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Document 62019CJ0578

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 18 de março de 2021.
X contra Kuoni Travel Ltd.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom.
Reenvio prejudicial — Diretiva 90/314/CEE — Artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão — Viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados — Contrato relativo a uma viagem organizada, celebrado entre um operador turístico e um consumidor — Responsabilidade do operador turístico pela correta execução das obrigações resultantes do contrato por outros prestadores de serviços — Danos resultantes de atos de um empregado de um prestador de serviços — Exoneração de responsabilidade — Acontecimento que não podia ser previsto ou evitado pelo operador turístico ou pelo prestador de serviços — Conceito de “prestador de serviços”.
Processo C-578/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:213

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

18 de março de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 90/314/CEE — Artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão — Viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados — Contrato relativo a uma viagem organizada, celebrado entre um operador turístico e um consumidor — Responsabilidade do operador turístico pela correta execução das obrigações resultantes do contrato por outros prestadores de serviços — Danos resultantes de atos de um empregado de um prestador de serviços — Exoneração de responsabilidade — Acontecimento que não podia ser previsto ou evitado pelo operador turístico ou pelo prestador de serviços — Conceito de “prestador de serviços”»

No processo C‑578/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido), por Decisão de 24 de julho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de julho de 2019, no processo

X

contra

Kuoni Travel Ltd,

sendo interveniente:

ABTA Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, N. Wahl, F. Biltgen, L. S. Rossi e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de X, por R. Weir e K. Deal, QC, e por P. Banks, solicitor,

em representação da Kuoni Travel Ltd, por W. Audland, QC, N. Ross e A. Burin, barristers, e por G. Tweddle, solicitor,

em representação da ABTA Ltd, por H. Stevens, QC, J. Hawkins, barrister, e T. Smith, solicitor,

em representação da Comissão Europeia, por A. Lewis e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de novembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO 1990, L 158, p. 59).

2

Este pedido foi apresentado no contexto de um litígio que opõe X, uma consumidora residente no Reino Unido, à Kuoni Travel Ltd (a seguir «Kuoni»), um operador turístico estabelecido no Reino Unido, a respeito do pedido de indemnização apresentado por X na sequência da incorreta execução do contrato de viagem organizada que celebrou com a Kuoni (a seguir «contrato em causa»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

A Diretiva 90/314 enuncia nos seus considerandos primeiro a terceiro e décimo:

«Considerando que um dos principais objetivos da [União Europeia] é a concretização do mercado interno de que o setor do turismo é um elemento essencial;

Considerando que as legislações dos Estados‑Membros relativas às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados […], revelam grandes disparidades e que as práticas nacionais nesse domínio divergem consideravelmente, resultando desse facto obstáculos à livre prestação de serviços no que respeita às viagens organizadas e distorções de concorrência entre os operadores estabelecidos nos diferentes Estados‑Membros;

Considerando que o estabelecimento de regras comuns relativas às viagens organizadas contribuirá para a eliminação desses obstáculos assim como para a realização de um mercado comum dos serviços, permitindo assim que os operadores económicos estabelecidos num Estado‑Membro prestem os seus serviços noutros Estados‑Membros e que os consumidores da [União] beneficiem de condições comparáveis independentemente do Estado‑Membro em que adquirem a viagem organizada;

[…]

Considerando que o consumidor deve beneficiar da proteção prevista na presente diretiva independentemente do facto de ser parte no contrato, cessionário ou membro de um grupo por conta do qual outra pessoa tenha celebrado um contrato de viagem organizada.»

4

O artigo 1.o dessa diretiva prevê:

«A presente diretiva tem por objeto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às viagens organizadas, às férias organizadas e aos circuitos organizados, vendidos ou propostos para venda no território da [União].»

5

O artigo 2.o da referida diretiva dispõe:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

Viagem organizada: a combinação prévia de pelo menos dois dos elementos seguintes, quando seja vendida ou proposta para venda a um preço com tudo incluído e quando essa prestação exceda vinte e quatro horas ou inclua uma dormida:

a)

Transporte;

b)

Alojamento;

c)

Outros serviços turísticos não subsidiários do transporte ou do alojamento que representem uma parte significativa da viagem organizada.

A faturação separada de diversos elementos de uma mesma viagem organizada não subtrai o operador ou a agência às obrigações resultantes da presente diretiva.

2)

Operador: a pessoa que organiza viagens organizadas de forma não ocasional e as vende ou propõe para venda, diretamente ou por intermédio de uma agência;

3)

Agência: a entidade que vende ou propõe para venda a viagem organizada elaborada pelo operador.

4)

Consumidor: a pessoa que adquire ou se compromete a adquirir a viagem organizada […] ou qualquer pessoa em nome da qual o contratante principal se compromete a adquirir a viagem organizada […] ou qualquer pessoa a quem o contratante principal ou um dos outros beneficiários cede a viagem organizada […]

5)

Contrato: o acordo que liga o consumidor ao operador e/ou à agência.»

6

O artigo 4.o, n.o 6, segundo parágrafo, da Diretiva 90/314 prevê:

«Se [o consumidor rescindir o contrato nos termos do n.o 5 ou se, por qualquer razão que não seja imputável ao consumidor, o operador anular a viagem organizada antes da data de partida acordada], o consumidor terá direito, sempre que tal se justifique, a uma indemnização pela não execução do contrato, que lhe será paga quer pelo operador quer pela agência, conforme o previsto na legislação do Estado‑Membro em causa, exceto quando:

[…]

ii)

A anulação, com exclusão do excesso de reservas, seja devida a razões de força maior, a saber, a circunstâncias alheias àquele que as invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todas as diligências feitas.»

7

O artigo 5.o, n.os 1 a 3, da diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que o operador e/ou a agência que sejam partes no contrato sejam responsáveis perante o consumidor pela correta execução das obrigações resultantes do contrato, quer essas obrigações devam ser executadas por eles próprios ou por outros prestadores de serviços, e isso sem prejuízo do direito de regresso do operador e/ou da agência contra esses outros prestadores de serviços.

2.   No que se refere aos danos que a não execução ou a incorreta execução do contrato causem ao consumidor, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que o operador e/ou a agência sejam responsabilizados, a não ser que a culpa da referida não execução ou incorreta execução não seja imputável nem ao operador e/ou à agência nem a outro prestador de serviços porque:

as faltas verificadas na execução do contrato são imputáveis aos consumidores,

essas faltas são imputáveis a um terceiro alheio ao fornecimento das prestações previstas no contrato e se revestem de um caráter imprevisível e inevitável,

essas faltas são devidas a um caso de força maior, na aceção do n.o 6, alínea ii) do segundo parágrafo, do artigo 4.o, ou a um acontecimento que nem o operador e/ou a agência nem o prestador podiam prever ou evitar, mesmo efetuando todas as diligências necessárias.

[…]

3.   Sem prejuízo do quarto parágrafo do n.o 2, os n.os 1 e 2 não podem ser derrogados por quaisquer cláusulas contratuais.

[…]»

Direito do Reino Unido

Regulamento de 1992

8

As Package Travel, Package Holidays and Package Tours Regulations 1992 (Regulamento de 1992 Relativo às Viagens Organizadas, Férias Organizadas e Circuitos Organizados, a seguir «Regulamento de 1992»), de 22 de dezembro de 1992, transpôs a Diretiva 90/314 para o Reino Unido.

9

A regra 15, n.os 1, 2 e 5, do Regulamento de 1992 prevê:

«1.   A outra parte no contrato é responsável perante o consumidor pela correta execução das obrigações resultantes do contrato, independentemente de essas obrigações deverem ser executadas por essa outra parte ou por outros prestadores de serviços, sem prejuízo de qualquer medida de reparação ou direito de ação que essa outra parte disponha contra esses outros prestadores de serviços.

2.   A outra parte no contrato é responsável perante o consumidor por qualquer dano que lhe tenha causado devido à não execução ou à incorreta execução do contrato, a não ser que a não execução ou a incorreta execução não seja imputável nem a essa outra parte nem a outro prestador de serviços, porque:

a)

as falhas verificadas na execução do contrato são imputáveis ao consumidor;

b)

essas falhas são imputáveis a um terceiro alheio ao fornecimento das prestações previstas no contrato e revestem caráter imprevisível e inevitável; ou

c)

as referidas falhas se devem a:

i)

circunstâncias invulgares e imprevisíveis que fogem ao controlo da parte que as invoca e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo efetuando todas as diligências necessárias; ou

ii)

um acontecimento que nem a outra parte no contrato nem o prestador de serviços podiam prever ou evitar, mesmo efetuando todas as diligências necessárias.

[…]

5.   Sem prejuízo do n.os 3 e 4, a responsabilidade nos termos dos n.os 1 e 2 não pode ser excluída por qualquer cláusula contratual.»

Lei de 1982

10

Nos termos da section 13 do Supply of Goods and Services Act 1982 (Lei de 1982 Relativa ao Fornecimento de Bens e à Prestação de Serviços), de 13 de julho de 1982, na versão aplicável aos factos em causa no processo principal, a Kuoni era obrigada a prestar os serviços definidos no contrato com diligência e competência razoáveis.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

X e o marido celebraram com a Kuoni um contrato nos termos do qual esta sociedade se comprometeu a fornecer‑lhes uma viagem organizada ao Seri Lanca, que incluía o voo de ida e volta a partir do Reino Unido e uma estada de 15 noites num hotel, de 8 a 23 de julho de 2010, com tudo incluído.

12

A cláusula 2.2. desse contrato dispõe:

«O seu contrato é celebrado com a [Kuoni]. Comprometemo‑nos a providenciar os vários serviços que fazem parte das férias organizadas que reserva connosco.»

13

A cláusula 5.10, alínea b), do referido contrato prevê, por um lado, que a Kuoni assume a sua responsabilidade se, «devido a uma razão imputável a [esta] sociedade ou um dos [seus] agentes ou fornecedores, qualquer parte [das] prestações de viagem reservadas antes da sua partida do Reino Unido não corresponder à descrição na brochura ou não tiver uma qualidade razoável, ou se [a parte contratante] ou qualquer membro do [seu] grupo morrer ou sofrer lesões em resultado de uma atividade que faça parte dessas prestações de viagem», e, por outro lado, que a Kuoni não assume «qualquer responsabilidade se, e na medida em que, uma falha no fornecimento [das] prestações de viagem, a morte ou lesão não seja causada por culpa [da sociedade] ou [dos nossos] agentes ou fornecedores, mas seja causada pela [parte contratante] […] ou seja devida a circunstâncias imprevistas que, mesmo efetuando todas as diligências necessárias, [a sociedade] ou os [seus] agentes ou fornecedores não poderiam ter previsto ou evitado».

14

Em 17 de julho de 2010, ao dirigir‑se à receção do hotel onde estava instalada, X encontrou N, um eletricista, empregado desse hotel, que se encontrava ao serviço e usava o uniforme dos membros do pessoal do referido hotel. Após ter proposto a X mostrar‑lhe um atalho para a receção, N atraiu‑a até uma casa de máquinas onde a violou e agrediu.

15

No litígio no processo principal, X reclamou uma indemnização à Kuoni pela violação e pelas agressões sofridas, com o fundamento de que correspondiam a uma incorreta execução do contrato em causa e a uma inobservância do Regulamento de 1992. A Kuoni contestou que a violação e as agressões cometidas por N pudessem constituir um incumprimento das obrigações que essa sociedade tinha para com X por força desse contrato ou do Regulamento de 1992. Em apoio desse argumento, a Kuoni invocou a cláusula 5.10, alínea b), do referido contrato e a regra 15, n.o 2, alínea c), ii), do Regulamento de 1992.

16

A High Court of Justice (England Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido] negou provimento ao pedido de indemnização de X com o fundamento de que as «prestações de viagem» a que se refere a cláusula 5.10, alínea b), do contrato em causa não previam que um membro do pessoal de manutenção acompanhasse um cliente à receção. Além disso, esse órgão jurisdicional entendeu, obiter dictum, que, de qualquer modo, a Kuoni podia ter invocado a causa de exoneração de responsabilidade prevista na regra 15, n.o 2, alínea c), ii), do Regulamento de 1992.

17

Em sede de recurso, a Court of Appeal (England & Wales) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido] também negou provimento ao recurso de X. Esse órgão jurisdicional considerou que um membro do pessoal da manutenção do hotel, reconhecido como tal pelo cliente e que o acompanhou à receção do hotel, não se incluía no âmbito de aplicação da cláusula 5.10, alínea b), do contrato. Entendeu também que o Regulamento de 1992 não se destinava a facultar uma ação judicial contra um operador turístico pelo comportamento ilícito de um empregado de um prestador, uma vez que esse comportamento «não fazia parte das tarefas para as quais [estava] contratado» e que esse prestador não era responsável por atos de terceiros à luz da legislação nacional aplicável aos consumidores ou da legislação estrangeira aplicável ao referido prestador. Por último, considerou, obiter dictum, que a Kuoni não era responsável nem nos termos da cláusula 5.10, alínea b), do referido contrato nem em aplicação da regra 15 do Regulamento de 1992, pois N não era um «prestador», na aceção destas disposições.

18

No entanto, num voto de vencido, um juiz da Court of Appeal (England Wales) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales)] manifestou dúvidas quanto à apreciação segundo a qual, nos termos do direito inglês, não existia responsabilidade do hotel por uma violação cometida por um empregado que usava o seu uniforme e que se apresentava ao público como um empregado fiável. Considerou que, para o direito inglês, a pessoa que assume a responsabilidade contratual conserva a sua responsabilidade pela execução do contrato, ainda que este seja executado por um terceiro. Considerou que tanto a Diretiva 90/314 como o Regulamento de 1992 tinham essencialmente por objetivo conferir aos turistas cujas férias tivessem ficado estragadas a possibilidade de agirem contra a outra parte no contrato. Segundo ele, devia ser deixada ao operador turístico a tarefa de resolver as consequências da viagem estragada com os seus próprios cocontratantes, cabendo a estes últimos, por sua vez, resolver os problemas a jusante com os seus próprios empregados ou subcontratantes. Além disso, o referido juiz sustentou que nada justificava a conclusão de que, no caso de um subcontratante ou de um empregado, o conceito de «prestador» se deveria limitar ao hotel em causa. Acrescentou não ter dúvidas de que alguns empregados deviam ser considerados prestadores.

19

No recurso que lhe foi submetido, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) entendeu que lhe haviam sido submetidas duas questões principais que consistem, a primeira, em saber se a violação e as agressões de que X foi alvo constituem uma incorreta execução das obrigações que incumbiam à Kuoni por força do contrato em causa, e, a segunda, em saber se, em caso de resposta afirmativa à primeira, a Kuoni se pode eximir da sua responsabilidade pela conduta de N invocando a cláusula 5.10, alínea b), do contrato e, eventualmente, a regra 15, n.o 2, alínea c), do Regulamento de 1992.

20

A fim de se pronunciar sobre esta segunda questão, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) entendeu que era conveniente submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

21

Para efeitos do reenvio prejudicial, esse órgão jurisdicional precisou que se devia considerar que o acompanhamento de X à receção por um membro do pessoal do hotel constituía um serviço que fazia parte das «prestações de viagem» que a Kuoni se tinha comprometido a fornecer e que a violação e as agressões cometidas constituíam uma incorreta execução do contrato em causa.

22

Nestas circunstâncias, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Em caso de não execução ou de incorreta execução das obrigações resultantes [de um] contrato, entre um operador ou uma agência e um consumidor, relativo à prestação de um serviço de férias organizadas, ao qual é aplicável a Diretiva [90/314], e de essa não execução ou incorreta execução resultar dos atos de um empregado de uma empresa hoteleira que [é considerada um prestador de] serviços abrangidos por esse contrato:

a)

É possível aplicar a exceção prevista na segunda parte do terceiro travessão do n.o 2 do artigo 5.o [da Diretiva 90/314]? Em caso afirmativo,

b)

Quais são os critérios à luz dos quais o órgão jurisdicional nacional deve apreciar se essa exceção é aplicável?

2)

Quando um operador ou uma agência celebra com um consumidor um contrato [relativo a] férias organizadas, ao qual é aplicável a Diretiva [90/314], e uma empresa hoteleira presta serviços abrangidos por esse contrato, deve um empregado dessa empresa hoteleira ser ele próprio considerado um “prestador de serviços” para efeitos da exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva [90/314]?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

23

Na sequência da apresentação das Conclusões do advogado‑geral, a Kuoni pediu, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de dezembro de 2020, a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

24

A Kuoni precisa nesse requerimento que essa reabertura deve ser ordenada na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que o presente processo deve ser decidido com base numa interpretação do termo «acontecimento» tal como é feita pelo advogado‑geral nos n.os 78 a 84 das suas conclusões.

25

Nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido.

26

Cumpre, todavia, recordar que, nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação que conduz a essas conclusões (Acórdão de 3 de setembro de 2020, República Checa/Comissão, C‑742/18 P, EU:C:2020:628, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

27

Por outro lado, o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. A discordância com as conclusões do advogado‑geral não pode, por conseguinte, justificar a reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 3 de setembro de 2020, República Checa/Comissão, C‑742/18 P, EU:C:2020:628, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

28

No caso em apreço, as partes no litígio no processo principal e os outros interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia tiveram a possibilidade de apresentar as suas observações sobre o alcance do termo «acontecimento» que figura no artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314.

29

Com efeito, no âmbito da primeira questão submetida, que tem por objeto a interpretação dessa disposição e, portanto, a interpretação de cada um dos seus termos, as partes puderam apresentar observações escritas ao Tribunal de Justiça e a Kuoni e outras partes fizeram‑no. Aliás, algumas partes tomaram especificamente posição sobre o termo «acontecimento» nas suas observações escritas. Além disso, em resposta à sétima questão escrita colocada pelo Tribunal de Justiça às partes, estas tiveram novamente a possibilidade de se pronunciar sobre o alcance da referida disposição.

30

Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que todos os elementos pertinentes para efeitos da apreciação das questões que lhe foram submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio puderam ser debatidos perante o Tribunal e, portanto, que não deve ser ordenada a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

31

Com as suas duas questões, que convém examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, na medida em que prevê uma causa de exoneração da responsabilidade do operador de uma viagem organizada pela correta execução das obrigações resultantes de um contrato relativo a essa viagem, celebrado entre esse operador e um consumidor e regulado pela Diretiva 90/314, o artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que, em caso de não execução ou de incorreta execução dessas obrigações, devida a atos de um empregado de um prestador de serviços que executa o referido contrato, esse empregado deve ser considerado prestador de serviços para efeitos de aplicação dessa disposição, e de que o operador se pode eximir da sua responsabilidade resultante dessa não execução ou dessa incorreta execução, em aplicação da referida disposição.

32

Quanto à primeira parte das interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, importa salientar que, nos termos do artigo 1.o da Diretiva 90/314, esta tem por objeto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às viagens organizadas, às férias organizadas e aos circuitos organizados vendidos ou propostos para venda no território da União.

33

Como resulta do artigo 2.o da Diretiva 90/314, os contratos visados por esta diretiva são contratos celebrados entre um consumidor, por um lado, e um operador ou uma agência, por outro, que têm por objeto uma viagem organizada que consiste na venda ou na proposta para venda, a um preço com tudo incluído, de uma prestação que exceda 24 horas ou inclua uma dormida, que combine pelo menos dois dos três elementos que constituem o transporte, o alojamento e outros serviços turísticos não acessórios do transporte ou do (MP disse) alojamento que representem uma parte significativa da viagem organizada (a seguir «contratos de viagens organizadas»).

34

A fim de realizar a aproximação enunciada no seu artigo 1.o, a Diretiva 90/314 institui, nomeadamente, um regime de responsabilidade contratual dos operadores turísticos perante os consumidores que com eles celebraram um contrato relativo a essas viagens. Em especial, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 90/314 prevê que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que o operador e/ou a agência partes nesse contrato sejam responsáveis perante o consumidor pela correta execução das obrigações resultantes desse contrato, independentemente de essas obrigações terem de ser executadas por eles próprios ou por outros prestadores de serviços. O artigo 5.o, n.o 3, desta diretiva precisa, além disso, que essa responsabilidade não pode ser derrogada por quaisquer cláusulas contratuais. As únicas derrogações admitidas são as enunciadas, de forma taxativa, no artigo 5.o, n.o 2, da referida diretiva.

35

O artigo 5.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 90/314 limita, assim, a liberdade das partes num contrato de viagem organizada de determinarem o conteúdo das cláusulas contratuais que lhes são aplicáveis, impondo ao operador uma responsabilidade perante o consumidor no que respeita à correta execução desse contrato. Uma das particularidades dessa responsabilidade é que esta se estende à correta execução das obrigações resultantes do contrato de viagem organizada, por prestadores de serviços. Todavia, a Diretiva 90/314 não define o conceito de «prestador de serviços» nem remete essa definição expressamente para o direito dos Estados‑Membros.

36

Nesse caso, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade de tratamento que os termos de uma disposição do direito da União devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Novo Banco, C‑253/19, EU:C:2020:585, n.o 17 e jurisprudência aí referida).

37

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito comunitário não fornece qualquer definição se deve fazer de acordo com o sentido habitual destes na linguagem comum, tendo em atenção o contexto geral em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 10 de março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 21 e jurisprudência aí referida).

38

Segundo o seu sentido habitual na linguagem corrente, a expressão «prestador de serviços», que figura no artigo 5.o da Diretiva 90/314, designa uma pessoa singular ou coletiva que presta serviços em contrapartida de uma remuneração. Como salientou igualmente o advogado‑geral no n.o 54 das suas conclusões, esta aceção é partilhada por diferentes versões linguísticas daquela disposição.

39

Além disso, a referida aceção é confirmada pelo contexto em que a disposição em causa se insere. Com efeito, como decorre do n.o 33 do presente acórdão, os contratos de viagens organizadas têm por objeto o fornecimento de uma combinação de serviços de transporte, de alojamento e de outros serviços turísticos. Ora, as obrigações para com o consumidor, resultantes desses contratos e objeto do regime de responsabilidade contratual previsto no artigo 5.o da Diretiva 90/314, podem ser executadas por intermédio de pessoas singulares ou coletivas distintas do operador, que prestam serviços em contrapartida de uma remuneração.

40

Os objetivos prosseguidos pela Diretiva 90/314 que consistem, nomeadamente, de acordo com o seu primeiro a terceiro considerandos, em eliminar os obstáculos à livre prestação de serviços e as distorções da concorrência, bem como, de acordo com o décimo considerando desta diretiva, em garantir um nível de proteção elevado dos consumidores (Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Blödel‑Pawlik, C‑134/11, EU:C:2012:98, n.o 24 e jurisprudência aí referida), corroboram igualmente essa interpretação da expressão «prestador de serviços», uma vez que garante um alcance uniforme da responsabilidade do operador perante o consumidor.

41

Todavia, um empregado de um prestador de serviços não pode, ele próprio, ser qualificado de prestador de serviços, na aceção do artigo 5.o da Diretiva 90/314, na medida em que não celebrou nenhum acordo com o operador turístico de viagens organizadas, com vista a prestar‑lhe serviços, mas limitou‑se a realizar um trabalho por conta de um prestador de serviços que celebrou esse acordo com o operador, de modo que os atos desse empregado, quando executa esse trabalho, se destinam, na maioria dos casos, a contribuir para o cumprimento das obrigações que incumbem ao prestador de serviços que o emprega.

42

Além disso, o termo «empregado» designa uma pessoa que presta o seu trabalho no âmbito de uma relação de subordinação com o seu empregador e, portanto, sob o seu controlo. Ora, por definição, um prestador de serviços não está sujeito a qualquer relação de subordinação quando fornece os seus serviços, pelo que um empregado não pode ser considerado um prestador de serviços para efeitos da aplicação do artigo 5.o da Diretiva 90/314.

43

Não obstante, a circunstância de um empregado de um prestador de serviços não poder ser considerado um prestador de serviços no âmbito da aplicação do regime de responsabilidade contratual instituído pelo artigo 5.o da Diretiva 90/314 não exclui que os atos ou as omissões desse empregado possam ser equiparados, para efeitos desse regime, aos do prestador de serviços que o emprega.

44

A fim de apreciar se essa equiparação pode ser feita, importa, em primeiro lugar, salientar que a responsabilidade do operador consagrada no artigo 5.o da Diretiva 90/314 visa unicamente as obrigações resultantes do contrato de viagem organizada, conforme definido por esta diretiva, que esse organizador celebrou com esse consumidor. Por conseguinte, não afeta a responsabilidade das partes nesse contrato ou de terceiros, que resulta de outras obrigações ou de outros regimes de responsabilidade, como o da responsabilidade penal.

45

No entanto, tendo em conta o objetivo prosseguido pela Diretiva 90/314, recordado no n.o 40 do presente acórdão, que consiste, nomeadamente, em garantir um nível de proteção elevado dos consumidores, as obrigações resultantes de um contrato de viagem organizada, cuja não execução ou incorreta execução implica a responsabilidade do operador, não podem ser interpretadas de forma restritiva. As referidas obrigações compreendem todas as obrigações relacionadas com as prestações de serviços de transporte, de alojamento e turísticos decorrentes da finalidade do contrato de viagem organizada, quer essas obrigações devam ser executadas pelo próprio operador ou por prestadores de serviços.

46

Nesta medida, a responsabilidade do operador enunciada no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 90/314 implica, como salientou igualmente o advogado‑geral no n.o 40 das suas conclusões, a existência de um nexo de ligação entre o ato ou a omissão que está na origem do prejuízo causado ao referido consumidor e as obrigações do operador resultantes do contrato de viagem organizada.

47

Em segundo lugar, importa recordar que as obrigações resultantes de um contrato de viagem organizada visado pela Diretiva 90/314, conforme precisadas no n.o 45 do presente acórdão, são suscetíveis de ser executadas por prestadores de serviços, que podem, eles próprios, agir por intermédio dos seus empregados, que se encontram sob o seu controlo. A prática ou a omissão de determinados atos por parte desses empregados pode, por conseguinte, constituir uma não execução ou uma incorreta execução das obrigações resultantes do contrato de viagem organizada.

48

Por conseguinte, apesar de ter a sua origem em factos cometidos por empregados que se encontram sob o controlo de um prestador de serviços, essa não execução ou incorreta execução é suscetível de responsabilizar o operador em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 90/314.

49

Esta interpretação é corroborada pelo objetivo de proteção dos consumidores prosseguido pela Diretiva 90/314. Com efeito, como salientou igualmente, em substância, o advogado‑geral no n.o 62 das suas conclusões, na falta dessa responsabilidade, estar‑se‑ia a fazer uma distinção injustificada entre a responsabilidade dos operadores pelos atos cometidos pelos seus prestadores de serviços, quando estes executam eles próprios as obrigações resultantes de um contrato de viagem organizada, por um lado, e a responsabilidade decorrente dos mesmos atos quando cometidos por empregados desses prestadores de serviços que executam essas obrigações, por outro, o que permitiria a um operador eximir‑se da sua responsabilidade.

50

Por conseguinte, por força do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 90/314, a não execução ou a incorreta execução de uma obrigação resultante de um contrato de viagem organizada, por um empregado de um prestador de serviços, implica a responsabilidade do operador dessa viagem perante o consumidor com o qual celebrou esse contrato, quando essa inexecução ou incorreta execução tenha causado um dano a esse consumidor.

51

No caso em apreço, como resulta do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que o acompanhamento de X à receção por um membro do pessoal do hotel era um serviço que fazia parte das prestações de viagens que a Kuoni se tinha comprometido a fornecer nos termos do contrato em causa e que a violação e as agressões cometidas por N sobre X constituíam uma incorreta execução desse contrato.

52

Daqui resulta que, numa situação como a que está em causa no processo principal, um operador turístico como a Kuoni pode ser responsabilizado perante um consumidor como X por uma incorreta execução do contrato que vincula as partes, no caso de esta ter origem num comportamento de um empregado de um prestador de serviços que executa as obrigações resultantes do referido contrato.

53

No que respeita à segunda parte das interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, evocada no n.o 31 do presente acórdão, importa salientar que o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 90/314 prevê derrogações à responsabilidade de um operador de viagens organizadas. Por força desta disposição, o operador é responsável pelos danos causados ao consumidor devido à não execução ou à incorreta execução do contrato de viagens organizadas, a menos que a culpa dessa não execução ou incorreta execução não lhe seja imputável nem a outro prestador de serviços por lhe ser aplicável uma das causas de exoneração da responsabilidade que figura nessa disposição.

54

Entre essas causas de exoneração figura a enunciada no artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314, que visa as situações em que a não execução ou a incorreta execução do contrato são devidas a um acontecimento que nem o operador nem o prestador podiam prever ou evitar, mesmo efetuando todas as diligências necessárias.

55

No caso em apreço, como decorre dos n.os 19 e 31 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, quando um operador de viagens organizadas tenha confiado a execução de um contrato, que o vincula a dois consumidores, a um prestador de serviços hoteleiros e um empregado desse prestador de serviços tenha violado e agredido um desses dois consumidores, esta circunstância pode constituir um acontecimento imprevisível ou inevitável, na aceção desta causa de exoneração.

56

A este respeito, importa salientar que, uma vez que a referida causa de exoneração derroga a regra que prevê a responsabilidade dos operadores, consagrada no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 90/314, deve ser objeto de uma interpretação estrita [v., por analogia, Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Pensionsversicherungsanstalt (Cessação de atividade depois da idade legal de reforma), C‑32/19, EU:C:2020:25, n.o 38 e jurisprudência aí referida].

57

Além disso, há que recordar que, em aplicação da jurisprudência referida nos n.os 36 e 37 do presente acórdão, esta causa de exoneração deve, na falta de uma remissão para o direito nacional, ser interpretada de forma autónoma e uniforme que tenha em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere e o objetivo prosseguido pela Diretiva 90/314.

58

A este respeito, em primeiro lugar, resulta dos termos do artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314 que o acontecimento imprevisível ou inevitável visado por esta disposição se distingue do caso de força maior. Com efeito, a referida disposição enuncia como causa de exoneração distinta o caso de força maior e define‑o, remetendo para o artigo 4.o, n.o 6, segundo parágrafo, ii), desta diretiva, como circunstâncias alheias àquele que as invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todas as diligências feitas. A conjunção disjuntiva «ou» colocada entre a força maior mencionada na primeira parte do artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314 e o acontecimento imprevisível ou inevitável citado na segunda parte desta disposição exclui que o referido acontecimento possa ser equiparado a um caso de força maior.

59

Em segundo lugar, o artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314 exonera o operador da obrigação de indemnizar o consumidor pelos danos causados quer por acontecimentos imprevisíveis, independentemente da questão de saber se são normais, quer por acontecimentos inevitáveis, independentemente da questão de saber se são previsíveis ou normais.

60

Em terceiro lugar, decorre do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 90/314 que as causas de exoneração enumeradas nos diferentes travessões desta disposição explicitam os casos precisos em que a não execução ou a incorreta execução das obrigações resultantes de um contrato de viagem organizada não são imputáveis nem ao organizador nem a outro prestador de serviços por não lhes poder ser imputada qualquer culpa. Esta inexistência de culpa implica que o acontecimento inevitável ou imprevisível a que se refere o artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314 deve ser interpretado no sentido de que visa um facto ou um incidente que não está abrangido pela esfera de controlo do operador ou do prestador de serviços.

61

Ora, uma vez que, pelos fundamentos expostos no n.o 48 do presente acórdão, os atos ou as omissões de um empregado de um prestador de serviços, na execução de obrigações resultantes de um contrato de viagem organizada, que impliquem uma não execução ou uma incorreta execução das referidas obrigações do operador para com o consumidor estão abrangidos por essa esfera de controlo, esses atos ou omissões não podem ser considerados acontecimentos inevitáveis ou imprevisíveis, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314.

62

Por conseguinte, deve considerar‑se que o artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314 não pode ser invocado para exonerar os operadores da sua obrigação de reparar os danos causados aos consumidores na sequência da não execução ou da incorreta execução de obrigações resultantes de contratos de viagens organizadas celebrados com esses operadores, quando essas faltas resultem de atos ou de omissões de empregados de prestadores de serviços que executam as referidas obrigações.

63

Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314, na medida em que prevê uma causa de exoneração da responsabilidade do operador de uma viagem organizada pela correta execução das obrigações resultantes de um contrato relativo a essa viagem, celebrado entre esse operador e um consumidor e regulado por esta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de não execução ou de incorreta execução dessas obrigações, devida a atos de um empregado de um prestador de serviços que executa esse contrato:

esse empregado não pode ser considerado um prestador de serviços para efeitos da aplicação desta disposição e

o operador não pode eximir‑se da sua responsabilidade resultante dessa não execução ou dessa incorreta execução, em aplicação da referida disposição.

Quanto às despesas

64

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 5.o, n.o 2, terceiro travessão, da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados, na medida em que prevê uma causa de exoneração da responsabilidade do operador de uma viagem organizada pela correta execução das obrigações resultantes de um contrato relativo a essa viagem, celebrado entre esse operador e um consumidor e regulado por esta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de não execução ou de incorreta execução dessas obrigações, devida a atos de um empregado de um prestador de serviços que executa esse contrato:

 

esse empregado não pode ser considerado um prestador de serviços para efeitos da aplicação desta disposição e

o operador não pode eximir‑se da sua responsabilidade resultante dessa não execução ou dessa incorreta execução, em aplicação da referida disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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