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Document 62021CC0168

    Conclusões do advogado-geral Rantos apresentadas em 31 de março de 2022.
    KL.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (France).
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 2.o, n.o 4 — Requisito da dupla incriminação do facto — Artigo 4.o, ponto 1 — Motivo de não execução facultativa do mandado de detenção europeu — Controlo pela autoridade judiciária de execução — Factos parcialmente constitutivos de uma infração nos termos do direito do Estado‑Membro de execução — Artigo 49.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio da proporcionalidade dos delitos e das penas.
    Processo C-168/21.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:246

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    ATHANASIOS RANTOS

    apresentadas em 31 de março de 2022 ( 1 )

    Processo C‑168/21

    Procureur général près la cour d’appel d’Angers

    contra

    KL

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (França)]

    «Reenvio prejudicial — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 2.o, n.o 4, e artigo 4.o, n.o 1 — Requisito da dupla incriminação — Controlo pela autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução — Elementos constitutivos da infração penal diferentes no Estado‑Membro de emissão e no Estado‑Membro de execução — Pena como sanção de uma infração única que pune vários factos em que alguns dos quais não constituem uma infração no Estado‑Membro de execução — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 49.o, n.o 3 — Princípio da proporcionalidade da pena»

    I. Introdução

    1.

    No direito da União Europeia, o requisito da dupla incriminação pode ser definido como o facto de o comportamento objeto da cooperação constituir uma infração tanto no Estado requerente (ou Estado‑Membro de emissão) como no Estado requerido (ou Estado‑Membro de execução) ( 2 ). Em certos casos, a entrega da pessoa procurada no âmbito de um mandado de detenção europeu (a seguir «MDE») pode estar sujeita ao cumprimento deste requisito da dupla incriminação.

    2.

    No presente processo, as autoridades judiciárias italianas emitiram um MDE para efeitos da execução de uma condenação relativa, nomeadamente, a uma infração única que pune vários factos como uma mesma ação delituosa. A Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), órgão jurisdicional de reenvio, pretende saber se as autoridades judiciárias do Estado‑Membro de execução, França, podem recusar a execução deste MDE, à luz dos artigos 2.o, n.o 4 e 4.o, n.o 1 da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI ( 3 ) e do artigo 49.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    3.

    A este respeito, o referido órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que os elementos constitutivos dessa infração são diferentes nos dois Estados‑Membros em causa e, por outro, que alguns dos factos visados pela referida infração não são passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução. Assim, o Tribunal de Justiça é chamado a precisar o alcance do requisito da dupla incriminação, conforme previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584.

    4.

    Nas presentes conclusões, proporei ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas que, nas condições descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, as disposições desta decisão‑quadro levam à execução do MDE.

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    5.

    Nos termos dos considerandos 6, 10 e 12 da Decisão‑Quadro 2002/584:

    «(6)

    O [MDE] previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

    […]

    (10)

    O mecanismo do [MDE] é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.o 1 do artigo 6.o [TUE], verificada pelo Conselho nos termos do n.o 1 do artigo 7.o do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n.o 2 do mesmo artigo.

    […]

    (12)

    A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [TUE] e consignados na [Carta], nomeadamente o seu capítulo VI. […]»

    6.

    O artigo 1.o desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Definição de [MDE] e obrigação de o executar», enuncia:

    «1.   O [MDE] é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

    2.   Os Estados‑Membros executam todo e qualquer [MDE] com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

    3.   A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE]»

    7.

    O artigo 2.o da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação do [MDE]», prevê:

    «1.   O [MDE] pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado‑Membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver sido decretada uma pena ou aplicada uma medida de segurança, por sanções de duração não inferior a quatro meses.

    2.   As infrações a seguir indicadas, caso sejam puníveis no Estado‑Membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos e tal como definidas pela legislação do Estado‑Membro de emissão, determinam a entrega com base num [MDE], nas condições da presente decisão‑quadro e sem controlo da dupla incriminação do facto:

    […]

    4.   No que respeita às infrações não abrangidas pelo n.o 2, a entrega pode ficar sujeita à condição de os factos para os quais o [MDE] foi emitido constituírem uma infração nos termos do direito do Estado‑Membro de execução, quaisquer que sejam os elementos constitutivos ou a qualificação da mesma.»

    8.

    O artigo 4.o da mesma decisão‑quadro, com a epígrafe «Motivos de não execução facultativa do [MDE]», dispõe, no seu n.o 1:

    «A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um [MDE]:

    1)

    Se, num dos casos referidos no n.o 4 do artigo 2.o, o facto que determina o mandado de detenção europeu não constituir uma infração nos termos do direito do Estado‑Membro de execução;

    […]»

    B.   Direito francês

    9.

    O artigo 695.o‑23 do code de procédure pénale (Código de Processo Penal), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, enuncia:

    «A execução de um [MDE] é igualmente recusada quando o facto que determina a emissão do referido mandado de detenção não constituir uma infração à luz da lei francesa.

    Em derrogação do primeiro parágrafo, um [MDE] é executado sem controlo da dupla incriminação dos factos imputados quando os atos em causa, nos termos da lei do Estado‑Membro de emissão, forem puníveis com uma pena privativa de liberdade de duração igual ou superior a três anos de prisão ou uma medida de segurança privativa da liberdade com a mesma duração e estejam compreendidos numa das categorias de infrações previstas no artigo 694.o‑32.

    Quando forem aplicáveis as disposições do parágrafo anterior, a qualificação jurídica dos factos e a determinação da pena aplicada são de apreciação exclusiva da autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão.

    […]»

    III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    10.

    Em 6 de junho de 2016, as autoridades judiciárias italianas emitiram um MDE com vista à detenção de KL para efeitos da execução de uma condenação de doze anos e seis meses de uma pena privativa de liberdade decretada pela Corte di appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova, Itália) por Acórdão de 9 de outubro de 2009, que se tornou executória em 13 de julho de 2012, na sequência da negação de provimento pela Corte suprema di Cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) do recurso interposto por KL.

    11.

    Esta condenação correspondia ao cúmulo de quatro penas aplicadas pelas quatro infrações seguintes: roubo à mão armada em comparticipação (pena de prisão de um ano), devastação e pilhagem (pena de prisão de dez anos), porte de armas (pena de prisão de nove meses) detonação de engenhos explosivos (pena de prisão de nove meses).

    12.

    No que se refere, em especial, à infração de «devastação e pilhagem», prevista no artigo 419.o do codice penale (Código Penal italiano) ( 4 ), o MDE descreve as circunstâncias em que foi cometida da seguinte forma: «[KL], em comparticipação com mais de cinco pessoas, quando participava na manifestação contra a cimeira do G8, praticou atos de devastação e pilhagem num contexto, em que, do ponto de vista do lugar e do tempo, representaram um perigo objetivo para a ordem pública; vários casos de vandalismo contra mobiliário urbano e bens públicos com consequentes danos que não puderam ser quantificados com precisão, mas não inferiores a centenas de milhões de liras [italianas (ITL) (dezenas de milhares de euros)]; danos, pilhagens, destruição por incêndio de instituições de crédito, automóveis e outros estabelecimentos comerciais, com a circunstância agravante de ter causado danos patrimoniais consideráveis às pessoas afetadas».

    13.

    Resulta do Acórdão da Corte d’appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova) de 9 de outubro de 2009 que, sob esta qualificação de «devastação e pilhagem», foram imputados a KL sete factos, punidos como constituindo uma mesma ação delituosa, a saber, danos ao mobiliário urbano e bens públicos, danos e pilhagem de um estaleiro de construção, danificação total das instalações da instituição de crédito Credito Italiano, danificação total por incêndio de um veículo Fiat Uno, danificação total por incêndio das instalações da instituição de crédito Carige, danificação por incêndio de um veículo Fiat Brava bem como danificação total e pilhagem de um supermercado.

    14.

    KL opôs‑se à sua entrega para execução do MDE. Por Acórdão de 23 de agosto de 2019, a chambre de l’instruction da cour d’appel de Rennes (Secção de Instrução do Tribunal de Recurso de Rennes, França) requereu informações complementares destinadas, nomeadamente, à apresentação do Acórdão da Corte di appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova) de 9 de outubro de 2009 e do Acórdão subsequente da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação). Por Acórdão de 15 de novembro de 2019, esta secção da instrução recusou a entrega de KL com o fundamento de que o processo não continha prova da transmissão à República Italiana do pedido do advogado apresentado por KL e ordenou a libertação deste.

    15.

    Por Acórdão de 18 de dezembro de 2019, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) anulou esse acórdão e remeteu o processo à chambre de l’instruction da cour d’appel d’Angers (Secção de Instrução do Tribunal de Recurso de Angers, França). Por Acórdão de 4 de novembro de 2020, esta secção da instrução recusou, por um lado, a entrega de KL às autoridades judiciárias italianas para a execução do MDE, na medida em que foi emitido para efeitos da execução da pena de dez anos de prisão aplicada pela infração qualificada de «devastação e pilhagem». Por outro lado, requereu informações complementares de modo a que as autoridades judiciárias italianas esclarecessem se pretendiam que a condenação à pena de dois anos e seis meses de prisão decretada pelas outras três infrações visadas pelo MDE fosse executada em França. O procureur général près la cour d’appel d’Angers e KL recorreram deste acórdão para a Cour de cassation (Tribunal de Cassação), órgão jurisdicional de reenvio.

    16.

    O referido órgão jurisdicional recorda que o Tribunal de Justiça interpretou o requisito da dupla incriminação no Acórdão de 11 de janeiro de 2017, Grundza (C‑289/15, a seguir Acórdão Grundza, EU:C:2017:4) ( 5 ), e declara que, ao recusar a entrega de KL às autoridades judiciárias italianas relativamente à infração qualificada de «devastação e pilhagem», a chambre de l’instruction da cour d’appel d’ Angers (Secção de Instrução do Tribunal de Recurso de Angers, França) observou que dois dos sete factos subjacentes a essa pena não eram suscetíveis de constituir uma infração em França, a saber, por um lado, a danificação das instalações da instituição de crédito Credito Italiano e, por outro, a danificação por incêndio de um veículo Fiat Brava. Esta secção de instrução deduziu que, dado que a Corte d’appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova) e a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) «exprimiram uma vontade inequívoca» de analisar estes sete factos como um todo indissociável, a aplicação da condição da dupla incriminação impunha o afastamento de todos estes factos indissociáveis.

    17.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta do Acórdão da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) de 13 de julho de 2012 que o «elemento objetivo do delito de devastação e pilhagem, previsto no artigo 419.o do Código Penal italiano, é a prática de atos de devastação, mediante qualquer ação, segundo qualquer modalidade, que cause ruína, destruição e também danificação, em qualquer caso total, indiscriminada, vasta e profunda, de uma grande quantidade de bens móveis ou imóveis, de modo a causar não só danos ao património de um ou mais sujeitos bem como um prejuízo social decorrente da violação à propriedade privada, mas também uma ofensa e um perigo reais para a ordem pública considerado na sua aceção específica de funcionamento ordenado e normal da vida civil, ao qual corresponde, na comunidade, a opinião e o sentimento de tranquilidade e segurança». O órgão jurisdicional de reenvio deduz daqui que, no direito penal italiano, a infração qualificada de «devastação e pilhagem» visa atos de destruição e danos múltiplos e maciços, que causam não só um prejuízo aos proprietários dos bens em questão, mas igualmente uma violação da paz pública, pondo em perigo o normal funcionamento da vida civil.

    18.

    Esse órgão jurisdicional sublinha que, no direito penal francês, o facto de pôr em perigo a paz pública através da destruição maciça de bens móveis ou imóveis não é especificamente punível. Apenas o são a destruição, os danos, os furtos qualificados cometidos, se for caso disso, em comparticipação, suscetíveis de causar um prejuízo aos proprietários dos bens causa. Assim, segundo o referido órgão jurisdicional, coloca‑se a questão de saber se a violação da paz pública que a Corte di appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova) e a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) imputaram a KL como elemento essencial da infração qualificada de «devastação e pilhagem» é pertinente para efeitos da apreciação do respeito do requisito da dupla incriminação.

    19.

    No caso de o requisito da dupla incriminação estar preenchido no caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a Decisão‑Quadro 2002/584 não contém uma disposição que permita ao Estado‑Membro de execução recusar a entrega do interessado pelo facto de a pena aplicada pelo Estado‑Membro de emissão parecer desproporcionada à luz dos factos visados pelo MDE. Além disso, embora, nos termos do artigo 5.o desta decisão‑quadro, a execução do MDE pela autoridade judiciária de execução possa estar sujeita pelo direito do Estado‑Membro de execução à condição de o Estado‑Membro de emissão prever no seu sistema jurídico disposições que permitam uma revisão da pena decretada, este é o único caso em que a infração que está na base do MDE é punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com caráter perpétuo. Por conseguinte, mesmo que o Estado‑Membro de execução considere que existem sérias dificuldades quanto à proporcionalidade do MDE, este Estado não pode recusar, com esse fundamento, ordenar a entrega da pessoa procurada com vista à execução da pena decretada pelo Estado‑Membro de emissão.

    20.

    Embora, em princípio, caiba ao Estado‑Membro de emissão verificar a proporcionalidade do MDE antes de o emitir, esta verificação é inoperante para prevenir a violação do princípio da proporcionalidade quando, como no processo principal, o MDE tiver sido emitido para a execução de uma pena para punir uma infração única caracterizada por vários factos, mas dos quais apenas alguns constituem uma infração no Estado‑Membro de execução. Com efeito, nesse caso, a pena decretada pelo Estado‑Membro de emissão corresponde à totalidade desses factos mesmo que a entrega esteja excluída para alguns deles. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, daqui resulta que, embora o MDE pudesse ser proporcional aquando da sua emissão, não é de excluir que já não o seja aquando da sua execução.

    21.

    Ora, resulta do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o seu considerando 12, que os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consignados na Carta devem ser respeitados no âmbito do MDE A este respeito, o artigo 49.o, n.o 3, da Carta estabelece o princípio segundo o qual as penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração.

    22.

    Nestas circunstâncias, a Cour de Cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 ser interpretados no sentido de que o requisito da dupla incriminação está preenchido numa situação como a que está em causa no processo principal, em que a entrega é pedida para atos que foram qualificados, no Estado de emissão, de “devastação e pilhagem”, os quais consistem em atos de devastação e de pilhagem suscetíveis de violar a paz pública, quando existam no Estado de execução os tipos legais de furto qualificado (pelo elemento dano), destruição e dano, que não exigem este elemento da violação da paz pública?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional do Estado de execução pode recusar a execução de um [MDE] emitido para efeitos de execução de uma pena quando constata que a pessoa em causa foi condenada pelas autoridades judiciárias do Estado de emissão a essa pena pela prática de uma infração única cuja prevenção visava diferentes atos e que apenas uma parte desses atos constitui uma infração penal à luz do Estado de execução? Deve ser feita uma distinção em função de as autoridades judiciárias do Estado de emissão terem considerado ou não esses atos como sendo indissociáveis?

    3)

    O artigo 49.o, n.o 3, da [Carta] impõe à autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução recusar a execução de um [MDE] quando, por um lado, este tiver sido emitido para efeitos de execução de uma pena única como sanção de uma infração única e que, por outro, dado que alguns dos factos pelos quais essa pena foi decretada não constituem uma infração segundo o direito do Estado‑Membro de execução, a entrega apenas pode ser concedida relativamente a uma parte desses factos?»

    23.

    O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que submetesse o presente pedido de decisão prejudicial a tramitação acelerada, nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Por Decisão de 13 de abril de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu este pedido. No entanto, decidiu que o presente processo seria julgado prioritariamente, nos termos do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

    24.

    Foram apresentadas observações escritas por KL, pelos Governos francês e italiano, bem como pela Comissão Europeia. KL, o Governo francês e a Comissão apresentaram igualmente observações orais na audiência de alegações que se realizou em 20 de janeiro de 2022.

    IV. Análise

    A.   Quanto à primeira questão prejudicial

    25.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 devem ser interpretados no sentido de que o requisito da dupla incriminação previsto nestas disposições está preenchido na situação em que um MDE é emitido por factos que, no Estado‑Membro de emissão, fazem parte de uma infração que exige que esses factos sejam suscetíveis de violar a paz pública, quando esses factos são igualmente passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução, sem que seja exigido esse elemento de violação da paz pública.

    26.

    Os Governos francês e italiano, bem como a Comissão, propõem que seja dada resposta afirmativa à questão, ao passo que KL propõe uma resposta negativa.

    27.

    A título preliminar, cabe salientar que, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2002/584, no caso de infrações diferentes das referidas na lista de 32 infrações prevista no n.o 2 do mesmo artigo, a entrega da pessoa procurada pode ser sujeita à condição de os factos pelos quais o MDE foi emitido constituírem uma infração nos termos da legislação do Estado‑Membro de execução, quaisquer que sejam os seus elementos constitutivos ou a sua qualificação. Por outras palavras, esta disposição permite ao Estado‑Membro de execução sujeitar a execução da condenação à condição de estar preenchido o critério da dupla incriminação ( 6 ). Do mesmo modo, o artigo 4.o da mesma decisão‑quadro, relativo aos motivos de não execução facultativa do MDE, prevê, no seu n.o 1, alínea 1), a faculdade da autoridade judiciária de execução recusar o MDE quando o requisito da dupla incriminação não estiver preenchido. Como resulta da decisão de reenvio, estas disposições foram transpostas para o artigo 695.o‑23 do Código de Processo Penal francês.

    28.

    No caso em apreço, o MDE menciona a natureza e a qualificação legal das infrações visadas e descreve as circunstâncias da sua prática, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alíneas d) e e), da Decisão‑Quadro 2002/584. A este respeito, alguns dos factos imputados a KL estão abrangidos pela infração qualificada de «devastação e pilhagem», prevista no artigo 419.o do Código Penal italiano. O órgão jurisdicional de reenvio refere que esta infração visa atos de destruição e danificação múltiplos e maciços, que causam não só um prejuízo aos proprietários dos bens em questão, mas também uma violação da paz pública, pondo em perigo o normal funcionamento da vida civil. Nas suas observações escritas, o Governo italiano referiu que este requisito de violação da paz pública não é expressamente exigido pelo artigo 419.o do Código Penal italiano, mas que resulta da jurisprudência dos tribunais italianos.

    29.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no direito penal francês, o facto de pôr em perigo a paz pública através da destruição maciça de bens móveis ou imóveis não é especificamente punível. Apenas o são a destruição, o dano, o furto qualificado cometidos, se for caso disso, em comparticipação, suscetíveis de causar um prejuízo aos proprietários dos bens.

    30.

    Por conseguinte, este órgão jurisdicional pretende saber se o requisito da dupla incriminação previsto no artigo 2.o, n.o 4, e no artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 está preenchido num processo como o que está em causa no processo principal. O mesmo órgão jurisdicional fez referência ao Acórdão Grundza, que dizia respeito à interpretação do artigo 7.o, n.o 3 ( 7 ), e do artigo 9.o, n.o 1, alínea d) ( 8 ), da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI ( 9 ).

    31.

    No referido acórdão, no que respeita ao artigo 7.o, n.o 3, desta última Decisão‑Quadro, o Tribunal de Justiça recordou que na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 10 ).

    32.

    Em primeiro lugar, segundo o Tribunal de Justiça, resulta da própria redação do referido artigo 7.o, n.o 3, que o requisito necessário e suficiente para a apreciação da dupla incriminação reside na circunstância de os factos que deram lugar à condenação no Estado‑Membro de emissão serem igualmente constitutivos de uma infração no Estado‑Membro de execução e que daí resulta que não é exigido que as infrações sejam idênticas nos dois Estados‑Membros em causa ( 11 ). O Tribunal de Justiça acrescentou que esta interpretação é corroborada pela expressão «independentemente dos elementos constitutivos ou da qualificação» da infração conforme prevista no Estado‑Membro de execução, da qual resulta claramente que não se exige uma correspondência exata entre todos os elementos constitutivos da infração, tal como definida respetivamente pela legislação do Estado‑Membro de emissão e do Estado‑Membro de execução, nem na designação ou na qualificação dessa infração segundo os direitos nacionais respetivos ( 12 ). Portanto, esta disposição consagra uma perspetiva flexível, pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução, na apreciação do requisito da dupla incriminação, tanto no que respeita aos elementos constitutivos da infração como à qualificação da mesma ( 13 ).

    33.

    Assim, quando da apreciação da dupla incriminação, incumbe à autoridade competente do Estado‑Membro de execução verificar se os elementos factuais na base da infração, tais como plasmados na sentença da autoridade competente do Estado‑Membro de emissão, seriam igualmente, como tais, passíveis de sanção penal no território do Estado‑Membro de execução se tivessem ocorrido nesse território ( 14 ).

    34.

    No que se refere a esta interpretação literal, há que constatar que a redação do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 4.o, n.o 1, alínea 1), da Decisão‑Quadro 2002/584 é análoga, respetivamente, à do artigo 7.o, n.o 3, e do artigo 9.o, n.o 1, alínea d), da Decisão‑Quadro 2008/909. Assim, o referido artigo 2.o, n.o 4 estipula que a entrega pode ficar sujeita à condição de os factos para os quais o MDE foi emitido constituírem uma infração nos termos do direito do Estado‑Membro de execução, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação. Consequentemente, a interpretação do requisito da dupla incriminação estabelecida no ponto anterior destas conclusões aplica‑se igualmente à Decisão‑Quadro 2002/584.

    35.

    Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão Grundza, que o contexto em que se inscrevem os artigos 7.o, n.o 3, e 9.o, n.o 1, alínea d), da Decisão‑Quadro 2008/909 aponta igualmente no sentido dessa apreciação da dupla incriminação ( 15 ). Com efeito, esta Decisão‑Quadro assenta, antes de mais, no princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, em conformidade com o seu considerando 1, lido à luz do artigo 82.o, n.o 1, TFUE, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal na União Europeia, a qual, segundo o considerando 5 da referida Decisão‑Quadro, se baseia numa especial confiança mútua dos Estados‑Membros nos respetivos sistemas judiciários ( 16 ).

    36.

    O Tribunal de Justiça acrescentou que, uma vez que o requisito da dupla incriminação constitui uma exceção à regra do princípio do reconhecimento da sentença e da execução da condenação, o âmbito de aplicação do motivo de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da condenação, baseado na inexistência da dupla incriminação, conforme referido no artigo 9.o, n.o 1, alínea d), da Decisão‑Quadro 2008/909, deve ser interpretado restritivamente, a fim de limitar os casos de recusa do reconhecimento e da execução ( 17 ). No âmbito da apreciação da dupla incriminação, a autoridade competente do Estado‑Membro de execução deve verificar não se o interesse protegido pelo Estado‑Membro de emissão foi violado, mas se, na hipótese de a infração em causa ter tido lugar no território do Estado‑Membro a que pertence essa autoridade, se teria considerado que um interesse semelhante, protegido pelo direito nacional desse Estado, tinha sido violado ( 18 ).

    37.

    No caso em apreço, o contexto em que se inserem o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, alínea 1), da Decisão‑Quadro 2002/584 é o mesmo em que se inserem o artigo 7.o, n.o 3, e o artigo 9.o, n.o 1, alínea d), da Decisão‑Quadro 2008/909. Com efeito, como resulta claramente dos considerandos 6 e 10 e do artigo 1.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, este baseia‑se também no princípio do reconhecimento mútuo ( 19 ).

    38.

    Em terceiro lugar, resulta do Acórdão Grundza que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909, esta tem por objetivo estabelecer as regras que permitem a um Estado‑Membro, tendo em vista facilitar a reinserção social da pessoa condenada, reconhecer uma sentença e executar a condenação ( 20 ).

    39.

    É certo que, por seu turno, a Decisão‑Quadro 2002/584 não menciona que tem por objetivo facilitar a reinserção social da pessoa condenada. No entanto, esta decisão‑quadro pretende, ao instituir um sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal, facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, fixado à União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros ( 21 ). O objetivo prosseguido por essa Decisão‑Quadro é, nomeadamente, facilitar e acelerar as entregas entre as autoridades judiciárias dos Estados‑Membros e o respeito dos direitos fundamentais da pessoa entregue ( 22 ). De um modo mais geral, o mecanismo do MDE visa, nomeadamente, lutar contra a impunidade de uma pessoa procurada que se encontra num território diferente daquele em que alegadamente cometeu uma infração ( 23 ). Estes objetivos levam, em meu entender, à semelhança da Decisão‑Quadro 2008/909, a adotar uma interpretação restritiva do requisito da dupla incriminação previsto na Decisão‑Quadro 2002/584.

    40.

    Nessas circunstâncias, contrariamente ao que KL sustenta nas suas observações escritas, a interpretação adotada no Acórdão Grundza parece ser transponível para as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584. Por conseguinte, à semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou no referido acórdão ( 24 ), o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, dessa decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que se deve considerar preenchido o requisito da dupla incriminação no caso de os elementos factuais na base da infração, tal como foram plasmados na sentença da autoridade competente do Estado‑Membro de emissão, serem igualmente, enquanto tais, passíveis de sanção penal no território do Estado‑Membro de execução se tivessem ocorrido nesse território.

    41.

    No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a infração qualificada de «devastação e pilhagem» no direito italiano não faz parte da lista das 32 infrações previstas no artigo 2.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584. Nestas circunstâncias, em aplicação do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 4.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, e em conformidade com o direito francês, a entrega de KL pode ficar sujeita à condição de os factos para os quais o MDE foi emitido constituírem uma infração nos termos do direito do Estado‑Membro de execução.

    42.

    A este respeito, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, no direito italiano, a infração qualificada de «devastação e pilhagem» exige que os factos visados sejam suscetíveis de violar a paz pública, ao contrário do direito francês. Esse órgão jurisdicional considera mesmo que se trata de um «elemento essencial» dessa infração. No entanto, há que constatar que o requisito da violação da paz pública faz parte dos elementos constitutivos da referida infração e não dos factos em si, tais como foram cometidos pela pessoa procurada e constam do MDE ( 25 ). Ora, como o Tribunal de Justiça declarou, não se exige uma correspondência exata entre todos os elementos constitutivos da infração, tal como definida respetivamente pela legislação do Estado‑Membro de emissão e do Estado‑Membro de execução, nem na designação nem na qualificação dessa infração segundo os direitos nacionais respetivos ( 26 ).

    43.

    Por outro lado, ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no âmbito da apreciação da dupla incriminação, a autoridade competente do Estado‑Membro de execução deve verificar, no caso de a infração em causa ter tido lugar no território desse Estado‑Membro, se teria considerado que um interesse semelhante, protegido pelo direito nacional desse Estado, tinha sido violado ( 27 ). A infração qualificada de «devastação e pilhagem» é definida em parte pelo fato de o dano ser causado ao património de um ou de mais sujeitos, bem como o dano social que resulta da violação da propriedade privada ( 28 ). Ora, no caso em apreço, como decorre da decisão de reenvio, os factos visados no âmbito desta infração são passíveis de sanções penais em França, para os quais o interesse em jogo é a proteção dos proprietários dos bens em causa. Por conseguinte, o interesse protegido pelo direito do Estado‑Membro de execução é semelhante ao interesse visado no Estado‑Membro de emissão.

    44.

    Por conseguinte, o facto de a violação da paz pública ser um elemento constitutivo essencial da infração qualificada de «devastação e pilhagem» no Estado‑Membro de emissão não se afigura pertinente para o controlo do respeito do requisito da dupla incriminação pela autoridade judiciária de execução.

    45.

    Por conseguinte, proponho que se responda à primeira questão que o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 devem ser interpretados no sentido de que o requisito da dupla incriminação previsto nas referidas disposições está preenchido na situação em que um MDE é emitido por factos que, no Estado‑Membro de emissão, estão abrangidos por uma infração que exige que esses factos sejam suscetíveis de violar a paz pública, quando tais factos sejam igualmente passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução sem que seja exigido esse elemento de violação da paz pública.

    B.   Quanto à segunda e terceira questões prejudiciais

    46.

    Com a segunda e terceira questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, se o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, bem como o artigo 49.o, n.o 3, da Carta, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um MDE emitido para efeitos da execução de uma pena no caso de esta última corresponder à prática, pela pessoa procurada, de vários atos, punidos como uma infração única no Estado‑Membro de emissão, quando alguns desses atos não são passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução.

    1. Quanto à admissibilidade

    47.

    Nas suas observações escritas, o Governo italiano salienta que, segundo a chambre de l’instruction de la cour d’appel d’Angers (Secção de Instrução do Tribunal de Recurso de Angers), o requisito da dupla incriminação não está preenchido no processo principal em dois dos sete factos imputados sob a qualificação de «devastação e pilhagem» visada no artigo 419.o do Código Penal italiano ( 29 ). A referida secção de instrução observou que, relativamente a estes dois factos, KL estava simplesmente nas imediações da instituição de crédito e do veículo em causa, sem participar materialmente nos atos de destruição. O órgão jurisdicional de reenvio deduziu daí que, uma vez que, no direito francês, o crime de destruição, de dano ou de dano de um bem só se verifica se o próprio arguido tiver cometido os atos materiais desse delito, a referida secção de instrução justificou a sua decisão de considerar que, relativamente aos dois factos em causa, não está preenchido o requisito da dupla incriminação.

    48.

    Segundo o Governo italiano, a mesma secção de instrução, na realidade, não coloca uma questão de aplicação do requisito da dupla incriminação, mas um problema de prova, ao considerar que não tinha sido feita prova de que KL tinha cometido alguns dos factos que lhe são imputados. Por conseguinte, a segunda e terceira questões são em parte inadmissíveis na medida em que visam o artigo 49.o da Carta, relativo aos princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, quando deveriam ter incidido sobre o seu artigo 48.o, relativo à presunção de inocência e aos direitos de defesa. Além disso, uma vez que certos factos imputados sob a qualificação de «devastação e pilhagem» no direito italiano não constituem uma infração no direito francês, estaria em jogo o artigo 49.o, n.o 1, da Carta e não o n.o 3 deste artigo, invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua terceira questão.

    49.

    A este respeito, saliento que, na sua decisão, o órgão jurisdicional de reenvio partiu da premissa segundo a qual dois dos sete factos imputados a KL no âmbito da infração qualificada de «devastação e pilhagem» não são passíveis de sanção penal no direito francês. Esta premissa, que resulta de um exame das circunstâncias da prática destes dois factos, não é discutida no âmbito do pedido de decisão prejudicial. Com efeito, com as suas questões, esse órgão jurisdicional não se interroga sobre a prova dos factos em causa, mas sobre as consequências a tirar desta situação sobre a interpretação do requisito da dupla incriminação, na aceção do direito da União, e sobre a execução do MDE em causa.

    50.

    Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao facto de este requisito estar preenchido num processo como o que está em causa no processo principal. Na minha opinião, é claro que as questões submetidas dizem respeito à interpretação do direito da União e que a resposta a estas questões é útil e pertinente para a solução do litígio perante esse órgão jurisdicional. Por conseguinte, considero que a segunda e terceira questões são admissíveis na sua totalidade.

    2. Quanto ao mérito

    51.

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o respeito do requisito da dupla incriminação, à luz do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, bem como do artigo 49.o, n.o 3, da Carta, pressupõe que todos os factos objeto de uma infração única no Estado‑Membro de emissão também sejam suscetíveis de constituir uma infração penal no Estado‑Membro de execução.

    52.

    Os Governos francês e italiano, bem como a Comissão, com ligeiras diferenças, propõem que seja dada resposta negativa a esta questão, ao passo que KL sugere que se responda pela afirmativa.

    53.

    A este respeito, examinarei o alcance do requisito da dupla incriminação quando se trata de uma infração única (a) e depois o respeito do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 49.o, n.o 3, da Carta (b).

    a) Quanto ao alcance do requisito da dupla incriminação tratando‑se de uma infração única

    54.

    Antes de mais, como já foi referido, decorre da redação do artigo 2.o, n.o 4, desta Decisão‑Quadro 2002/584 que não se exige uma correspondência exata entre todos os elementos constitutivos da infração, tal como definida respetivamente pela legislação do Estado‑Membro de emissão e do Estado‑Membro de execução, nem na designação ou na qualificação dessa infração segundo os direitos nacionais respetivos ( 30 ). Por conseguinte, esta disposição não exige que todos os factos constitutivos de uma infração única visados pelo MDE constituam uma infração no Estado‑Membro de execução.

    55.

    Em seguida, no que respeita ao contexto do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, importa recordar que este visa, ao instituir um sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal, facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, fixado à União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros. O princípio do reconhecimento mútuo encontra a sua expressão no artigo 1.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro, que consagra a regra segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a executar qualquer MDE com base nesse princípio e em conformidade com o disposto nessa mesma decisão‑quadro. Daqui decorre que as autoridades judiciárias de execução só podem, em princípio, recusar executar um MDE pelos motivos, exaustivamente enumerados, de não execução previstos na Decisão‑Quadro 2002/584, e que a execução deste apenas pode ser subordinada a um dos requisitos taxativamente previstos no artigo 5.o desta decisão‑quadro. Por conseguinte, enquanto a execução do MDE constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto deinterpretação estrita ( 31 ). Este contexto milita a favor de uma interpretação do requisito da dupla incriminação segundo a qual, para que este esteja preenchido basta que apenas alguns dos factos constitutivos de uma infração única visada pelo MDE sejam passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução.

    56.

    É certo que, no que se refere aos motivos de não execução facultativa enumerados no artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584, como indicado pelo Tribunal de Justiça, decorre da redação deste artigo, em especial da utilização do verbo «poder», conjugado com o infinitivo do verbo «recusar», cujo sujeito é a autoridade judiciária de execução, que esta última deve, ela própria, dispor de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se deve ou não ser recusada a execução do MDE pelos motivos referidos nesse artigo 4.o ( 32 ). Daqui resulta que, quando optem pela transposição de um ou vários dos motivos de não execução facultativa previstos no artigo 4.o desta decisão‑quadro, os Estados‑Membros não podem prever que as autoridades judiciárias devem recusar a execução de qualquer MDE formalmente abrangido pelo âmbito de aplicação dos referidos motivos, sem estas terem a possibilidade de tomar em consideração as circunstâncias próprias de cada caso concreto ( 33 ).

    57.

    No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que uma parte dos factos visados no MDE, no âmbito da infração qualificada de «devastação e pilhagem», estão compreendidos nas acusações de furto qualificado (pelo elemento dano), de destruição ou de dano no Estado‑Membro de execução. Na minha opinião, esta situação não permite à autoridade judiciária de execução, incluindo no âmbito da margem de apreciação que lhe é reconhecida, recusar a execução do MDE pelo motivo previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea 1), da Decisão‑Quadro 2002/584.

    58.

    Por último, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, o objeto do mecanismo do MDE é permitir a detenção e a entrega de uma pessoa procurada, para que, tendo em conta o objetivo prosseguido pela referida decisão‑quadro, a infração cometida não fique impune e essa pessoa seja julgada ou cumpra a pena privativa de liberdade decretada contra ela ( 34 ). Ora, como salientou o Governo francês nas suas observações escritas, a interpretação que conduza à recusa de execução de um MDE pela circunstância de alguns dos factos puníveis no Estado‑Membro de emissão não o serem no Estado‑Membro de execução conduziria à impunidade da pessoa condenada por todos os atos em causa, incluindo os que são puníveis nesses dois Estados.

    59.

    Nestas condições, considero que, no processo principal, o requisito da dupla incriminação está preenchido, uma vez que alguns dos factos visados pelo MDE são passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução. Assim, e em resposta a uma pergunta do órgão jurisdicional de reenvio, não há que fazer nenhuma distinção consoante as instâncias de julgamento do Estado‑Membro de emissão tenham considerado que esses diferentes factos eram ou não divisíveis. Este elemento, que faz parte da qualificação da infração, é de facto irrelevante para a execução do MDE ( 35 ).

    b) Quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 49.o, n.o 3, da Carta

    60.

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o princípio da proporcionalidade, na aceção do artigo 49.o, n.o 3, da Carta, é respeitado quando o MDE foi emitido para a execução de uma pena como sanção de uma infração única caracterizada por vários factos, mas dos quais apenas alguns constituem uma infração no Estado‑Membro de execução. Segundo esse órgão jurisdicional, embora esse mandado pudesse ser proporcionado no momento da sua emissão, poderia já não o ser no momento da sua execução, o que levaria a recusar a entrega da pessoa procurada.

    61.

    A este respeito, parece‑me importante distinguir a proporcionalidade do MDE e a da pena decretada. Por um lado, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no que se refere a uma medida que, como a emissão de um MDE, pode afetar o direito à liberdade da pessoa em causa, essa proteção implica que uma decisão que cumpre as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva seja adotada ( 36 ). Além disso, a proteção dos direitos da pessoa em causa implica que a autoridade judiciária de emissão fiscalize o cumprimento das condições necessárias a esta emissão de um MDE e análise com objetividade, tendo em conta todos os elementos incriminatórios e ilibatórios, e sem correr o risco de estar sujeita a instruções externas, nomeadamente do poder executivo, a questão de saber se a referida emissão reveste caráter proporcionado ( 37 ). Neste sentido, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, cabe ao Estado‑Membro de emissão verificar a proporcionalidade do MDE antes de o emitir, o que é suscetível de reforçar o princípio do reconhecimento mútuo. No caso em apreço, o referido órgão jurisdicional não alega que o MDE em causa tem caráter desproporcionado.

    62.

    Além disso, quando um MDE é emitido com vista à execução de uma pena, a sua proporcionalidade resulta da condenação proferida, a qual, como resulta do artigo 2.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, deve consistir numa pena ou numa medida de segurança de duração não inferior a quatro meses ( 38 ). No processo principal, a pena proferida é superior a esta duração de quatro meses. Nestas condições, considero que o MDE se afigura proporcionado, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, desta decisão‑quadro.

    63.

    Por outro lado, quanto à proporcionalidade da pena decretada, segundo as disposições da referida decisão‑quadro, os Estados‑Membros só podem recusar a execução de um MDE nos casos de não execução obrigatória previstos no artigo 3.o desta, bem como nos casos de não execução facultativa enumerados nos seus artigos 4.o e 4.o‑A. Além disso, a autoridade judiciária de execução apenas pode subordinar a execução de um MDE às condições definidas no artigo 5.o da mesma decisão‑quadro ( 39 ). Ora, há que constatar que o caráter eventualmente desproporcionado da pena não figura entre os motivos de não execução previstos na Decisão‑Quadro 2002/584.

    64.

    No entanto, tal como o artigo 1.o, n.o 3, desta decisão‑quadro estabelece, esta não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça admitiu que só «em circunstâncias excecionais» se pode limitar os princípios do reconhecimento e da confiança mútuos entre Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça reconheceu, sob certas condições, a faculdade de a autoridade judiciária de execução pôr termo ao processo de entrega instituído pela referida decisão quadro, quando essa entrega acarrete o risco de conduzir a um trato desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta, da pessoa procurada ( 40 ). Contudo, no caso em apreço, tais circunstâncias excecionais não parecem estar preenchidas. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio não invoca a violação do direito fundamental a um processo equitativo garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, no que respeita a KL, ou o facto de a sua entrega poder conduzir a um trato desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta. Por outro lado, a mera circunstância de todos os factos objeto de uma infração única no Estado‑Membro de emissão não constituírem uma infração penal no Estado‑Membro de execução não me parece justificar o facto de consagrar uma nova «circunstância excecional» na situação em que os direitos fundamentais da pessoa procurada foram respeitados no Estado‑Membro de emissão.

    65.

    A Comissão alega que, se as informações contida no MDE não permitir concluir que os factos em causa, nos termos da legislação do Estado‑Membro de execução, são os factos essenciais na base desse MDE, a autoridade judiciária de execução deverá recorrer ao procedimento previsto no artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 ( 41 ), a fim de averiguar se existe a possibilidade, no direito do Estado‑Membro de emissão, de dividir a pena a posteriori. Se essa divisão da pena for possível, a autoridade judiciária de emissão deve ponderar responder às preocupações da autoridade judiciária de execução emitindo um novo MDE limitado apenas aos factos que constituem uma infração no direito do Estado‑Membro de execução. Em contrapartida, se essa divisão não for possível no direito do Estado‑Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução deve exercer a sua margem de apreciação tendo em conta, por um lado, o seu direito de não invocar um motivo de não execução devido ao caráter facultativo desse direito e, por outro, o risco de impunidade em caso de não execução do MDE. Assim, esta autoridade deve, a título excecional, ter a possibilidade de recusar a execução do MDE no caso de os factos pelos quais o requisito da dupla incriminação está preenchido à luz do direito do Estado‑Membro de execução serem apenas de uma importância marginal em relação à importância dos factos para os quais este requisito não está preenchido.

    66.

    Esta abordagem não me convence. Com efeito, em primeiro lugar, a Decisão‑Quadro 2002/584 instituiu um sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal ( 42 ). Ora, seguir a interpretação da Comissão complicaria este sistema e atrasaria consideravelmente o processo de entrega da pessoa procurada. Em segundo lugar, esta decisão‑quadro não prevê que o Estado‑Membro de emissão emita um novo MDE, se for possível a divisão da pena, com base no direito do Estado‑Membro de execução, ainda que esse direito possa variar consideravelmente de um Estado‑Membro para outro. Em terceiro lugar, uma vez que ao requisito da dupla incriminação está preenchido para a maioria dos factos em causa ( 43 ) — o que não é contestado no processo principal —, a autoridade judiciária de execução não pode, a meu ver, recusar a execução do MDE, à luz da lógica e da finalidade da referida decisão‑quadro.

    67.

    Por último, KL alega que, tendo em conta a gravidade dos factos em causa, pode‑se razoavelmente considerar que a sua pena teria sido substancialmente inferior se o órgão jurisdicional italiano não tivesse tido em conta os factos que foram posteriormente afastados pela autoridade judiciária de execução. No entanto, numa situação como a do processo principal, em que está preenchido o requisito da dupla incriminação, o controlo do respeito do princípio da proporcionalidade da pena, na aceção do artigo 49.o, n.o 3, da Carta, deve ser feito unicamente pela autoridade judiciária de emissão, à luz do seu direito nacional.

    68.

    Tendo em conta tudo o que precede, sugiro que se responda à segunda e terceira questões que o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, bem como o artigo 49.o, n.o 3, da Carta, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade judiciária de execução não pode recusar a execução de um MDE emitido para efeitos da execução de uma pena numa situação em que esta última corresponde à prática, pela pessoa procurada, de vários factos, punidos como constituindo uma infração única no Estado‑Membro de emissão, quando alguns desses factos não são passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução.

    V. Conclusão

    69.

    Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França):

    1)

    O artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, devem ser interpretados no sentido de que o requisito da dupla incriminação previsto nas referidas disposições está preenchido na situação em que um mandado de detenção europeu é emitido por factos que, no Estado‑Membro de emissão, estão abrangidos por uma infração que exige que esses factos sejam suscetíveis de violar a paz pública, quando tais factos sejam igualmente passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução sem que seja exigido esse elemento de violação da paz pública.

    2)

    O artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, bem como o artigo 49.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade judiciária de execução não pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena numa situação em que esta última corresponde à prática pela pessoa procurada de vários factos, punidos como constituindo uma infração única no Estado‑Membro de emissão, quanto alguns desses factos não são passíveis de sanção penal no Estado‑Membro de execução.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) V. Flore, D., e Bosly, S., Droit Pénal Européen, 2.a ed., Larcier, Bruxelas, 2014, p. 580, n.o 1013. Sobre a evolução do requisito da dupla incriminação, v. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Grundza (C‑289/15, EU:C:2016:622, n.os 31 a 40).

    ( 3 ) Decisão‑Quadro do Conselho de 13 de junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1).

    ( 4 ) Este artigo, com a epígrafe «Devastação e pilhagem», dispõe, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, que «[q]uem praticar, fora dos casos previstos no artigo 285.o, atos de devastação e pilhagem é punido com uma pena de prisão de oito a quinze anos. A pena é agravada se a infração tiver por objeto armas, munições ou géneros alimentícios num local de venda ou armazenamento».

    ( 5 ) Acerca deste acórdão, v. Falkiewicz, A., «The Double Criminality Requirement in the Area of Freedom, Security and Justice — Reflections in Light of the European Court of Justice Judgment of 11 January 2017, C‑289/15, Criminal Proceedings against Jozef Grundza», European Criminal Law Review, 2017, vol. 7, n.o 3, pp. 258 a 274.

    ( 6 ) V., neste sentido, Acórdão Grundza, n.o 28.

    ( 7 ) Nos termos desta disposição, «Em relação às infrações não abrangidas pelo n.o 1, o Estado de execução pode sujeitar o reconhecimento da sentença e a execução da condenação à condição de a mesma se referir a factos que também constituam uma infração nos termos da legislação nacional do Estado de execução, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação.»

    ( 8 ) Esta disposição estabelece que «[a] autoridade competente do Estado de execução pode recusar o reconhecimento da sentença e a execução da condenação se: […] nos casos visados no n.o 3 do artigo 7.o e, se o Estado de execução tiver apresentado uma declaração nos termos do n.o 4 do artigo 7.o, nos casos visados no n.o 1 do artigo 7.o, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da legislação nacional do Estado de execução. […]»

    ( 9 ) Decisão‑Quadro do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia (JO 2008, L 327, p. 27).

    ( 10 ) Acórdão Grundza, n.o 32.

    ( 11 ) Acórdão Grundza, n.o 34.

    ( 12 ) Acórdão Grundza, n.o 35.

    ( 13 ) Acórdão Grundza, n.o 36.

    ( 14 ) Acórdão Grundza, n.o 38.

    ( 15 ) Acórdão Grundza, n.o 39.

    ( 16 ) Acórdão Grundza, n.o 41 e jurisprudência referida.

    ( 17 ) Acórdão Grundza, n.o 46.

    ( 18 ) Acórdão Grundza, n.o 49.

    ( 19 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) (C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 43 e jurisprudência referida).

    ( 20 ) Acórdão Grundza, n.o 50.

    ( 21 ) V. Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito de ser ouvido pela autoridade judiciária de execução) (C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 38 e jurisprudência referida).

    ( 22 ) V. Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito de ser ouvido pela autoridade judiciária de execução)C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 58).

    ( 23 ) V. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 62).

    ( 24 ) V. Acórdão Grundza, n.o 54.

    ( 25 ) Como o advogado‑geral M. Bobek observou nas suas conclusões no processo Grundza (C‑289/15, EU:C:2016:622, n.o 51), a apreciação da dupla incriminação requer essencialmente duas etapas: 1) deslocalização, que consiste em identificar as características básicas do facto praticado no Estado de emissão e em ponderar esse facto como se tivesse ocorrido no Estado de execução; e, 2) subsunção desses factos básicos a uma infração correspondente, tal como definida pela legislação do Estado de execução.

    ( 26 ) V. n.o 32 das presentes conclusões.

    ( 27 ) V., n.o 36 das presentes conclusões.

    ( 28 ) V. n.o 17 das presentes conclusões, que se refere à decisão de reenvio. Nas suas observações escritas, KL defende que o valor social protegido pela infração qualificada de «devastação e pilhagem» não é o respeito dos bens e da propriedade, mas o da ordem e da paz públicas. No entanto, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência [Acórdão de 25 de novembro de 2021, Finanzamt Österreich (Abonos de família para cooperante), C‑372/20, EU:C:2021:962 n.o 54]. Nestas condições, há que ter em conta a decisão de reenvio no que respeita à determinação do interesse protegido no âmbito da infração qualificada de «devastação e pilhagem».

    ( 29 ) Este Governo salienta que o direito italiano permite punir não só o autor material dos factos, mas também qualquer pessoa que participe, de forma voluntária, ativa ou passivamente, na prática da infração.

    ( 30 ) V., neste sentido, Acórdão Grundza, n.o 35.

    ( 31 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) (C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.os 42 a 44 e jurisprudência referida).

    ( 32 ) V. Acórdão de 29 de abril de 2021, X (Mandado de detenção europeu — Ne bis inidem) (C‑665/20 PPU, EU:C:2021:339, n.o 43 e jurisprudência referida).

    ( 33 ) V. Acórdão de 29 de abril de 2021, X (Mandado de detenção europeu — Ne bis inidem) (C‑665/20 PPU, EU:C:2021:339, n.o 44).

    ( 34 ) V. Acórdão de 13 de janeiro de 2021, MM (C‑414/20 PPU, EU:C:2021:4, n.o 76 e jurisprudência referida).

    ( 35 ) Devo precisar que, nas suas observações escritas, o Governo italiano sustentou que, tendo em conta a unidade intrínseca dos vários factos constitutivos do delito qualificado de «devastação e pilhagem», não se afigura possível dividir esses factos.

    ( 36 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de janeiro de 2021, MM (C‑414/20 PPU, EU:C:2021:4, n.o 63 e jurisprudência referida).

    ( 37 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de janeiro de 2021, MM (C‑414/20 PPU, EU:C:2021:4, n.o 64 e jurisprudência referida).

    ( 38 ) V. Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Openbaar Ministerie (Procurador do Rei de Bruxelas) (C‑627/19 PPU, EU:C:2019:1079, n.o 38).

    ( 39 ) V. Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (C‑625/19 PPU, EU:C:2019:1078, n.o 36).

    ( 40 ) V. Acórdão de 19 de setembro de 2018, RO (C‑327/18 PPU, EU:C:2018:733, n.os 39, 40 e jurisprudência referida).

    ( 41 ) Nos termos dessa disposição, «[se] a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, em especial, em conexão com os artigos 3.o a 5.o e o artigo 8.o, podendo fixar um prazo para a sua receção, tendo em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.o».

    ( 42 ) V. n.o 39 das presentes conclusões.

    ( 43 ) Por conseguinte, não me parece necessário examinar, no âmbito das presentes conclusões, o caso referido pela Comissão no qual os factos relativamente aos quais o requisito da dupla incriminação está preenchido são de importância marginal em comparação com aqueles em relação aos quais esse requisito não está preenchido.

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