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Document 62021CJ0163

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 10 de novembro de 2022.
AD e o. contra PACCAR Inc e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado Mercantil de Barcelona.
Reenvio prejudicial — Concorrência — Reparação dos danos causados por uma prática proibida pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE — Acordos de colusão sobre a fixação dos preços brutos dos camiões no Espaço Económico Europeu (EEE) — Diretiva 2014/104/UE — Regras que regem as ações de indemnização de direito nacional por violação das disposições de direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia — Artigo 22.°, n.° 2 — Aplicabilidade ratione temporis — Artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo — Conceito de provas relevantes que estão sob o controlo do demandado ou de um terceiro — Artigo 5.°, n.° 2 — Divulgação de certos elementos de prova ou de categorias relevantes de elementos de prova com base em factos razoavelmente disponíveis — Artigo 5.°, n.° 3 — Exame da proporcionalidade do pedido de divulgação de elementos de prova — Ponderação dos interesses legítimos das partes e dos terceiros — Alcance das obrigações resultantes das referidas disposições.
Processo C-163/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:863

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

10 de novembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Reparação dos danos causados por uma prática proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE — Acordos colusórios sobre a fixação de preços e aumento de preços brutos dos camiões no Espaço Económico Europeu (EEE) — Diretiva 2014/104/UE — Regras que regem as ações de indemnização de direito nacional por violação das disposições de direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia — Artigo 22.o, n.o 2 — Aplicabilidade ratione temporis — Artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo — Conceito de provas relevantes que estão sob o controlo do demandado ou de um terceiro — Artigo 5.o, n.o 2 — Divulgação de certos elementos de prova ou de categorias relevantes de elementos de prova com base em factos razoavelmente disponíveis — Artigo 5.o, n.o 3 — Exame da proporcionalidade do pedido de divulgação de elementos de prova — Ponderação dos interesses legítimos das partes e dos terceiros — Alcance das obrigações resultantes das referidas disposições»

No processo C‑163/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 7 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 7 de Barcelona, Espanha), por Decisão de 21 de fevereiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de março de 2021, no processo

AD e o.

contra

PACCAR Inc,

DAF TRUCKS NV,

DAF Trucks Deutschland GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen, N. Wahl (relator) e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da AD e o., por J. A. Roger Gámir, abogado, e F. Bertrán Santamaría, procurador,

em representação da PACCAR Inc, DAF TRUCKS NV e DAF Trucks Deutschland GmbH, por C. Gual Grau, abogado, M. de Monchy e J. K. de Pree, advocaten, D. Sarmiento Ramírez‑Escudero e P. Vidal Martínez, abogados,

em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz e J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Baches Opi, A. Carrillo Parra e F. Jimeno Fernández, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de abril de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a AD e outros 44 demandantes no processo principal à PACCAR Inc, à DAF Trucks NV e à DAF Trucks Deutschland GmbH, a respeito da reparação de um dano alegado decorrente da participação destas sociedades numa infração ao artigo 101.o TFUE, constatada e sancionada pela Comissão Europeia.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 6 da Diretiva 2014/104 enuncia:

«Para assegurar a efetiva aplicação privada no âmbito do direito civil e a efetiva aplicação pública pelas autoridades da concorrência, ambos os instrumentos são necessários para interagir de forma a assegurar a máxima eficácia das regras da concorrência. Importa regular com coerência a articulação entre as duas formas de aplicação, por exemplo, em relação aos acordos em matéria de acesso aos documentos detidos pelas autoridades da concorrência. […]»

4

Nos termos do considerando 14 desta diretiva:

«As ações de indemnização por infração ao direito da concorrência da União [Europeia] ou nacional requerem normalmente uma análise factual e económica complexa. Os elementos de prova necessários para fundamentar um pedido de indemnização estão frequentemente na posse exclusiva da parte contrária ou de terceiros e o demandante não tem suficiente conhecimento de tais elementos ou acesso aos mesmos. Nessas circunstâncias, a existência de requisitos legais estritos que exijam aos demandantes a especificação pormenorizada de todos os elementos factuais relativos às suas alegações no início de uma ação e a produção precisa de elementos de prova específicos pode impedir indevidamente o exercício efetivo do direito a reparação garantido pelo [Tratado FUE].»

5

O considerando 15 da referida diretiva prevê:

«Os elementos de prova são importantes para intentar uma ação de indemnização por infração ao direito da concorrência da União ou nacional. No entanto, uma vez que a litigância no domínio do direito da concorrência da União se caracteriza por uma assimetria da informação, convém assegurar que os demandantes tenham o direito de obter a divulgação dos elementos de prova relevantes para o seu pedido, sem necessidade de especificarem elementos de prova individuais. A fim de assegurar a igualdade de condições, esses meios também deverão estar disponíveis aos demandados em ações de indemnização, de modo a que estes possam requerer a divulgação dos elementos de prova por esses demandantes Os tribunais nacionais deverão poder ordenar a divulgação de elementos de prova por terceiros, incluindo autoridades públicas. No caso de o tribunal nacional pretender ordenar a divulgação de elementos de prova pela Comissão, aplica‑se o princípio da cooperação leal entre a União e os Estados‑Membros, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, [TUE], e o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1/2003] no que respeita aos pedidos de informação. […]»

6

O considerando 16 da Diretiva 2014/104 tem a seguinte redação:

«Os tribunais nacionais deverão poder, sob o seu controlo rigoroso, ordenar a divulgação de elementos de prova determinados ou de categorias de elementos de prova determinadas, em especial no que respeita à necessidade e à proporcionalidade das medidas de divulgação, a pedido de uma parte. Decorre do requisito de proporcionalidade que a divulgação só possa ser ordenada quando um demandante tiver alegado de forma plausível, com base em factos razoavelmente à sua disposição, que sofreu danos causados pelo demandado. Caso o objetivo de um pedido de divulgação consista em obter uma categoria de elementos de prova, essa categoria deverá ser identificada pelas características comuns dos elementos que a constituem, como sejam a natureza, o objeto ou o conteúdo dos documentos cuja divulgação se solicita, o momento em que foram elaborados, ou outros critérios, desde que os elementos de prova incluídos nessa categoria sejam relevantes na aceção da presente diretiva. Tais categorias deverão ser definidas da forma mais precisa e estrita possível com base em factos razoavelmente disponíveis.»

7

O considerando 28 da Diretiva 2014/104 tem a seguinte redação:

«Os tribunais nacionais deverão poder ordenar, a qualquer momento, no âmbito das ações de indemnização, a divulgação dos elementos de prova que existem independentemente do processo de uma autoridade da concorrência (“informação preexistente”).»

8

Segundo o considerando 39 desta diretiva:

«[…] Convém prever que o infrator, na medida em que invoque a repercussão dos custos adicionais como meio de defesa, tenha de provar a existência e o grau de repercussão desses custos. Esse ónus da prova não deverá afetar a possibilidade de o infrator utilizar outros elementos de prova além dos que tem em seu poder, tais como elementos de prova já adquiridos no processo ou elementos de prova detidos por outras partes ou por terceiros.»

9

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

13)

“Elementos de prova”, todos os tipos de provas admissíveis perante o tribunal nacional da causa, em especial os documentos e todos os outros objetos que contêm informações, independentemente do suporte em que essas informações são armazenadas;

[…]

17)

“Informações preexistentes”, os elementos de prova que existem independentemente de uma investigação de uma autoridade da concorrência, quer constem ou não do processo da autoridade da concorrência;

[…]»

10

O artigo 5.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Divulgação de elementos de prova», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, nos processos relativos a ações de indemnização na União e a pedido do demandante que apresentou uma justificação fundamentada com factos e elementos de prova razoavelmente disponíveis, suficientes para corroborar a plausibilidade do seu pedido de indemnização, os tribunais nacionais possam ordenar ao demandado ou a um terceiro a divulgação dos elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo, sob reserva das condições estabelecidas no presente capítulo. Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais possam, a pedido do demandado, ordenar ao demandante ou a terceiros a divulgação de elementos de prova relevantes.

O presente número não prejudica os direitos e as obrigações dos tribunais nacionais nos termos do Regulamento (CE) n.o 1206/2001 [do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados‑Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial (JO 2001, L 174, p. 1)].

2.   Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais possam ordenar a divulgação de determinados elementos de prova ou de categorias relevantes de elementos de prova, caracterizados de forma tão precisa e estrita quanto possível com base em factos razoavelmente disponíveis indicados na justificação fundamentada.

3.   Os Estados‑Membros asseguram que os tribunais nacionais limitem a divulgação dos elementos de prova ao que for proporcional. Ao determinar se a divulgação requerida por uma parte é proporcional, os tribunais nacionais ponderam os interesses legítimos de todas as partes e dos terceiros interessados. Têm, nomeadamente, em consideração:

a)

A medida em que o pedido de indemnização ou a defesa são fundamentados em factos e elementos de prova disponíveis que justificam o pedido de divulgação dos elementos de prova;

b)

O âmbito e os custos da divulgação, em especial para os terceiros interessados, inclusive para evitar pesquisas não específicas de informação de relevância improvável para as partes no processo;

c)

Se os elementos de prova cuja divulgação é requerida contêm informações confidenciais, em especial no que respeita a terceiros e quais os procedimentos adotados para proteger tais informações confidenciais.

[…]»

11

O artigo 21.o da Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Transposição», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 27 de dezembro de 2016. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

[…]»

12

O artigo 22.o desta diretiva, sob a epígrafe «Aplicação no tempo», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o, que não as referidas no n.o 1, não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.»

Direito espanhol

13

A Diretiva 2014/104 foi transposta para o direito espanhol pelo Real Decreto‑ley 9/2017, por el que se transponen directivas de la Unión Europea en los ámbitos financiero, mercantil y sanitario, y sobre el desplazamiento de trabajadores (Real Decreto‑Lei 9/2017, que transpõe as Diretivas da União Europeia nos Domínios Financeiro, Comercial e da Saúde e sobre [o Destacamento] de Trabalhadores), de 26 de maio de 2017 (BOE n.o 126, de 27 de maio de 2017, p. 42820).

14

O Real Decreto‑Lei 9/2017 aditou o artigo 283 bis, a), n.o 1, à Ley 1/2000, de Enjuiciamiento Civil (Lei n.o 1/2000, que aprova o Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575, a seguir «Código de Processo Civil»), relativo à divulgação de elementos de prova em processos judiciais no contexto de ações de indemnização destinadas a obter a reparação do prejuízo sofrido por infrações às disposições do direito da concorrência. O conteúdo do n.o 1, primeiro parágrafo, desta disposição é idêntico ao do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104.

15

Além disso, o artigo 328.o do Código de Processo Civil prevê, no essencial, que cada parte pode solicitar às outras a divulgação de documentos, juntando ao pedido uma cópia dos mesmos, ou, se tal cópia não existir ou não estiver à sua disposição, indicando nos termos mais exatos possíveis o conteúdo desses documentos.

16

Por último, o artigo 330.o deste código indica que, a pedido de uma das partes, é possível exigir de terceiros a divulgação de documentos de que os mesmos sejam proprietários, se o tribunal chamado a conhecer do litígio constatar que esses documentos são essenciais para a solução desse litígio.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

17

Em 19 de julho de 2016, a Comissão adotou a Decisão C(2016) 4673 final relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39824 — Camiões), cujo resumo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 6 de abril de 2017 (JO 2017, C 108, p. 6). As demandadas no processo principal estão entre os destinatários desta decisão.

18

Nessa decisão, a Comissão constatou que quinze fabricantes de camiões, entre os quais as demandadas no processo principal, tinham participado numa concertação que assumiu a forma de uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), respeitante a acordos colusórios em matéria de fixação de preços e de aumento de preços brutos para veículos utilitários médios e para veículos pesados no EEE.

19

Quanto às demandadas no processo principal, a infração foi fixada no período compreendido entre 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011.

20

Em 25 de março de 2019, as demandantes no processo principal, que compraram camiões suscetíveis de ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da infração que foi objeto da Decisão C(2016) 4673 final, pediram que, ao abrigo do artigo 283 bis do Código de Processo Civil, o Juzgado de lo Mercantil n.o 7 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 7 de Barcelona, Espanha), órgão jurisdicional de reenvio, lhes concedesse acesso aos elementos de prova que estavam na posse das demandadas no processo principal. A este respeito, invocaram a necessidade de obter determinados elementos de prova para quantificar o aumento artificial dos preços, nomeadamente para conseguirem proceder à comparação entre os preços recomendados antes, durante e depois do período da concertação em causa.

21

Na audiência de 7 de outubro de 2019 perante o órgão jurisdicional de reenvio, as demandadas no processo principal invocaram, por seu lado, nas suas observações a respeito da eventual submissão de um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE, entre outros argumentos, o facto de alguns dos documentos pedidos exigirem uma elaboração ad hoc, o que constituía uma obrigação excessivamente onerosa para as demandadas que ia além de uma simples «injunção de divulgar» elementos de prova, circunstância que, em seu entender, era nomeadamente contrária ao princípio da proporcionalidade.

22

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta tanto das disposições da Diretiva 2014/104 como do Código de Processo Civil, conforme alterado pelo Real Decreto‑Lei 9/2017, que regulamentam a divulgação de elementos de prova relevantes, que esse tribunal pode, a pedido de uma das partes, ordenar ao demandante, ao demandado ou a um terceiro a «divulgação dos elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo».

23

No caso em apreço, o pedido de divulgação de elementos de prova refere‑se a documentos que, tal como foram solicitados, provavelmente não existiam anteriormente a esse pedido, o que, consequentemente, exigiria das demandadas no processo principal um trabalho de elaboração que consistiria na agregação e classificação de dados de acordo com os parâmetros definidos pelas demandantes no processo principal. No entender do órgão jurisdicional de reenvio, esta tarefa ultrapassa a mera pesquisa e seleção de documentos já existentes ou a simples disponibilização de todos os dados em causa aos demandantes no processo principal, mediante o respetivo tratamento confidencial, dado que se trata de reunir num novo documento, em suporte digital ou noutro suporte, as informações, os conhecimentos ou os dados que se encontram sob o controlo da parte a quem o pedido de divulgação de elementos de prova foi dirigido.

24

Ora, a necessidade de que o documento cuja divulgação é pedida preexista ao pedido parece decorrer da letra do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e do considerando 14 da Diretiva 2014/104, os quais fazem respetivamente referência a «elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo» e a «elementos de prova […] [que] estão frequentemente na posse exclusiva da parte contrária», o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, confirma a ideia de que o documento solicitado deve preexistir ao pedido de que é objeto, e não ser criado na sequência deste. A ideia de preexistência decorre igualmente da exigência de que o pedido em causa incida sobre as «categorias relevantes de elementos de prova, caracterizados de forma tão precisa e estrita quanto possível com base em factos razoavelmente disponíveis indicados na justificação fundamentada», em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, e com o considerando 16 desta diretiva. A exclusão dos documentos elaborados ex novo dos documentos que podem ser solicitados ao abrigo do artigo 5.o da referida diretiva pode, além disso, ser deduzida do facto de esta última mencionar a divulgação ou o acesso a elementos de prova, concretamente provas documentais, mas não fazer referência à divulgação ou ao acesso a informações, a conhecimentos ou a dados.

25

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio manifestou dúvidas pelo facto de alguns argumentos invocados a favor de uma interpretação mais lata poderem revelar‑se fundamentados. Assim, seria possível considerar que uma interpretação restritiva em matéria de divulgação de elementos de prova compromete o direito à reparação integral do prejuízo sofrido. Além disso, a Diretiva 2014/104 faz referência aos encargos e aos custos da divulgação de elementos de prova, enquanto elemento do princípio da proporcionalidade, para efeitos da autorização dessa divulgação, o que pode significar que a parte à qual os elementos de prova são pedidos deve efetuar um trabalho suscetível de gerar custos e que, por conseguinte, pode ir além da simples pesquisa e entrega de documentos preexistentes.

26

Nesse contexto, o le Juzgado de lo Mercantil n.o 7 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.o 7 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 5.o, n.o 1, da [Diretiva 2014/104] ser interpretado no sentido de que a divulgação de elementos de prova pertinentes diz apenas respeito a documentos, na posse do demandado ou de um terceiro, que já existam ou, pelo contrário, esta disposição inclui igualmente a possibilidade de divulgação de documentos que a parte a quem o pedido de informações é dirigido deve criar ex novo, através da agregação ou da classificação de informação, conhecimento ou dados que estejam na sua posse?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à aplicabilidade ratione temporis do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104

27

Antes de mais, importa recordar, no que respeita à aplicação ratione temporis da Diretiva 2014/104, que esta última contém uma disposição especial que determina expressamente as condições de aplicação no tempo das suas disposições substantivas e das suas disposições não substantivas (Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 35 e jurisprudência referida).

28

Com efeito, por um lado, por força do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2014/104, os Estados‑Membros devem assegurar que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.

29

Por outro lado, por força do artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104, os Estados‑Membros devem assegurar que nenhuma disposição nacional, que não as referidas no artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, se aplica às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014, data da adoção da referida diretiva.

30

Por conseguinte, para determinar a aplicabilidade no tempo das disposições da Diretiva 2014/104, importa, em primeiro lugar, verificar se a disposição em causa é ou não uma disposição substantiva, sendo de precisar que, uma vez que o artigo 22.o da Diretiva 2014/104 não remete para o direito nacional, esta questão deve ser apreciada à luz do direito da União e não à luz do direito nacional aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.os 38 e 39).

31

A este respeito, em primeiro lugar, cabe salientar que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva visa atribuir aos tribunais nacionais a possibilidade de ordenar ao demandado ou a um terceiro a divulgação, em determinadas condições, de elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo.

32

Uma vez que obriga os Estados‑Membros a dotar esses tribunais de poderes especiais no âmbito da apreciação dos litígios relativos a ações de indemnização por danos sofridos em consequência de infrações ao direito da concorrência, esta disposição visa corrigir a assimetria de informação que, em princípio, caracteriza esses litígios em detrimento da pessoa lesada, como é recordado no considerando 47 da Diretiva 2014/104, e que torna mais difícil para essa pessoa a obtenção das informações indispensáveis para intentar uma ação de indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.os 55 e 83).

33

Em segundo lugar, uma vez que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 tem precisamente por objetivo permitir que os demandantes nesses litígios compensem o défice de informação que os afeta, o referido artigo conduz efetivamente a que, quando, para esse efeito, essa parte se dirija ao juiz nacional, sejam colocadas à sua disposição vantagens de que a mesma não dispunha. Também não é menos verdade que, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões, o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, apenas tem por objeto as medidas processuais aplicáveis nos tribunais nacionais, que conferem a estes últimos poderes especiais para apurar os factos invocados pelas partes nos litígios surgidos no contexto de ações de indemnização por essas infrações, sendo que, por conseguinte, essa disposição não afeta diretamente a situação jurídica dessas partes, uma vez que não incide sobre os elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual.

34

Em especial, não se afigura que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 estabeleça novas obrigações materiais que recaiam sobre qualquer uma das partes nesse tipo de litígios, o que permitiria considerar esta disposição como sendo substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 83).

35

Por conseguinte, há que concluir que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 não figura entre as disposições substantivas desta diretiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, da mesma, e que, por conseguinte, integra as demais disposições referidas no artigo 22.o, n.o 2, da diretiva em causa, tratando‑se, neste caso, de uma disposição processual.

36

Em segundo lugar, uma vez que, no caso em apreço, a ação no processo principal foi intentada em 25 de março de 2019, ou seja, após 26 de dezembro de 2014 e após a data de transposição da Diretiva 2014/104 para a ordem jurídica espanhola, o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva é aplicável ratione temporis a essa ação, por força do artigo 22.o, n.o 2, da referida diretiva, pelo que há que responder quanto ao mérito ao órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto ao mérito

37

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que a menção que aí é feita da divulgação de elementos de prova relevantes que estejam sob o controlo do demandado ou de um terceiro apenas abrange os documentos que estão sob o seu controlo que já existem ou também os documentos que a parte à qual o pedido de divulgação de elementos de prova foi dirigido deve criar ex novo, mediante a agregação ou classificação de informações, de conhecimentos ou de dados que estejam sob o seu controlo.

38

No que respeita ao alcance da expressão «sob o […] controlo» que figura no artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, há que ter em conta não só os termos da disposição de direito da União que deve ser interpretada mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 28 de abril de 2022, Nikopolis AD Istrum 2010 e Agro — eko 2013, C‑160/21 e C‑217/21, EU:C:2022:315, n.o 30 e jurisprudência referida).

39

Em primeiro lugar, a redação desta disposição leva a considerar, como observa o órgão jurisdicional de reenvio e como foi salientado n.o 24 do presente acórdão, que, no caso de um pedido de divulgação de elementos de prova dirigido pelo demandante ao tribunal nacional em causa, a referida disposição apenas diz respeito a elementos de prova preexistentes.

40

Em segundo lugar, no que respeita ao contexto do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104, importa, em primeiro lugar, ter em conta a definição do termo «elementos de prova» que consta do artigo 2.o, ponto 13, desta diretiva. Com efeito, o alcance deste termo condiciona o que está «sob o […] controlo» do demandando ou de um terceiro, na aceção da primeira disposição.

41

Ora, segundo o artigo 2.o, ponto 13, da Diretiva 2014/104, o referido termo visa «todos os tipos de provas admissíveis perante o tribunal nacional da causa, em especial os documentos e todos os outros objetos que contêm informações, independentemente do suporte em que essas informações são armazenadas». Além do facto de os termos «elementos de prova» serem, em si mesmos, termos gerais, esta definição corrobora a aceção ampla dos termos «elementos de prova» que resulta do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, no que diz respeito à natureza dos elementos de prova cuja divulgação pode ser ordenada pelo tribunal nacional em causa. A este respeito, na referida definição, não é feita uma distinção em função do caráter preexistente ou não dos elementos de prova cuja divulgação é pedida. Daqui resulta que os elementos de prova referidos nesta última disposição não correspondem necessariamente a «documentos» já existentes, como o órgão jurisdicional de reenvio deixa pressupor na sua questão prejudicial.

42

Esta conclusão é corroborada pelos considerandos 28 e 39 da Diretiva 2014/104, que referem, respetivamente, «elementos de prova que existem independentemente do processo de uma autoridade da concorrência» e «outros elementos de prova além dos que [o autor da infração] tem em seu poder», «tais como elementos de prova já adquiridos no processo ou elementos de prova detidos por outras partes ou por terceiros», recordando assim a diversidade de elementos de prova que estão em causa, em particular no que respeita às pessoas que os detêm.

43

Em segundo lugar, há que salientar que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 é composto por duas frases. A primeira prevê que um demandante que tenha demonstrado a plausibilidade do seu pedido de indemnização, apresentando factos e «elementos de prova razoavelmente disponíveis» suficientes, pode obter do tribunal nacional em causa uma ordem dirigida ao demandado ou a um terceiro no sentido de que estes divulguem «elementos de prova relevantes que estejam sob o seu controlo», sob reserva das condições enunciadas no capítulo II desta diretiva, intitulado «Divulgação de elementos de prova». A segunda frase enuncia que o demandando deve poder pedir ao referido tribunal nacional que ordene ao demandante ou a um terceiro a divulgação de «elementos de prova relevantes». Assim sendo, importa salientar uma diferença de redação entre a primeira e a segunda frase do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104, uma vez que só esta primeira frase menciona os termos «que estejam sob o seu controlo».

44

O considerando 14 da Diretiva 2014/104 é particularmente esclarecedor no que respeita à ratio legis destas duas frases, uma vez que enuncia que «[o]s elementos de prova necessários para fundamentar um pedido de indemnização estão frequentemente na posse exclusiva da parte contrária ou de terceiros e o demandante não tem suficiente conhecimento de tais elementos ou acesso aos mesmos», razão pela qual não podem ser impostos «requisitos legais estritos que exijam aos demandantes a especificação pormenorizada de todos os elementos factuais relativos às suas alegações no início de uma ação e a produção precisa de elementos de prova específicos» sob pena de o exercício efetivo do direito à reparação garantido pelo TFUE ser indevidamente impedido.

45

Por conseguinte, ao referir‑se às provas «sob o […] controlo» do demandado ou de um terceiro, o legislador da União faz, antes de mais, uma constatação factual que ilustra a assimetria de informação que pretende corrigir, como salientou o advogado‑geral no n.o 72 das suas conclusões, sendo que esta constatação também explica a circunstância de os termos «que estejam sob o seu controlo» não terem sido repetidos na segunda frase do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104. Com efeito, dado que esta segunda frase é relativa a um pedido de divulgação de elementos de prova apresentado pelo demandando e que «[o]s elementos de prova necessários estão frequentemente na posse exclusiva da parte contrária ou de terceiros e o demandante não tem suficiente conhecimento de tais elementos», seria contraditório pressupor que essas provas estavam «sob o […] controlo» deste último. É, aliás, esta a razão pela qual esta disposição se limita a exigir do demandante a divulgação de «elementos de prova razoavelmente disponíveis», tendo em conta os poucos elementos de que em geral este dispõe no momento da propositura de uma ação de indemnização.

46

A este respeito deste último aspeto, o considerando 15 da Diretiva 2014/104, ao mesmo tempo que recorda novamente que a razão de ser do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva se prende com o facto de a litigância no domínio do direito da concorrência da União se caracterizar por uma assimetria de informação entre as partes em causa, indica, por um lado, que «convém assegurar que os demandantes tenham o direito de obter a divulgação dos elementos de prova relevantes para o seu pedido, sem necessidade de especificarem elementos de prova individuais» e, por outro, que «esses meios também deverão estar disponíveis aos demandados em ações de indemnização, de modo a que estes possam requerer a divulgação dos elementos de prova por esses demandantes».

47

Assim sendo, resulta deste considerando que, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 76 e na nota de pé de página 27 das suas conclusões, o legislador da União pôs em destaque a «relação entre o elemento de prova solicitado e o pedido de indemnização», circunstância que assume uma importância primordial para que o tribunal nacional em causa se possa pronunciar de maneira útil a respeito do pedido de divulgação de elementos de prova que lhe foi apresentado, respeitando o princípio da igualdade de armas entre as partes no litígio de que foi chamado a conhecer.

48

No mesmo sentido, mas de maneira ainda mais clara, o considerando 16 da Diretiva 2014/104 exprime a necessidade de o tribunal nacional em causa ordenar «a divulgação de elementos de prova determinados» ou de «categorias de elementos de prova determinadas», os quais devem ser identificados pelas características comuns dos elementos que os constituem, como, por exemplo, no caso de documentos, «o momento em que foram elaborados».

49

Assim, a leitura destes considerandos esclarece a redação do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 e realça a circunstância de que a referência feita nesta disposição aos elementos de prova relevantes que estejam sob o controlo do demandado ou de um terceiro se limita a refletir, como recordado n.o 44 do presente acórdão, a constatação de que efetivamente estes últimos se encontram «[f]requentemente» na posse desses elementos de prova, sendo que, como recordado no número precedente do presente acórdão, esses elementos, entendidos genericamente, podem ser agrupados em «categorias de elementos de prova» ou apenas dizer respeito a «elementos de prova». Por outras palavras, a utilização dos termos «que se encontram sob o seu controlo» visa dar conta de uma situação de facto que o legislador da União deseja corrigir.

50

Em terceiro lugar, esta análise é corroborada pela leitura do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 à luz dos n.os 2 e 3 desse mesmo artigo, uma vez que o referido n.o 2 enuncia a exigência de que o pedido de divulgação de elementos de prova se paute por ser específico, ao passo que o n.o 3 do referido artigo recorda a aplicação do princípio da proporcionalidade nesta matéria.

51

Assim sendo, o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 exige que os tribunais nacionais limitem a divulgação de elementos de prova a «determinados elementos de prova ou […] categorias relevantes de elementos de prova, caracterizados de forma tão precisa e estrita quanto possível com base em factos razoavelmente disponíveis indicados na justificação fundamentada».

52

O artigo 5.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva enuncia, por seu turno, que os tribunais nacionais chamados a conhecer do litígio, a fim de limitar «a divulgação dos elementos de prova ao que for proporcional», devem tomar em consideração, nomeadamente, «[o] âmbito e os custos da divulgação, em especial para os terceiros interessados, inclusive para evitar pesquisas não específicas de informação de relevância improvável para as partes no processo».

53

Ora, tal disposição pressupõe implícita, mas necessariamente, que o custo da divulgação de elementos de prova possa eventualmente exceder significativamente o custo da simples transmissão de suportes físicos, em especial de documentos, que estejam na posse do demandado ou de um terceiro.

54

Em terceiro lugar, há que verificar se esta análise é compatível com a finalidade do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104.

55

Importa recordar que, ao adotar a Diretiva 2014/104, o legislador da União partiu da constatação de que a luta contra os comportamentos anticoncorrenciais por iniciativa pública, ou seja, por parte da Comissão e das autoridades nacionais da concorrência, não era suficiente para assegurar a plena observância dos artigos 101.o e 102.o TFUE e que havia que facilitar a possibilidade de uma contribuição privada para a realização deste objetivo, como ilustra o considerando 6 desta diretiva.

56

Esta participação privada na sanção pecuniária, e, por conseguinte, também na prevenção de comportamentos anticoncorrenciais, é tanto mais desejável quanto é suscetível não só de reparar o dano direto que a pessoa em questão alega ter sofrido mas também de reparar os danos indiretos causados à estrutura e ao funcionamento do mercado, que não pôde atingir a sua plena eficácia económica, nomeadamente em proveito dos consumidores em causa (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 36).

57

Para que tal seja possível e, simultaneamente, para evitar o recurso abusivo a esses procedimentos, a Diretiva 2014/104 estabelece uma ponderação dos «interesses legítimos de todas as partes e dos terceiros interessados», nos termos do seu artigo 5.o, n.o 3.

58

A este respeito, o legislador da União teve o cuidado, nomeadamente no artigo 6.o, n.o 5, da referida diretiva, de preservar as prerrogativas da Comissão e das autoridades nacionais da concorrência, de modo que a obrigação de divulgar elementos de prova por parte destas ou por parte das empresas visadas por uma das suas investigações não prejudicasse a referida ponderação de interesses.

59

Alcançar o objetivo indicado no n.o 55 do presente acórdão pressupõe o recurso a ferramentas suscetíveis de remediar a assimetria de informação entre as partes no litígio, uma vez que, por definição, o autor da infração sabe o que fez e, eventualmente, conhece os factos lhe foram imputados, sendo que, nesse caso, conhece as provas que permitiram à Comissão ou à autoridade da concorrência nacional em causa demonstrar a sua participação num comportamento anticoncorrencial contrário aos artigos 101.o e 102.o TFUE, ao passo que a vítima do dano provocado por esse comportamento não dispõe desses elementos de prova.

60

É à luz destas considerações relativas à finalidade do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 que esta disposição deve ser interpretada.

61

Em primeiro lugar, importa observar que, de um ponto de vista prático, o facto de apenas serem fornecidos ao demandante documentos preexistentes em bruto, possivelmente muito numerosos, só imperfeitamente responde ao seu pedido, quando, pelo contrário, esta disposição necessita de ser aplicada com eficácia, de modo que proporcione às partes lesadas instrumentos suscetíveis de compensar a assimetria de informação entre as partes no litígio.

62

Em segundo lugar, excluir desde logo a faculdade de pedir a divulgação de documentos ou de outros elementos de prova que a parte a quem o pedido é dirigido deveria criar ex novo levaria, em certos casos, à criação de obstáculos que tornariam mais difícil a aplicação privada das regras de concorrência da União, ao passo que, como resulta do n.o 55 do presente acórdão, o objetivo principal da Diretiva 2014/104, ilustrado pelo considerando 6 desta última, consiste em facilitar essa aplicação.

63

Tal interpretação não pode ser posta em causa com fundamento no facto perturbar o equilíbrio entre o interesse do demandante em obter as informações relevantes para a sua causa e o interesse da pessoa a quem a divulgação dessas informações foi ordenada de ser protegida de uma «pesca às informações», como descrita no considerando 23 desta diretiva, e de um encargo excessivo a este respeito.

64

Com efeito, resulta nomeadamente do artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/104 que o legislador da União instituiu um mecanismo de ponderação dos interesses em causa, sob controlo rigoroso dos tribunais nacionais em causa, os quais, como resulta dos n.os 51 e 52 do presente acórdão, devem efetuar um exame do pedido que lhes foi submetido no contexto do qual exijam, no que respeita à pertinência dos elementos de prova solicitados, um nexo entre os elementos de prova e o pedido de indemnização, um grau de precisão suficiente dos elementos de prova e a respetiva proporcionalidade. Por conseguinte, é a esses tribunais que cabe apreciar se o pedido de divulgação de provas criadas ex novo a partir de elementos de prova preexistentes que se encontrem sob o controlo do demandado ou de um terceiro pode, tendo em conta, por exemplo, o seu caráter excessivo ou demasiado geral, fazer recair um encargo desproporcionado sobre o demandado ou sobre o terceiro em causa, quer esteja em causa o custo quer o volume de trabalho que esse pedido poderia ocasionar.

65

A este respeito, tendo em conta as prerrogativas da Comissão e das autoridades nacionais da concorrência em matéria de inspeção e de comunicação de documentos, os princípios aplicáveis à luta contra os comportamentos anticoncorrenciais por iniciativa pública não são transponíveis para a luta contra os comportamentos anticoncorrenciais por iniciativa privada.

66

No entanto, tendo em conta os critérios recordados nos n.os 51 e 52 do presente acórdão, cujo respeito os tribunais nacionais em causa devem assegurar, a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 não pode conduzir a que as demandadas no processo principal substituam os demandantes na tarefa que lhes incumbe de demonstrar a existência e a extensão do prejuízo sofrido. Por maioria de razão, este raciocínio é válido para os processos no âmbito dos quais nenhum comportamento correspondente a uma infração tenha sido previamente sancionado pela Comissão ou por uma autoridade nacional da concorrência.

67

Além disso, como recordado no seu considerando 53, as disposições desta diretiva devem ser aplicadas respeitando os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

68

Assim, neste contexto, em aplicação do princípio da proporcionalidade, os tribunais devem ter em conta o caráter adequado do volume de trabalho e o custo ocasionado pela constituição ex novo de suportes físicos, em especial de documentos, e tomar em consideração todas as circunstâncias do processo em causa, em especial à luz dos critérios enumerados no artigo 5.o, n.o 3, alíneas a) a c), da referida diretiva, como por exemplo o período em relação ao qual é pedida a produção dos elementos de prova.

69

Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à questão submetida que o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que a menção que aí é feita dos elementos de prova relevantes que estejam sob o controlo do demandado ou de um terceiro também visa os elementos de prova que a parte a quem for dirigido um pedido de divulgação de provas deve criar ex novo, agregando ou classificando informações, conhecimentos ou dados que estejam sob o seu controlo, sob reserva do rigoroso respeito do artigo 5.o, n.os 2 e 3, desta diretiva, que obriga os tribunais nacionais chamados a conhecer do litígio a limitar a divulgação de elementos de prova ao que for relevante, proporcionado e necessário, tendo em conta os interesses legítimos e os direitos fundamentais dessa parte.

Quanto às despesas

70

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

a menção que aí é feita dos elementos de prova relevantes que estejam sob o controlo do demandado ou de um terceiro também visa os elementos de prova que a parte a quem for dirigido um pedido de divulgação de provas deve criar ex novo, agregando ou classificando informações, conhecimentos ou dados que estejam sob o seu controlo, sob reserva do rigoroso respeito do artigo 5.o, n.os 2 e 3, desta diretiva, que obriga os tribunais nacionais chamados a conhecer do litígio a limitar a divulgação de elementos de prova ao que for relevante, proporcionado e necessário, tendo em conta os interesses legítimos e os direitos fundamentais dessa parte.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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