeadamente na hipótese, em causa no processo principal, em que o titular da patente obteve anteriormente outro CCP para um desses princípios (A).

    47.      Embora tal possa parecer contraintuitivo, começarei por abordar as questões relacionadas com o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009. Com efeito, vários intervenientes alegaram, perante o Tribunal de Justiça, que a chave para a resolução dos presentes processos se encontra aí. Discordo e gostaria de fornecer, a este respeito, alguns esclarecimentos (provavelmente bem necessários) e, por conseguinte, uma resposta (relativamente) rápida desde o início (secção A). Na minha opinião, a chave para a resolução destes processos reside, na realidade, na correta interpretação do artigo 3.°, alínea a), do referido regulamento, o que exige uma discussão mais substancial e complexa (secção B).

    A.      Artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009 (primeira a quarta questões no processo C119/22 e terceira e quarta questões no processo C149/22)

    48.      Recordo que, no âmbito das condições cumulativas para a concessão de um CCP, o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, exige que «[o] produto não [tenha] sido já objeto de um [CCP]».

    49.      A este respeito, os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber (i), em geral, qual é o critério adequado para determinar se esta condição está preenchida num caso concreto e (ii), concretamente, se, de acordo com o critério adequado, essa condição se opõe à concessão de um CCP para uma associação de princípios ativos (A+B) quando já foi concedido um CCP para um destes princípios (A).

    50.      O critério a seguir para avaliar a condição estabelecida no artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, é (deve ser supostamente) simples e direta. Como alega a Merck, e como decorre da redação clara dessa disposição, consiste em (i) definir «o produto» para o qual é apresentado o pedido do CCP em análise, ou para o qual foi concedido o CCP controvertido e (ii) verificar se o titular da patente já tinha obtido um CCP, numa data anterior, para o mesmo  «produto».

    51.      Para efeitos, nomeadamente, desta disposição, recordo que o artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 469/2009, fornece uma definição do conceito de «produto», que se refere ao «princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento» (O sublinhado é meu).

    52.      Em cada processo principal, o CCP controvertido foi concedido para A+B. De acordo com a definição constante do ponto anterior, uma tal associação de princípios ativos constitui, por si mesma, um «produto». Assim, como alega a Merck, para efeitos da avaliação do requisito estabelecido no artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, segundo o critério explicado no ponto 50, supra, (i) o «produto» relevante é a associação A+B e (ii) o examinador deve verificar se o titular da patente já obteve um CCP para essa associação. No caso em apreço, é indiscutível que não foi concedido nenhum CCP anterior para A+B. Por conseguinte, esse requisito está preenchido.

    53.      Esta conclusão não é (ou, pelo menos, não deve ser) posta em causa pelo facto de, em cada caso, a Merck ter obtido um CCP anterior para A. Com efeito, nos termos da definição constante do artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 469/2009, A, enquanto princípio ativo exclusivo, é um «produto» diferente de A+B, enquanto associação de princípios ativos. Assim, nos termos do artigo 3.°, alínea c), deste regulamento, a concessão de um CCP para «A» não deve impedir a concessão de outro CCP para «A+B» (28).

    54.      Dito isto, as dúvidas dos órgãos jurisdicionais de reenvio quanto à interpretação do artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, decorrem de duas decisões do Tribunal de Justiça, a saber, os Acórdãos Actavis I e Actavis II, referidos na introdução, nos quais o Tribunal de Justiça se afastou da lógica simples acima descrita.

    55.      Os casos que deram origem a esses acórdãos apresentavam uma certa proximidade factual com os presentes processos. Em cada um dos casos referidos, basta dizer que, em ambos os casos (i) um primeiro CCP foi concedido a um titular de patente para um princípio ativo (A) com base numa patente e numa autorização de introdução no mercado para um medicamento que continha esse princípio e (ii) um segundo CCP foi então concedido para a associação desse princípio ativo com outro princípio ativo do domínio público (A+B). Em ambos os processos, o tribunal do Reino Unido teve que determinar a validade do segundo CCP e, para o efeito, submeteu ao Tribunal de Justiça várias questões relativas à interpretação correta, entre outras, do artigo 3.°, alíneas a) e c), do Regulamento n.° 469/2009.

    56.      O Tribunal seguiu essencialmente o mesmo raciocínio em ambos os acórdãos. No essencial, considerou que o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, se opunha à concessão do CCP para A+B. A este respeito, salientou que a patente de base em causa «protegia» (na aceção do artigo 3.°, alínea a), do referido regulamento) apenas A, uma vez que este princípio ativo constituía o «cerne da atividade inventiva» (para utilizar os termos do Tribunal de Justiça no Acórdão Actavis I (29)) ou o «único objeto da invenção» (para utilizar os termos do acórdão do Tribunal de Justiça no Acórdão Actavis II (30)) das referidas patentes. Em contrapartida, B era um princípio conhecido do domínio público. Nestas circunstâncias, a concessão de um CCP para a associação de A+B equivaleria à concessão de um segundo CCP para A, contrariamente ao disposto no artigo 3.°, alínea c), deste regulamento (31).

    57.      O Tribunal de Justiça acrescentou que essa interpretação do artigo 3.°, alínea c), estava em conformidade com os objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 469/2009. Com efeito, o sistema CCP foi concebido para compensar os titulares de patentes pelos atrasos regulamentares que têm de enfrentar (como explicado nos n.os 35 e 36, supra) antes de poderem comercializar pela primeira vez as suas invenções farmacêuticas. Nos referidos casos, para o Tribunal de Justiça, apenas A constituía tal invenção. Assim, o primeiro CCP para A já cumpria essa função. Em contrapartida, se o titular da patente pudesse obter um novo CCP sempre que colocasse no mercado a sua invenção (A) «sob todas as formas possíveis», incluindo sob a forma de medicamentos compostos que contenham outros princípios conhecidos (B), tal favoreceria indevidamente os interesses da indústria farmacêutica em detrimento dos interesses dos fabricantes de genéricos e, em última análise, da saúde pública (quando o legislador pretendia, no Regulamento n.° 469/2009, ter em conta e equilibrar todos esses interesses) (32). Poderia igualmente facilitar estratégias de «evergreening» (perpetuação) (33), através das quais as empresas farmacêuticas poderiam prolongar, de forma excessiva, o seu monopólio por comercialização de um primeiro medicamento contendo «A» e, em seguida, um medicamento contendo «A+B» e, em seguida, outro contendo «A+C», etc.) (34).

    58.      Compreensivelmente, a Teva, a Clonmel, os Governos intervenientes (com exceção do húngaro) e a Comissão propõem ao Tribunal de Justiça que siga a mesma interpretação do artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, nos presentes processos. Em meu entender, não creio que assim seja.

    59.      Para ser claro, tenho uma grande simpatia pelo raciocínio pragmático e teleológico dos Acórdãos Actavis I e Actavis II. Com efeito, concordo com as considerações de ordem política apresentadas pelo Tribunal de Justiça. Embora, como indicado no n.° 38, supra, o Regulamento n.° 469/2009 preveja expressamente a possibilidade de obter CCP para associações de princípios ativos, teria sido contrário ao espírito deste regulamento admiti‑lo. Em determinadas circunstâncias, que serão examinadas com maior detalhe na secção seguinte, seria excessivo permitir que os titulares de patentes obtivessem um CCP para essas associações. No entanto, na minha opinião, a interpretação do artigo 3.º, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, aprovada nesses acórdãos não é a linha de ação adequada a este respeito.

    60.      Por um lado, parece‑me que o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, não pode ser objeto de tal interpretação teleológica. Com efeito, esta disposição não é ambígua nem vaga quanto à natureza do requisito nela previsto. Para efeitos desta disposição, a definição de «produto» que consta do artigo 1.°, alínea b), deste regulamento é igualmente inequívoca no facto de um «princípio ativo» e uma «associação de princípios ativos» serem duas coisas diferentes. Além disso, no seu Acórdão Santen (35), o Tribunal de Justiça considerou que essa definição é «estrita». A meu ver, ao ignorar esta definição nos Acórdãos Actavis I e Actavis II, o Tribunal de Justiça, por muito louvável que seja a sua intenção, passou por cima da redação clara deste regulamento.

    61.      Além disso, nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça desvirtuou igualmente o sistema previsto no artigo 3.º do Regulamento n.° 469/2009. Com efeito, enquanto este artigo enuncia quatro condições cumulativas, cada uma com a sua própria lógica e finalidade, e que devem, portanto, ser apreciadas de forma autónoma, o Tribunal de Justiça acabou por confundir duas delas. Com efeito, exigiu essencialmente ao examinador que verificasse o que uma patente «protege» (A, B, e/ou A+B?) para decidir se dois CCP concedidos nessa base dizem respeito ao mesmo «produto». Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça introduziu no artigo 3.°, alínea c), deste regulamento, uma análise que, pela sua natureza, tem por objeto o seu artigo 3.°, alínea a) (36). Esta situação cria uma confusão lamentável, interrogando‑se as autoridades nacionais sobre se devem efetuar uma análise idêntica quanto às duas condições (37) ou uma análise diferente.

    62.      Por outro lado, como alega o Governo Húngaro, o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, mesmo seguindo a interpretação feita pela Tribunal de Justiça nos Acórdãos Actavis I e Actavis II, é, de facto, insuficiente para impedir a concessão de CCP para associações de princípios ativos, quando tal fosse contrário ao espírito deste regulamento. Em primeiro lugar, a aplicação desta disposição dependeria da concessão prévia de um CCP para um dos princípios incluídos nessa associação. Em segundo lugar, a proibição prevista nesta disposição, na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Biogen (38), pode ser facilmente contornada pelos grupos farmacêuticos (39).

    63.      Por conseguinte, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça deve, na minha opinião, adotar a interpretação simples, direta e literal do artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, referida no n.° 52, supra. Deverá restabelecer a integridade do sistema aí previsto, reservando qualquer discussão sobre o que uma patente «protege» à avaliação do requisito estabelecido no artigo 3.°, alínea a), do referido regulamento. As considerações do Tribunal de Justiça nos Acórdãos Actavis I e Actavis II relativas a esta questão (em particular, os conceitos de «cerne da atividade inventiva» e «objeto da invenção») devem ser analisadas neste contexto.

    64.      Contrariamente ao que sustentam a Teva, a Clonmel e o Governo Lituano, essa interpretação literal do artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, não abriria uma via rápida para o abuso do sistema de CCP. Com efeito, tal como o Governo Húngaro, sou da opinião de que as preocupações políticas legítimas suscitadas pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Actavis I e Actavis II relativamente à concessão de CCP para associações de princípios ativos podem ser abordadas de uma forma que seja mais eficiente e mais respeitadora da redação e do sistema do Regulamento n.° 469/2009, através de uma interpretação adequada e de uma aplicação rigorosa deste último requisito, como será explicado na secção seguinte.

    B.      Artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009 (primeira e segunda questões no processo C149/22)

    65.      O artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, determina que, para que um determinado «produto» possa beneficiar do CCP, deve estar «protegido por uma patente de base em vigor».

    66.      Em cada um dos processos principais, não é contestado que a «patente de base» relevante (ou seja, a patente europeia designada pela Merck para efeitos dos procedimentos de concessão do segundo CCP controvertido) estava «em vigor» no momento do pedido desse CCP.

    67.      Em contrapartida, as partes no litígio divergem amplamente quanto à questão de saber se o «produto» para o qual este CCP foi concedido (que, recordo, é A+B, enquanto associação de princípios ativos (40)) estava «protegido» por esta patente. A resposta a esta questão depende do que se entende por «protegido».

    68.      Uma vez que o conceito não está definido no Regulamento n.º 469/2009, os órgãos jurisdicionais nacionais solicitaram ao Tribunal de Justiça orientações sobre o seu significado em várias ocasiões, muitas vezes no que diz respeito a «produtos» que consistem em associações de princípios ativos, como acontece nos presentes processos. A jurisprudência daqui resultante evoca a «The Long and Winding Road» descrita pelos Beatles. Na primeira série de decisões, o Tribunal forneceu explicações algo divergentes sobre esta matéria (secção 1). Uma vez que esta linha jurisprudencial se tornou entretanto uma fonte de incerteza jurídica, há alguns anos, o Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, tentou clarificar a sua jurisprudência e fornecer um critério definitivo no seu Acórdão Teva I (secção 2). No entanto, a incerteza subsiste. Com efeito, este acórdão (e o critério nele enunciado) exigem esclarecimentos importantes (secção 3). Caso o Tribunal de Justiça dê esclarecimentos no acórdão a pronunciar nos presentes processos, os profissionais de patentes e as autoridades nacionais envolvidas em questões relacionadas com os CCP acabam por, esperemos eventualmente, chegar à «porta» a que essa «estrada» conduz.

    1.      Jurisprudência do Tribunal de Justiça anterior ao Acórdão Teva I

    69.      O primeiro caso em que o Tribunal de Justiça foi chamado a clarificar o significado do termo «protegido» usado no artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, foi no processo Farmitalia (41). Não é necessário recordar os factos desse processo. Basta dizer que o Tribunal de Justiça deu uma resposta direta, segundo a qual «na falta de harmonização comunitária do direito das patentes, o alcance da proteção da patente só pode ser determinado à luz das normas não comunitárias que regulam esta última». Por conseguinte, a questão de saber se um determinado «produto» está «protegido» por uma patente na aceção desta disposição não devia ser determinada pelo direito da União, mas unicamente pelo direito das patentes (nacional ou CPE) (42).

    70.      Assim, no Acórdão Farmitalia, o Tribunal de Justiça, aparentemente, remeteu inteiramente a questão para as regras (nacionais ou internacionais) do direito das patentes que dizem respeito ao âmbito (ou ao «alcance») da proteção conferida por uma patente (uma questão crucial, em especial nas ações por incumprimento), como o artigo 69.° da CPE. Nos termos desta disposição e do seu protocolo explicativo, o «âmbito da proteção» conferido pela patente europeia depende das reivindicações desta, que devem ser interpretadas à luz da descrição (e dos eventuais desenhos) contida na patente. A aplicação desse critério do «âmbito da proteção» no contexto do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, significaria que um «produto», incluindo uma associação de princípios ativos (A+B), seria considerado «protegido» por uma patente se estivesse abrangido pelas reivindicações, assim interpretadas.

    71.      No entanto, apesar da primeira resposta em processos posteriores, o Tribunal de Justiça estabeleceu dois critérios (aparentemente autónomos, baseados no direito da União) para determinar se um determinado «produto» está «protegido» por uma patente na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009.

    72.      Por um lado, o Tribunal de Justiça estabeleceu, para esse efeito, um critério que designo de «identificação» nos seus Acórdãos Medeva (43)e Eli Lilly (44). Nesses acórdãos, depois de ter inicialmente indicado que a questão era deixada ao direito nacional (e fazendo expressamente referência às regras relativas ao «âmbito da proteção» e, em especial, ao artigo 69.° da CPE nesse último acórdão), o Tribunal de Justiça declarou que um «produto» pode ser considerado «protegido» por uma patente na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, se fosse «especificado no texto das reivindicações» (Acórdão Medeva) (45) ou, pelo menos, «identificado» nas reivindicações, quer expressamente, quer «implicitamente, mas necessária e especificamente» (Acórdão Eli Lilly (46)). Tal como o critério do «âmbito da proteção» discutido no n.° 70, supra, este critério de «identificação» depende da redação das reivindicações da patente de base, sendo mais exigente a este respeito (47). De acordo com este último critério, em particular, uma associação de princípios ativos (A+B) seria elegível para um CCP se fosse expressamente referida (por nome químico ou fórmula estrutural) ou, pelo menos, identificável, com um grau suficiente de especificidade, nessas reivindicações.

    73.      Por outro lado, paralelamente, o Tribunal de Justiça estabeleceu aquilo a que chamarei um critério de «invenção» nos seus Acórdãos Actavis I e Actavis II. Tal como foi referido na secção anterior, em cada um desses casos, com base na mesma patente, (i) foi concedido um primeiro CCP a um titular de patente para um princípio ativo (A) e (ii) foi depois concedido um segundo CCP para a associação desse princípio ativo com outro princípio ativo do domínio público (A+B). A validade do CCP por associação foi contestada. Nas partes relevantes de cada um desses acórdãos, o Tribunal de Justiça indicou que, na sua opinião, a patente de base «protegia» apenas A (e, portanto, não A+B). O Tribunal de Justiça não se referiu às reivindicações dessa patente de base, mas baseou‑se no facto de A ser o «cerne da atividade inventiva» (Acórdão Actavis I (48)) ou o «objeto da invenção» (Acórdão Actavis II (49)) ao abrigo desta patente. Além disso, o Tribunal de Justiça deu a entender que a associação de A+B só poderia ter sido considerada «protegida» se tivesse sido uma «invenção separada» (presumivelmente, de A) (50). Em suma, nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça parecia indicar que, independentemente de as reivindicações da patente de base preencherem o critério da «identificação» (51), examinado nos números anteriores (que nem sequer mencionou), um determinado «produto», especialmente uma associação de princípios ativos, só é elegível para um CCP se corresponder à invenção para a qual(is) essa patente foi concedida.

    2.      Quanto ao «critério definitivo» enunciado no Acórdão Teva I

    74.      Tendo em conta as incertezas suscitadas pelas indicações divergentes dadas nos acórdãos analisados na secção anterior, o Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, aproveitou a possibilidade que lhe foi dada por outro reenvio no que diz respeito ao artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, para clarificar a sua jurisprudência e fê-lo no Acórdão Teva I.

    75.      Mais uma vez, o caso subjacente a esta decisão dizia respeito à elegibilidade de uma associação de princípios ativos para um CCP. Em substância, foi concedida à Gilead Sciences Inc. uma patente para uma invenção que consiste na utilização de uma família de substâncias para o tratamento do VIH. As reivindicações dessa patente referiam‑se, inter alia (i) a uma dessas substâncias (A) e (ii) a uma associação farmacêutica contendo essa substância «e, eventualmente, outros princípios terapêuticos». A Gilead Sciences Inc. desenvolveu e obteve uma autorização de introdução no mercado de um medicamento que contém, como associação de princípios ativos (sendo B uma substância do domínio público, igualmente útil no tratamento do VIH). Posteriormente, obteve um CCP para essa associação, cuja validade foi contestada pela Teva UK Ltd nos órgãos jurisdicionais britânicos. Neste contexto, o órgão jurisdicional nacional interroga‑se sobre se o critério da «identificação» previsto nos Acórdãos Medeva  e Eli Lilly está preenchido nas circunstâncias em causa e se, além deste critério (ou talvez em vez dele), o critério da «invenção» decorrente dos Acórdãos Actavis I e Actavis II deve ser preenchido para que a associação de A+B possa ser considerada «protegida» pela patente de base ao abrigo do artigo 3.°, alínea a), Regulamento n.° 469/2009.

    76.      Mais uma vez, o Tribunal de Justiça começou, nos n.os 31 a 33 do Acórdão Teva I, por indicar que a questão era deixada ao direito nacional em matéria de patentes e, mais especificamente, às regras do «âmbito da proteção», como o artigo 69.° da CPE. No entanto, após um resumo bastante longo da sua fundamentação, que será examinado na secção seguinte, o Tribunal de Justiça expôs o seu «critério definitivo» no n.° 57 e no dispositivo do seu acórdão do seguinte modo:

    «[...] um produto composto por vários princípios ativos [ (52)] de efeito combinado é “protegido por uma patente de base em vigor”, na aceção [do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009], quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base:

    –        a combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e

    –        cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.»

    3.      Incertezas decorrentes do Acórdão Teva I e esclarecimentos necessários

    77.      Apesar do Acórdão Teva I, continua a ser controversa a questão de saber o que deve estar preenchido para que um «produto» possa ser considerado «protegido» por uma patente na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009. Os presentes processos são ilustrativos a este respeito.

    78.      Com toda a justiça, a Teva, a Clonmel e a Merck (bem como os outros intervenientes) estão de acordo quanto a um aspeto. Afigura‑se manifesto que, ao contrário do que é indicado no Acórdão Farmitalia, o termo «proteger» utilizado no artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, não é definido por referência às regras (nacionais ou internacionais) que regulam as patentes, como o artigo 69.° da CPE. Embora o Tribunal de Justiça, infelizmente, tenha voltado a insinuar este facto no início do seu Acórdão Teva I, tal não pode ser o caso. Caso contrário, o Tribunal de Justiça teria posto termo à sua fundamentação após o n.° 33 desse acórdão.

    79.      O facto de não o ter feito, mas de ter continuado e acrescentado uma série de considerações e requisitos no que respeita à interpretação do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, demonstra que, na realidade, o Tribunal de Justiça atribuiu um significado autónomo, de direito da União, ao conceito «protegido» utilizado nessa disposição (que só parcialmente coincide com o entendimento do «âmbito da proteção» de uma patente nos termos do artigo 69.° da CPE).

    80.      Na minha opinião, esta abordagem é válida. Com efeito, é jurisprudência constante que os termos de uma disposição do direito da União que, como o artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, não faz referência expressa ao direito nacional (ou internacional) para efeitos de determinação do seu sentido e alcance devem, em regra, ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União Europeia, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pelo instrumento de que fazem parte (53).

    81.      Esta necessidade é tanto mais premente quanto o artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, estabelece um requisito essencial para a concessão de CCP nos Estados‑Membros. A este respeito, o que está em causa não é tanto o imperativo de que os CCP sejam concedidos nas mesmas condições em toda a União Europeia (54). Efetivamente, o âmbito de uma patente europeia é determinado, por força do artigo 69.° da CPE, da mesma forma em todos os Estados‑Membros (55). Pelo contrário, é necessária uma interpretação autónoma do conceito «protegido» utilizado no artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, à luz do contexto específico e do objetivo prosseguido por esse instrumento, a fim de garantir que os CCP (56) sejam emitidos apenas quando tal estiver em conformidade com o espírito desse instrumento. A simples aplicação, para efeitos desta disposição, das regras relativas ao «âmbito de proteção» das patentes, como as previstas no artigo 69.° da CPE, nem sempre garante esse resultado, como explicarei adiante.

    82.      Assim, para determinar se um «produto» está «protegido» por uma patente, para efeitos do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, deve ser aplicado um critério autónomo que difere (parcialmente) do critério do «âmbito de proteção» aplicado no âmbito do direito das patentes (57). É também evidente que o primeiro é mais rigoroso do que o segundo. Efetivamente, determinados «produtos» podem ser considerados protegidos por uma patente do ponto de vista do direito das patentes, embora não sejam considerados «protegidos» por essa patente para efeitos do artigo 3.°, alínea a), deste regulamento. Um reconhecimento manifesto pelo Tribunal de Justiça desta situação (por enquanto implícita) no futuro acórdão a proferir nos presentes processos já constituiria uma clarificação bem‑vinda do Acórdão Teva I.

    83.      A controvérsia começa aqui. Com efeito, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑149/22, existem duas formas de compreender o critério enunciado no n.° 57 (e no dispositivo) do Acórdão Teva I e a articulação deste último com a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça.

    84.      De acordo com uma primeira leitura, defendida pela Merck, no Acórdão Teva I, o Tribunal de Justiça aprovou e aperfeiçoou o critério da «identificação» estabelecido nos Acórdãos Medeva e Eli Lilly. Como tal, um «produto», incluindo uma associação de princípios ativos, deve ser considerado «protegido» por uma patente de base, na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, quando for «expressamente mencionado nas reivindicações dessa patente» (primeiro cenário) ou quando for «necessária e especificamente visado, nas reivindicações dessa patente» (segundo cenário). Na primeira hipótese (que não estava em causa no caso subjacente ao Acórdão Teva I), a condição prevista nesta disposição está automaticamente preenchida. De facto, o Tribunal de Justiça não exigiu que se examinasse mais aprofundadamente se um «produto» assim expressamente mencionado constitui o «cerne da atividade inventiva» ou o «objeto da invenção» ao abrigo da patente. Assim, o Tribunal de Justiça afastou implicitamente o critério da «invenção» enunciado nos Acórdãos Actavis I e Actavis II e anulou esses acórdãos. Em contrapartida, no segundo cenário (que estava em causa no caso subjacente ao Acórdão Teva I), os dois travessões que aparecem no final do n.° 57 desse acórdão, ganham significado. Constituem uma espécie de «subcritério» concebido «[p]ara o efeito» (58) de determinar se se pode considerar que as reivindicações da patente incidem «necessária e especificamente» sobre um «produto» que não mencionam expressamente (59).

    85.      De acordo com uma segunda leitura do Acórdão Teva I, defendida pela Teva, pela Clonmel, pelos governos intervenientes e pela Comissão, o Tribunal de Justiça aprovou tanto o critério da «identificação» como o da «invenção». Aperfeiçoou‑os e transformou‑os no novo critério duplo estabelecido no n.° 57 do referido acórdão, que deve ser sempre seguido para determinar se um «produto» está «protegido» por uma patente para efeitos do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009. Isto significa que, para ser considerado como tal, o «produto» deve não só ser expressamente mencionado nas reivindicações ou, pelo menos, «especificamente identificável» pelo especialista na matéria (segundo critério), mas também «estar abrangido pela invenção», no sentido de que reflete a verdadeira inovação para a qual a patente foi concedida (primeiro critério).

    86.      No processo C‑149/22, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a esclarecer qual é a leitura correta do Acórdão Teva I. Para além do facto de o caráter equívoco deste acórdão ter aparentemente conduzido a decisões divergentes a nível nacional, é crucial para a solução do litígio no processo principal. Com efeito, esse órgão jurisdicional nacional constatou que a associação da ezetimiba e da sinvastatina objeto do segundo CCP controvertido foi «expressamente mencionada» numa reivindicação da patente de base em causa (60).

    87.      Na minha opinião, a segunda leitura do Acórdão Teva I é a correta. Efetivamente, embora esteja de acordo quanto ao facto de, tomado em termos de valor nominal, o n.° 57 e o dispositivo desse acórdão poderem ser lidos da forma sugerida pela Merck (o que, reconhecidamente, é lamentável), as razões que se seguem convenceram‑me do contrário.

    88.      No início do Acórdão Teva I (concretamente, no n.° 30), o Tribunal de Justiça anunciou o que tencionava fazer. A convite do órgão jurisdicional de reenvio, devia esclarecer se, para que um «produto» possa ser considerado «protegido» por uma patente, na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, basta que preencha o critério de «identificação» enunciado nos Acórdãos Medeva e Eli Lilly, ou se, além disso, deve ser preenchido «um critério adicional». Tratava‑se, evidentemente, de uma referência ao «cerne da atividade inventiva» e «objeto da invenção» dos Acórdãos Actavis I e Actavis II, expressamente mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio (61).

    89.      É certo que a resposta dada pelo Tribunal de Justiça na fundamentação posterior não é totalmente direta. Pelo contrário, anda um pouco para trás e para a frente. No entanto, quando se juntam as peças, consegue-se ver o quadro completo, que é, a meu ver, claro.

    90.      Por um lado, o Tribunal de Justiça consagrou uma parte significativa da sua fundamentação a afirmar que, para que um «produto» seja considerado «protegido» por uma patente de base na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, deve preencher o critério de «identificação» conforme inicialmente previsto nos Acórdãos Medeva e Eli Lilly. O Tribunal de Justiça reiterou a afirmação que figura no último acórdão, segundo o qual esse «produto» não pode ser considerado «protegido» se for «expressamente mencionado nas reivindicações dessa patente» ou, pelo menos, «for necessária e especificamente visado, nas reivindicações dessa patente» (62).

    91.      Além disso, o Tribunal de Justiça esclareceu as circunstâncias em que se pode considerar que as reivindicações incidem «necessária e especificamente» sobre um produto (o que tinha deixado em aberto na interpretação do Acórdão Eli Lilly). É o que acontece quando esse produto é «especificamente identificável» pelo especialista na matéria (à luz de todas as informações divulgadas pela patente de base, em especial na descrição) (63) e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade dessa patente. Trata‑se, na realidade, do segundo critério previsto no final do n.° 57 e no dispositivo do Acórdão Teva I (64).

    92.      O Tribunal de Justiça explicou igualmente a razão de ser deste requisito. Tendo em conta o objetivo do período adicional de exclusividade concedido por um CCP, que consiste em «permitir a amortização dos investimentos efetuados [pelo titular da patente de base] na investigação», este critério visa garantir que os CCP só sejam concedidos para os «produtos» que tinham sido desenvolvidos através dessa investigação, quando o pedido da patente de base tiver sido apresentado. Com efeito, seria contrário à finalidade de CCP que o titular de uma patente pudesse, com base em reivindicações formuladas de forma genérica (incluindo definições funcionais genéricas que abrangessem uma vasta família de substâncias), obter esse certificado para uma substância que não era conhecida no momento do depósito do pedido, mas que foi posteriormente desenvolvido, na sequência de investigações posteriores, eventualmente efetuadas por um terceiro (65).

    93.      Por outro lado, na minha opinião, várias afirmações do Acórdão Teva I indicam claramente que, para que um «produto» seja considerado «protegido» por uma patente, na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, não é suficiente que esteja «expressamente mencionado nas reivindicações dessa patente» ou que «seja necessária e especificamente visado, nas reivindicações dessa patente», e que o «critério adicional» previsto no n.° 30 do referido acórdão deva, de facto, estar preenchido.

    94.      Mais especificamente, no n.° 43 do Acórdão Teva I, o Tribunal de Justiça indicou que as reivindicações da patente de base deviam igualmente «devem ser entendidas à luz dos limites da [invenção abrangida pela patente], conforme resulta da descrição e dos desenhos dessa patente».

    95.      A este respeito, o Tribunal de Justiça acrescentou, no n.° 46 do referido acórdão, que «o objeto da proteção conferida por um CCP deve limitar‑se às características técnicas da invenção coberta pela patente de base, conforme reivindicadas por essa patente». Infelizmente, o sentido desta afirmação perdeu‑se na versão inglesa do acórdão devido a um erro de tradução. Para os profissionais de patentes, os conceitos «especificações técnicas da invenção» são, na melhor das hipóteses, desprovidos de significado e, na pior das hipóteses, confusos (66). Com efeito, na versão francesa do referido acórdão (que é a língua em que foi redigido), este número faz referência às «caractéristiques techniques» da invenção, ou seja, às suas «características técnicas» (67).

    96.      Por conseguinte, como alegam a Teva, a Clonmel, os Governos intervenientes e a Comissão, decorre desses números que, para determinar se um «produto» é «protegido» por uma patente de base, é necessário (i) identificar nas reivindicações, lidas à luz da descrição e dos desenhos dessa patente, o objeto da patente (a «invenção» e as suas características técnicas), o que é um conceito mais restrito do que o do «âmbito da proteção» conferida pela patente em torno dessa matéria (68) e (ii) determinar se esse «produto» corresponde a essa «invenção» (69).

    97.      Posteriormente, o Tribunal de Justiça concluiu que um «produto» só pode ser considerado «protegido» por uma patente se «estiver necessariamente abrangido pela invenção» para a qual essa patente foi concedida. É isto, efetivamente, o que está em causa no primeiro critério estabelecido no final do n.° 57 e no dispositivo do Acórdão Teva I.

    98.      Como salientam estes intervenientes, este critério exige mais do que uma simples referência ao «produto» nas reivindicações da patente de base. Em especial, quando o «produto» para o qual se pretende obter um CCP é uma associação de princípios ativos, a(s) reivindicação(ões) relativa(s) a essa associação deve(m) ser lida(s) à luz da descrição e dos desenhos dessa patente para determinar se essa associação corresponde à «invenção» para a qual a patente foi concedida. Deste modo, este critério é uma confirmação e um aperfeiçoamento do critério «invenção» enunciado nos Acórdãos Actavis I e Actavis II.

    99.      Contrariamente ao que defende a Merck, esta conclusão não é, na minha opinião, posta em causa pelo facto de, no n.° 31 do seu Acórdão Royalty Pharma, o Tribunal de Justiça ter indicado, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio, que o conceito de «cerne da atividade inventiva» (utilizado no Acórdão Actavis I) não é (ou já não é) pertinente no contexto do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009.

    100. Efetivamente, embora o Tribunal de Justiça tenha afastado estes termos, recordou, no mesmo número, que «o objeto da proteção conferida por um CCP deve ser limitado às [características] técnicas da invenção coberta pela patente de base», confirmando que a natureza e o alcance da «invenção» são determinantes para decidir se um «produto» está «protegido» por uma patente na aceção desta disposição. Por conseguinte, na minha opinião, o Tribunal de Justiça pretendeu, no número em causa, validar uma alteração de terminologia e não de substância. Substituiu o conceito de «invenção» pelo de «cerne da atividade inventiva» (algo já feito, na verdade, no Acórdão Actavis II), provavelmente porque o primeiro é conhecido dos profissionais das patentes e, assim, transmite melhor a mensagem que pretende enviar do que este último (70). Não obstante, a ideia subjacente a todos estes conceitos é essencialmente a mesma: se o «produto» corresponde à «invenção» para a qual a patente foi concedida.

    101. A fundamentação apresentada pelo Tribunal de Justiça quanto à finalidade do primeiro critério estabelecido no Acórdão Teva I confirma, a meu ver, esta interpretação. No n.° 40 desse acórdão, o Tribunal de Justiça indicou que seria contrário ao objetivo do Regulamento n.º 469/2009, de apoiar a inovação no setor farmacêutico e o equilíbrio de interesses que visa alcançar a este respeito conceder um CCP para um produto que não é abrangido pela invenção coberta pela patente de base, «na medida em que esse CCP não teria por objeto os resultados da investigação reivindicados por essa patente». A este respeito, são necessárias algumas explicações.

    102. Essencialmente, este primeiro critério foi concebido tendo em mente associações de princípios ativos. A este respeito, a partir da definição do conceito de «produto» estabelecido no artigo 1.º, alínea b), do Regulamento n.º 469/2009, é evidente que, como salienta a Merck, este regulamento prevê a concessão de tais certificados para tais associações. Com efeito, resulta da exposição de motivos que os redatores do sistema de CCP pretenderam recompensar o desenvolvimento de «novas associações de substâncias que contenham princípios novos ou conhecidos» (71). No entanto, no que diz respeito a essas associações de princípios ativos, gostaria de distinguir duas situações.

    103. Por um lado, a ideia de utilizar certos princípios ativos (novos ou conhecidos) numa associação específica pode constituir uma invenção que é nova e representa um «passo inventivo» que é, enquanto tal, elegível para uma patente. É o caso quando esses princípios ativos, quando associados, apresentam um «efeito sinérgico» inovador que vai além do seu mero efeito aditivo (72) , útil no tratamento de certas doenças e patologias. Normalmente, quando é esse o caso, a associação é objeto de uma patente específica, que revela o efeito inovador dessa associação. Como alegam os Governos intervenientes, trata‑se do tipo de «associações novas» que o legislador da União tinha em mente e pretendeu favorecer no âmbito do sistema do CCP (73). Como tal, devem ser recompensados por um CCP quando desenvolvidos.

    104. Por outro lado, como o Governo Húngaro descreveu de forma útil nas suas observações, parece ser uma prática bem estabelecida que, quando essas empresas farmacêuticas apresentam nos referidos pedidos de patentes relativos ao desenvolvimento de novos princípios ativos exclusivos, incluam, além das reivindicações principais dedicadas ao(s) princípios(s) em questão (A), uma ou várias reivindicações (dependentes) (74) para a utilização desse(s) princípios(s) associados a outras substâncias conhecidas (A+B, A+C, etc.) como «formas de realização» da invenção. Normalmente, a descrição não revela nenhum «efeito sinérgico» inerente a estas associações. Frequentemente, essa descrição nem sequer fundamenta a sua adequação (capacidade para funcionar bem em conjunto, ausência de efeitos secundários perigosos, etc.). Na verdade, tais reivindicações de associações podem ser inteiramente especulativas e acrescentadas com o único objetivo de ampliar o âmbito da proteção conferida pela patente ao abrigo do artigo 69.° da CPE.

    105. Embora, como alega a Merck, esta prática pareça ser aceite pelo IEP (e, de facto, parece que um grande número de patentes europeias concedidas por este instituto contém tais reivindicações de associação) (75), é evidente que, como respondem os outros intervenientes, seria contrário aos objetivos do Regulamento n.° 469/2009, e ao equilíbrio de interesses que este visa alcançar, conceder CCP para tais associações de princípios ativos na segunda situação.

    106. Com efeito, em tal situação, a associação de A+B não é, por si só, uma ideia nova nem inovadora, que tenha sido resultado da pesquisa divulgada na patente; enquanto tal se verifica relativamente a A. Assim, o desenvolvimento de A deveria ser recompensado por um CCP. Em contrapartida, a associação de A+B não deve assim ser simplesmente recompensada devido a uma reivindicação especulativa uma vez que essa associação foi acrescentada na patente para A.

    107. O argumento da Merck de que a concessão de um CCP para tal associação de princípios ativos pressupõe o desenvolvimento e a comercialização de um medicamento que inclua essa combinação, que exige alguma investigação e ensaios significativos (para obter a autorização de introdução no mercado), não põe em causa esta interpretação. Como explicado, na situação descrita no n.º 104 supra, a «invenção» revelada na patente de base é A. O facto de, depois de ter sido apresentado um pedido de patente, investigações adicionais terem demonstrado a segurança e utilidade da associação A+B não deve ser tido em conta. Por outro lado, como recorda o Governo Húngaro, o sistema de CCP não foi concebido para recompensar nenhuma investigação farmacêutica que dê lugar à comercialização de novas associações de princípios ativos, tal como entendido no n.° 103, supra, nomeadamente as que apresentam um «efeito sinérgico» (76). Em contrapartida, a (por vezes relativa) inovação consiste em introduzir A num mera pílula e outro medicamento conhecido (B), tendo cada um efeito independente no organismo humano, para facilitar a administração de uma terapia associada contra uma determinada doença, não merece essa recompensa. Conforme o Tribunal de Justiça declarou nos Acórdãos Actavis I and Actavis II, o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 469/2009 não é compensar o titular de uma patente pelo atraso na comercialização da sua invenção sob todas as suas formas comerciais possíveis, incluindo sob a forma de associações (77) de tais pílulas únicas.

    108. Por conseguinte, é necessário separar o primeiro tipo de associações de princípios ativos do segundo. Parece tanto mais necessário quanto, como o Tribunal de Justiça salientou no n.° 42 do Acórdão Teva I (com referência ao Acórdão Actavis II), se o titular da patente obtiver vários CCP com base na mesma invenção (A) sob a forma de associações de pílulas únicas, isso facilitaria estratégias de «evergreening» (perpetuação), através das quais as empresas farmacêuticas poderiam prolongar de forma excessiva o seu monopólio, comercializando um primeiro medicamento contendo «A» e, em seguida, um medicamento contendo «A+B» e, em seguida, outro composto por «A+C», etc.) (78).

    109. O critério da «invenção» estabelecido nos Acórdãos Actavis I e Actavis II e aperfeiçoado no Acórdão Teva I é adequado e proporcionado a este respeito. Com efeito, assegura um justo equilíbrio entre permitir a concessão de CCP para associações que merecem proteção adicional (e incentivam assim a inovação a este respeito), evitando ao mesmo tempo que sejam concedidos múltiplos CCP para princípios ativos únicos numa nova embalagem «combinada» ligeiramente modificada.

    110. Em contrapartida, e apesar do que alega a Merck, o critério da «identificação» é inadequado para esse fim. É certo que, ao limitar a emissão de CCP a associações de princípios ativos que são expressamente mencionadas nas reivindicações da patente de base ou, pelo menos, «especificamente identificáveis» nas mesmas, este critério restringe a possibilidade de o titular da patente obter vários CCP para associações de pílulas únicas A. No entanto, contribui apenas (muito) parcialmente para esse objetivo. Com efeito, como alega a Teva, tal criaria simplesmente incentivos para as empresas farmacêuticas, aquando da redação dos seus pedidos de patente, incluírem uma lista normalizada de substâncias ativas (diuréticos, antibióticos, etc.) que podem ser associadas às substâncias que são objeto desses pedidos (79).

    111. Também não me convence o argumento da Merck de que essas tentativas de «evergreening» (perpetuação) são mais teóricas do que reais, uma vez que, de acordo com o artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento n.° 469/2009, a proteção conferida por qualquer CCP baseado na mesma patente de base está, em todo o caso, limitada a cinco anos após a expiração dessa patente.

    112. Com efeito, por um lado, como alega a Clonmel, tendo em conta os interesses (económicos) em causa, a possibilidade de um titular de patente obter mesmo apenas alguns meses de proteção adicional mediante o pedido de vários CCP para associações de pílulas únicas dificilmente pode ser considerada uma questão trivial (80). Por outro lado, é bastante fácil para empresas farmacêuticas contornar o limite de cinco anos previsto no artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento n.° 469/2009. Com efeito, dado que este limite só se aplica aos CCP concedidos com base na mesma patente, tal empresa deve simplesmente obter, com intervalos de tempo, diferentes patentes relativas ao mesmo princípio ativo (para a família de substâncias que incluem, para compostos específicos da família, para uma utilização concreta deste, etc.), algumas das quais incluem reivindicações especulativas para a utilização deste princípio ativo em associação, e pedir CCP com base nessas diferentes patentes (81).

    113. A minha convicção também não é posta em causa pelas alegações da Merck segundo as quais o critério da «invenção» é complexo, equivalente a uma análise de «etapa inventiva» (quando o sistema do CCP foi concebido como um sistema simples)(82) e, como tal, gera uma incerteza que pode levar a que os INP tomem decisões divergentes sobre factos essencialmente idênticos, contrariamente ao objetivo de uniformidade prosseguido pelo referido regulamento.

    114. É indubitável que a aplicação de um mero critério de «identificação» para determinar se um «produto» está «protegido» por uma patente, na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, seria (por vezes) mais simples do que aplicar também o critério da «invenção». No entanto, conduziria a resultados contrários ao espírito desse instrumento, conforme explicado nas presentes conclusões. Além disso, o argumento da segurança jurídica deve ser relativizado. Os princípios ativos exclusivos passarão facilmente o critério. Só no que respeita aos «produtos» que consistem em associações de princípios ativos é que se impõe uma análise mais aprofundada e, mesmo a este respeito, parece‑me que, salvo alguns casos limites, os profissionais das patentes poderão prever quando é que essas associações são elegíveis para um CCP e quando é que não o são).

    115. De facto, o primeiro critério estabelecido no Acórdão Teva I não é tão complexo como a Merck o apresenta. No que respeita à aplicação deste critério, recordo que o Tribunal de Justiça precisou, no n.° 48 desse acórdão, que um «produto» «é necessariamente abrangido pela invenção coberta por essa patente» quando «o especialista na matéria pode compreender de forma unívoca, com base nos seus conhecimentos gerais e à luz da descrição e dos desenhos da invenção que estão contidos na patente de base, se o produto visado nas reivindicações desta patente constitui uma [característica] (83) necessária para a solução do problema técnico, divulgada por essa patente».

    116. Embora admita que a explicação dada no número anterior faz eco da abordagem «problema e solução» utilizada para apreciar a existência de uma «atividade inventiva» nos termos do artigo 56.° da CPE, não se trata, na realidade, de determinar se a associação de A+B cumpre os requisitos de patenteabilidade. De facto, trata‑se de uma apreciação ex post daquilo que a patente (em especial a sua descrição) divulga. A patente descreve, como invenção, a utilização de A+B, tendo em conta o seu efeito sinérgico combinado no organismo humano, para resolver um determinado problema técnico (médico), de modo que (segundo os termos do Tribunal de Justiça no Acórdão Teva I) a associação de A e B seria uma característica «necessária» para a solução do problema técnico? Ou será que a patente descreve, antes, como invenção, a ideia de utilizar certas substâncias isoladas (A), dado o seu efeito (individual) no organismo humano para tratar certas doenças ou patologias ao acrescentar que essas substâncias também podem ser utilizadas em associação com outras substâncias (B, C, etc.), sem divulgarem um «efeito sinérgico» inerente a essa associação? Nesse caso, a associação de A+B (ou C, etc.) não é uma «característica exigida» da invenção, tal como prevista nas reivindicações. Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio verificá‑lo, parece-me que o litígio no processo principal corresponde à segunda hipótese (84).

    VI.    Conclusão

    117. À luz de todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia) e pela Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda) do seguinte modo:

    1)      O artigo 3.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos,

    deve ser interpretado no sentido de que para que seja considerado «protegido por uma patente de base» na aceção desta disposição, um «produto» não deve apenas (i) ser expressamente mencionado ou, pelo menos, «especificamente identificável» nas reivindicações, mas também (ii) estar abrangido pela invenção que é objeto dessa patente.

    2)      O artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009

    deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à concessão de um certificado complementar de proteção para uma associação de princípios ativos quando um CCP anterior tenha sido concedido para um desses princípios. Os conceitos de «cerne da atividade inventiva» e de «objeto da invenção» são irrelevantes para efeitos da apreciação da condição prevista nesta disposição.


    1      Língua original: inglês.


    2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO 2009, L 152, p. 1).


    3      Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑443/12, a seguir «Acórdão Actavis I», EU:C:2013:833).


    4      Acórdão de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑577/13, a seguir «Acórdão Actavis II», EU:C:2015:165).


    5      Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o. (C‑121/17, a seguir «Acórdão Teva I», EU:C:2018:585).


    6      A metformina tem um efeito diferente no organismo e contribui para o tratamento da diabetes de forma diferente da sitagliptina. Com efeito, a metformina atua diminuindo a produção de glicose no fígado, aumentando a sensibilidade dos tecidos corporais à insulina e aumentando a secreção de GDF15, o que reduz o apetite e a ingestão calórica.


    7      Acórdão de 30 de abril de 2020, Royalty Pharma Collection Trust (C‑650/17, a seguir «Acórdão Royalty Pharma», EU:C:2020:327)


    8      A aterosclerose implica um endurecimento das artérias, que resulta da acumulação, nomeadamente, do colesterol nas paredes artérias.


    9      As estatinas têm efeitos diferentes e são úteis para tratar o colesterol elevado de forma diferente das azetidinonas. Enquanto as azetidinonas, incluindo a ezetimiba, atuam como inibidoras da absorção do colesterol, as estatinas atuam promovendo a degradação do colesterol no fígado.


    10      As patentes podem igualmente ser concedidas pelos Estados na sequência de procedimentos de registo conduzidos pelo respetivo instituto nacional de patentes (a seguir «INP»). Uma vez que as patentes em causa nos processos principais são patentes europeias, concentrar‑me‑ei nas regras da CPE. No entanto, as regras aplicáveis às patentes nacionais nos Estados‑Membros são essencialmente as mesmas.


    11      A CPE vincula 39 Partes Contratantes, incluindo os Estados‑Membros da União Europeia. A própria União Europeia não é parte nesta convenção. Por conseguinte, não faz parte do direito da União.


    12      V. artigo 52.°, n.° 1, artigo 54.° e artigo 56.° da CPE. A invenção deve igualmente ser suscetível de «aplicação industrial» (v. o seu artigo 57.°), mas deixo este requisito à parte, uma vez que raramente está em causa no que respeita a medicamentos farmacêuticos.


    13      Calculado a partir da data de apresentação do pedido (v. artigo 63.°, n.° 1, da CPE).


    14      Em sentido estrito, uma patente europeia não é um título unitário que confere uma proteção uniforme em todos os Estados para os quais foi concedida, mas constitui essencialmente um conjunto de patentes nacionais [v. as minhas primeiras conclusões no processo BSH Hausgeräte, C‑339/22, EU:C:2024:159, n.° 21].


    15      V. artigo 83.° da CPE. 


    16      Um medicamento genérico é um medicamento semelhante a um medicamento original de marca; possui, nomeadamente, as mesmas substâncias ativas que o medicamento original.


    17      V. Pila, J., e Torremans, P., European Intellectual Property Law, Oxford University Press, 2016, p. 114.


    18      V. Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67).


    19      V. artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, que define a «patente de base» como «a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado».


    20      V., neste sentido, artigo 2.° e artigo 3.°, a), b) e d), do Regulamento n.° 469/2009. Assim, apenas os «produtos» que são «novos», no sentido de que nunca foram anteriormente colocados no mercado, para nenhuma utilização médica, são elegíveis para um CCP [v., a este respeito, Acórdão de 9 de julho de 2020, Santen (C‑673/18, EU:C:2020:531)].


    21      O(s) «princípio(s) ativo(s)» de um medicamento, na aceção do artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 469/2009, é (ou são) a(s) substância(s) que tem (ou têm) um efeito terapêutico próprio, com exclusão das substâncias que entram na composição desse produto que não exercem uma ação própria no organismo humano [v. Acórdão de 9 de julho de 2020, Santen (C‑673/18, EU:C:2020:531, n.° 42 e jurisprudência referida)].


    22      V. artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 469/2009.


    23      V. artigo 13.° do Regulamento n.° 469/2009.


    24      V., neste sentido, considerando 10 e artigos 4.° e 5.° do Regulamento n.° 469/2009.


    25      V. Acórdão de 15 de janeiro de 2015, Forsgren (C‑631/13, EU:C:2015:13, n.° 32).


    26      V., quanto a este fundamento de nulidade, artigo 15.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009.


    27      Embora o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑119/22 não tenha submetido nenhuma questão sobre o artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, uma clarificação sobre esta matéria ser‑lhe‑á igualmente útil para a resolução do litígio principal nesse processo.


    28      A este respeito, no seu Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Georgetown University (C‑484/12, EU:C:2013:828, n.° 30), o Tribunal de Justiça confirmou que, como decorre da sua redação, o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, não se opõe à concessão de vários CCP baseados na mesma patente quando esses certificados não digam respeito aos mesmos, mas a «produtos» diferentes.


    29      N.os 30 e 41.


    30      N.os 26, 36, 39 e dispositivo.


    31      V., neste sentido, Acórdãos Actavis I (n.os 29 e 42) e Actavis II (n.° 33). Resulta implicitamente do raciocínio do Tribunal de Justiça que este considerou que A+B era o mesmo «produto» que A, ou que o «produto» relevante era, em todos os CCP, A. O Tribunal de Justiça deu a entender que a análise teria sido diferente se A+B tivesse sido uma «inovação separada» (presumivelmente, de A) [v. Acórdão Actavis I (n.° 42)].


    32      V., a este respeito, o décimo considerando do Regulamento n.° 469/2009.


    33      O conceito «evergreening» (perpetuação) refere‑se às várias estratégias através das quais as empresas farmacêuticas procuram prolongar a duração das patentes que protegem os seus medicamentos a fim de atrasar a concorrência e manter as receitas do monopólio [v., neste sentido, Max Planck Institute for Innovation and Competition, Study on the Legal Aspects of Supplementary Protection Certificates in the EU, Serviço das Publicações da União Europeia, 2018, p. 115].


    34      V. Acórdãos Actavis I (n.os 39 a 41) e Actavis II (n.os 34 a 37).


    35      Acórdão de 9 de julho de 2020 (C‑673/18, EU:C:2020:531, n.os 46 e 52).


    36      Que, recordo, incide sobre a questão de saber se «[o] produto [está] protegido por uma patente de base em vigor». Na verdade, evidentemente consciente da forma como confundiu as duas condições no Acórdão Actavis I, o Tribunal de Justiça deu, no Acórdão Actavis II, à luz do «artigo 3.°, alíneas a) e c)» do Regulamento n.° 469/2009, uma resposta ampla indicando que «esta disposição» se opõe à concessão de um CCP para uma associação de princípios ativos nas circunstâncias descritas no n.° 55, supra, sem distinguir entre as duas disposições.


    37      V., a este respeito, a segunda, terceira e quarta questões do órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑119/22.


    38      Acórdão de 23 de janeiro de 1997 (C‑181/95, EU:C:1997:32).


    39      No Acórdão de 23 de janeiro de 1997, Biogen (C‑181/95, EU:C:1997:32, n.° 28), o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento n.° 469/2009, no sentido de que se opõe a que sejam concedidos vários CCP a um único titular de patente para o mesmo «produto». Quando várias entidades juridicamente distintas são titulares de várias patentes que protegem o mesmo «produto», cada uma delas pode obter um CCP para este último, sem que esta disposição seja aplicável. Assim, os grupos farmacêuticos, que são geralmente titulares de múltiplas patentes relativas às suas invenções, poderiam facilmente evitar a proibição prevista nessa disposição: a empresa 1 poderia pedir um CCP para «A» com base numa patente que protege A, e a empresa 2 poderia então obter livremente um CCP para «A+B» com base noutra patente.


    40      V., novamente, artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 469/2009. Assim, não se trata de saber se a patente de base «protege» A ou B, considerados individualmente, mas se «protege» A+B, enquanto tal.


    41      Acórdão de 16 de setembro de 1999 (C‑392/97, a seguir «Acórdão Farmitalia», EU:C:1999:416).


    42      Acórdão Farmitalia (n.os 27 e 29, respetivamente).


    43      Acórdão de 24 de novembro de 2011, Medeva (C‑322/10, a seguir «Acórdão Medeva», EU:C:2011:773).


    44      Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company (C‑493/12, a seguir «Acórdão Eli Lilly», EU:C:2013:835).


    45      N.os 25, 28 e dispositivo.


    46      N.os 38, 39 e dispositivo.


    47      Com efeito, por força do artigo 69.° da CPE, não é necessário que algo esteja «especificado» ou «necessária e especificamente» implícito nas reivindicações de uma patente para ser considerado abrangido por estas. Por exemplo, no que diz respeito às associações de princípios ativos, os termos gerais que fazem referência à utilização de «A em associação com outros princípios ativos» são suficientes a este respeito.


    48      N.os 30 e 41.


    49      N.os 26, 36, 39 e dispositivo.


    50      V. Acórdão Actavis I (n.° 42).


    51      No primeiro caso, a patente de base continha uma reivindicação relativa à utilização de A em associação com outros princípios ativos, descrita em termos gerais (v. Acórdão Actavis I, n.° 11). Em contrapartida, no segundo caso, a patente de base continha uma reivindicação que visava especificamente a associação A+B. Embora esta reivindicação tenha sido acrescentada após o pedido do CCP para A+B (v. Acórdão Actavis II, n.os 14 a 18). No entanto, esta circunstância não é relevante para o raciocínio do Tribunal de Justiça.


    52      Embora o n.° 57 do Acórdão Teva I mencione apenas as associações de princípios ativos, decorre dos n.os 52 e 53 do referido acórdão que o critério aí enunciado é igualmente válido para os «produtos» constituídos por um único princípio ativo.


    53      V., nomeadamente, Acórdão de 6 de julho de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Criminalidade particularmente grave) (C‑402/22, EU:C:2023:543, n.os 23 e 24 e jurisprudência referida).


    54      V. sétimo considerando do Regulamento n.° 469/2009 e Acórdão Medeva (n.° 24).


    55      Mesmo no que diz respeito às patentes nacionais, as disposições de direito nacional relativas ao «âmbito da proteção» são essencialmente as mesmas em todos estes Estados‑Membros e refletem o artigo 69.° da CPE.


    56      Além disso, contrariamente ao artigo 3.º, alínea c), do Regulamento n.º 469/2009 (v. n.º 60  supra), the term ‘protected’ used in Article 3(a) of that regulation, because of its vagueness, is open to such a teleological interpretation.


    57      Mais precisamente, o critério previsto no artigo 3.°, alínea a), do referido regulamento, poderia ser descrito como uma espécie de «híbrido» entre o direito da União e o direito das patentes (nacional ou internacional). Com efeito, como será explicado mais adiante, embora o Tribunal de Justiça tenha dado uma definição autónoma do que se entende por «protegido» para efeitos do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, essa definição assenta em alguns conceitos do direito das patentes, como «invenção». Além disso, para avaliar se um determinado «produto» corresponde a essa definição autónoma, devem ser respeitados determinados princípios do direito das patentes (v. nota de rodapé 63 infra).


    58      Acórdão Teva I (n.° 38).


    59      V., no mesmo sentido, conclusões do advogado‑geral G. Hogan nos processos apensos Royalty Pharma Collection Trust e o. (C‑650/17 e C‑114/18, EU:C:2019:704, n.os 41 e 49). Na opinião da Merck, de acordo com este critério duplo, as reivindicações da patente devem ser consideradas como estando «necessária e especificamente» relacionadas com um «produto» sempre que um especialista na matéria seja capaz de (i) compreender que esse «produto» «necessariamente abrangida [...] pela invenção coberta por esta», no sentido de que a presença do(s) princípios(s) ativo(s) em questão é exigida, e não apenas permitida, pela redação das reivindicações dessa patente e (ii) «identificar especificamente» esses princípios ativos ao ler essas reivindicações à luz de todas as informações divulgadas por essa patente. Quando um «produto» é expressamente mencionado nas reivindicações de uma patente, o (sub)critério duplo enunciado no Acórdão Teva I não deve ser examinado, uma vez que está manifestamente preenchido. Com efeito, se esse «produto» for expressamente mencionado na reivindicação, então (i) a sua presença é exigida por essas reivindicações e (ii) se for «especificamente identificável», porque é especificamente identificado.


    60      Em contrapartida, no processo principal do processo C‑119/22, aparentemente, esta questão ainda não foi decidida pelo órgão jurisdicional de reenvio. A Teva contesta que a associação de sitagliptina e de metformina objeto do segundo CCP nesse processo tenha sido «expressamente mencionada» pela respetiva patente de base.


    61      V. Acórdão Teva I (n.° 26).


    62      V. Acórdão Teva I (n.os 34, 36 e 37).


    63      Com efeito, para o Tribunal de Justiça, a resposta a esta questão implicava o exercício de uma interpretação do pedido. A interpretação das reivindicações obedece a certos princípios do direito das patentes (refletidos no artigo 1.° do Protocol do Artigo 69.º do CPE). De acordo com estes princípios, em primeiro lugar, as reivindicações de uma patente devem ler interpretadas na perspetiva de um especialista na matéria (a ficção jurídica utilizada para estas questões). Em segundo lugar, a descrição e os desenhos da patente de base devem ser tidos em conta, como indicado no artigo 69.° da CPE e no seu protocolo [v. Acórdão Teva I (n.os 38 e 47)].


    64      V. Acórdão Teva I (n.os 49 a 51). No Acórdão Royalty Pharma (n.° 40), o Tribunal de Justiça esclareceu que a questão crucial é a de saber se o «produto» em causa é divulgado na patente de base (quanto a este conceito, v. n.º 34 supra) e que a norma aplicável a este respeito é a de saber se o especialista na matéria «pode [...] deduzir direta e inequivocamente» (O sublinhado é meu) esse «produto» da especificação da patente tal como foi apresentada. Trata‑se, com efeito, da «norma dourada» da divulgação utilizada, no direito das patentes, para diversos fins, nomeadamente para determinar a admissibilidade das alterações introduzidas nos pedidos de patentes, ao abrigo do artigo 123.°, n.° 2, da CEP. Assim, para determinar se um «produto» é «especificamente identificável» para efeitos do segundo critério no Acórdão Teva I, os profissionais de patentes podem colocar‑se uma questão frequente: poderia a patente de base ser limitada, através de uma alteração, a esse «produto» sem violar o artigo 123.°, n.° 2, da CPE? Se tal não for o caso, esse «produto» também não é elegível para um CCP ao abrigo do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009.


    65      V. Acórdão Teva I (n.os 39 a 41 e 50). V., igualmente, Acórdãos Eli Lilly (n.os 41 a 43) e Royalty Pharma (n.os 45 e 46).


    66      Poderia ser entendida como uma referência à «especificação da patente», que é um documento jurídico que acompanha um pedido de patente e que contém a descrição da invenção. Nos presentes processos, a Merck atua (consciente ou acidentalmente) sobre este erro, alegando que o n.° 46 do primeiro acórdão se limita a retomar a ideia de que o «produto» deve ser «especificado» na patente.


    67      V., por exemplo, o artigo 43.°, n.° 1, do Regulamento de Execução da Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias (o sublinhado é meu). Infelizmente, este erro foi reiterado no Acórdão Royalty Pharma (n.° 31). Para evitar mais confusões, convido o Tribunal de Justiça não só a clarificar a questão no acórdão a proferir no presente processo, mas também a retificar as versões inglesas dos Acórdãos Teva I e Royalty Pharma.


    68      Com efeito, no direito das patentes, as reivindicações de patentes usadas para definir tanto a invenção como a proteção pretendidas para tal. No entanto, o Tribunal de Justiça está apenas interessado na primeira. É por isso que insiste que as reivindicações devem ser lidas à luz da descrição e dos desenhos da patente, o que também descreve a invenção.


    69      Assim, aparentemente, o Tribunal de Justiça procura assegurar uma coincidência entre o objeto da patente (a seguir «a invenção») e o objeto de um CCP (a seguir «o produto»).


    70      Além disso, o «cerne da atividade inventiva» tinha talvez uma proximidade terminológica demasiado estreita com o conceito de «atividade inventiva» e, deste modo, com os requisitos de patenteabilidade.


    71      V. exposição de motivos da Proposta de regulamento (CEE) do Conselho, de 11 de abril de 1990, relativa à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos [COM(90) 101 final] (a seguir «exposição de motivos»)], n.° 29.


    72      O conceito de «efeito aditivo» descreve uma situação em que os efeitos combinados de dois medicamentos são iguais à soma dos efeitos dos dois medicamentos atuando de forma independente. Em contrapartida, um «efeito sinérgico» descreve uma situação em que os efeitos combinados dos dois medicamentos são superiores à soma dos seus efeitos individuais.


    73      Exposição de motivos, n.° 29.


    74      V. artigo 43.°, n.° 3, dos regulamentos de execução da Concessão de Patentes Europeias.


    75      Essencialmente, no que diz respeito aos requisitos de patenteabilidade da novidade (artigo 54.° da CPE) e da inventividade (artigo 56.° da CPE), afigura‑se que a reivindicação (independente) para A e a reivindicação (dependente) para A+B são geralmente avaliadas como uma unidade. Assim, presume‑se que a associação de A+B é nova e inovadora pelo simples facto de A o ser.


    76      V., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2020, Santen (C‑673/18, EU:C:2020:531, n.° 55).


    77      V. Acórdãos Actavis I (n.° 40) e Actavis II (n.° 35).


    78      Tais estratégias de «evergreening» (perpetuação) podem ser particularmente prejudiciais para a saúde pública, em particular. Com efeito, como salientou a advogada‑geral V. Trstenjak nas suas conclusões nos processos apensos Medeva (C‑322/10 e C‑422/10, EU:C:2011:476, n.° 77), «[...] sistemas nacionais de saúde pública [...] têm um interesse especial em evitar que sejam comercializados, sob a proteção de um certificado, antigos princípios ativos de forma ligeiramente modificada mas sem verdadeira inovação, elevando assim artificialmente as despesas no domínio da saúde».


    79      V. Romandini, R. «Art. 3(a) SPC Regulation: An analysis of the CJEU’s ruling in Teva (C‑121/17) and a proposal for its implementation», Journal of Intellectual Property Law & Practice, Vol. 14, n.° 3, 2019, pp. 230 a 251, em especial p. 245.


    80      Por exemplo, no processo principal no processo C‑149/22, verifica‑se que o primeiro CCP obtido pela Merck para A lhe conferiu uma proteção adicional de três anos e sete meses. Ao obter posteriormente um segundo CCP para A+B, a Merck obtém um ano de proteção adicional.


    81      V. Romandini, R., op. cit., p. 245.


    82      Ver exposição de motivos, p. 16.


    83      O n.° 48 do Acórdão Teva I, na versão em língua inglesa, faz igualmente referência, erradamente, a uma «característica» técnica em vez de «característica» e, portanto, também deve ser retificado.


    84      V., especialmente, o n.° 41, supra.

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