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Document 62020CJ0589

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 2 de junho de 2022.
    JR contra Austrian Airlines AG.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesgericht Korneuburg.
    Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Convenção de Montreal — Artigo 17.o, n.o 1 — Responsabilidade das transportadoras aéreas em caso de morte ou lesão sofrida por um passageiro — Conceito de “acidente” que causou a morte ou a lesão — Lesão corporal sofrida durante o desembarque — Artigo 20.o — Exoneração da responsabilidade da transportadora aérea — Conceito de “negligência ou outro ato doloso ou omissão do passageiro que causou ou contribuiu para o dano” — Queda de um passageiro que não se apoiou no corrimão de uma escada móvel de desembarque.
    Processo C-589/20.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:424

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    2 de junho de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Convenção de Montreal — Artigo 17.o, n.o 1 — Responsabilidade das transportadoras aéreas em caso de morte ou lesão sofrida por um passageiro — Conceito de “acidente” que causou a morte ou a lesão — Lesão corporal sofrida durante o desembarque — Artigo 20.o — Exoneração da responsabilidade da transportadora aérea — Conceito de “negligência ou outro ato doloso ou omissão do passageiro que causou ou contribuiu para o dano” — Queda de um passageiro que não se apoiou no corrimão de uma escada móvel de desembarque»

    No processo C‑589/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo, Áustria), por Decisão de 15 de setembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de novembro de 2020, no processo

    JR

    contra

    Austrian Airlines AG,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: K. Jürimäe, presidente de Secção, N. Jääskinen, M. Safjan, N. Piçarra (relator) e M. Gavalec, juízes,

    advogado‑geral: N. Emiliou,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de JR, por F. Raffaseder, Rechtsanwalt,

    em representação da Austrian Airlines AG, por C. Krones, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e U. Kühne, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, K. Simonsson e G. Wilms, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de janeiro de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, e do artigo 20.o da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, adotada em Montreal, em 28 de maio de 1999, assinada pela Comunidade Europeia em 9 de dezembro de 1999 e aprovada em seu nome pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001 (JO 2001, L 194, p. 38, a seguir «Convenção de Montreal»), que entrou em vigor, no que respeita à União Europeia, em 28 de junho de 2004.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe JR à Austrian Airlines AG, uma transportadora aérea, a respeito de um pedido de indemnização apresentado por JR devido às lesões corporais causadas pela sua queda durante o desembarque de um voo operado por essa transportadora.

    Quadro jurídico

    Direito internacional

    3

    O terceiro e o quinto parágrafo do preâmbulo da Convenção de Montreal enunciam:

    «[Os Estados Partes reconhecem] a importância de assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição;

    […]

    […] uma ação coletiva dos Estados atinente a uma maior harmonização e codificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional através da celebração de uma nova Convenção constitui o meio mais adequado de alcançar um justo equilíbrio de interesses.»

    4

    O artigo 17.o desta Convenção, sob a epígrafe «Morte e lesão corporal de passageiros — Avaria de bagagens», estipula, no seu n.o 1:

    «A transportadora só é responsável pelo dano causado em caso de morte ou lesão corporal de um passageiro se o acidente que causou a morte ou a lesão tiver ocorrido a bordo da aeronave ou durante uma operação de embarque ou desembarque.»

    5

    Nos termos do artigo 20.o da referida Convenção, sob a epígrafe «Exoneração»:

    «Se se provar que foi negligência ou outro ato doloso ou omissão da pessoa que reclama a indemnização, ou da pessoa de quem emanam os direitos da primeira, que causou ou contribuiu para o dano, a transportadora será total ou parcialmente exonerada da sua responsabilidade perante o requerente na medida em que tal negligência, ato doloso ou omissão causou ou contribuiu para o dano. […]»

    Direito da União

    6

    O considerando 9 do Regulamento (CE) n.o 2027/97 do Conselho, de 9 de outubro de 1997, relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas no transporte de passageiros e respetiva bagagem (JO 1997, L 285, p. 1), como alterado pelo Regulamento (CE) n.o 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de maio de 2002 (JO 2002, L 140, p. 2) (a seguir «Regulamento n.o 2027/97»), tem a seguinte redação:

    «[…] as transportadoras aéreas da [União] podem ficar isentas de responsabilidade em caso de conegligência do passageiro.»

    7

    O artigo 2.o, n.o 2, desse regulamento prevê:

    «Os conceitos constantes do presente regulamento que não se encontrem definidos no n.o 1 terão o significado que lhes é atribuído pela Convenção de Montreal.»

    8

    Os considerandos 10 e 18 do Regulamento n.o 889/2002 enunciam:

    «(10)

    No contexto de um sistema de transportes aéreos seguro e moderno, convém dispor de um regime de responsabilidade ilimitada em caso de morte ou de lesões corporais dos passageiros.

    […]

    (18)

    Na medida em que forem necessárias novas regras para executar a Convenção de Montreal relativamente a questões não abrangidas pelo Regulamento (CE) n.o 2027/97, caberá aos Estados‑Membros fixar essas disposições.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    9

    Em 30 de maio de 2019, JR, acompanhada do seu cônjuge e do filho de dois anos de ambos, viajou de Salónica (Grécia) para Viena‑Schwechat (Áustria) num voo operado pela Austrian Airlines.

    10

    No aeroporto de Viena‑Schwechat, na altura de desembarcar da aeronave, através de uma escada móvel com um corrimão de cada lado, o cônjuge de JR, que a precedeu e segurava em cada mão uma bagagem de mão com rodas, quase caiu no último terço dessa escada. Foi neste mesmo local que JR, que segurava a sua mala na mão direita e pegava no seu filho com o braço esquerdo, caiu. Esta queda provocou, nomeadamente, uma fratura do antebraço esquerdo de JR.

    11

    JR intentou no Bezirksgericht Schwechat (Tribunal de Primeira Instância de Schwechat, Áustria) uma ação de indemnização contra a Austrian Airlines no montante de 4675 euros, acrescido de despesas e juros. Alegou que a referida escada não cumpria a obrigação contratual da Austrian Airlines de assegurar a proteção e a segurança dos seus passageiros, uma vez que caiu apesar de ter tido especial cuidado ao descer a escada em causa, após ter visto o seu cônjuge quase cair. No entanto, caiu pelo facto de essa escada, que não era coberta, se ter tornado demasiado escorregadia devido a um tempo húmido com chuva fraca. JR acrescentou que o degrau em que escorregou estava oleoso e sujo.

    12

    Por seu turno, a Austrian Airlines alegou que a superfície dos degraus da escada em causa estava perfurada e estriada, o que permitia um escoamento rápido da água, pelo que essa escada não podia estar escorregadia. Por conseguinte, não violou as suas obrigações contratuais de proteção e diligência, não atuou com culpa nem violou a lei. A queda de JR ficou a dever‑se ao seu próprio comportamento, uma vez que não utilizou nenhum dos corrimãos da referida escada, mesmo após ter observado que o seu cônjuge quase caíra. Por outro lado, apesar do conselho de um médico, JR, em violação da sua obrigação de limitar o dano, recusou receber imediatamente cuidados médicos num hospital próximo do aeroporto e só foi tratada no final da noite de 30 de maio de 2019, o que pode ter agravado as suas lesões.

    13

    Por Sentença de 15 de março de 2020, o Bezirksgericht Schwechat (Tribunal de Primeira Instância de Schwechat) declarou que uma parte dos passageiros da aeronave em causa tinha, antes de JR, utilizado a mesma escada móvel que esta última e que nenhum deles se tinha queixado de um local escorregadio dessa escada nem tinha caído. Esse órgão jurisdicional salientou, em especial, que a referida escada era em metal e não tinha cobertura, uma vez que o aeroporto de Viena‑Schwechat não dispõe de escadas cobertas, que os seus degraus eram suficientemente largos para que duas pessoas pudessem desembarcar lado a lado, que a superfície desses degraus, em metal estriado, os tornava particularmente antiderrapantes e que esse equipamento estava certificado e inspecionado pelo Technischer Überwachungsverein (Centro de Inspeção Técnica, Áustria). O referido órgão jurisdicional constatou que a escada em causa não apresentava nenhuma deficiência ou dano e que, embora os referidos degraus estivessem húmidos, não estavam escorregadios, oleosos, gordurosos nem, de modo geral, sujos, uma vez que apenas os últimos três degraus apresentavam alguma sujidade de consistência desconhecida, em forma de pontos. Daí concluiu que não era possível determinar as razões pelas quais JR tinha caído.

    14

    Com base no § 1295.o, n.o 1, do Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Geral), o mesmo órgão jurisdicional julgou improcedente a ação intentada por JR, declarando, em substância, que a Austrian Airlines não tinha violado o seu dever acessório de garantir a segurança dos passageiros e que JR não tinha tomado nenhuma medida de precaução para evitar a sua queda.

    15

    O Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo, Áustria), no qual JR interpôs recurso dessa sentença, tem dúvidas quanto à questão de saber, por um lado, se a queda de JR é abrangida pelo conceito de «acidente» na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Niki Luftfahrt (C‑532/18, EU:C:2019:1127). Segundo esse órgão jurisdicional, decorre desse acórdão que esse conceito abrange todas as situações ocorridas a bordo de uma aeronave, ou durante todas as operações de embarque ou de desembarque, em que um objeto utilizado para o serviço prestado aos passageiros causou uma lesão corporal a um passageiro, sem que seja necessário determinar se essas situações resultam de um risco inerente ao transporte aéreo. Ora, a situação em causa no processo principal distingue‑se da que estava em causa no processo que deu origem ao referido acórdão, uma vez que a queda de JR não foi causada por tal objeto.

    16

    Por outro lado, o referido órgão jurisdicional considera que JR contribuiu, pelo menos, para a sua queda, uma vez que não se apoiou num dos corrimãos da escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros, e isto após ter observado que o seu cônjuge quase caíra mesmo antes dela. Assim, o mesmo órgão jurisdicional pergunta‑se se, por força do artigo 20.o da Convenção de Montreal, essa culpa concorrente «faz passar […] para segundo plano, ou até excluir», a responsabilidade da Austrian Airlines, ao abrigo do artigo 17.o, n.o 1, dessa Convenção.

    17

    Nestas condições, o Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 17.o, n.o 1, da Convenção [de Montreal] ser interpretado no sentido de que o conceito de “acidente” na aceção desta disposição abrange uma situação em que um passageiro, ao desembarcar do avião, no último terço da escada móvel de [e]mbarque — sem razão determinável — cai e se lesiona, quando a lesão não tenha sido causada por um objeto utilizado para o serviço prestado aos passageiros na aceção do [Acórdão de 19 de dezembro de 2019 (C 532/18, EU:C:2019:1127)], e a escada não apresentava nenhuma deficiência nem estava escorregadia?

    2)

    Deve o artigo 20.o da Convenção [de Montreal] ser interpretado no sentido de que a transportadora é totalmente exonerada da sua eventual responsabilidade se se verificarem circunstâncias como as descritas na primeira questão e o passageiro, no momento da queda, não se tiver apoiado no corrimão da escada?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    18

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que uma situação em que, por uma razão indeterminada, um passageiro cai numa escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros de uma aeronave e se lesiona é abrangida pelo conceito de «acidente» na aceção desta disposição, incluindo quando a transportadora aérea em causa não violou os seus deveres de diligência e de segurança a esse respeito.

    19

    Nos termos da referida disposição, a transportadora aérea só é responsável pelo dano causado em caso de morte ou lesão corporal de um passageiro se o acidente que causou a morte ou a lesão tiver ocorrido a bordo da aeronave ou durante uma operação de embarque ou desembarque.

    20

    O Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de «acidente», no seu sentido comum e no contexto em que este conceito se insere, é entendido como um acontecimento involuntário, danoso e imprevisto e que o referido conceito não exige que o dano resulte da materialização de um risco inerente ao transporte aéreo ou que exista uma ligação entre o «acidente» e a operação ou a deslocação da aeronave (v., nesse sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Niki Luftfahrt, C‑532/18, EU:C:2019:1127, n.os 34, 35 e 41).

    21

    Esta interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal é conforme com os objetivos da mesma, que consistem, como decorre do terceiro e quinto parágrafos do preâmbulo desta Convenção, em «assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição», através de um regime de responsabilidade objetiva das transportadoras aéreas, preservando simultaneamente um «justo equilíbrio de interesses» das transportadoras aéreas e dos passageiros (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Niki Luftfahrt, C‑532/18, EU:C:2019:1127, n.o 36).

    22

    Assim, quando, por uma razão indeterminada, um passageiro cai numa escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros de uma aeronave e se lesiona, essa queda é abrangida pelo conceito de «acidente» na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal. A circunstância de a transportadora aérea em causa não ter violado os seus deveres de diligência e de segurança a este respeito não é suscetível de pôr em causa esta qualificação.

    23

    Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 40 das suas conclusões, é suficiente, para desencadear a responsabilidade dessa transportadora ao abrigo desta disposição, que o acidente que causou a morte ou a lesão corporal de um passageiro tenha ocorrido a bordo da aeronave ou durante todas as operações de embarque ou de desembarque. Esta responsabilidade não pode, assim, depender de culpa ou negligência por parte da referida transportadora.

    24

    Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o, n.o 1, da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que uma situação em que, por uma razão indeterminada, um passageiro cai numa escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros de uma aeronave e se lesiona é abrangida pelo conceito de «acidente» na aceção desta disposição, incluindo quando a transportadora aérea em causa não tenha violado os seus deveres de diligência e de segurança a esse respeito.

    Quanto à segunda questão

    25

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que, quando um acidente que causou um dano a um passageiro consiste numa queda deste, por uma razão indeterminada, numa escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros de uma aeronave, a circunstância de esse passageiro não se ter apoiado no corrimão da escada no momento da sua queda pode constituir prova de negligência, outro ato doloso ou omissão por parte do referido passageiro que causou ou contribuiu para o dano sofrido por este na aceção dessa disposição, e, nessa medida, exonerar a transportadora aérea em causa da responsabilidade perante o mesmo passageiro.

    26

    Nos termos do artigo 20.o, primeiro período, da Convenção de Montreal, se se provar que foi negligência ou outro ato doloso ou omissão da pessoa que reclama a indemnização ou da pessoa de quem emanam os direitos da primeira, que causou ou contribuiu para o dano, a transportadora será total ou parcialmente exonerada da sua responsabilidade perante o requerente na medida em que tal negligência, ato doloso ou omissão causou ou contribuiu para o dano.

    27

    O princípio segundo o qual as transportadoras aéreas da União podem ficar isentas de responsabilidade em caso de conegligência do passageiro em causa é igualmente enunciado no considerando 9 do Regulamento n.o 2027/97.

    28

    Como o Tribunal de Justiça já declarou, a possibilidade, prevista no artigo 20.o da Convenção de Montreal, de exonerar a transportadora aérea da sua responsabilidade ou de limitar a obrigação de restituição que lhe incumbe para com esse passageiro que sofreu um dano resultante de um «acidente» na aceção do artigo 17.o, n.o 1, desta Convenção, visa preservar o «justo equilíbrio de interesses» das transportadoras aéreas e dos passageiros, evocado no n.o 21 do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Niki Luftfahrt, C‑532/18, EU:C:2019:1127, n.o 39).

    29

    Uma vez que a Convenção de Montreal e o Regulamento n.o 2027/97 não preveem disposições específicas no que respeita à prova, que incumbe à transportadora aérea, de negligência, de outro ato doloso ou de omissão da pessoa que reclama a indemnização ou da pessoa de quem emanam os direitos da primeira, para efeitos da aplicação do artigo 20.o, primeiro período, desta Convenção, o órgão jurisdicional de reenvio deve, em conformidade com o princípio da autonomia processual, para o qual remete, nomeadamente, o considerando 18 do Regulamento n.o 889/2002, aplicar as regras pertinentes do direito nacional, desde que, no entanto, essas regras respeitem os princípios da equivalência e da efetividade, como definidos na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2020, Vueling Airlines, C‑86/19, EU:C:2020:538, n.os 38 a 40 e jurisprudência referida).

    30

    Neste âmbito, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a transportadora aérea em causa apresentou prova de negligência, ato doloso ou omissão por parte do passageiro em causa e, se for caso disso, apreciar em que medida essa negligência, esse ato ou essa omissão causou ou contribuiu para o dano sofrido por esse passageiro para, nessa medida, exonerar essa transportadora da sua responsabilidade perante o referido passageiro, tendo em conta todas as circunstâncias em que ocorreu esse dano.

    31

    Em especial, é certo que a circunstância, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o passageiro em causa não se ter apoiado num dos corrimãos da escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros é suscetível de causar ou de contribuir para as lesões corporais sofridas por esse passageiro. No entanto, no âmbito desta apreciação, o juiz nacional não poderá ignorar o facto de que um passageiro que viaje com um filho menor deve igualmente garantir a segurança deste, o que pode levar esse passageiro a não se apoiar nesse tal corrimão, ou a deixar de o fazer, a fim de tomar as medidas necessárias para evitar que a segurança desse filho seja prejudicada.

    32

    No que respeita à apreciação, enquanto prova de negligência, de outro ato doloso ou de omissão do passageiro em causa, para efeitos da aplicação do artigo 20.o, primeiro período, da Convenção de Montreal, da circunstância, igualmente evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de esse passageiro ter observado que, mesmo antes de si, o seu cônjuge quase caiu na escada móvel em causa, não deve ser ignorado que o referido passageiro afirma que a observação dessa iminência de queda a levou a ser especialmente cuidadosa ao descer essa escada. Todavia, é a esse órgão jurisdicional que cabe verificar a importância dessa afirmação à luz das regras de direito nacional aplicáveis, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 29 do presente acórdão.

    33

    Do mesmo modo, não se pode excluir que a circunstância de o passageiro ferido ter renunciado a receber cuidados médicos imediatamente após o acidente ter sucedido tenha contribuído para o agravamento das lesões corporais sofridas pelo mesmo. No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 76 das suas conclusões, há que ter igualmente em conta, neste contexto, o grau de gravidade que essas lesões pareciam ter imediatamente após a ocorrência desse acidente, bem como as informações dadas a esse passageiro no local pelo corpo médico quanto ao facto de diferir a administração de cuidados médicos e à possibilidade de receber esses cuidados nas proximidades.

    34

    Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à segunda questão que o artigo 20.o, primeiro período, da Convenção de Montreal deve ser interpretado no sentido de que, quando um acidente, que causou um dano a um passageiro, consiste numa queda deste, por uma razão indeterminada, numa escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros de uma aeronave, a transportadora aérea em causa só pode ser exonerada da sua responsabilidade perante esse passageiro na medida em que, tendo em conta todas as circunstâncias em que esse dano ocorreu, essa transportadora prove, em conformidade com as regras de direito nacional aplicáveis e sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, que uma negligência, outro ato doloso ou uma omissão do referido passageiro causou ou contribuiu para o dano sofrido pelo mesmo na aceção dessa disposição.

    Quanto às despesas

    35

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 17.o, n.o 1, da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, adotada em Montreal, em 28 de maio de 1999, assinada pela Comunidade Europeia, em 9 de dezembro de 1999, e aprovada em seu nome pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de abril de 2001, deve ser interpretado no sentido de que uma situação em que, por uma razão indeterminada, um passageiro cai numa escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros de uma aeronave e se lesiona é abrangida pelo conceito de «acidente» na aceção desta disposição, incluindo quando a transportadora aérea em causa não tenha violado os seus deveres de diligência e de segurança a esse respeito.

     

    2)

    O artigo 20.o, primeiro período, da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, adotada em Montreal, em 28 de maio de 1999, deve ser interpretado no sentido de que, quando um acidente que causou um dano a um passageiro consiste numa queda deste, por uma razão indeterminada, numa escada móvel disponibilizada para o desembarque de passageiros de uma aeronave, a transportadora aérea em causa só pode ser exonerada da sua responsabilidade perante esse passageiro na medida em que, tendo em conta todas as circunstâncias em que esse dano ocorreu, essa transportadora prove, em conformidade com as regras de direito nacional aplicáveis e sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, que uma negligência, outro ato doloso ou uma omissão do referido passageiro causou ou contribuiu para o dano sofrido pelo mesmo na aceção dessa disposição.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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