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Document 62019CJ0176

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 27 de junho de 2024.
    Comissão Europeia contra Servier SAS e o.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Produtos farmacêuticos — Mercado do perindopril — Artigo 101.o TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Partilha de mercado — Concorrência potencial — Restrição da concorrência por objetivo — Estratégia para atrasar a entrada de versões genéricas do perindopril no mercado — Transação em litígios em matéria de patentes — Acordo de licença de patente — Acordo de cessão e licença de tecnologia — Artigo 102.o TFUE — Mercado relevante — Abuso de posição dominante.
    Processo C-176/19 P.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:549

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    27 de junho de 2024 ( *1 )

    Índice

     

    I. Quadro jurídico

     

    II. Antecedentes do litígio

     

    A. O perindopril da Servier

     

    B. O perindopril da Krka

     

    C. Litígios relativos ao perindopril

     

    1. Decisões do IEP

     

    2. Decisões dos tribunais nacionais

     

    D. Os acordos Krka

     

    III. Decisão controvertida

     

    IV. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

     

    V. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

     

    VI. Quanto ao requerimento de reabertura da fase oral do processo

     

    VII. Quanto ao presente recurso

     

    A. Quanto aos fundamentos primeiro a sexto, relativos à existência de uma restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE

     

    1. Pontos relevantes da decisão controvertida e do acórdão recorrido

     

    a) Decisão controvertida

     

    b) Acórdão recorrido

     

    2. Quanto à admissibilidade dos fundamentos primeiro a sexto

     

    3. Considerações preliminares relativas à apreciação do mérito dos fundamentos primeiro a sexto

     

    4. Quanto ao primeiro fundamento

     

    a) Quanto à relevância do primeiro fundamento

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    b) Quanto às partes primeira a terceira

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    c) Quanto às partes quarta e sexta

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    i) Quanto à decisão da High Court de 3 de outubro de 2006

     

    ii) Quanto à decisão do IEP de 27 de julho de 2006

     

    d) Quanto à quinta parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    e) Conclusão quanto ao primeiro fundamento

     

    5. Quanto ao segundo fundamento

     

    a) Quanto à segunda parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    b) Quanto às partes primeira, terceira e quarta

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    c) Quanto às partes quinta a oitava

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    6. Quanto ao terceiro fundamento

     

    a) Quanto à primeira parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    b) Quanto à segunda parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    c) Quanto à terceira parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    d) Quanto à quarta parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    e) Quanto à quinta parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    f) Quanto à sexta parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    7. Quanto ao quarto fundamento

     

    a) Quanto à primeira parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    b) Quanto à segunda parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    c) Quanto à terceira parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    d) Quanto à quarta parte

     

    1) Argumentos das partes

     

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    8. Quanto ao quinto fundamento

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    9. Conclusão intermédia quanto aos fundamentos primeiro a quinto

     

    10. Quanto ao sexto fundamento

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    B. Quanto ao sétimo fundamento, relativo à existência de uma restrição da concorrência por efeito, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE

     

    1. Pontos relevantes da decisão controvertida e do acórdão recorrido

     

    a) Decisão controvertida

     

    b) O acórdão recorrido

     

    2. Argumentos das partes

     

    3. Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    C. Quanto aos fundamentos oitavo a décimo primeiro, relativos à infração ao artigo 102.o TFUE

     

    1. Pontos relevantes da decisão controvertida e do acórdão recorrido

     

    a) Decisão controvertida

     

    b) Acórdão recorrido

     

    2. Quanto ao oitavo fundamento

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    3. Quanto aos fundamentos nono e décimo

     

    4. Quanto ao décimo primeiro fundamento

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    D. Conclusões quanto ao presente recurso

     

    VIII. Quanto às consequências da anulação do acórdão recorrido

     

    IX. Quanto ao recurso no Tribunal Geral

     

    A. Quanto à primeira parte do nono fundamento do recurso em primeira instância

     

    1. Argumentos das partes

     

    2. Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    a) Quanto à concorrência potencial exercida pela Krka sobre a Servier

     

    b) Quanto à existência de um acordo de repartição de mercado

     

    B. Quanto ao décimo fundamento do recurso em primeira instância

     

    1. Argumentos das partes

     

    2. Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    Quanto às despesas

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Produtos farmacêuticos — Mercado do perindopril — Artigo 101.o TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Partilha de mercado — Concorrência potencial — Restrição da concorrência por objetivo — Estratégia para atrasar a entrada de versões genéricas do perindopril no mercado — Transação em litígios em matéria de patentes — Acordo de licença de patente — Acordo de cessão e licença de tecnologia — Artigo 102.o TFUE — Mercado relevante — Abuso de posição dominante»

    No processo C‑176/19 P,

    que tem por objeto um recurso de um Acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de fevereiro de 2019,

    Comissão Europeia, representada inicialmente por F. Castilla Contreras, B. Mongin, J. Norris e C. Vollrath, seguidamente por F. Castilla Contreras, F. Castillo de la Torre, B. Mongin, J. Norris e C. Vollrath, e, por último, por F. Castilla Contreras, F. Castillo de la Torre, J. Norris e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    apoiada por:

    Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por D. Guðmundsdóttir, na qualidade de agente, assistida por J. Holmes, KC, seguidamente por L. Baxter, D. Guðmundsdóttir, F. Shibli e J. Simpson, na qualidade de agentes, assistidos por J. Holmes, KC, e P. Woolfe, barrister, e, por último, por S. Fuller, na qualidade de agente, assistido por J. Holmes, KC, e P. Woolfe, barrister,

    interveniente no presente recurso,

    sendo as outras partes no processo:

    Servier SAS, com sede em Suresnes (França),

    Servier Laboratories Ltd, com sede em Stoke Poges (Reino Unido),

    Les Laboratoires Servier SAS, com sede em Suresnes,

    representadas por O. de Juvigny, J. Jourdan, T. Reymond, A. Robert, avocats, J. Killick, advocaat, e M. I. F. Utges Manley, solicitor,

    recorrentes em primeira instância,

    European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA), com sede em Genebra (Suíça), representada por F. Carlin, avocate, e N. Niejahr, Rechtsanwältin,

    interveniente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretários: M. Longar e R. Şereş, administradores,

    vistos os autos e após a audiência de 21 de outubro de 2021,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 14 de julho de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação parcial do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2018:922), que anulou o artigo 4.o, na parte em que declara provada a participação da Servier SAS e dos Laboratoires Servier SAS nos acordos referidos nesse artigo, o artigo 6.o, o artigo 7.o, n.o 4, alínea b), e o artigo 7.o, n.o 6, da Decisão C(2014) 4955 final da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 102.o [TFUE] [Processo AT.39.612 — Perindopril (Servier)], — (a seguir «decisão controvertida»).

    I. Quadro jurídico

    2

    Os pontos 13 a 15, 17 e 24 da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5) têm a seguinte redação:

    «Condicionalismos concorrenciais

    13.

    As empresas estão sujeitas a condicionalismos concorrenciais de três ordens, a saber, a substituibilidade do lado da procura, a substituibilidade do lado da oferta e a concorrência potencial. Do ponto de vista económico, para a definição do mercado relevante, a substituição do lado da procura constitui o elemento de disciplina mais imediato e eficaz sobre os fornecedores de um dado produto, em especial no que diz respeito às suas decisões em matéria de preços. Uma empresa ou grupo de empresas não pode influenciar de forma significativa as condições de venda prevalecentes no mercado como, por exemplo, os preços, se os seus clientes puderem facilmente transferir a sua procura para produtos de substituição ou para fornecedores situados noutro local. Basicamente, o exercício da definição de mercado consiste na identificação das verdadeiras fontes alternativas de fornecimento para os clientes da empresa em causa, tanto em termos de produtos/serviços como em termos da localização geográfica dos fornecedores.

    14.

    Os condicionalismos concorrenciais decorrentes da substituibilidade do lado da oferta que não os descritos nos pontos 20 a 23 e da concorrência potencial são, em geral, de efeito menos imediato e requerem, em todo o caso, uma análise de fatores adicionais. Em consequência, esses condicionalismos são tomados em consideração na fase de apreciação da análise da concorrência.

    Substituição do lado da procura

    15.

    A apreciação da substituição do lado da procura implica a determinação da gama de produtos considerados substituíveis pelo consumidor. Esta determinação pode ser feita, nomeadamente, através de um exercício em que se formula uma hipótese de uma pequena variação duradoura dos preços relativos e em que se avaliam as reações prováveis dos clientes a esse aumento. O exercício da definição de mercado centra‑se nos preços para efeitos operacionais e práticos e, mais precisamente, sobre o efeito de substituição do lado da procura resultante de pequenas variações permanentes nos preços relativos. Este conceito pode indicar claramente quais os dados relevantes para efeitos de definição dos mercados.

    […]

    17.

    A questão que se coloca é a de saber se os clientes das partes transfeririam rapidamente a sua procura para os produtos de substituição disponíveis ou para fornecedores situados noutros locais em resposta a um pequeno aumento hipotético (em torno dos 5 a 10 %) dos preços relativos, dos produtos e áreas em análise. Se o fenómeno da substituição for suficiente para tornar o aumento de preços não lucrativo devido à perda de vendas daí resultante, os produtos de substituição e as áreas adicionais serão incluídos no mercado relevante até que o conjunto de produtos e área geográfica seja de molde a tornar lucrativos [proceder a] pequenos aumentos duradouros dos preços relativos […]

    […]

    Concorrência potencial

    24.

    A terceira fonte de condicionalismos concorrenciais, a saber, a concorrência potencial, não é tomada em consideração na definição dos mercados, uma vez que as condições em que a concorrência potencial representará efetivamente um verdadeiro condicionalismo concorrencial dependerão da análise de fatores e circunstâncias específicos relacionados com as condições de penetração no mercado. Caso necessário, esta análise é apenas realizada numa fase subsequente, em geral, uma vez determinada a posição das empresas em causa no mercado relevante e sempre que essa posição suscitar preocupações do ponto de vista da concorrência.»

    II. Antecedentes do litígio

    3

    Os antecedentes do litígio, conforme resultam, nomeadamente, dos nãos 1 a 73 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

    4

    A Servir SÃS é a sociedade‑mãe do grupo farmacêutico Servir que inclui a Lês Laboratórios Servir SÃS e a Servir Laboratórios LSD (a seguir, individualmente ou em conjunto, «Servier»). A sociedade Les Laboratoires Servier é especializada no desenvolvimento de medicamentos originais e a sua filial Biogaran SAS no desenvolvimento dos medicamentos genéricos.

    A. O perindopril da Servier

    5

    A Servier desenvolveu o perindopril, medicamento principalmente destinado a combater a hipertensão e a insuficiência cardíaca. Este medicamento faz parte dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina (a seguir «medicamentos IEC»). Os dezasseis medicamentos IEC que existiam à data dos factos eram classificados tanto no terceiro nível da classificação anatómica, terapêutica e química (ATC) dos medicamentos da Organização Mundial de Saúde (OMS), que corresponde às indicações terapêuticas, como no quarto nível dessa classificação, correspondente ao modo de ação, num mesmo grupo, intitulado «inibidores da [enzima de conversão da angiotensina] apenas». O princípio ativo do perindopril apresenta‑se sob a forma de sal. O sal utilizado inicialmente era a erbumina.

    6

    A patente EP0049658, relativa ao princípio ativo do perindopril, foi apresentada por uma sociedade do grupo Servier no Instituto Europeu de Patentes (IEP) em 29 de setembro de 1981. Essa patente devia expirar em 29 de setembro de 2001, mas a sua proteção foi prolongada em vários Estados‑Membros da União Europeia, entre os quais o Reino Unido, até 22 de junho de 2003. Em França, a proteção da referida patente foi prolongada até 22 de março de 2005 e, em Itália, até 13 de fevereiro de 2009.

    7

    Em 16 de setembro de 1988, a Servier apresentou no IEP várias patentes relativas aos processos de fabrico do princípio ativo do perindopril que expiravam em 16 de setembro de 2008, a saber, as patentes EP0308339, EP0308340 (a seguir «patente 340»), EP0308341 e EP0309324.

    8

    Em 6 de julho de 2001, a Servier apresentou no IEP a patente EP1296947 (a seguir «patente 947»), relativa à forma cristalina alpha do perindopril erbumina e ao seu processo de fabrico, que foi concedida pelo IEP em 4 de fevereiro de 2004.

    9

    Em 6 de julho de 2001, a Servier apresentou igualmente pedidos de patentes nacionais em vários Estados‑Membros da União antes de estes serem parte na Convenção relativa à concessão de patentes europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973 e que entrou em vigor em 7 de outubro de 1977. A Servier, por exemplo, apresentou pedidos de patentes correspondentes à patente 947 na Bulgária (BG 107532), na República Checa (PV2003‑357), na Estónia (P200300001), na Hungria (HU225340), na Polónia (P348492) e na Eslováquia (PP0149‑2003). As patentes foram concedidas em 16 de maio de 2006 na Bulgária, em 17 de agosto de 2006 na Hungria, em 23 de janeiro de 2007 na República Checa, em 23 de abril de 2007 na Eslováquia e em 24 de março de 2010 na Polónia.

    B. O perindopril da Krka

    10

    A partir de 2003, a KRKA tovarna zdravil d.d. (a seguir «Krka»), uma sociedade com sede na Eslovénia que fabrica medicamentos genéricos, entrou no desenvolvimento de medicamentos à base do princípio ativo perindopril composto pela forma cristalina alpha da erbumina, objeto da patente 947 (a seguir «perindopril da Krka»). Ao longo dos anos de 2005 e 2006, obteve várias autorizações de introdução no mercado e começou a comercializar esse medicamento em vários Estados‑Membros na Europa Central e Oriental, nomeadamente na Hungria e na Polónia. Durante esse período, preparou igualmente a introdução desse medicamento no mercado noutros Estados‑Membros, designadamente em França, nos Países Baixos e no Reino Unido.

    C. Litígios relativos ao perindopril

    11

    Entre 2003 e 2009, vários litígios opuseram a Servier a fabricantes que se preparavam para comercializar uma versão genérica do perindopril.

    1.   Decisões do IEP

    12

    Ao longo de 2004, dez fabricantes de medicamentos genéricos, entre os quais a Niche Generics Ltd (a seguir «Niche»), a Krka, a Lupin Ltd e a Norton Healthcare Ltd, filial da Ivax Europe, que se fundiu posteriormente com a Teva Pharmaceutical Industries Ltd, sociedade‑mãe do grupo Teva, especializada no fabrico de medicamentos genéricos, deduziram oposição contra a patente 947 no IEP, com vista a obter a sua revogação, invocando fundamentos relativos à falta de novidade e de atividade inventiva, bem como ao caráter insuficiente da exposição da invenção.

    13

    Em 27 de julho de 2006, a Divisão de Oposição do IEP confirmou a validade da patente 947 (a seguir «decisão do IEP de 27 de julho de 2006»). Essa decisão foi impugnada na Câmara de Recurso Técnica do IEP. Após ter celebrado uma transação com a Servier, a Niche desistiu desse processo de oposição em 9 de fevereiro de 2005. A Krka e a Lupin desistiram dos processos na Câmara de Recurso Técnica do IEP, respetivamente, em 11 de janeiro de 2007 e em 5 de fevereiro de 2007.

    14

    Por decisão de 6 de maio de 2009, a Câmara de Recurso Técnica do IEP anulou a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e revogou a patente 947. O pedido de revisão apresentado pela Servier contra essa decisão da Câmara de Recurso foi indeferido em 19 de março de 2010.

    2.   Decisões dos tribunais nacionais

    15

    A validade da patente 947 foi contestada em certos tribunais nacionais por fabricantes de medicamentos genéricos e a Servier intentou ações por contrafação, bem como pedidos de medidas inibitórias provisórias contra esses fabricantes. A maior parte desses processos foi encerrada antes de os respetivos tribunais poderem conhecer definitivamente da validade da patente 947, devido a transações celebradas entre 2005 e 2007 pela Servier com a Niche, a Matrix Laboratories Ltd (a seguir «Matrix»), a Teva, a Krka e a Lupin.

    16

    No Reino Unido, só o litígio que opunha a Servier à Apotex Inc. deu origem à declaração, por via judicial, da invalidade da patente 947. Com efeito, em 1 de agosto de 2006, a Servier intentou na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes), Reino Unido], uma ação por contrafação da patente 947 contra a Apotex, que tinha começado a comercializar uma versão genérica do perindopril no mercado do Reino Unido. Em 8 de agosto de 2006, a Servier obteve uma injunção provisória contra a Apotex. Em 6 de julho de 2007, na sequência de um pedido reconvencional da Apotex, essa injunção provisória foi levantada e a patente 947 foi invalidada, permitindo assim a esta empresa colocar no mercado no Reino Unido uma versão genérica do perindopril. Em 9 de maio de 2008, a decisão de invalidação da patente 947 foi confirmada em sede de recurso.

    17

    Nos Países Baixos, em 13 de novembro de 2007, a Katwijk Farma BV, uma filial da Apotex, apresentou num tribunal desse Estado‑Membro um pedido de invalidação da patente 947, tal como foi validada nos Países Baixos. A Servier apresentou nesse tribunal um pedido de injunção provisória, que foi indeferido em 30 de janeiro de 2008. Esse tribunal, por decisão de 11 de junho de 2008 num processo movido pela Pharmachemie BV, uma sociedade do grupo Teva, invalidou a patente 947 para os Países Baixos. Na sequência dessa decisão, a Servier e a Katwijk Farma desistiram dos seus pedidos.

    18

    Por outro lado, foram submetidos nos tribunais nacionais vários litígios que opunham a Servier à Krka a propósito do perindopril.

    19

    Na Hungria, em 30 de maio de 2006, a Servier apresentou um pedido de injunção provisória destinado a proibir a comercialização do perindopril da Krka por violação da patente 947. Esse pedido foi indeferido em setembro de 2006.

    20

    No Reino Unido, em 28 de julho de 2006, a Servier intentou na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes)], uma ação de contrafação da patente 340 contra a Krka. Em 2 de agosto de 2006, a Servier intentou nesse tribunal uma ação por contrafação da patente 947 e um pedido de injunção provisória contra a Krka. Em 1 de setembro de 2006, a Krka apresentou um primeiro pedido reconvencional de declaração de invalidade da patente 947, ao qual estava associado um requerimento de processo sumário (motion of summary judgment) e, em 8 de setembro de 2006, um segundo pedido reconvencional de anulação da patente 340. Em 3 de outubro de 2006, o referido tribunal deferiu o pedido de injunção provisória da Servier e indeferiu o requerimento de processo sumário apresentado pela Krka em 1 de setembro de 2006 (a seguir «decisão da High Court de 3 de outubro de 2006»). Em 1 de dezembro de 2006, foi extinta a instância na sequência da transação entre as partes, tendo a injunção provisória sido levantada.

    D. Os acordos Krka

    21

    A Servier e a Krka celebraram três acordos (a seguir «acordos Krka»). Em 27 de outubro de 2006, celebraram acordo de transação (a seguir «transação Krka») e um acordo de licença, que foi completado por um aditamento em 2 de novembro de 2006 (a seguir «acordo de licença Krka», em conjunto, «acordos de transação e de licença Krka»). Por outro lado, a Servier e a Krka celebraram, em 5 de janeiro de 2007, um acordo de cessão e de licença (a seguir «acordo de cessão e de licença Krka»).

    22

    A transação Krka tinha por objeto a patente 947 e as patentes nacionais equivalentes. Por essa transação, com termo fixado no caducidade ou na revogação das patentes 947 ou 340, a Krka obrigava‑se a renunciar a qualquer pretensão contra a patente 947 no mundo inteiro, bem como contra a patente 340 no Reino Unido, e a não contestar nenhuma dessas duas patentes no futuro em todo o mundo. Além disso, a Krka e as suas filiais não estavam autorizadas a lançar ou a comercializar uma versão genérica do perindopril que violasse a patente 947 durante o seu período de validade e nos países em que ainda era válida, salvo autorização expressa da Servier. De igual modo, a Krka não podia fornecer a nenhum terceiro uma versão genérica do perindopril que violasse a patente 947, sem a autorização expressa da Servier. Em contrapartida, a Servier obrigava‑se a desistir das suas ações contra a Krka por contrafação das patentes 947 e 340, incluindo os seus pedidos de injunção provisória, pendentes em todo o mundo.

    23

    Por força do acordo de licença Krka, celebrado por um período correspondente à validade da patente 947, a Servier concedeu à Krka uma licença exclusiva e irrevogável sobre essa patente, com vista a utilizar, fabricar, vender, propor para venda, promover e importar os seus próprios produtos que contivessem a forma cristalina alfa da erbumina na República Checa, na Letónia, na Lituânia, na Hungria, na Polónia, na Eslovénia e na Eslováquia (a seguir «principais mercados da Krka»). Em contrapartida, a Krka obrigava‑se, nos termos do artigo 3.o desse acordo, a pagar à Servier uma taxa de 3 % do montante líquido das suas vendas em todos estes territórios. A Servier ficava autorizada, nesses mesmos Estados, a utilizar a patente 947 direta ou indiretamente, isto é, para uma das suas filiais ou para um único terceiro por país.

    24

    Por força do acordo de cessão e de licença Krka, a Krka transferiu dois pedidos de patentes para a Servier, um relativo a um processo de síntese do perindopril (WO 2005 113500) e o outro relativo à preparação de formulações de perindopril (WO 2005 094793). A tecnologia protegida por esses pedidos de patentes era utilizada na produção do perindopril da Krka. Esta última obrigou‑se a não contestar a validade das patentes concedidas com base nos referidos pedidos. Em contrapartida dessa cessão, a Servier pagou à Krka o montante de 30 milhões de euros.

    25

    Além disso, por esse acordo, a Servier concedeu à Krka uma licença não exclusiva, irrevogável, intransmissível e isenta de encargos, sem direito de concessão de sublicenças, exceto às suas filiais, sobre os pedidos ou as patentes que daí resultavam, não sendo essa licença limitada no tempo, no espaço ou nas utilizações que dela pudessem ser feitas.

    III. Decisão controvertida

    26

    Em 9 de julho de 2014, a Comissão adotou a decisão controvertida.

    27

    Nos artigos 1.o a 5.o desta decisão, a Comissão declarou que a Servier tinha violado o artigo 101.o TFUE, ao participar nos acordos Niche, Matrix, Teva, Krka e Lupin. Em particular, no artigo 4.o dessa decisão, a Comissão sublinhou que os acordos Krka tinham constituído uma infração única e continuada que abrangia todos os Estados que eram membros da União Europeia à data dos factos, com exceção dos que constituíam os principais mercados da Krka; que essa infração tinha tido início em 27 de outubro de 2006, exceto no respeitante à Bulgária e à Roménia, onde tinha tido início em 1 de janeiro de 2007, a Malta, onde tinha tido início em 1 de março de 2007, e à Itália, onde tinha começado em 13 de fevereiro de 2009; e que a referida infração tinha terminado em 6 de maio de 2009, exceto no respeitante ao Reino Unido, onde tinha terminado em 6 de julho de 2007, e aos Países Baixos, onde tinha chegado ao fim em 12 de dezembro de 2007.

    28

    No artigo 7.o, n.os 1 a 5, da decisão controvertida, a Comissão aplicou à Servier, a título das infrações ao artigo 101.o TFUE, coimas no montante total de 289727200 euros, incluindo 37661800 euros a título da sua participação nos acordos Krka.

    29

    Por outro lado, no artigo 6.o da decisão controvertida, a Comissão afirmou que a Servier tinha violado o artigo 102.o TFUE ao elaborar e aplicar, através de uma aquisição de tecnologia e de cinco transações, uma estratégia de exclusão que abrangia o mercado do perindopril e da tecnologia relativa ao princípio ativo desse medicamento, em França, nos Países Baixos, na Polónia e no Reino Unido.

    30

    No artigo 7.o, n.o 6, da decisão controvertida, a Comissão aplicou à Servier, a título de infração ao artigo 102.o TFUE, uma coima no montante de 41270000 euros.

    IV. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    31

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de setembro de 2014, a Servier interpôs, a título principal, um recurso de anulação da decisão controvertida e, a título subsidiário, de redução do montante da coima que lhe foi aplicada nessa decisão.

    32

    Por requerimento apresentado em 2 de fevereiro de 2015, a European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA) (a seguir «EFPIA» ou «interveniente») pediu para intervir no processo em apoio dos pedidos da Servier. Esse pedido foi deferido por despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral de 14 de outubro de 2015.

    33

    No seu recurso em primeira instância, a Servier invocava 17 fundamentos em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão controvertida. Sete desses fundamentos são relevantes para efeitos do presente recurso, a saber, os fundamentos quarto, nono e décimo, relativos à infração ao artigo 101.o TFUE pela participação dessa empresa nos acordos Krka, bem como os fundamentos décimo quarto a décimo sétimo, que dizem respeito à infração ao artigo 102.o TFUE.

    34

    O Tribunal Geral julgou procedentes os fundamentos dirigidos contra a qualificação dos acordos Krka de infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Considerou, em substância, que a Comissão não tinha demonstrado a existência de uma restrição da concorrência por objetivo nem de uma restrição da concorrência por efeito. Consequentemente, o Tribunal Geral anulou o artigo 4.o da decisão controvertida, que declarava uma infração ao artigo 101.o TFUE cometida pela Servier devido à sua participação nos acordos Krka, e o artigo 7.o, n.o 4, alínea b), dessa decisão, que aplicava uma coima à Servier por essa infração.

    35

    O Tribunal Geral julgou igualmente procedentes os fundamentos dirigidos contra a definição do mercado do perindopril e a declaração de um abuso de posição dominante da Servier nesse mercado, bem como no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril. Em substância, considerou que a definição do mercado do perindopril estava ferida de erros de apreciação suscetíveis de viciar as considerações da decisão controvertida relativas à posição dominante da Servier nos mercados relevantes. Consequentemente, anulou o artigo 6.o dessa decisão que declara a existência de um abuso de posição dominante pela Servier, bem como o artigo 7.o, n.o 6, da referida decisão que aplica uma coima à Servier por essa mesma infração.

    36

    O Tribunal Geral negou provimento ao recurso no restante.

    V. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    37

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2019, a Comissão interpôs o presente recurso.

    38

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de maio de 2019, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pediu para intervir na presente lide em apoio dos pedidos da Comissão. Por Decisão de 19 de junho de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido.

    39

    O Tribunal de Justiça convidou as partes a apresentarem observações escritas até 4 de outubro de 2021 sobre os Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52); de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243); de 25 de março de 2021, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, EU:C:2021:241); de 25 de março de 2021, Generics (UK)/Comissão (C‑588/16 P, EU:C:2021:242); de 25 de março de 2021, Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (C‑601/16 P, EU:C:2021:244); e de 25 de março de 2021, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, EU:C:2021:245). A Comissão, a Servier, a EFPIA e o Reino Unido deram cumprimento a esse convite no prazo fixado.

    40

    A fase oral foi encerrada em 14 de julho de 2022 após a apresentação das conclusões da advogada‑geral.

    41

    No presente recurso, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça:

    anule os n.os 1) a 3) da parte decisória do acórdão recorrido que anulam i) o artigo 4.o da decisão controvertida na parte em que dá por provada a participação da Servier nos acordos Krka, ii) o artigo 7.o, n.o 4, alínea b), dessa decisão, que fixa a coima aplicada à Servier pela celebração desses acordos, iii) o artigo 6.o dessa decisão, que declara uma violação do artigo 102.o TFUE pela Servier e iv) o artigo 7.o, n.o 6, da mesma decisão, que fixa o montante da coima aplicada à Servier por essa infração;

    anule o acórdão recorrido na parte em que declara admissíveis os anexos A 286 e A 287 da petição em primeira instância e o anexo C 29 da réplica apresentada em primeira instância;

    conheça definitivamente do pedido de anulação da decisão controvertida apresentado pela Servier e julgue improcedente o respetivo pedido de anulação dos artigos 4.o, 7.o, n.o 4, alínea b), 6.o e 7.o, n.o 6, dessa decisão e defira o requerimento da Comissão no sentido de serem julgados inadmissíveis os anexos A 286 e A 287 da petição em primeira instância e o anexo C 29 da réplica em primeira instância, e

    condene a Servier na totalidade das despesas do presente recurso.

    42

    A Servier pede que o Tribunal de Justiça:

    negue integralmente provimento ao presente recurso e

    condene a Comissão nas despesas.

    43

    A EFPIA pede que o Tribunal de Justiça:

    negue integralmente provimento ao presente recurso e

    condene a Comissão nas despesas.

    44

    O Reino Unido pede ao Tribunal de Justiça que julgue procedentes os pedidos da Comissão.

    VI. Quanto ao requerimento de reabertura da fase oral do processo

    45

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de julho de 2022, a Servier requereu a reabertura da fase oral do processo. Em apoio desse requerimento, a Servier invoca a necessidade de assegurar um debate contraditório suficiente sobre pontos‑chave do contexto factual do presente processo, não deixando de criticar diversos elementos das conclusões da advogada‑geral. Segundo a Servier, essa reabertura impõe‑se uma vez que essas conclusões propõem ao Tribunal de Justiça que conheça definitivamente do litígio quando certos fundamentos invocados em primeira instância que implicam avaliações factuais complexas não foram examinados nem, a fortiori, decididos pelo Tribunal Geral.

    46

    Há que lembrar que, de acordo com o artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes.

    47

    Há que lembrar que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. Nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral as baseia. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este aí examina, não pode constituir, em si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo [Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida].

    48

    No caso, o Tribunal de Justiça, ouvida a advogada‑geral, constata que os elementos apresentados pela Servier não revelam nenhum facto novo suscetível de exercer uma influência decisiva na decisão que a proferir no presente processo e que este não virá a ser decidido com base num argumento não debatido entre as partes ou interessados. Uma vez que o Tribunal de Justiça dispõe, no termo das fases escrita e oral do processo, de todos os elementos necessários, está, portanto, suficientemente esclarecido para se pronunciar sobre o presente recurso. De qualquer forma, importa recordar que, quando o recurso de segunda instância for julgado procedente e o litígio estiver em condições de ser julgado, na aceção do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode dele conhecer definitivamente. Em face do exposto, indefere‑se o requerimento de reabertura da fase oral do processo.

    VII. Quanto ao presente recurso

    49

    O Conselho suscita sete fundamentos no presente recurso. Com os seus fundamentos primeiro a sexto, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando considerou que os acordos Krka não constituíam uma restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Com o seu sétimo fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu igualmente um erro de direito ao considerar que a Comissão também não tinha demonstrado que esses acordos constituíam uma restrição da concorrência por efeito.

    50

    Os fundamentos oitavo e nono dizem respeito a erros de direito relativos à definição do mercado do medicamento perindopril adotada na decisão controvertida para sustentar a existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE. Com o seu décimo fundamento, a Comissão invoca erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral quando julgou admissíveis certos documentos que a Servier tinha junto com a petição e com a réplica em primeira instância. O décimo primeiro fundamento é relativo a erros de direito na apreciação, pelo Tribunal Geral, da existência de um abuso de posição dominante no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril.

    A. Quanto aos fundamentos primeiro a sexto, relativos à existência de uma restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE

    51

    O primeiro fundamento é relativo a uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral se pronunciou sobre a existência de uma restrição da concorrência por objetivo sem verificar se a Krka era um concorrente potencial da Servier nem responder à argumentação desta última a esse respeito, a uma violação dos limites da fiscalização jurisdicional, a uma violação das regras da administração da prova, a uma desvirtuação das provas relativas à existência de uma concorrência potencial entre a Krka e a Servier, e ao caráter insuficiente e contraditório da fundamentação do acórdão recorrido.

    52

    O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral aplicou critérios jurídicos errados para apreciar a existência de uma restrição da concorrência por objetivo, a uma desvirtuação das provas e ao caráter insuficiente e contraditório da fundamentação do acórdão recorrido.

    53

    O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral exigiu que um acordo de repartição de mercados previsse uma repartição «estanque» entre as partes para poder ser abrangido pela proibição prevista nessa disposição, a uma interpretação errada do Regulamento (CE) n.o 772/2004 da Comissão, de 27 de abril de 2004, relativo à aplicação do n.o 3 do artigo [101.o TFUE] a categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO 2004, L 123, p. 11), e da Comunicação da Comissão intitulada «Orientações relativas à aplicação do artigo [101.o TFUE] aos acordos de transferência de tecnologia» (JO 2004, C 101, p. 2), bem como à desvirtuação de determinados elementos de prova.

    54

    O quarto fundamento é relativo a uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral criticou a decisão controvertida por ter declarado uma restrição da concorrência por objetivo sem analisar a intenção das partes, a uma violação das regras da administração da prova e a uma insuficiência de fundamentação.

    55

    O quinto fundamento é relativo à violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral teve em consideração os efeitos pró‑concorrenciais do acordo de licença Krka nos mercados principais da Krka, apesar de a decisão controvertida não ter declarado a existência de uma infração nesses mercados.

    56

    O sexto fundamento é relativo a uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que os erros de direito alegados no âmbito dos fundamentos primeiro a quinto do presente recurso levaram o Tribunal Geral a recusar reconhecer que o acordo de cessão e de licença Krka constituía uma restrição da concorrência por objetivo, bem como a uma insuficiência de fundamentação.

    1.   Pontos relevantes da decisão controvertida e do acórdão recorrido

    a)   Decisão controvertida

    57

    Nos considerandos 1670 a 1859 da decisão controvertida, a Comissão procedeu à apreciação dos acordos Krka à luz do artigo 101.o TFUE. Pelas razões expostas nos considerandos 1670 a 1812 dessa decisão, considerou que esses acordos constituíam uma infração única e continuada que tinha por objeto restringir a concorrência pela partilha dos mercados do perindopril na União entre estas duas empresas.

    58

    Por um lado, resulta dos considerandos 1701 a 1763 da decisão controvertida que os acordos de transação e de licença Krka tinham por objeto a repartição e a atribuição dos mercados da União entre a Servier e a Krka. O acordo de licença autorizava a Krka a continuar ou a começar a comercializar uma versão genérica do perindopril no âmbito de um duopólio de facto com a Servier nos mercados principais da Krka. Essa autorização constituía a contrapartida do compromisso da Krka, a título da transação Krka, de não fazer concorrência à Servier nos outros mercados nacionais no território da União, que constituem os mercados principais desta empresa (a seguir «mercados principais da Servier»). A Comissão considerou, portanto, que o acordo de licença constituía o incentivo oferecido pela Servier à Krka para que esta última aceitasse as restrições acordadas na transação Krka.

    59

    Por outro lado, a Comissão deu por provado, nos considerandos 1764 a 1810 da decisão controvertida, que o acordo de cessão e de licença Krka tinha permitido reforçar a posição concorrencial das partes, tal como resultava dos acordos de transação e de licença Krka, impedindo a Krka de ceder a sua tecnologia para a produção de perindopril a outros fabricantes de medicamentos genéricos que poderiam então tê‑la utilizado para comercializar versões genéricas deste medicamento nos mercados principais da Servier. Uma vez que o pagamento pela Servier à Krka da quantia de 30 milhões de euros não tinha relação com os rendimentos que a Servier podia realizar ou esperar da exploração comercial da tecnologia assim cedida pela Krka, o pagamento deste montante foi analisado pela Comissão como uma partilha da renda resultante do reforço da repartição dos mercados entre a Servier e a Krka.

    b)   Acórdão recorrido

    60

    O Tribunal Geral expôs, em primeiro lugar, nos n.os 255 a 274 do acórdão recorrido, em que condições é anticoncorrencial inserir nas transações em litígios de patentes cláusulas de não contestação de patentes e de não comercialização de produtos genéricos. Segundo o Tribunal Geral, essa inserção é anticoncorrencial se não se basear no reconhecimento pelas partes da validade da patente e do caráter contrafeito dos produtos genéricos em causa, mas sim num pagamento compensatório significativo e injustificado por parte do titular da patente a favor do fabricante de genéricos, que o incentiva a sujeitar‑se às referidas cláusulas. O Tribunal Geral declarou, no n.o 271 do acórdão recorrido, que, perante tal incentivo, as transações em causa devem ser encaradas como acordos de exclusão do mercado, nos quais quem permanece indemniza quem sai.

    61

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral explicou, nos n.os 797 a 810 do acórdão recorrido, que, quando um acordo comercial comum é associado a uma transação num litígio relativo a uma patente que inclui cláusulas de não comercialização e de não contestação, esse esquema contratual deve ser qualificado de anticoncorrencial se o valor transferido pelo titular da patente para o fabricante de genéricos pelo acordo comercial exceder o valor do bem cedido por este no âmbito desse acordo. Por outras palavras, esse esquema contratual deve ser qualificado de anticoncorrencial se o acordo comercial comum associado à transação servir, na realidade, para dissimular uma transferência de valor do titular da patente para o fabricante de genéricos sem outra contrapartida que não o compromisso de este último não fazer concorrência.

    62

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral pronunciou‑se, nos n.os 943 a 1032 do acórdão recorrido, sobre o caso específico da associação de uma transação e de um acordo de licença, como a que resulta dos acordos de transação e de licença Krka. Entendeu que, nesse caso, as considerações aplicáveis à associação de uma transação e de um acordo comercial comum, resumidas no número anterior do presente acórdão, não são válidas. Resulta dos n.os 943 a 947 do acórdão recorrido que a associação de uma transação a um acordo de licença constitui um meio adequado para pôr termo ao litígio que permite a entrada da sociedade de genéricos no mercado e que satisfaz as pretensões de ambas as partes. Além disso, numa transação, a presença de cláusulas de não comercialização e de não contestação é legítima quando essa transação se basear no reconhecimento da validade da patente pelas partes. Ora, um acordo de licença, que só tem sentido quando a licença é efetivamente explorada, baseia‑se precisamente no reconhecimento da validade da patente pelas partes.

    63

    O Tribunal Geral, nos n.os 948 e 952 do acórdão recorrido, considerou que, para demonstrar que a associação de uma transação e de um acordo de licença oculta, na realidade, um pagamento compensatório do titular da patente ao fabricante de medicamentos genéricos, a Comissão tem de demonstrar que o encargo pago ao titular da patente, ao abrigo desse acordo de licença, por esse fabricante é anormalmente baixo.

    64

    O Tribunal Geral expôs, em substância, nos n.os 953 a 956 do acórdão recorrido, que o nível anormalmente baixo desse encargo deve resultar de forma tanto mais evidente para qualificar uma transação de restrição da concorrência por objetivo quanto o caráter anticoncorrencial das cláusulas de não comercialização e de não contestação que essa transação contém seja atenuado pelo efeito pró‑concorrencial do acordo de licença, que favorecerá a entrada do fabricante de medicamentos genéricos no mercado.

    65

    O Tribunal Geral conclui daí, no n.o 963 do acórdão recorrido, que, «na presença de um verdadeiro litígio que opõe judicialmente as partes em causa e de um acordo de licença que parece ter uma ligação direta à resolução […] deste litígio [por transação], a associação deste acordo [à transação] não constitui um indício sério da existência de um pagamento compensatório. Deste modo, em tal hipótese, é com base noutros indícios que a Comissão pode demonstrar que o acordo de licença não constitui uma transação concluída em condições normais de mercado e oculta, assim, um pagamento compensatório».

    66

    Foi à luz destes elementos que o Tribunal Geral examinou, nos n.os 964 a 1031 do acórdão recorrido, os acordos de transação e de licença Krka, e chegou, no n.o 1032 desse acórdão, à conclusão de que esses acordos não revelavam «um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência para que a Comissão pudesse considerar corretamente que eram constitutivos de uma restrição [da concorrência] por objetivo».

    2.   Quanto à admissibilidade dos fundamentos primeiro a sexto

    67

    A Servier alega que o presente recurso, considerado no seu conjunto e mais especificamente nos seus fundamentos primeiro a sexto, é inadmissível por vários motivos.

    68

    Em primeiro lugar, grande parte da argumentação da Comissão desenvolvida no âmbito dos fundamentos primeiro a quarto visa pedir ao Tribunal de Justiça que proceda a uma nova apreciação dos factos.

    69

    A esse respeito, há que lembrar que resulta do artigo 256.o, n.o 1, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito e que, por conseguinte, só o Tribunal Geral é competente para apurar e apreciar os factos relevantes e as provas. A apreciação dos factos e das provas não constitui, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em segunda instância. Tal desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 10 de julho de 2019, VG/Comissão, C‑19/18 P, EU:C:2019:578, n.o 47 e jurisprudência referida).

    70

    Em contrapartida, quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer a sua fiscalização quando o Tribunal Geral tenha qualificado a sua natureza jurídica e extraído consequências jurídicas. O poder de fiscalização do Tribunal de Justiça estende‑se, nomeadamente, à questão de saber se o Tribunal Geral aplicou critérios jurídicos corretos na sua apreciação dos factos (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 53 e jurisprudência referida).

    71

    No caso, com o seu primeiro fundamento, a Comissão acusa, antes de mais, o Tribunal Geral, em substância, de ter aplicado um critério jurídico incorreto para apreciar a legalidade dos fundamentos da decisão controvertida que levaram a declarar a existência de uma concorrência potencial entre a Krka e a Servier. Seguidamente, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter fundamentado o acórdão recorrido de forma insuficiente ou contraditória, bem como por ter desvirtuado certas provas. Por último, sustenta que esse tribunal violou as normas que regem a administração da prova e o alcance da fiscalização jurisdicional ao não se pronunciar sobre as alegações relativas à concorrência potencial desenvolvidas, nomeadamente, no âmbito do nono fundamento do recurso de primeira instância, ao não analisar o raciocínio e o conjunto das provas que figuram na decisão controvertida relativas ao objetivo anticoncorrencial da transação e do acordo de licença Krka, bem como ao substituir os fundamentos dessa decisão pela sua própria apreciação dos factos, na medida em que imputou à Krka fundamentos que explicam a escolha dessa empresa de prosseguir a sua ação contenciosa após a decisão do IEP de 27 de julho de 2006, apesar de estes fundamentos constituírem apenas uma alegação, aliás desmentida por outras constatações efetuadas pelo Tribunal Geral.

    72

    Assim, há que observar que, com esta argumentação, a Comissão contesta a interpretação e a aplicação do conceito de concorrência potencial e alega violação de normas processuais e desvirtuação de provas. Contrariamente ao que alega a Servier, as alegações desta natureza são da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância, de acordo com a jurisprudência referida nos n.os 69 e 70 do presente acórdão.

    73

    Com os seus fundamentos segundo a quarto, a Comissão contesta essencialmente a apreciação feita pelo Tribunal Geral sobre o objetivo anticoncorrencial dos acordos Krka que consiste em proceder a uma repartição dos mercados. Ora, tal questão constitui manifestamente uma questão de direito, uma vez que implica determinar se o Tribunal Geral procedeu a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    74

    Com o seu quinto fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao ter em conta os efeitos alegadamente pró‑concorrenciais do acordo de licença Krka nos mercados principais da Krka, quando a Comissão não tinha apurado nenhuma infração nesses mercados e esses efeitos não podiam justificar uma restrição da concorrência noutros mercados. Há que observar que essa argumentação se refere ao critério jurídico aplicado pelo Tribunal Geral para apreciar a relevância dos efeitos pró‑concorrenciais que constatou e que o seu exame é, portanto, da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância.

    75

    Com o seu sexto fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter recusado reconhecer que o acordo de cessão e de licença Krka constituía uma restrição da concorrência por objetivo pelo facto de essa qualificação assentar na constatação errada da existência de uma partilha de mercado entre a Krka e a Servier. Assim, o destino deste fundamento depende do que vierem a ter as alegações apresentadas pela Comissão no âmbito dos seus fundamentos primeiro a quinto, que visam efetivamente erros de direito. Por conseguinte, a apreciação do sexto fundamento é da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância.

    76

    Em segundo lugar, a Servier alega, de forma geral, que o recurso se limita a reiterar os argumentos invocados pela Comissão em primeira instância e que foram rejeitados pelo Tribunal Geral, sem demonstrar a existência, no acórdão recorrido, de erros de direito nem de desvirtuações dos factos. É o caso da argumentação da Comissão desenvolvida em apoio, nomeadamente, da quarta parte do primeiro fundamento e da segunda parte do terceiro fundamento.

    77

    Há que lembrar que resulta do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão ou despacho cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não respeita esse requisito o recurso de segunda instância que se limita a reproduzir os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal Geral. Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reapreciação da petição apresentada no Tribunal Geral, o que está fora da competência do Tribunal de Justiça (Acórdão de 24 de março de 2022, Hermann Albers/Comissão, C‑656/20 P, EU:C:2022:222, n.o 35 e jurisprudência referida).

    78

    Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal Geral, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em segunda instância. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal Geral, o processo de recurso de segunda instância ficaria privado de uma parte do seu sentido (v. Acórdão de 24 de março de 2022, Hermann Albers/Comissão, C‑656/20 P, EU:C:2022:222, n.o 36 e jurisprudência referida).

    79

    No caso, embora seja verdade que a argumentação desenvolvida pela Comissão no presente recurso apresenta semelhanças certas com a que tinha invocado em primeira instância, não é menos verdade que não se limita a reiterar os argumentos já apresentados por ela no Tribunal Geral, pois contesta especificamente a interpretação e a aplicação do direito da União feitas por esse tribunal. Daí resulta que a argumentação da Servier relativa à repetição da argumentação da Comissão em primeira instância não colhe.

    80

    Em terceiro lugar, a Servier alega que a argumentação da Comissão, mais especificamente a desenvolvida no âmbito dos fundamentos primeiro a quinto, não apresenta suficiente clareza para ser admissível.

    81

    A este respeito, como resulta do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, os fundamentos e argumentos jurídicos suscitados e invocados devem identificar com precisão os pontos da fundamentação da decisão do Tribunal Geral que são contestados (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Mallis e o./Comissão e BCE, C‑105/15 P a C‑109/15 P, EU:C:2016:702, n.os 33 e 34). É o que acontece no caso presente, uma vez que a Comissão, no presente recurso, indicou de forma circunstanciada os elementos criticados do acórdão recorrido, bem como os argumentos jurídicos em apoio do seu pedido de anulação deste, ao mesmo tempo que se refere especificamente aos números do acórdão recorrido que são objeto da sua argumentação.

    82

    Em quarto lugar, a Servier alega que o presente recurso se limita a citar de forma parcelar e seletiva o acórdão recorrido e que assenta numa interpretação errada do seu conteúdo.

    83

    Ora, com esta argumentação, a Servier contesta, na realidade, a validade dos fundamentos do presente recurso quanto ao mérito. Tal argumentação pertence à apreciação do mérito desses fundamentos e não pode, portanto, levar à inadmissibilidade desse recurso.

    84

    Por último, em quinto lugar, a Servier alega que a Comissão, na medida em que acusa o Tribunal Geral, no âmbito do seu primeiro, quarto e sexto fundamentos, de não ter examinado certas passagens da decisão controvertida, bem como todos os elementos de prova nela referidos, se engana sobre a natureza da fiscalização efetuada por esse tribunal.

    85

    Todavia, a generalidade dessa exceção de inadmissibilidade não pode levar à inadmissibilidade dos fundamentos do presente recurso primeiro, quarto e sexto. O Tribunal de Justiça decidirá pontualmente sobre as exceções de inadmissibilidade arguidas de forma mais específica pela Servier no exame dos fundamentos em causa.

    86

    Em face destas considerações, há que julgar improcedentes as exceções de inadmissibilidade arguidas pela Servier, de uma forma geral, no que respeita aos fundamentos do presente recurso primeiro a sexto.

    3.   Considerações preliminares relativas à apreciação do mérito dos fundamentos primeiro a sexto

    87

    Antes de conhecer do mérito dos fundamentos relativos à existência de uma restrição da concorrência por objetivo, importa sublinhar que, ao contrário das circunstâncias na origem dos processos em que o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre a qualificação jurídica, à luz do artigo 101.o TFUE, de acordos nos termos dos quais um fabricante de medicamentos originais compensou economicamente um fabricante de medicamentos genéricos em contrapartida de este renunciar a entrar no mercado, nomeadamente os processos que deram origem aos Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243), e contrariamente aos outros acordos celebrados pela Servier que foram objeto da decisão controvertida, os acordos de transação e de licença Krka não previam qualquer pagamento por parte do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos. Pelo contrário, o acordo de licença Krka previa pagamentos do segundo em benefício do primeiro.

    88

    Em contrapartida, segundo os considerandos 1731 a 1749 da decisão controvertida, os acordos de transação e de licença Krka permitiram à Servier atrasar a entrada no mercado de medicamentos genéricos produzidos pela Krka. No território da União, estas duas empresas repartiram entre si os mercados nacionais em duas esferas de influência, cada uma integrando os seus mercados principais, no interior das quais podiam exercer as suas atividades com a segurança, no caso da Servier, de não sofrer, por parte da Krka, pressões concorrenciais que excedessem os limites resultantes destes acordos e, no caso da Krka, de não correr o risco de ser alvo de processos por contrafação pela Servier.

    89

    Assim, embora resulte dos elementos decorrentes da decisão controvertida que a Servier não efetuou qualquer pagamento compensatório enquanto tal a favor da Krka no âmbito da transação Krka, daí resulta também, segundo a Comissão, que essas empresas repartiram geograficamente os diferentes mercados nacionais no interior da União. Assim, será necessário tomar estas circunstâncias em consideração para decidir, nomeadamente, sobre o segundo e terceiro fundamentos, e apreciar se, e sendo caso disso em que medida, é procedente a argumentação da Comissão destinada a pôr em causa os critérios jurídicos com base nos quais o Tribunal Geral julgou procedentes os fundamentos de primeira instância invocados pela Servier para contestar a qualificação dos acordos de transação e de licença Krka como restrição da concorrência por objetivo.

    90

    A esse respeito, há que lembrar que, por força do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

    91

    Assim, para ser abrangido pela proibição de princípio prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, um comportamento de empresas tem de revelar a existência de uma colusão entre elas, a saber, um acordo entre empresas, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 31 e jurisprudência referida].

    92

    Esta última exigência pressupõe, no que respeita aos acordos de cooperação horizontal celebrados entre empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção ou de distribuição, que a referida colusão se verifique entre empresas que se encontram em situação de concorrência, quando não real pelo menos potencial [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 32].

    93

    Além disso, de acordo com os próprios termos dessa disposição, é necessário demonstrar que esse comportamento tem por objetivo impedir, restringir ou falsear sensivelmente a concorrência ou que tem esse efeito (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 158). Daí resulta que esta disposição, como interpretada pelo Tribunal de Justiça, estabelece uma distinção clara entre o conceito de restrição por objetivo e o de restrição por efeito, estando cada um deles sujeito a um regime probatório diferente [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 63].

    94

    Assim, quanto às práticas qualificadas de restrições da concorrência por objetivo, não há que averiguar nem, a fortiori, demonstrar os seus efeitos na concorrência, na medida em que a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em detrimento, em particular, dos consumidores (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 115, e de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 159).

    95

    Em contrapartida, quando o objetivo anticoncorrencial de um acordo, de uma decisão de uma associação de empresas ou de uma prática concertada não estiver provado, há que examinar os seus efeitos a fim de provar que a concorrência foi, de facto, impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 17).

    96

    Esta distinção tem a ver com o facto de determinadas formas de conluio entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (Acórdãos de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.o 17, e de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 35). O conceito de restrição da concorrência por objetivo deve ser interpretado de forma estrita e só pode ser aplicado a certos acordos entre empresas que revelem, em si mesmos e tendo em conta o teor das suas disposições, os objetivos que visam, bem como o contexto económico e jurídico em que se inserem, suficiente grau de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que a análise dos seus efeitos não é necessária (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 20, e de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.os 161 e 162 e jurisprudência referida).

    97

    O Tribunal de Justiça já declarou que os acordos de repartição de mercados constituem violações particularmente graves da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 2013, Gosselin Group/Comissão, C‑429/11 P, EU:C:2013:463, n.o 50; de 5 de dezembro de 2013, Solvay Solexis/Comissão, C‑449/11 P, EU:C:2013:802, n.o 82; e de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.o 26). Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que os acordos dessa natureza têm um objetivo restritivo da concorrência em si mesmos e estão abrangidos por uma categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não podendo esse objetivo ser justificado através de uma análise do contexto económico em que o comportamento anticoncorrencial em causa se inscreve (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, EU:C:2013:866, n.o 218).

    98

    No que respeita a essas categorias de acordos, só em aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE e desde que todas as condições previstas nessa disposição sejam respeitadas é que lhes pode ser concedido o benefício de uma isenção da proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.o 21, e de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 187).

    99

    A aplicação dos princípios que acabam de ser recordados a respeito de práticas colusórias sob a forma de acordos de cooperação horizontal entre empresas, como os acordos Krka, implica que se determine, numa primeira fase, se essas práticas podem ser qualificadas de restrição da concorrência por empresas que se encontram numa situação de concorrência, ainda que potencial. Se for esse o caso, há que verificar, numa segunda fase, se, tendo em conta as suas características económicas, as referidas práticas são abrangidas pela qualificação de restrição da concorrência por objetivo.

    100

    Quanto à primeira fase desta análise, o Tribunal de Justiça já declarou que, no contexto específico da abertura do mercado de um medicamento aos fabricantes de medicamentos genéricos, há que determinar, para apreciar se um desses fabricantes, embora ausente de um mercado, se encontra numa relação de concorrência potencial com um fabricante de medicamentos originais presente nesse mercado, se existem possibilidades reais e concretas de o primeiro integrar o referido mercado e fazer concorrência ao segundo (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.o 36 e jurisprudência referida).

    101

    Para tal, há que verificar, primeiro, se, à data da celebração desses acordos, o fabricante de medicamentos genéricos tinha efetuado diligências preparatórias suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo capaz de fazer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais. Tais iniciativas permitem demonstrar que um fabricante de medicamentos genéricos tem a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, mesmo que existam patentes de processo detidas pelo fabricante de medicamentos originais. Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se a entrada desse fabricante de medicamentos genéricos no mercado não se depara com barreiras à entrada de caráter intransponível [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.os 43 a 45].

    102

    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que as eventuais patentes que protejam um medicamento original ou um dos seus processos de fabrico fazem incontestavelmente parte do contexto económico e jurídico que caracteriza as relações de concorrência entre os titulares dessas patentes e os fabricantes de medicamentos genéricos. Contudo, a apreciação dos direitos concedidos por uma patente não deve consistir numa análise da força da patente ou da probabilidade de um litígio entre o seu titular e um fabricante de medicamentos genéricos poder saldar‑se com a conclusão de que a patente é válida e objeto de contrafação. Esta apreciação deve incidir mais sobre a questão de saber se, apesar da existência dessa patente, o fabricante de medicamentos genéricos dispõe de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado na data relevante [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 50].

    103

    Por outro lado, a constatação de uma concorrência potencial entre um fabricante de medicamentos genéricos e um fabricante de medicamentos originais pode ser corroborada por elementos suplementares, como a celebração de um acordo entre eles quando o fabricante de medicamentos genéricos não estava presente no mercado em causa ou a existência de transferências de valor a favor desse fabricante em contrapartida do adiamento da sua entrada no mercado [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.os 54 a 56].

    104

    Numa segunda fase dessa análise, para determinar se um adiamento da entrada no mercado de medicamentos genéricos resultante de uma transação num litígio em matéria de patentes em contrapartida de transferências de valor do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante desses medicamentos genéricos deve ser considerado uma prática colusória constitutiva de uma restrição da concorrência por objetivo, há que examinar primeiro se essas transferências de valor se podem justificar integralmente pela necessidade de compensar custos ou inconvenientes ligados a esse litígio, tais como as despesas e honorários de advogados deste último fabricante, ou de remunerar o fornecimento efetivo e comprovado de bens ou serviços deste ao fabricante de medicamentos originais. Se não esse o caso, há que verificar se essas transferências de valor se explicam unicamente pelo interesse comercial desses fabricantes de medicamentos em não concorrerem pelo mérito. Para efeitos desta análise, importa, em cada caso concreto, apreciar se o saldo positivo líquido das transferências de valor era suficiente para incentivar efetivamente o fabricante de medicamentos genéricos a renunciar a entrar no mercado em causa e, portanto, a não fazer concorrência com base no mérito ao fabricante de medicamentos originais, sem que seja necessário que esse saldo positivo líquido seja necessariamente superior aos lucros que esse fabricante de medicamentos genéricos teria realizado se tivesse obtido ganho de causa no processo em matéria de patentes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.os 84 a 94].

    105

    A este respeito, há que lembrar que a contestação da validade e do âmbito de uma patente faz parte do jogo normal da concorrência nos setores em que existem direitos de exclusividade sobre tecnologias, pelo que as transações através das quais um fabricante de medicamentos genéricos candidato à entrada num mercado reconhece, pelo menos temporariamente, a validade de uma patente detida por um fabricante de medicamentos originais e se obriga, por isso, a não a contestar nem entrar nesse mercado são suscetíveis de restringir a concorrência [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.o 81 e jurisprudência referida].

    106

    Em face destes elementos, cabia ao Tribunal Geral aplicar os critérios expostos nos n.os 104 e 105 do presente acórdão para decidir sobre a parte da argumentação da Servier apresentada em particular no âmbito do nono fundamento em primeira instância, relativa à existência de uma restrição da concorrência por objetivo e, assim, determinar se a Comissão tinha podido validamente, na decisão controvertida, declarar a existência de tal restrição.

    107

    Assim, uma vez demonstrada a existência dos elementos relativos à concorrência potencial, que são objeto do primeiro fundamento do presente recurso, cabia ao Tribunal Geral, nessa segunda fase, verificar se os acordos de transação e de licença Krka constituíam um acordo de partilha de mercado que restringia a concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, categoria de acordos expressamente proibida por esta disposição. Cabia‑lhe examinar, nesse contexto, os objetivos desses acordos, bem como a ligação económica que existia entre eles, segundo a decisão controvertida, e, mais especificamente, a questão de saber se a transferência de valor pela Servier para a Krka através do acordo de licença Krka era suficiente para incentivar a Krka a proceder a uma repartição dos mercados com a Servier, renunciando, ainda que temporariamente, a entrar nos mercados principais da Servier em contrapartida da garantia de poder comercializar a sua versão genérica do perindopril nos seus próprios mercados principais sem correr o risco de ser objeto de ações por contrafação por parte da Servier.

    108

    Além disso, o Tribunal Geral devia ter em conta as intenções subjetivas das empresas envolvidas para verificar se, em face dos elementos referidos no número anterior, correspondiam à sua análise das finalidades objetivas que essas empresas pretendiam atingir face à concorrência, esclarecendo‑se, porém, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de essas mesmas empresas terem agido sem a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e de terem prosseguido certos objetivos legítimos não são determinantes para efeitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 167 e jurisprudência referida).

    4.   Quanto ao primeiro fundamento

    a)   Quanto à relevância do primeiro fundamento

    1) Argumentos das partes

    109

    A Servier alega que o primeiro fundamento, segundo o qual o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao concluir que a Krka não era uma fonte de pressão concorrencial sobre a Servier à data dos acordos Krka, é inoperante. O facto de o Tribunal Geral não se ter pronunciado sobre a concorrência potencial não pode pôr em causa as suas apreciações relativas à inexistência de restrição da concorrência por objetivo. Com efeito, entende que a demonstração de uma concorrência potencial não é condição suficiente para adotar essa qualificação. A Servier acrescenta que, tendo o Tribunal Geral considerado que a Comissão tinha erradamente adotado esta qualificação baseando‑se em fundamentos alheios à qualidade de concorrente potencial da Krka, não era necessário examinar tal qualidade, como resulta, aliás, do n.o 1234 do acórdão recorrido.

    110

    Segundo a Comissão, o primeiro fundamento é operante.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    111

    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um fundamento dirigido contra fundamentos de um acórdão recorrido que não tenham influência no seu dispositivo é inoperante e deve, portanto, ser julgado improcedente (Acórdão de 27 de abril de 2023, Fondazione Cassa di Risparmio di Pesaro e o./Comissão, C‑549/21 P, EU:C:2023:340, n.o 80 e jurisprudência referida).

    112

    Por outro lado, o Tribunal Geral, após ter exposto os motivos pelos quais um fundamento de anulação deve ser julgado procedente, pode considerar, por razões de economia processual, que não é necessário responder a todos os argumentos expostos em apoio desse fundamento, desde que esses fundamentos sejam suficientes para justificar a parte decisória do acórdão recorrido (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Conselho e Comissão/Interpipe Niko Tube e Interpipe NTRP, C‑191/09 P e C‑200/09 P, EU:C:2012:78, n.o 111).

    113

    No caso, o ponto 1 da parte decisória do acórdão recorrido, nos termos do qual o Tribunal Geral anulou o artigo 4.o da decisão controvertida que tinha declarado a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE devido aos acordos Krka, assenta, por um lado, nos fundamentos expostos nos n.os 943 a 1060 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha erradamente considerado que estes acordos eram constitutivos de uma restrição da concorrência por objetivo, e, por outro, nos fundamentos expostos nos n.os 1061 a 1232 desse acórdão, nos quais o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha concluído erradamente pela existência de uma restrição da concorrência por efeito. Assim, após ter considerado, em substância, no n.o 1233 do referido acórdão, que a Comissão não tinha demonstrado que a Servier, ao celebrar os acordos Krka, tinha cometido uma infração ao artigo 101.o TFUE, o Tribunal Geral declarou, no n.o 1234 do mesmo acórdão, que havia que anular o artigo 4.o da decisão controvertida, «não sendo necessário examinar as outras alegações invocadas pela [Servier] no âmbito do presente fundamento e o fundamento relativo à qualidade de concorrente potencial da Krka».

    114

    Ao contrário do que alega a Servier, esta apreciação do Tribunal Geral não significa que o primeiro fundamento do recurso da Comissão se dirige contra fundamentos do acórdão recorrido que não têm influência no seu dispositivo. Com efeito, este fundamento visa pôr em causa os fundamentos desse acórdão relativos à qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por objetivo, fundamentos que levaram o Tribunal Geral a anular o artigo 4.o da decisão controvertida. Com o referido fundamento, a Comissão alega, em substância, que o Tribunal Geral, no âmbito da sua análise da qualificação dos acordos Krka à luz do conceito de restrição da concorrência por objetivo, tomou em consideração o alegado reconhecimento pela Krka da validade da patente 947, nomeadamente com fundamento num critério jurídico errado, numa apreciação parcial, ou mesmo seletiva, das provas que figuravam na decisão controvertida, bem como na desvirtuação de algumas dessas provas. A Comissão alega, em particular, que o Tribunal Geral não se podia pronunciar sobre o reconhecimento pela Krka da validade da patente 947 sem examinar as provas mencionadas na decisão controvertida para demonstrar que a Krka era um concorrente potencial da Servier. Segundo esta instituição, essas provas demonstram que a Krka, que tinha simultaneamente a determinação firme e a capacidade própria para entrar no mercado do perindopril, não celebrou a transação Krka por estar convencida da validade dessa patente, mas sim porque o acordo de licença Krka a tinha incentivado a celebrar um acordo com a Servier numa repartição geográfica dos mercados nacionais, renunciando cada uma delas a fazer concorrência à outra nos seus principais mercados.

    115

    Refira‑se a esse respeito que o Tribunal Geral constatou, antes de mais, no n.o 970 do acórdão recorrido, que existiam no momento da celebração dos acordos de transação e de licença Krka «indícios concordantes que pod[iam] deixar as partes pensar que a patente 947 era válida» e, em seguida, no n.o 971 desse acórdão, que a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 que confirmava a validade da patente 947 tinha, portanto, sido «um dos elementos desencadeadores que conduziram aos acordos de [transação] e de licença». Por último, deduziu daí, no n.o 972 do referido acórdão, que «a associação destes dois acordos era justificada e não constitu[ía], assim, um indício sério da existência de um pagamento compensatório da Servier para a Krka a que [tivesse dado] lugar o acordo de licença».

    116

    Do mesmo modo, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1026 e 1162 do acórdão recorrido, que o facto de a Krka ter continuado a contestar as patentes da Servier e a comercializar o seu produto mesmo quando a validade da patente 947 tinha sido confirmada pela Divisão de Oposição do IEP não constituía um elemento determinante para concluir pela existência de uma restrição de concorrência por objetivo, uma vez que a manutenção dessa pressão concorrencial exercida pela Krka sobre a Servier pode ser explicada pela sua vontade, apesar dos riscos processuais que antecipava, de reforçar a sua posição nas negociações que poderia iniciar com a Servier com vista a chegar a uma transação.

    117

    Ora, este raciocínio só é compreensível se se considerar que o Tribunal Geral considerou necessariamente que, depois de o IEP ter confirmado a validade da patente 947, o perindopril da Krka, composto pela forma cristalina alfa da erbumina protegida por esta patente, já não podia concorrer com o da Servier, pondo assim termo a qualquer concorrência potencial entre estas empresas. Nesta perspetiva, a transação Krka, através da qual esta empresa renunciou a entrar nos mercados da Servier, mais não faz do que refletir os direitos decorrentes dessa patente e não pode, portanto, ser entendida como a verdadeira contrapartida da concessão, pela Servier, de uma licença da referida patente nos mercados principais da Krka. Ora, o Tribunal Geral indicou expressamente no n.o 1234 do acórdão recorrido que havia que anular o artigo 4.o da decisão controvertida, «não sendo necessário examinar […] o fundamento relativo à qualidade de concorrente potencial da Krka». Contudo, resulta dos fundamentos que levaram à anulação dessa decisão que o Tribunal Geral, na realidade, examinou algumas alegações relativas a este fundamento, bem como vários considerandos da referida decisão que dizem respeito à questão da concorrência potencial entre a Krka e a Servier.

    118

    Com efeito, resulta das apreciações efetuadas, nomeadamente, nos n.os 943 a 1032 e 1140 a 1233 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral se baseou de forma decisiva no alegado reconhecimento pela Krka da validade da patente 947 na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, tanto no que respeita à qualificação dos acordos Krka de restrição da concorrência por objetivo como de restrição da concorrência por efeito. Tendo o Tribunal Geral considerado que a possibilidade de a Krka entrar nos mercados principais da Servier para concorrer com ela dependia essencialmente da questão de saber se, à data dos acordos Krka, a Krka reconhecia a validade da patente 947, e a qualidade da Krka enquanto concorrente potencial da Servier resultante da possibilidade de a Krka entrar nesses mercados, há que considerar que existe uma ligação estreita entre este alegado reconhecimento e a qualidade da Krka enquanto concorrente potencial da Servier.

    119

    Nestas condições, contrariamente ao que alega a Servier, o facto de o Tribunal Geral, após ter acolhido a argumentação desta empresa sobre a existência de uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, ter indicado no n.o 1234 do acórdão recorrido que não havia que decidir sobre «o fundamento relativo à qualidade de concorrente potencial da Krka» não significa, portanto, que o primeiro fundamento da Comissão seja dirigido contra fundamentos sem influência no dispositivo desse acórdão, uma vez que resulta, nomeadamente, dos seus n.os 967, 968 e 970 a 972 que o Tribunal Geral examinou necessariamente certas alegações apresentadas pela Servier em primeira instância relativas à concorrência potencial.

    120

    Daí resulta que o primeiro fundamento é operante.

    b)   Quanto às partes primeira a terceira

    1) Argumentos das partes

    121

    Com a primeira parte do seu primeiro fundamento, a Comissão critica o n.o 1026 do acórdão recorrido. Na sua opinião, o Tribunal Geral não aplicou o critério correto quando parece ter considerado que a Krka tinha deixado de ser um concorrente potencial na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e porque já não tinha incentivo para entrar no mercado. A esse respeito, por um lado, há que determinar se, na falta de acordos, teria havido possibilidades reais e concretas de entrar no mercado e de fazer concorrência às empresas estabelecidas. Entende ainda que o Tribunal Geral substituiu a avaliação da Comissão pela sua ao considerar que a Krka só tinha continuado a exercer pressão concorrencial sobre a Servier após esta decisão do IEP para reforçar a sua posição na negociação com essa empresa, sem explicar por que razões a Krka, sem as transações em causa, não teria tido a possibilidade de entrar no mercado.

    122

    Com a primeira parte do seu primeiro fundamento, a Comissão critica os n.os 970 e 1028 do acórdão recorrido. Afirma que o Tribunal Geral considerou, em substância, que a Comissão não tinha conseguido provar que a transação Krka tinha sido celebrada por essa empresa por razões diferentes do facto de a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 a ter convencido da validade da patente 947. Ora, o Tribunal Geral não examinou as provas e o raciocínio contrários que figuram nos considerandos 1686 a 1690 da decisão controvertida. Segundo a Comissão, o Tribunal Geral violou, assim, as regras relativas à administração da prova e o alcance da fiscalização da legalidade que lhe cabe efetuar nos termos do artigo 263.o TFUE quanto às decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE.

    123

    Na terceira parte do seu primeiro fundamento, a Comissão alega uma contradição entre o n.o 361 e o n.o 970 do acórdão recorrido. O primeiro afirma que a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 não bastava, por si só, para impedir uma concorrência potencial de se desenvolver, ao passo que, de acordo com o segundo, a referida decisão do IEP tinha convencido a Krka da validade da patente 947, levando‑a assim a transigir com a Servier.

    124

    A Servier alega, antes de mais, que a primeira parte procede de uma leitura errada do acórdão recorrido, uma vez que o Tribunal Geral não afastou a qualidade de concorrente potencial da Krka. Entende que o Tribunal Geral não substituiu a apreciação da Comissão pela sua, tendo sim rejeitado a pertinência do prosseguimento dos litígios pela Krka após a decisão do IEP de 27 de julho de 2006. Em seguida, a Servier alega que a segunda parte é inadmissível, pois a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que reexamine os factos à luz das provas mencionadas na decisão controvertida, nomeadamente nos seus considerandos 1680 a 1700. Por último, alega que a terceira parte é improcedente.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    125

    A título preliminar, há que rejeitar a alegação da Servier de que a argumentação da Comissão apresentada nas três primeiras partes do primeiro fundamento assenta numa leitura errada do acórdão recorrido. Com efeito, como resulta dos n.os 114 a 119 do presente acórdão, ao declarar, nomeadamente no n.o 970 do acórdão recorrido, que existiam, no momento da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, indícios concordantes que podiam levar a Servier e a Krka a pensar que a patente 947 era válida, o Tribunal Geral deduziu destes indícios que a concorrência entre estas empresas nos mercados nacionais no interior da União estava agora excluída e que, portanto, já não existia concorrência potencial entre elas.

    126

    Há que analisar, em primeiro lugar, a terceira parte do primeiro fundamento, uma vez que se refere a uma alegada falta de fundamentação do acórdão recorrido. Embora exista uma certa tensão entre, por um lado, os n.os 970 e 1154 do acórdão recorrido e, por outro, o n.o 361 desse acórdão, este último número está redigido em termos prudentes que não se pode considerar contradizerem diretamente esses dois outros números. Com efeito, nesse n.o 361, o Tribunal Geral indicou que o facto de a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 ter declarado a patente 947 válida não bastava «por si só» para impedir uma concorrência potencial. Ora, esta constatação não é incompatível com a que decorre, como referido no n.o 125 do presente acórdão, do n.o 970 do acórdão recorrido, segundo a qual o Tribunal Geral considerou que a Servier e a Krka não eram concorrentes potenciais antes da celebração dos acordos Krka, tendo em conta, nomeadamente, os «indícios concordantes» que levavam a estas empresas a pensar que a patente 947 era válida.

    127

    Quanto à admissibilidade da segunda parte do primeiro fundamento, há que lembrar que são admissíveis em segunda instância as alegações relativas ao apuramento dos factos e à sua apreciação na decisão impugnada quando se afirme que o Tribunal Geral fez constatações cuja inexatidão material resulta dos documentos dos autos ou que desvirtuou os elementos de prova que lhe foram apresentados (Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.o 35).

    128

    Uma desvirtuação tem de resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 43). Embora essa desvirtuação possa consistir numa interpretação de um documento contrária ao seu conteúdo, deve resultar de forma manifesta dos autos e pressupõe que o Tribunal Geral tenha manifestamente excedido os limites de uma apreciação razoável desses elementos de prova. A este respeito, não basta demonstrar que um documento podia ser objeto de uma interpretação diferente da que lhe foi dada pelo Tribunal Geral (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Alcogroup e Alcodis/Comissão, C‑403/18 P, EU:C:2019:870, n.o 64 e jurisprudência referida).

    129

    Contrariamente ao que alega a Servier, a Comissão, com a segunda parte do seu primeiro fundamento, não visa obter uma nova apreciação das provas, que, com efeito, não é da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância. Com a sua argumentação, a Comissão invoca, em substância, um erro na aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral, no âmbito da fiscalização da legalidade da decisão controvertida, não tomou em consideração todos os elementos relevantes para determinar se a Comissão podia validamente considerar que os acordos Krka podiam ser qualificados de restrição da concorrência, ainda que potencial. Assim, a Comissão contesta um erro de direito, que é da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância.

    130

    Quanto ao mérito, no que respeita à primeira e segunda partes do primeiro fundamento, cabia ao Tribunal Geral aplicar os critérios expostos nos n.os 100 a 103 do presente acórdão para decidir sobre a parte da argumentação apresentada pela Servier, em particular no âmbito do nono fundamento de primeira instância relativo à concorrência potencial e assim determinar se, na decisão controvertida, a Comissão podia validamente concluir que a Krka era um concorrente potencial da Servier no momento da celebração dos acordos Krka.

    131

    Tendo em conta as características da infração ao artigo 101.o TFUE declarada na decisão controvertida, o Tribunal Geral devia, portanto, examinar se esses acordos tinham sido celebrados entre empresas que se encontravam numa relação de concorrência potencial e podiam ser qualificados de restrição da concorrência. Para este efeito, esse tribunal tinha de verificar se a Comissão tinha razão ao considerar que existiam, à data da celebração dos referidos acordos, possibilidades reais e concretas de a Krka entrar no mercado relevante e fazer concorrência à Servier, tendo em conta diligências preparatórias suficientes e a inexistência de barreiras a essa entrada que apresentassem um caráter intransponível, podendo a constatação de uma concorrência potencial, sendo caso disso, ser corroborada por elementos adicionais, tais como a existência de uma transferência de valor a favor da Krka em contrapartida do adiamento da sua entrada no mercado.

    132

    É certo que, no caso de a validade de uma patente que protege um medicamento original ou um dos seus processos de fabrico ter sido estabelecida de forma definitiva em todos os tribunais chamados a conhecer dessa questão, seria dificilmente concebível que outros elementos do contexto económico e jurídico que caracterizam de forma objetiva as relações de concorrência entre o titular dessas patentes e um fabricante de medicamentos genéricos pudessem fundamentar a conclusão de que ainda existia uma relação de concorrência potencial entre eles. Contudo, quando estiverem ainda pendentes litígios que os oponham quanto à questão da validade da patente em causa, cabe à autoridade administrativa ou ao tribunal competente examinar todos os elementos relevantes antes de chegar à conclusão de que esse titular e esse fabricante não são concorrentes potenciais, como decorre da jurisprudência recordada no n.o 102 do presente acórdão.

    133

    Ora, em vez de aplicar os critérios expostos nos n.os 100 a 103, 131 e 132 do presente acórdão para proceder às verificações necessárias para determinar se a Krka era um concorrente potencial da Servier, como lhe incumbia fazer, o Tribunal Geral limitou‑se a afirmar, em substância, nomeadamente nos n.os 970, 1026 e 1028 do acórdão recorrido, que estas duas empresas estavam convencidas de que a patente 947 era válida e, sem fundamentação específica ou provas, que o comportamento da Krka que consistia em manter a pressão concorrencial sobre a Servier se podia explicar pela sua vontade de reforçar a sua posição nas negociações que poderia vir a era iniciar com a Servier com vista a uma transação acompanhada de um acordo de licença, tendo a obtenção de tal licença passado a ser a solução comercial que tinha a sua preferência no mercado do perindopril.

    134

    Daí resulta ser improcedente a primeira parte do primeiro fundamento. Com efeito, o Tribunal Geral errou quanto à relevância jurídica da situação das patentes nos mercados em causa, bem como das intenções subjetivas das partes, e cometeu um erro de direito na aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE ao apreciar o conceito de concorrência potencial segundo critérios errados.

    135

    Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, cabia ao Tribunal Geral, em conformidade com o que se considerou no n.o 132 do presente acórdão e tendo em conta a jurisprudência referida seu no n.o 102, ter em conta todos os elementos relevantes com base nos quais a Comissão considerou, na decisão controvertida, que a Krka e a Servier estavam numa relação de concorrência potencial. Ora, ao limitar, no essencial, a sua análise relativa à relação entre estas duas empresas, à data da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, unicamente à situação das patentes e, em especial, à perceção que a Krka podia ter da validade da patente 947, bem como às intenções subjetivas das partes, tendo em conta mais especificamente as decisões do IEP de 27 de julho de 2006 e da High Court de 3 de outubro de 2006, o Tribunal Geral violou essa obrigação.

    136

    Com efeito, o Tribunal Geral não só cometeu um erro de direito quanto à fiscalização que lhe compete efetuar relativamente às decisões da Comissão relativas aos procedimentos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, como também violou o dever de fundamentar os acórdãos, que lhe incumbe por força do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, por não ter exposto, no n.o 970 do acórdão recorrido, os fundamentos em que se baseou para declarar implicitamente, nesse mesmo número, que a Servier e a Krka já não eram concorrentes potenciais, mesmo apesar de os elementos que figuram, nomeadamente, nos considerandos 1686 a 1690 da decisão controvertida se destinarem a demonstrar o contrário. O facto de o Tribunal Geral não ter enunciado expressamente que tinha afastado a existência de uma concorrência potencial entre a Krka e a Servier não é suscetível de pôr em causa esta constatação relativa a uma falta de fundamentação. Com efeito, não se pode admitir que o Tribunal Geral, ao não enunciar uma etapa essencial do seu próprio raciocínio, se possa dispensar do seu dever de fundamentar os seus acórdãos e, assim, impedir o Tribunal de Justiça de estar em condições de exercer a sua fiscalização em segunda instância.

    137

    Daqui resulta que as partes primeira e segunda do primeiro fundamento devem ser acolhidas. Em contrapartida, a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

    c)   Quanto às partes quarta e sexta

    1) Argumentos das partes

    138

    Com a quarta parte do seu primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 967, 968 e 970 do acórdão recorrido, ter desvirtuado as provas aí referidas, relativas à decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e à decisão da High Court de 3 de outubro de 2006.

    139

    Com a sexta parte deste fundamento, a Comissão alega, antes de mais, que o Tribunal Geral desvirtuou as provas referidas nos n.os 968, 1017 e 1024 do acórdão recorrido, das quais resulta, segundo esse tribunal, que essas decisões tinham alterado substancialmente o contexto em que os acordos de transação e de licença Krka foram celebrados, em particular no que respeita à perceção que a Krka e a Servier podiam ter da validade da patente 947.

    140

    Essas desvirtuações viciam a validade das apreciações feitas pelo Tribunal Geral, por um lado, nos n.os 970, 1025 e 1028 do referido acórdão quanto ao reconhecimento pela Krka da validade da patente 947 e, por outro, no n.o 999 do mesmo acórdão, quanto ao facto de esse reconhecimento explicar por que razão a Krka, em vez de se lançar numa entrada dita «de risco» nos mercados de todos os Estados‑Membros, preferiu limitar‑se aos seus mercados principais, abrangidos pelo acordo de licença Krka. A Comissão sustenta, em seguida, que estas apreciações são desmentidas pelas provas referidas nos considerandos 1687, 1693 e 1826 da decisão controvertida, que o Tribunal Geral não examinou. Por último, alega que a fundamentação do acórdão recorrido é insuficiente e contraditória.

    141

    Segundo a Servier, antes de mais, a alegação de desvirtuação não deve ser aceite, uma vez que a Comissão não identificou nenhuma prova que tenha sido objeto de desvirtuação. Seguidamente, essa alegação, uma vez que, na realidade, visa unicamente a decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, é inoperante. Assim, mesmo que se viesse a considerar que as injunções não tinham alterado a perceção, pela Krka, da validade da patente 947, isso não poria em causa o facto de a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 a ter alterado.

    142

    Por último, a argumentação da Comissão é desprovida de fundamento. O Tribunal Geral teve em conta o facto de a Krka ter mantido as suas contestações após a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 que confirmou a validade da patente 947, mas considerou soberanamente que isso não punha em causa a consideração de que a Krka tinha transigido devido à perceção que tinha adquirido da validade desta patente. Quanto ao restante, a argumentação da Comissão resulta de uma leitura errada do acórdão recorrido. Longe de ter justificado a sua decisão com fundamentos contraditórios, o Tribunal Geral referiu que vários indícios tinham podido levar a Krka a pensar que a patente 947 era válida, o que a levou a transigir. O Tribunal Geral declarou que tanto essa circunstância como a inexistência de qualquer pagamento compensatório contribuíam para excluir a qualificação de restrição da concorrência por objetivo, sem, todavia, afastar a qualidade de concorrente potencial da Krka.

    143

    Quanto à decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, a Servier alega que o caráter temporário de uma injunção não contradiz a apreciação factual do Tribunal Geral no sentido de que essa injunção contribuiu para alterar o contexto em que foram celebrados os acordos de transação e de licença Krka. Por outro lado, essas injunções alteraram efetivamente o contexto dos acordos.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    144

    Refira‑se, desde logo, que, não obstante o facto de as duas primeiras partes do primeiro fundamento terem sido julgadas procedentes, tendo como consequência a consideração de que o raciocínio do Tribunal Geral relativo à concorrência potencial estava ferido de erros de direito, continua a ser útil examinar as outras partes deste fundamento para determinar se, independentemente de o Tribunal Geral não ter aplicado os critérios jurídicos que se impunham e não ter tido em conta todas as provas relevantes, a interpretação que adotou das provas que efetivamente examinou está ferida de ilegalidade, nomeadamente de uma eventual desvirtuação dessas provas, como alega a Comissão.

    145

    No n.o 965 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou se existiam verdadeiros litígios entre a Servier e a Krka e se o acordo de licença Krka parecia ter uma ligação suficientemente direta com a transação nesses litígios para que a sua associação à transação Krka fosse justificada. Nos n.os 967 e 968 deste acórdão, o Tribunal Geral referiu a existência de litígios entre a Servier e a Krka que deram origem, por um lado, à decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e, por outro, à decisão da High Court de 3 de outubro de 2006. No n.o 970 desse acórdão, o Tribunal Geral afirmou que existiam, no momento da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, «indícios concordantes que pod[iam] deixar as partes pensar que a patente 947 era válida» e, a este respeito, remeteu para a leitura dos n.os 967 e 968 do mesmo acórdão.

    146

    Para verificar se o Tribunal Geral desvirtuou a decisão da High Court de 3 de outubro de 2006 e a decisão do IEP de 27 de julho de 2006, a fiscalização efetuada pelo Tribunal de Justiça limita‑se à verificação de que o Tribunal Geral não ultrapassou manifestamente os limites de uma apreciação razoável dos referidos elementos. Não cabe ao Tribunal de Justiça apreciar de forma autónoma se a Comissão cumpriu o ónus da prova que lhe incumbia para demonstrar a existência de uma restrição da concorrência por objetivo, mas sim determinar se o Tribunal Geral, ao concluir que não era esse o caso, fez uma leitura desses mesmos elementos de prova manifestamente contrária à sua redação (v., por analogia, Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Activision Blizzard Germany/Comissão, C‑260/09 P, EU:C:2011:62, n.o 57).

    147

    É à luz destas considerações que devem ser examinadas as alegações de desvirtuação feitas pela Comissão.

    i) Quanto à decisão da High Court de 3 de outubro de 2006

    148

    O n.o 968 do acórdão recorrido tem a seguinte redação:

    «[…] Em 1 de setembro de 2006, a Krka tinha apresentado um pedido reconvencional de anulação da patente 947 e, em 8 de setembro de 2006, outro pedido reconvencional de anulação da patente 340. Em 3 de outubro de 2006, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes)], deferiu o pedido de injunção provisória da Servier e indeferiu o pedido apresentado pela Krka em 1 de setembro de 2006. Em 1 de dezembro de 2006, a instância em curso foi extinta em conformidade com o acordo de resolução amigável celebrado entre as partes e injunção provisória foi levantada».

    149

    Resulta da formulação deste n.o 968 que o Tribunal Geral, ao referir‑se ao indeferimento do «pedido apresentado pela Krka em 1 de setembro de 2006» visava o indeferimento, pela decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, do pedido reconvencional dessa empresa.

    150

    No entanto, esta decisão, que figura no anexo A.174 da petição em primeira instância da Servier, enuncia, por um lado, que é deferido o pedido de injunção provisória da Servier e, por outro, que não é julgado improcedente o pedido reconvencional da Krka, mas sim o pedido reconvencional de declaração de invalidade da patente 947 através do processo de julgamento sumário.

    151

    Daí resulta que, no n.o 968 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou os termos claros e precisos da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, apesar de a ter fielmente citado nos n.os 23 e 1196 desse acórdão.

    152

    Com base nesta desvirtuação, o Tribunal Geral afirmou, antes de mais, no n.o 970 do acórdão recorrido, que «existiam, no momento da [celebração] dos acordos de [transação] e de licença [Krka], indícios concordantes que pod[iam] deixar as partes pensar que a patente 947 era válida» e, em seguida, no n.o 1017 deste acórdão, que os dois acontecimentos constituídos pela decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e pela decisão da High Court de 3 de outubro de 2006«alteraram substancialmente o contexto em que os acordos foram [celebrados], em particular no que respeita à perceção de que a Krka, mas também a Servier, podiam ter da validade da patente 947». Por último, com base nesta última constatação, o Tribunal Geral, no n.o 1024 do referido acórdão, considerou que a ocorrência destes dois acontecimentos «limita consideravelmente» a relevância de um documento da Servier relativo à sua estratégia em relação à Krka. Por outro lado, no n.o 999 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral afirmou que a Krka não tinha transigido com a Servier em contrapartida dos benefícios proporcionados pelo acordo de licença Krka, mas sim devido ao facto de a Krka «reconhecer a validade da patente 947», que era o «elemento determinante» a esse respeito.

    153

    A decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, tendo em conta a sua natureza provisória e o procedimento preliminar no termo do qual foi adotada, a referida decisão em nada prejudicava a decisão da causa quanto ao mérito, como aliás o Tribunal Geral referiu, em substância, nos n.os 367 e 368 do acórdão recorrido. Com efeito, o julgador nacional, na realidade, limitou‑se a constatar, em conformidade com os critérios de concessão de um julgamento sumário, que o pedido reconvencional da Krka não era manifestamente procedente, não deixando de salientar a esse respeito, no n.o 70 da mesma decisão, que não tinha «qualquer dúvida de que a Krka pôde demonstrar que existe uma questão séria a julgar, no caso, a de saber se a venda dos comprimidos [de perindopril da Servier] antes da data de prioridade priva a patente [947] de novidade», precisando, porém, que não estava «convencido de que a Servier não tem reais perspetivas de defesa a aplicar para defender a patente [947] contra tal ataque».

    154

    Ao desvirtuar assim os termos claros e precisos da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, o Tribunal Geral feriu de ilegalidade os n.os 968, 970, 999, 1017 e 1024 do acórdão recorrido.

    ii) Quanto à decisão do IEP de 27 de julho de 2006

    155

    O n.o 967 do acórdão recorrido tem a seguinte redação:

    «[D]ez sociedades de genéricos, entre as quais a Krka, tinham apresentado oposição contra a patente 947 no IEP em 2004, com vista a obter a sua revogação na íntegra, invocando fundamentos relativos à falta de novidade e de atividade inventiva e à exposição insuficiente da invenção. Em 27 de julho de 2006, a Divisão de Oposição do IEP tinha confirmado a validade desta patente na sequência de pequenas alterações das reivindicações iniciais da Servier. Em seguida, sete sociedades interpuseram recurso da decisão do IEP de 27 de julho de 2006. A Krka retirou‑se do processo de oposição em 11 de janeiro de 2007 em conformidade com [a transação] alcançad[a] com a Servier».

    156

    Assim, o Tribunal Geral relatou com exatidão o conteúdo da decisão do IEP de 27 de julho de 2006.

    157

    Contudo, há que observar que a afirmação, no n.o 970 do acórdão recorrido, de que «existiam, no momento da [celebração] dos acordos de [transação] e de licença [Krka], indícios concordantes que pod[iam] deixar as partes pensar que a patente 947 era válida» assenta, pelo menos parcialmente, na desvirtuação da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, na qual o Tribunal Geral se baseou igualmente nos n.os 1017 e 1024 desse acórdão.

    158

    Além disso, esta afirmação do Tribunal Geral abstrai de vários outros elementos de prova mencionados na decisão controvertida, que provam, segundo a Comissão, que, embora a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 constituísse um reverso para a Krka, esta empresa estava longe de se ter resignado a reconhecer a validade da patente 947. A decisão controvertida menciona, nomeadamente, nos considerandos 1687 a 1689 que a Krka, que tinha interposto recurso dessa decisão do IEP, prosseguiu igualmente a contestação da patente 947 ao apresentar, em 1 de setembro de 2006, no Reino Unido, um pedido reconvencional de invalidação dessa patente contra a Servier. A decisão da High Court de 3 de outubro de 2006 sublinha que a Krka tinha uma base «sólida» para impugnar a patente 947. A decisão controvertida menciona igualmente declarações de empregados da Krka em reação à referida decisão, que contradizem qualquer resignação face à decisão do IEP de 27 de julho de 2006, bem como o facto de a Krka ter obtido, no mês de setembro de 2006, a improcedência da ação por contrafação da patente 947 intentada pela Servier na Hungria e prosseguido a comercialização da sua versão genérica do perindopril no mercado desse Estado‑Membro.

    159

    Foi com base nestes elementos que a decisão controvertida emitiu, no considerando 1690, a seguinte declaração quanto à posição da Krka na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006:

    «A avaliação pela Krka da situação da patente foi certamente influenciada pela decisão de oposição e pela concessão de providências cautelares contra a Krka e a Apotex no Reino Unido. No entanto, isto sugere fortemente que, de um ponto de vista ex ante, nada obstava a uma possibilidade real e concreta de a Krka invalidar a patente 947 num processo relativo ao mérito.»

    160

    Por conseguinte, é claro, pela leitura destes elementos, que a decisão controvertida, examinada no seu conjunto, visava demonstrar, com base num conjunto de indícios concordantes, que a Krka não se tinha resignado a reconhecer a validade da patente 947 na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006, apesar das dúvidas que esta decisão pudesse ter gerado quanto às possibilidades de obter a revogação dessa patente. Ora, no n.o 970 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou sem fundamentação adequada, uma vez que não examinou todas as provas invocadas a esse respeito na decisão controvertida, que «existiam, no momento da [celebração] dos acordos de [transação] e de licença, indícios concordantes que pod[iam] deixar as partes pensar que a patente 947 era válida». Assim, como refere a advogada‑geral no n.o 105 das suas conclusões, o Tribunal Geral não só não tomou em consideração os elementos referidos nos n.os 158 e 159 do presente acórdão, como também não explicou as razões dessa omissão, ao passo que a existência de uma infração às normas da concorrência só pode ser apreciada corretamente se os indícios invocados pela decisão controvertida não forem considerados não isoladamente, mas sim no seu conjunto, tendo em conta as características do mercado dos produtos em causa (Acórdão de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, EU:C:1972:70, n.o 68).

    161

    Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral desvirtuou o sentido e o alcance da decisão controvertida na medida em que se refere aos efeitos da decisão do IEP de 27 de julho de 2006 sobre o reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka (v., por analogia, Acórdão de 11 de setembro de 2003, Bélgica/Comissão, C‑197/99 P, EU:C:2003:444, n.os 66 e 67). Além disso, violou o dever de fundamentar os seus acórdãos, que lhe incumbe por força do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, deste Estatuto, por não ter exposto, no n.o 970 do acórdão recorrido, os fundamentos em que se baseou, de forma suficiente a permitir aos interessados tomarem conhecimento desses fundamentos e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos para exercer a sua fiscalização em segunda instância (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2020, Comissão/GEA Group, C‑823/18 P, EU:C:2020:955, n.o 42 e jurisprudência referida).

    162

    Por conseguinte, além da desvirtuação da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, constatada no n.o 154 do presente acórdão, o n.o 970 do acórdão recorrido assenta numa desvirtuação da decisão controvertida e está ferido de falta de fundamentação.

    163

    Em face destes elementos, há que julgar procedentes as partes quarta e sexta do primeiro fundamento.

    d)   Quanto à quinta parte

    1) Argumentos das partes

    164

    Com a quinta parte do seu primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter considerado, no n.o 1000 do acórdão recorrido, que o facto de a Krka ter estimado o custo de oportunidade de não transigir com a Servier em dez milhões de euros num período de três anos constituía um indício do reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka. Primeiro, esta estimativa foi fornecida durante o inquérito, pelo que não podia ser utilizada retroativamente como prova da perceção da Krka à data da celebração dos acordos de transação e de licença Krka. Segundo, os lucros esperados pela Krka foram uma das razões pelas quais o acordo de licença Krka constituía um incentivo para transigir. Terceiro, nenhuma prova permitia afirmar, como fez o Tribunal Geral no n.o 1000 desse acórdão, que era pouco provável que a Krka decidisse entrar com risco nos seus mercados principais, os quais estavam abrangidos pelo acordo de licença Krka. Pelo contrário, o considerando 1675 da decisão controvertida fazia referência a provas sérias de tal intenção por parte da Krka.

    165

    Segundo a Servier, esta parte é inadmissível, uma vez que a Comissão não invoca nenhuma desvirtuação.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    166

    Refira‑se que a Comissão, com a quinta parte do seu primeiro fundamento, não invoca nenhuma desvirtuação, antes visa obter uma nova apreciação das provas, o que não é da competência do Tribunal de Justiça em segunda instância.

    167

    Há que julgar inadmissível, portanto, a quinta parte do primeiro fundamento.

    e)   Conclusão quanto ao primeiro fundamento

    168

    Em face de todas estas considerações, há que rejeitar as partes terceira e quinta do primeiro fundamento e julgar procedentes as partes primeira, segunda, quarta e sexta desse fundamento.

    5.   Quanto ao segundo fundamento

    a)   Quanto à segunda parte

    1) Argumentos das partes

    169

    Com a segunda parte do seu segundo fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por, nos n.os 963 e 965 a 972 do acórdão recorrido, ter considerado que, perante um verdadeiro litígio relativo a uma patente, a associação de uma transação e de um acordo de licença não constitui um indício sério de pagamento compensatório. Entende que este critério formalista é contrário à jurisprudência, nomeadamente ao Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 136), que exige, para identificar uma restrição da concorrência por objetivo, que se tenha em conta o conteúdo, o objetivo e o contexto económico e jurídico dos acordos controvertidos.

    170

    A Servier considera, a título preliminar, que a Comissão não contesta os critérios jurídicos expostos nos n.os 943 a 963 do acórdão recorrido, relativos à análise de uma transação num litígio relativo a uma patente associada a uma licença dessa patente, mas sim a aplicação desses princípios, bem como as apreciações factuais feitas pelo Tribunal Geral nos n.os 964 a 1032 desse acórdão.

    171

    A Servier alega que a segunda parte do segundo fundamento é pouco clara e manifestamente improcedente. Contrariamente ao que afirma a Comissão, o fundamento enunciado no n.o 972 do acórdão recorrido não se baseia unicamente na forma dos acordos em questão, mas também numa análise do seu contexto, descrito nos n.os 967, 968, 970 e 971 desse acórdão. Por outro lado, o Tribunal Geral rejeitou igualmente a tese da Comissão de que o objetivo do acordo era repartir os mercados.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    172

    Tendo em conta que a segunda parte do segundo fundamento incide sobre os critérios à luz dos quais o Tribunal Geral devia apreciar a existência de uma restrição da concorrência por objetivo, há que examiná‑la em primeiro lugar.

    173

    Há que observar que, com a segunda parte do segundo fundamento, a Comissão contesta os critérios jurídicos expostos no n.o 963 do acórdão recorrido e põe em causa a apreciação efetuada com base nesses critérios nos n.os 965 a 972 desse acórdão, sustentando, nomeadamente, que essa apreciação assenta «unicamente na forma dos acordos em causa» e «não tem qualquer fundamento na jurisprudência». Resulta, assim, do seu próprio enunciado que essa segunda parte do segundo fundamento inclui uma crítica dos critérios jurídicos expostos nos n.os 943 a 963 desse acórdão. O argumento preliminar da Servier procede, pois, de uma leitura errada do presente recurso.

    174

    No que respeita às críticas da Comissão dirigidas contra o n.o 963 do acórdão recorrido, importa recordar que, no referido número, o Tribunal Geral considerou que, perante um verdadeiro litígio relativo a uma patente e um acordo de licença diretamente relacionado com a transação nesse litígio, uma transação nesse litígio que inclua cláusulas restritivas da concorrência, como cláusulas de não contestação e de não comercialização, associada a um acordo de licença relativo a essa patente, só pode ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo se a Comissão puder demonstrar que esse acordo de licença não constitui uma transação celebrada em condições normais de mercado e oculta, assim, um pagamento compensatório.

    175

    Ora, embora a infração ao artigo 101.o TFUE declarada na decisão controvertida consistisse em a Servier e a Krka repartirem os mercados em duas zonas, apenas uma das quais estando abrangida pelo âmbito desta infração, o Tribunal Geral indicou, em substância, nos n.os 963 a 965 do acórdão recorrido, que se limitava a examinar se o acordo de licença Krka podia ser justificado pela transação Krka ou se, pelo contrário, este acordo de licença ocultava, na realidade, um pagamento compensatório que incitava a Krka a sujeitar‑se às cláusulas de não comercialização e de não contestação previstas nessa transação. Este raciocínio abstrai, por um lado, do facto de o acordo de licença Krka dizer respeito a mercados que não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da infração ao artigo 101.o TFUE e, por outro, da natureza dessa infração que não consiste numa simples transação num litígio de patente contra pagamento compensatório, mas sim num acordo de partilha de mercado.

    176

    Assim, os n.os 963 a 965 do acórdão recorrido enunciam critérios de apreciação da existência de uma restrição da concorrência por objetivo incompatíveis com os recordados nos n.os 99 a 105 do presente acórdão e que assentam numa interpretação errada do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Há que observar que as diferenças entre estes critérios jurídicos aplicados pelo Tribunal Geral e os recordados nos referidos n.os 99 a 105 do presente acórdão não são simplesmente de natureza semântica, antes conduzem a resultados que são substancialmente diferentes.

    177

    Além disso, importa recordar que, no n.o 972 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, «atendendo ao alcance das cláusulas do[s acordos de transação e de licença], assim como ao contexto em que estes acordos foram celebrados, há que constatar que a associação destes dois acordos era justificada e não constitui, assim, um indício sério da existência de um pagamento compensatório da Servier para a Krka a que daria lugar o acordo de licença», não deixando de remeter para a leitura do n.o 948 desse acórdão.

    178

    É certo que o facto de as empresas celebrarem uma transação num litígio relativo a uma patente associada a um acordo de licença relativo a essa mesma patente não constitui, em si mesmo, um comportamento restritivo da concorrência. No entanto, tais acordos podem, em função tanto do seu conteúdo como do seu contexto económico, constituir um meio apto a influenciar o comportamento comercial das empresas em causa, de forma a restringir ou falsear a concorrência no mercado em que essas duas empresas desenvolvem a sua atividade comercial (v., por analogia, Acórdão de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, EU:C:1987:490, n.o 37).

    179

    Ora, para ser abrangida pela proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, uma prática colusória tem de preencher diversos pressupostos que não dependem da natureza jurídica dessa prática ou dos instrumentos jurídicos destinados a pô‑la em prática, mas sim das suas relações com o jogo da concorrência. Uma vez que a aplicação dessa disposição assenta na avaliação das repercussões económicas da prática em causa, essa disposição não pode ser interpretada no sentido de que institui qualquer juízo antecipado em relação a uma categoria de acordos determinada pela sua natureza jurídica, devendo qualquer acordo ser apreciado à luz do seu conteúdo específico e do seu contexto económico, nomeadamente à luz da situação do mercado em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, EU:C:1966:38, p. 358, e de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, EU:C:1987:490, n.o 40). Como sublinhou a advogada‑geral, nomeadamente, no n.o 127 das suas conclusões, a efetividade do direito da concorrência da União ficaria gravemente comprometida se as partes em acordos anticoncorrenciais pudessem subtrair‑se à aplicação do artigo 101.o TFUE simplesmente fazendo esses acordos assumirem certas formas.

    180

    No caso, além de os acordos de transação e de licença Krka serem relativos a mercados distintos e de os mercados abrangidos pelo acordo de licença Krka não estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da infração ao artigo 101.o TFUE, há que salientar que, embora seja certo que a celebração pelo titular de uma patente de uma transação num litígio com um fabricante de medicamentos genéricos acusado de contrafação constitui a expressão do direito de propriedade intelectual desse titular e o autoriza, nomeadamente, a opor‑se a qualquer infração, não deixa de ser verdade que a referida patente não autoriza o seu titular a celebrar contratos que violem o artigo 101.o TFUE [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.o 97].

    181

    De resto, a qualificação de restrição da concorrência por objetivo não depende nem da forma dos contratos ou de outros instrumentos jurídicos destinados a levar a cabo essa prática colusória nem da perceção subjetiva que as partes podem ter do desfecho do litígio que as opõe quanto à validade de uma patente.

    182

    Por outro lado, como referido no n.o 108 do presente acórdão, o facto de haver empresas cujo comportamento possa ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo que tenham agido sem a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido certos objetivos legítimos não são determinantes para efeitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 167 e jurisprudência referida). Só é relevante a apreciação do grau de nocividade económica dessa prática no bom funcionamento da concorrência no mercado em causa. Essa apreciação deve assentar em considerações objetivas, se necessário na sequência de uma análise detalhada da referida prática, bem como dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico em que se insere [v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 84 e 85, e de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.o 131].

    183

    É por esta razão que, para determinar se uma prática colusória pode ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo, há que analisar o seu conteúdo, a sua génese, bem como o seu contexto jurídico e económico, em especial as características específicas do mercado em que se produzirão concretamente os seus efeitos. O facto de os termos de um acordo destinado a aplicar esta prática não revelarem um objetivo anticoncorrencial não é, por si só, determinante (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, EU:C:1983:310, n.os 23 a 25, e de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 26).

    184

    Ora, em vez de proceder a essa apreciação da prática colusória implementada através dos acordos de transação e de licença Krka à luz do seu conteúdo específico e das suas repercussões económicas, o Tribunal Geral, nos n.os 943 a 963 do acórdão recorrido, elaborou critérios destinados a identificar, de forma geral e abstrata, as condições em que a conjunção de uma transação num litígio relativo a uma patente e de um acordo de licença relativo a essa mesma patente pode, tendo em conta apenas as características jurídicas desses acordos, estar abrangidas pela qualificação de restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Ao aplicar estes critérios aos acordos de transação e de licença Krka, o Tribunal Geral concentrou a sua análise na forma e nas características jurídicas desses acordos, em vez de examinar as suas relações concretas com o jogo da concorrência. Violou, assim, os princípios que regem a aplicação e a interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, referidos nos n.os 179 e 183 do presente acórdão, e feriu de ilegalidade os n.os 943 a 972 do acórdão recorrido.

    185

    Daí resulta que a segunda parte do segundo fundamento deve ser acolhida.

    b)   Quanto às partes primeira, terceira e quarta

    1) Argumentos das partes

    186

    Com a primeira parte do seu segundo fundamento, a Comissão denuncia o caráter contraditório do raciocínio do Tribunal Geral. Com efeito, no n.o 1029 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reconheceu que o acordo de licença Krka era uma condição para que esta empresa aceitasse as cláusulas de não comercialização e de não contestação, as quais, como o Tribunal Geral sublinhou no n.o 273 deste acórdão, são «intrinsecamente restritiv[as]». Recusou, porém, inferir daí que esse acordo de licença incentivou a Krka a resolver por transação os litígios relativos à patente 947, baseando‑se em dois fundamentos errados, a saber, por um lado, a perceção pelas partes da validade dessa patente e, por outro, o facto de o referido acordo de licença ter sido celebrado em condições normais de mercado. O Tribunal Geral, baseando‑se na ficção de uma transação baseada no mérito da patente 947 e de uma licença dessa patente celebrada em condições de mercado, não atribuiu, portanto, para efeitos da qualificação jurídica desses acordos como restrição da concorrência por objetivo, suficiente importância ao objetivo prosseguido pelos referidos acordos. De resto, o Tribunal Geral ignorou as declarações pelas quais a Krka reconhecia ter «sacrificado» a sua entrada nos mercados principais da Servier a fim de poder permanecer nos seus sete mercados principais.

    187

    Com a terceira parte, a Comissão critica os fundamentos expostos nos n.os 806, 963, 975 a 984 e 1029 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral considerou que o acordo de licença Krka tinha sido celebrado em condições de mercado. Ora, esta consideração é irrelevante, pois o fator decisivo é o de os acordos de transação e de licença Krka não se basearem na avaliação, por cada uma das partes, da validade da patente 947, mas sim no seu objetivo comum de repartir os mercados, em detrimento dos consumidores, através dos acordos Krka, considerados no seu conjunto.

    188

    Com a quarta parte, a Comissão acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 806 e 977 a 982 do acórdão recorrido, ter limitado a sua análise do caráter incentivador do acordo de licença Krka à questão de saber se a taxa de direitos prevista nesse acordo era anormalmente baixa. O Tribunal Geral devia ter analisado o referido acordo em conjunto com a transação Krka e examinado o efeito desses acordos sobre os incentivos das partes para concorrerem entre si, bem como com o lucro — estimado em mais de 25 milhões de euros — ao qual a Servier renunciou ao celebrar esse mesmo acordo de licença.

    189

    A Servier objeta que a primeira parte do segundo fundamento é improcedente, uma vez que não está demonstrado o caráter contraditório dos fundamentos criticados pela Comissão. Acrescenta que o Tribunal Geral analisou de forma global os acordos de transação e de licença Krka e chegou à conclusão factual de que foi a força da patente 947 que convenceu a Krka a transigir. A argumentação da Comissão assenta na premissa errada de que a Krka podia ter entrado nos mercados principais da Servier quando a validade desta patente lho impedia.

    190

    Afirma que a terceira parte visa pôr em causa apreciações factuais e, por conseguinte, é inadmissível.

    191

    A quarta parte é manifestamente improcedente, uma vez que o Tribunal Geral teve em conta o contexto de patente, a relação entre a transação Krka e o acordo de licença Krka, bem como o valor atribuído pela Krka a essa licença. O lucro a que a Servier renunciou ao atribuir uma licença à Krka não figura entre os critérios jurídicos relevantes. Esta renúncia é inerente a qualquer transação e o cálculo do lucro alegadamente sacrificado pela Servier é falso.

    192

    Na opinião da EFPIA, a teoria das restrições acessórias deveria ter levado o Tribunal Geral a declarar a inaplicabilidade do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, tendo em conta o objetivo legítimo prosseguido pela transação Krka e a necessidade objetiva das suas cláusulas. De qualquer forma, o Tribunal Geral concluiu acertadamente que a associação de uma licença e de uma transação não constitui uma restrição da concorrência por objetivo.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    193

    Refira‑se, desde logo, que a terceira parte do segundo fundamento é admissível uma vez que, com a sua argumentação, a Comissão não põe em causa constatações factuais mas sim o critério aplicado pelo Tribunal Geral para apreciar o incentivo para a Krka resolver amigavelmente os litígios relativos à patente 947 através da transação.

    194

    Com as partes primeira, terceira e quarta do segundo fundamento, a examinar em conjunto, a Comissão critica essencialmente o Tribunal Geral por ter considerado que o acordo de licença Krka não tinha incentivado esta empresa a concluir a transação Krka. Esta instituição alega que o Tribunal Geral se baseou numa análise limitada e redutora do teor, dos objetivos e do contexto económico da infração resultante desses acordos.

    195

    Quanto à primeira parte do segundo fundamento, refira‑se que, como alega a Comissão, o n.o 1029 do acórdão recorrido é contraditório. Com efeito, resulta deste número que a celebração do acordo de licença Krka era a «condição» ou, por outras palavras, o incentivo oferecido à Krka para que esta aceitasse as cláusulas de não comercialização e de não contestação contidas na transação Krka. Daí resulta que, independentemente da questão de saber se o nível da taxa prevista por este acordo de licença era adequado tendo em conta as condições de mercado, foi o acesso aos seus mercados principais sem risco de contrafação que motivou a Krka a renunciar à venda do seu perindopril nos mercados principais da Servier. Por conseguinte, o Tribunal Geral não podia, sem se contradizer, afirmar, no referido número, que a Comissão não tinha demonstrado que a taxa «não foi escolhida com base em considerações comerciais mas para incentivar a Krka a aceitar sujeitar‑se [a essas] cláusulas».

    196

    Tendo em conta as características da infração dada por provada pela Comissão, recordadas nos n.os 57 e 58 do presente acórdão, cabia ao Tribunal Geral, a fim de decidir sobre a parte da argumentação da Servier apresentada no âmbito do nono fundamento em primeira instância relativa à existência de uma restrição da concorrência por objetivo, aplicar os critérios que foram recordados nos n.os 94, 96 a 99, 104, 105 e 107 do presente acórdão à prática ilícita resultante dos acordos de transação e de licença Krka. Cabia‑lhe, assim, apreciar o grau de nocividade económica dessa prática, procedendo a uma análise detalhada das suas características, bem como dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico em que se insere.

    197

    Ora, como referido no n.o 174 do presente acórdão, o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 963 do acórdão recorrido, que, perante um verdadeiro litígio, a associação de um acordo de licença e de uma transação nesse litígio não constitui um indício sério da existência de um pagamento compensatório e que cabe à Comissão «demonstrar que o acordo de licença não constitui uma transação concluída em condições normais de mercado, pelo que essa instituição não podia dar por provada a existência de uma restrição da concorrência por objetivo no caso presente.

    198

    Daí resulta que, ao concentrar a sua análise no acordo de licença Krka, quando deveria ter examinado a infração declarada pela Comissão, considerada na sua globalidade, conforme resultava da conjunção desse acordo e da transação Krka, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação e na aplicação do artigo 101.o TFUE. Esse erro levou o Tribunal Geral a restringir o âmbito da sua análise da qualificação de restrição da concorrência por objetivo à questão de saber se a Comissão tinha conseguido demonstrar que a taxa prevista no acordo de licença Krka era anormalmente baixa.

    199

    Como sublinhou a advogada‑geral no n.o 168 das suas conclusões, ao limitar‑se a considerar, pelos motivos expostos nos n.os 973 a 984 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado que a Servier tinha concedido à Krka uma licença a um preço anormalmente baixo, o Tribunal Geral ignorou os elementos essenciais da infração referidos nos n.os 57 e 58 do presente acórdão e não examinou, à luz dos compromissos e dos incentivos recíprocos das partes, se o acordo de licença Krka podia ter incentivado essa empresa a renunciar a concorrer com a Servier.

    200

    Daí resulta que, ao basear‑se na falta de caráter anormalmente baixo da taxa de licença prevista pelo acordo de licença Krka, sem analisar à luz do contexto económico e jurídico, que dava origem a uma partilha de mercado resultante da conjunção desse acordo e da transação Krka, se a transferência de valor resultante do facto de o acordo de licença Krka ter permitido a essa empresa comercializar os seus produtos nos seus mercados principais sem risco de contrafação era suficiente para incentivar efetivamente a Krka a renunciar a entrar nos mercados principais da Servier, o Tribunal Geral cometeu erros de direito na interpretação e na aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e feriu de ilegalidade os fundamentos expostos nos n.os 963, 973 a 984 e 1029 do acórdão recorrido.

    201

    Há que julgar procedentes, portanto, as partes primeira, terceira e quarta do segundo fundamento.

    c)   Quanto às partes quinta a oitava

    1) Argumentos das partes

    202

    Com a quinta parte do seu segundo fundamento, a Comissão sustenta que os fundamentos expostos nos n.os 975 a 984 do acórdão recorrido assentam na desvirtuação de vários elementos de prova. Primeiro, contrariamente ao enunciado no n.o 978 desse acórdão, a Comissão considerou não que a taxa prevista no acordo de licença Krka era muito inferior ao resultado de exploração da Servier, mas que a perda sofrida pela Servier constituía uma transferência de valor líquido a favor da Krka. Segundo, no n.o 979 do referido acórdão, entende que o Tribunal Geral desvirtuou o facto de essa taxa representar uma pequena proporção dos lucros da Krka provenientes dos mercados abrangidos por esse acordo de licença. Terceiro, contrariamente ao exposto no n.o 981 do mesmo acórdão, o facto de a licença concedida à Krka não ser exclusiva não a impedia de constituir um incentivo suficiente, uma vez que oferecia a essa empresa, nos seus mercados principais, a perspetiva de constituir um duopólio de facto com a Servier.

    203

    Com a sexta parte, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter declarado, nos n.os 994 a 998 do acórdão recorrido, que seria paradoxal considerar que, quanto mais amplos fossem os termos de uma licença de patente, maior seria o incentivo à celebração de uma transação que incluísse cláusulas restritivas da concorrência e mais fácil seria qualificar estes acordos de restrição da concorrência por objetivo. Esta afirmação assenta numa leitura errada da decisão controvertida da qual resulta que o acordo de licença Krka serviu para incentivar esta empresa a renunciar a entrar nos mercados principais da Servier, que não estavam abrangidos pelo acordo Krka.

    204

    Com a sétima parte, a Comissão critica o n.o 997 do acórdão recorrido na medida em que afirma que a decisão controvertida obriga o titular de uma patente a conceder uma licença para a totalidade do território abrangido por uma transação. A decisão controvertida não enuncia essa obrigação.

    205

    Com a oitava parte, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter declarado, no n.o 998 do acórdão recorrido, que, para um acordo poder ser considerado «incentivador» em relação a uma parte, tem de a compensar pela perda resultante das cláusulas que lhe proíbem entrar em determinados mercados. Esta apreciação, primeiro, é contrária à jurisprudência que exige simplesmente que uma transferência de valor seja suficiente para incentivar um fabricante de medicamentos genéricos a renunciar a entrar no mercado e, segundo, desvirtua as provas referidas na nota de rodapé 2348 da decisão controvertida com base nas quais a Comissão considerou que os lucros que a Krka esperava realizar nos seus mercados principais graças ao acordo de licença Krka eram suficientes para a convencer a renunciar a entrar nos mercados principais da Servier.

    206

    Segundo a Servier, nenhuma desvirtuação invocada no âmbito da quinta parte é procedente.

    207

    A Servier alega que a sexta parte é inoperante, uma vez que visa um fundamento do acórdão recorrido exposto por acréscimo. De qualquer forma, é improcedente, uma vez que o Tribunal Geral aplicou a jurisprudência no sentido de que só os acordos que apresentem suficiente nocividade para a concorrência devem ser qualificados de restrição da concorrência por objetivo.

    208

    A sétima parte é igualmente dirigida contra um fundamento do acórdão recorrido exposto por acréscimo e, por conseguinte, é inoperante. Por outro lado, na medida em que visa prescrever certas formas de licença, a argumentação da Comissão é incompatível com a margem de apreciação de que beneficiam tanto o titular de um direito de propriedade intelectual para conceder uma licença a um terceiro como as partes num litígio para o resolver de boa‑fé por transação.

    209

    Segundo a Servier, a oitava parte assenta numa desvirtuação do n.o 998 do acórdão recorrido. O Tribunal Geral não rejeitou o caráter incentivador de uma licença assimétrica pelo facto de esta não compensar os lucros perdidos, tendo sim declarado acertadamente que uma empresa que não reconhece a validade de uma patente é racionalmente levada a exigir, em contrapartida da sua renúncia a entrar num mercado, uma compensação que cubra, pelo menos, a perda certa dos lucros esperados. Contrariamente ao que alega a Comissão, o Tribunal Geral considerou que, tendo sido celebrado em condições de mercado, o acordo de licença Krka não podia ser considerado um pagamento compensatório, uma vez que o elemento determinante que levou a Krka a aceitar as cláusulas da transação era a validade da patente 947.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    210

    Com a quinta parte do seu segundo fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral desvirtuou vários elementos de prova no âmbito das suas apreciações, efetuadas nos n.os 975 a 984 do acórdão recorrido, sobre o nível em que foi fixada a taxa do acordo de licença Krka, a fim de determinar se esse acordo pode ter incentivado essa empresa a renunciar a entrar nos mercados principais da Servier. Ora, o Tribunal de Justiça já declarou, nos n.os 198 a 200 do presente acórdão, que este raciocínio do Tribunal Geral assenta na aplicação de um critério juridicamente errado, relativo à questão de saber se o acordo de licença Krka tinha sido celebrado em condições normais de mercado. Uma vez que os n.os 975 a 984 do acórdão recorrido estão, devido a este erro de direito, feridos de ilegalidade, não é necessário conhecer dessa quinta parte.

    211

    Com as partes sexta a oitava do seu segundo fundamento, a Comissão critica as apreciações efetuadas nos n.os 992 a 998 do acórdão recorrido, nas quais o Tribunal Geral rejeitou o raciocínio da Comissão segundo o qual o acordo de licença Krka constituía um incentivo para adiar a sua entrada nos mercados principais da Servier, com o fundamento, em substância, de que o âmbito de aplicação das cláusulas de não comercialização e de não contestação previstas na transação Krka era mais amplo do que o do acordo de licença Krka. Ora, estas apreciações do Tribunal Geral assentam na premissa de que um acordo de licença que foi celebrado em condições normais de mercado corresponde, por isso, ao critério definido pelo Tribunal Geral, no n.o 963 desse acórdão, e não pode, portanto, constituir um incentivo à celebração de uma transação em litígios relativos a essa patente que contenha cláusulas restritivas da concorrência. Uma vez que este critério é juridicamente errado, as apreciações efetuadas nos n.os 994 a 998 do referido acórdão assentam numa premissa que é, em si mesma, errada e estão, portanto, feridas de ilegalidade. Daí resulta que há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade invocada pela Servier e julgar procedente as partes sexta a oitava deste fundamento.

    212

    Em face destas considerações, há que julgar procedente o segundo fundamento.

    6.   Quanto ao terceiro fundamento

    a)   Quanto à primeira parte

    1) Argumentos das partes

    213

    Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, a Comissão critica o n.o 1006 do acórdão recorrido, através do qual o Tribunal Geral considerou que um acordo de repartição de mercado pressupõe uma repartição «estanque» dos mercados entre as partes. Esta apreciação é contrária ao artigo 101.o, n.o 1, alínea c), TFUE, que não impõe, como resulta do Acórdão de 27 de julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão (T‑49/02 a T‑51/02, EU:T:2005:298, n.o 156), nenhum requisito desta natureza para a qualificação de acordo de partilha de mercado nem, como resulta, em particular, do Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.o 28), para qualificar este tipo de acordo de restrição da concorrência por objetivo.

    214

    Segundo a Servier, esta argumentação assenta numa leitura errada do acórdão recorrido. O Tribunal Geral não exigiu uma repartição «estanque» dos mercados, tendo sim referido que nenhum mercado tinha sido reservado à Krka. Os acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral invocados pela Comissão são irrelevantes, uma vez que os acordos de transação e de licença Krka não visavam repartir a clientela ou impedir a entrada no mercado de concorrentes estrangeiros, baseando‑se sim no reconhecimento da patente 947.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    215

    Após ter, em substância, concluído, no n.o 985 do acórdão recorrido, que a Comissão não podia qualificar os acordos de transação e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo, o Tribunal Geral considerou que esta conclusão não podia ser desmentida por nenhum dos outros elementos tidos em conta na decisão controvertida. Assim, pelos motivos enunciados nos n.os 1003 a 1014 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que a Comissão não tinha fundamento para considerar que esses acordos eram constitutivos de uma partilha de mercado entre a Servier e a Krka. Em particular, no n.o 1005 do referido acórdão, declarou que a Servier não estava excluída dos mercados principais da Krka. No n.o 1006 do mesmo acórdão, deduziu dessa constatação que «não existia uma parte do mercado que, em virtude dos acordos, estaria reservada à Krka» e que, por conseguinte, não se podia «concluir pela existência de um partilha de mercado, na aceção de uma repartição estanque entre as partes nos acordos, relativamente a esta parte do mercado interno».

    216

    Ora, como refere a advogada‑geral nos n.os 182 a 194 das suas conclusões, o facto de um acordo de repartição dos mercados não ser «estanque» de modo nenhum obsta à sua qualificação de restrição da concorrência por objetivo. Com efeito, o artigo 101.o, n.o 1, alínea c), TFUE proíbe expressamente os acordos que consistam em repartir os mercados. Resulta da jurisprudência referida no n.o 97 do presente acórdão que os acordos de cooperação horizontal entre empresas que têm por objeto a repartição dos mercados estão abrangidos, tendo em conta o seu caráter particularmente grave, pela qualificação de restrição da concorrência por objetivo.

    217

    O artigo 101.o, n.o 1, alínea c), TFUE não contém, a este respeito, nenhuma condição especial que preveja que a proibição que decreta seja limitada unicamente aos acordos que instituam uma repartição «estanque» entre esses mercados, através, por exemplo, de disposições que reservam o acesso a alguns desses mercados a uma dessas empresas, com exclusão da outra, ou que proíbam as exportações de um mercado para outro. Assim, na falta de qualquer disposição específica a este respeito, não há que fazer uma distinção entre os acordos de repartição de mercado com base numa condição que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE não prevê e que nenhuma consideração relacionada com a finalidade ou a sistemática dessa disposição permite encarar.

    218

    De resto, a interpretação seguida pelo Tribunal Geral equivaleria a subtrair à qualificação de restrição da concorrência por objetivo os acordos que consistissem em repartir mercados, designadamente reservando certos mercados a uma empresa em contrapartida de esta conceder uma licença de patente a outra empresa que operasse ao mesmo nível da cadeia de produção ou de distribuição, permitindo assim a esta segunda empresa entrar noutros mercados sem risco de contrafação, o que reduziria a plena eficácia da proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, alínea c), TFUE, e prejudicaria gravemente a aplicação do direito da concorrência da União, tendo em conta a natureza claramente anticoncorrencial de tais acordos.

    219

    Assim, ao declarar, no n.o 1006 do acórdão recorrido, que, uma vez que os acordos de transação e de licença Krka não reservaram uma parte do mercado à Krka, «[p]or conseguinte, não se pode concluir pela existência de um partilha de mercado, na aceção de uma repartição estanque entre as partes [nesses] acordos, relativamente a [uma] parte do mercado interno», o Tribunal Geral baseou‑se numa interpretação errada do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e feriu o referido n.o 1006 de ilegalidade.

    220

    Daí resulta que há que julgar procedente a primeira parte do terceiro fundamento.

    b)   Quanto à segunda parte

    1) Argumentos das partes

    221

    Com a segunda parte do seu terceiro fundamento, a Comissão critica o n.o 1012 do acórdão recorrido, do qual resulta que um conjunto contratual baseado no reconhecimento pelas partes da validade da patente em causa não pode ser qualificado de acordo de exclusão do mercado. Entende que o Tribunal Geral desvirtuou o sentido claro das provas relativas à perceção pelas partes da validade da patente 947. Mesmo que a transação Krka se tivesse baseado nesse reconhecimento, esse acordo não podia escapar à proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, uma vez que o referido acordo tinha por objetivo dividir o mercado.

    222

    Segundo a Servier, a alegação de desvirtuação deve ser julgada improcedente, uma vez que a Comissão não identificou o menor erro de análise das provas. Entende que o Tribunal Geral, sem violar a jurisprudência invocada pela Comissão, afirmou que os acordos de transação e de licença Krka se baseavam no reconhecimento da validade da patente 947 pelas partes.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    223

    No n.o 1012 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, «na falta de demonstração da existência de um incentivo […], as cláusulas de não comercialização e de não contestação devem ser entendidas como resultando de [uma transação legítima num] litígio em matéria de patentes ao qual está associado um acordo de licença» e que «[t]al conjunto contratual, baseado no reconhecimento da validade da patente, não pode ser, por conseguinte, qualificado como acordo de exclusão do mercado».

    224

    Há que considerar, de acordo com o que se considerou nos n.os 102 e 132 do presente acórdão, que, embora o reconhecimento da validade de uma patente que é objeto de um litígio entre duas partes possa constituir um elemento relevante para verificar se, num mesmo mercado, as restrições da concorrência induzidas por uma transação nesse litígio podem ser atenuadas, ou mesmo neutralizadas, pela celebração, entre as mesmas partes, de um acordo de licença dessa patente, esse reconhecimento não constitui, em si mesmo, um fator decisivo ou sequer relevante para determinar se uma prática colusória como a imputada, pela decisão controvertida, à Servier e à Krka, que consiste em repartir os mercados através de uma transação num litígio de patente que diz respeito, nomeadamente, a mercados abrangidos pelo âmbito geográfico da infração e de um acordo de licença dessa patente para mercados não abrangidos pela mesma, pode ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo.

    225

    Ora, resulta das considerações expostas nos n.os 102, 132, 178 a 184 e 224 do presente acórdão que, ao basear‑se, por um lado, no reconhecimento pela Krka da patente 947, quando esse fator não é, em si mesmo, decisivo e, por outro, no conteúdo e na forma dos acordos de transação e de licença Krka, e não na análise concreta da sua nocividade para a concorrência, tendo em conta o contexto em que se inserem, a fim de invalidar a qualificação desses acordos de restrição da concorrência por objetivo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

    226

    Por outro lado, é verdade que uma transação num litígio relativo a uma patente e um acordo de licença dessa patente podem ser celebrados, com um objetivo legítimo e com toda a legalidade, com fundamento no reconhecimento da validade da referida patente pelas partes, na falta de qualquer outra circunstância constitutiva de uma infração ao artigo 101.o TFUE. No entanto, o facto de tais acordos prosseguirem um objetivo legítimo não é suscetível de os subtrair à aplicação do artigo 101.o TFUE se se verificar que visam igualmente repartir mercados ou realizar outras restrições da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 1985, BAT Cigaretten‑Fabriken/Comissão, 35/83, EU:C:1985:32, n.o 33, e de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 70).

    227

    Por conseguinte, há que julgar procedente a segunda parte do terceiro fundamento.

    c)   Quanto à terceira parte

    1) Argumentos das partes

    228

    Com a terceira parte do seu terceiro fundamento, a Comissão alega que, nos n.os 987 e 988 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou os termos do acordo de licença Krka. O Tribunal Geral afirmou que a eventual instauração de um duopólio de facto nos sete Estados‑Membros abrangidos por esse acordo — os mercados principais da Krka — não resultava dos termos do referido acordo, mas sim de escolhas posteriores efetuadas individualmente pela Servier e pela Krka. Ora, esta afirmação é desmentida pela cláusula 2.a, n.o 2, do mesmo acordo, nos termos da qual a Servier se obrigou a não autorizar um terceiro operador a utilizar a patente 947 nesses sete mercados nacionais.

    229

    A Servier contesta que o acordo de licença Krka tenha instituído um duopólio de facto. Por um lado, segundo este acordo, a Servier podia conceder uma licença adicional a um operador terceiro. Por outro, uma vez que a Comissão não impugnou a existência de um certo grau de concorrência entre a Servier e a Krka, dado por provado no n.o 991 do acórdão recorrido, este argumento é inoperante.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    230

    No n.o 987 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, mesmo que o acordo de licença Krka tivesse permitido a instauração de um «duopólio vantajoso» entre a Servier e a Krka, «tal duopólio não resulta do próprio acordo mas de escolhas efetuadas pela Servier e pela Krka posteriormente a este, ou seja, no que respeita à Servier, a escolha de não conceder uma licença a outra sociedade de genéricos ou de não comercializar uma versão genérica com preço baixo do seu próprio perindopril […] e, no que respeita à Krka, a escolha de não levar a cabo uma política agressiva baseada nos preços».

    231

    Refira‑se, a este respeito, que a cláusula 2.a do acordo de licença Krka, que é mencionada no n.o 46 do acórdão recorrido e que figura no anexo A.176 da petição da Servier em primeira instância, tem a seguinte redação:

    «Pela presente, a Servier concede à Krka uma licença exclusiva e irrevogável sobre a patente 947 e a Krka aceita‑a com vista a utilizar, fabricar, vender, propor para venda, promover e importar produtos da Krka que contenham a forma cristalina alpha do sal de perindopril tert‑butilamina no território durante o período de vigência do presente acordo.

    Sem prejuízo do exposto, a Servier reserva‑se o direito, diretamente ou por intermédio das suas filiais ou de um único terceiro por país, de utilizar a patente 947 para executar uma das operações acima mencionadas no território.

    Com exceção das que concede às suas filais, a Krka não está autorizada a conceder sublicenças sem prévio acordo escrito da Servier.»

    232

    Resulta assim destes termos claros e precisos que a Servier concedeu à Krka, a título exclusivo e irrevogável, a licença da patente 947, sob reserva do direito de a Servier utilizar esta patente «diretamente por intermédio das suas filiais ou de um único terceiro por país». Embora a existência dessa reserva possa contribuir para explicar a linguagem prudente utilizada pela Comissão, que se limitou a referir, nomeadamente nos considerandos 1728, 1734 e 1742 da decisão controvertida, um duopólio «de facto» nos mercados principais da Krka, a verdade é que os termos dessa reserva, lidos à luz do caráter exclusivo e irrevogável da licença concedida à Krka, não podem ser interpretados no sentido de que permitem à Servier conceder uma licença da referida patente a outro fabricante de medicamentos genéricos que, agindo independentemente da Servier, pudesse concorrer com a Krka. Assim, ao afirmar, no n.o 987 do acórdão recorrido, que um duopólio entre a Servier e a Krka não resulta das estipulações do acordo de licença Krka mas sim da escolha efetuada posteriormente pela Servier «de não conceder uma licença a outra sociedade de genéricos», o Tribunal Geral procedeu a uma leitura desse acordo que é incompatível com a sua letra. Ao desvirtuar o sentido do referido acordo, o Tribunal Geral feriu de ilegalidade o n.o 987 desse acórdão.

    233

    Nestas condições, há que julgar procedente a terceira parte do terceiro fundamento.

    d)   Quanto à quarta parte

    1) Argumentos das partes

    234

    Com a quarta parte do seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 989 e 990 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida não se podia basear na instauração de um duopólio entre a Servier e a Krka para dar por provada a existência de uma restrição da concorrência por objetivo sem analisar os efeitos potenciais dos acordos de transação e de licença Krka. Com efeito, estes acordos tinham, na opinião da Comissão, por objeto alterar sensivelmente a estrutura dos mercados principais da Servier concedendo uma licença à Krka em contrapartida da sua renúncia a entrar nesses mercados. Por conseguinte, o exame dos seus efeitos não era necessário e só foi levado a cabo na decisão controvertida por uma questão de exaustividade.

    235

    Segundo a Servier, esta argumentação assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    236

    Há que lembrar que, como decorre da jurisprudência referida no n.o 96 do presente acórdão, o conceito de restrição da concorrência por objetivo só pode ser aplicado a certos acordos entre empresas que revelem suficiente grau de nocividade para a concorrência para se poder considerar que não é necessário examinar os seus efeitos.

    237

    Para apreciar se um acordo entre empresas apresenta tal grau de nocividade, há que atender ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53).

    238

    Todavia, como foi recordado nos n.os 93 e 94 do presente acórdão, e como acertadamente sublinha a Comissão, nos casos de práticas qualificadas de restrições da concorrência por objetivo, não há que averiguar nem, a fortiori, demonstrar os seus efeitos na concorrência. Com efeito, a experiência mostra que certos comportamentos são suscetíveis, por si só, de ter consequências negativas nos mercados. (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 51, e de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 162). Além disso, resulta da jurisprudência recordada no n.o 97 do presente acórdão que os acordos que visam a repartição dos mercados têm um objetivo restritivo da concorrência em si mesmos e pertencem a uma categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não podendo essa proibição ser posta em causa através de uma análise do contexto económico em que o comportamento anticoncorrencial em causa se inscreve.

    239

    Por conseguinte, como o próprio Tribunal Geral referiu nos n.os 221 e 989 do acórdão recorrido, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 236 a 238 do presente acórdão que a demonstração da existência de uma restrição da concorrência por objetivo não pode, a coberto nomeadamente do exame do contexto económico e jurídico do acordo em causa, levar à apreciação dos efeitos desse acordo, sob pena de se retirar o seu efeito útil à distinção entre objetivo e efeito restritivo da concorrência estabelecida no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Ora, o Tribunal Geral também considerou no mesmo n.o 989 desse acórdão, que remete para a jurisprudência referida no n.o 304 do referido acórdão, que a Comissão e o juiz da União não podem, no exame do objetivo restritivo de um acordo e, em particular, no âmbito da consideração do seu contexto económico e jurídico, ignorar completamente os efeitos potenciais desse acordo. No n.o 990 do mesmo acórdão, referiu, portanto, que «os supostos efeitos potenciais em causa, ou seja, o duopólio alegado pela Comissão, [se] baseiam […] em circunstâncias hipotéticas e, assim, não objetivamente previsíveis à data de conclusão do acordo».

    240

    Não se pode deixar de observar que o n.o 989 do acórdão recorrido enferma de uma contradição interna, uma vez que indica simultaneamente que os efeitos de uma restrição da concorrência por objetivo não devem ser apreciados para demonstrar a existência dessa restrição e que esses efeitos não podem ser ignorados na análise do objetivo restritivo de um acordo. Ora, estas duas afirmações são incompatíveis.

    241

    Além disso, os n.os 304 e 989 do acórdão recorrido contêm um erro de direito na medida em que o Tribunal Geral observou que a Comissão e o juiz da União não podem, no exame do objetivo restritivo de um acordo, ignorar completamente os efeitos potenciais desse acordo. Com efeito, esta observação, que não se baseia em nenhum acórdão do Tribunal de Justiça, contradiz diretamente a jurisprudência recordada nos n.os 236 a 238 do presente acórdão, segundo a qual, nos casos de práticas qualificadas de restrições da concorrência por objetivo, não há que procurar nem, a fortiori, demonstrar os seus efeitos na concorrência.

    242

    Esta apreciação errada confunde, por outro lado, o exercício de verificar se um comportamento é suscetível, pela sua própria natureza, de prejudicar sistematicamente a concorrência devido a características específicas suas e se apresenta, portanto, um grau de nocividade suficiente para ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo com o que consiste em analisar os efeitos, reais ou potenciais, de um comportamento específico num caso particular, que é relevante unicamente para apreciar a existência de uma eventual restrição da concorrência por efeito.

    243

    Com efeito, para verificar se um comportamento apresenta um tal grau de nocividade, de forma nenhuma é necessário examinar, nem, por maioria de razão, demonstrar, os efeitos desse comportamento na concorrência, reais ou potenciais e negativos ou positivos (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C 333/21, EU:C:2023:1011, n.os 159, 162 e 166 e jurisprudência referida).

    244

    Tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 236 a 238 e 243 do presente acórdão, que exclui a consideração dos efeitos de um acordo ou de uma prática, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, no n.o 990 do acórdão recorrido, ao introduzir, no seu raciocínio relativo à restrição da concorrência por objetivo declarada na decisão controvertida e baseada no facto de os acordos de transação e de licença Krka darem lugar a uma repartição dos mercados geográficos na União, considerações relativas ao caráter alegadamente hipotético dos efeitos potenciais desses acordos, considerações que não cabia à Comissão ter em conta a este respeito.

    245

    Por conseguinte, há que julgar procedente a quarta parte do terceiro fundamento.

    e)   Quanto à quinta parte

    1) Argumentos das partes

    246

    Com a quinta parte do seu terceiro fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por, no n.o 1023 do acórdão recorrido, ter rejeitado a declaração da Lupin referida no considerando 1730 da decisão controvertida, segundo a qual «parece que, do ponto de vista da Servier, a justificação [da transação Krka] seja a proteção dos mercados principais nos quais se constata a predominância de um nível elevado de substituição e/ou de uma prescrição de [denominação comum internacional]», com o fundamento de que esta declaração não permite provar a intenção da Servier de adotar com a Krka acordos de partilha ou de exclusão do mercado. Ora, essa declaração não visava, segundo a Comissão, provar a intenção da Servier, mas sim corroborar uma declaração posterior da Krka, que permitia demonstrar que os acordos de transação e de licença Krka tinham tornado possível uma forma de partilha de mercado, contribuindo assim para demonstrar o objetivo anticoncorrencial desses acordos.

    247

    A Servier alega que esta quinta parte é inadmissível, uma vez que visa pôr em causa a apreciação das provas pelo Tribunal Geral.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    248

    A esse respeito, há que lembrar que resulta do artigo 256.o, n.o 1, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito e que, por conseguinte, só o Tribunal Geral é competente para apurar e apreciar os factos relevantes e as provas. A apreciação dos factos e das provas não constitui, sob reserva do caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em segunda instância (Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Itália, C‑623/20 P, EU:C:2023:97, n.o 116 e jurisprudência referida).

    249

    No caso, não se pode deixar de observar que a Comissão não alega qualquer desvirtuação, pelo que a quinta parte do terceiro fundamento é inadmissível.

    f)   Quanto à sexta parte

    1) Argumentos das partes

    250

    Com a sexta parte do seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral, nos n.os 248, 958 e 965 do acórdão recorrido, procedeu a uma interpretação errada do Regulamento n.o 772/2004 e das Orientações relativas à aplicação do artigo 101.o TFUE aos acordos de transferência de tecnologia, mencionadas no n.o 53 do presente acórdão.

    251

    A Servier refuta qualquer erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na aplicação do conceito de restrição da concorrência por objetivo.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    252

    Há que observar que o n.o 248 do acórdão recorrido, que se limita, no essencial, a lembrar e comentar certos pontos das orientações a que se refere o n.o 250 do presente acórdão, faz parte das considerações preliminares que levaram o Tribunal Geral a declarar, no n.o 252 do acórdão recorrido, que «há que encontrar um ponto de equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de permitir às empresas proceder a resoluções amigáveis cujo desenvolvimento seja favorável à coletividade e, por outro, a necessidade de prevenir o risco de uma utilização incorreta dos acordos de resolução amigável, contrária ao direito da concorrência, que conduz à manutenção de patentes desprovidas de qualquer validade, em particular no setor dos medicamentos, a um encargo financeiro injustificado para os orçamentos públicos». Ora, uma vez que tais considerações preliminares, devido à sua generalidade, não têm influência no dispositivo deste acórdão, a alegação dirigida contra o n.o 248 do referido acórdão é, portanto, inoperante. Além disso, decorre das considerações expostas nos n.os 179 a 184 do presente acórdão, em resposta à segunda parte do segundo fundamento, que os n.os 943 a 972 do acórdão recorrido estão feridos de ilegalidade. Por conseguinte, não é necessário responder às alegações que põem em causa os n.os 958 e 965 do acórdão recorrido.

    253

    Sendo procedentes as partes primeira a quarta e a sexta parte do terceiro fundamento, há que julgar procedente o terceiro fundamento.

    7.   Quanto ao quarto fundamento

    254

    Pelo seu quarto fundamento, a Comissão contesta as apreciações do Tribunal Geral quanto à intenção das partes nos acordos Krka. Este fundamento divide‑se em quatro partes.

    a)   Quanto à primeira parte

    1) Argumentos das partes

    255

    Com a primeira parte do seu quarto fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter declarado, no n.o 1015 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida não tinha demonstrado que a Servier ou a Krka tinham tido a intenção de celebrar acordos anticoncorrenciais. Com efeito, essa prova não é exigida, uma vez que a infração imputada a essas empresas é uma restrição da concorrência por objetivo. Mesmo que as referidas empresas não tivessem tido a intenção de restringir a concorrência, isso não tem incidência no facto de os acordos Krka apresentarem, nos mercados principais da Servier, um suficiente grau de nocividade para a concorrência para justificarem a sua qualificação de restrição da concorrência por objetivo.

    256

    A Servier alega que não sendo exigida a prova da intenção das partes para a qualificação de restrição da concorrência por objetivo, o quarto fundamento é, no seu conjunto, dirigido contra um fundamento do acórdão recorrido exposto por acréscimo e, a este título, inoperante.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    257

    Após ter, em substância, concluído, no n.o 985 do acórdão recorrido, que a Comissão não podia qualificar os acordos de transação e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo, o Tribunal Geral considerou que essa conclusão não podia ser desmentida por nenhum dos outros elementos tidos em conta na decisão controvertida. Entre esses elementos, o n.o 1015 desse acórdão refere que «a Comissão não demonstrou que a Servier ou a Krka tinham tido a intenção de concluir um acordo de partilha ou de exclusão do mercado ou ainda que a Servier tinha entendido incentivar a Krka a renunciar a fazer‑lhe concorrência ou que a Krka tinha tido a intenção de renunciar, em troca de uma vantagem incentivadora, a exercer uma pressão concorrencial sobre a Servier». Pelos motivos expostos nos n.os 1016 a 1024 do referido acórdão, o Tribunal Geral afastou, em seguida, certas provas relativas às intenções das partes nos acordos Krka visadas pela decisão controvertida, e considerou, no n.o 1025 do mesmo acórdão, que, em todo o caso, a Comissão não tinha podido apresentar indícios relevantes e convergentes que permitissem pôr em causa a conclusão a que tinha chegado no n.o 985 do acórdão recorrido.

    258

    A esse respeito, há que lembrar que, como referido nos n.os 108 e 182 do presente acórdão, o facto de haver empresas cujo comportamento possa ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo que agiram sem intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido certos objetivos legítimos não são determinantes para efeitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 167 e jurisprudência referida). Embora possa haver provas relativas às intenções das partes num acordo que contribuam, em certos casos, para demonstrar quais são as finalidades objetivas que esse acordo pretende atingir para a concorrência, resulta da jurisprudência lembrada neste número que, ao acusar a Comissão de não ter demonstrado, no essencial, que a Servier ou a Krka tinham a intenção de restringir a concorrência entre ambas, apesar de não ser necessária essa demonstração para prova da existência de uma restrição da concorrência por objetivo, o Tribunal Geral comete um erro de direito e feriu de ilegalidade o n.o 251 do acórdão recorrido.

    259

    A primeira parte do quarto fundamento deve, portanto, ser julgada procedente.

    b)   Quanto à segunda parte

    1) Argumentos das partes

    260

    Com a segunda parte do seu quarto fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral, ao decidir nos n.os 1016 a 1024 do acórdão recorrido sobre a intenção da Servier e da Krka de repartirem os mercados entre si, cometeu erros na interpretação dos princípios que regem a análise das provas. Invoca quatro críticas a esse respeito.

    261

    Primeiro, no que respeita ao reconhecimento pela Servier e pela Krka da validade da patente 947, o Tribunal Geral limitou‑se, nos n.os 1017 a 1024 desse acórdão, a examinar certos documentos mencionados na decisão controvertida, quando era obrigado a verificar se todas as provas documentais, analisadas como um todo, permitiam demonstrar uma infração segundo o nível de prova exigido. Assim, o Tribunal Geral não tomou em consideração os documentos referidos nos considerandos 873, 874 e 1759 da decisão controvertida.

    262

    Segundo, no que respeita à importância atribuída, no n.o 1016 do referido acórdão, ao conteúdo dos acordos de transação e de licença Krka, o Tribunal Geral seguiu, em substância, um raciocínio errado, de tipo «a contrario», e interpretou mal a jurisprudência resultante do Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 57), no que respeita às inferências que podem ser extraídas de indícios quando as partes não conservaram provas documentais do conteúdo do seu acordo. Com efeito, o Tribunal Geral inferiu daí que o facto de o conteúdo de um acordo estar disponível relativiza a relevância das outras provas documentais. Na falta deste erro de direito, o Tribunal Geral deveria ter tido em conta uma mensagem de correio eletrónico da Krka de 29 de setembro de 2005, que identificava a estratégia anticoncorrencial prosseguida, bem como a declaração da Lupin, referida nos considerandos 1730 e 1748 da decisão controvertida, que corroborava a existência dessa estratégia.

    263

    Terceiro, no n.o 1016 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir, de forma geral e abstrata, que os documentos contemporâneos de acordos «não podem facilmente pôr em causa uma conclusão baseada no próprio conteúdo dos acordos». Com efeito, essa hierarquia na produção da prova não existe. O Tribunal Geral ignorou a função principal da prova, que é demonstrar de forma convincente o mérito de um argumento e cometeu um erro de direito ao não verificar a credibilidade de todas as provas referidas nos considerandos 1758 a 1760 da decisão controvertida.

    264

    Quarto, a Comissão sustenta que o n.o 1019 do acórdão recorrido está insuficientemente fundamentado. Em especial, esse acórdão não explica por que razão as provas referidas nos considerandos 1758 a 1760 da decisão controvertida, conjugados com os considerandos 1687 a 1690 desta decisão, não eram suficientes para demonstrar que a Krka não reconhecia a validade da patente 947.

    265

    A Servier alega que o Tribunal Geral explicou as razões pelas quais o prosseguimento, pela Krka, dos processos judiciais não punha em causa o facto de esta empresa reconhecer a validade da patente 947, sem violar a sua obrigação de analisar todas as provas relevantes nem o seu dever de fundamentação. No que respeita às alegações segunda e terceira, a Servier recorda que, uma vez que os acordos Krka foram tornados públicos, a distinção efetuada pelo Tribunal Geral entre estes acordos e os cartéis secretos era relevante.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    266

    Tendo a Comissão apresentado, no âmbito da sua primeira alegação, argumentos que coincidem com os invocados na quarta parte do seu quarto fundamento, há que examinar todos estes argumentos no âmbito da apreciação dessa quarta parte.

    267

    Quanto à quarta alegação, falta de fundamentação, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (Acórdão de 9 de março de 2023, Les Mousquetaires e ITM Entreprises/Comissão, C‑682/20 P, EU:C:2023:170, n.o 40 e jurisprudência referida).

    268

    O Tribunal Geral, no n.o 1019 do acórdão recorrido, rejeitou os elementos de prova referidos nos considerandos 849 a 854 e 1758 a 1760 da decisão controvertida, com o fundamento de que eram demasiado «fragmentados ou ambíguos» para desmentir o facto apurado pelo Tribunal Geral de a Krka ter acabado por reconhecer a validade da patente 947. Esta fundamentação, é certo que lacónica, é, no entanto, suficiente para compreender, à luz do n.o 1016 desse acórdão, as razões pelas quais o Tribunal Geral rejeitou assim esses elementos de prova. Deve, pois, a quarta alegação ser julgada improcedente.

    269

    Quanto às alegações segunda e terceira, a examinar em conjunto, a Comissão alega, no essencial, que o n.o 1016 do acórdão recorrido enferma de um erro de direito na medida em que o Tribunal Geral declarou que documentos contemporâneos de acordos não podem facilmente pôr em causa uma conclusão baseada no próprio conteúdo desses acordos.

    270

    No n.o 1016 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou, com razão, referindo‑se ao Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão (C‑403/04 P e C‑405/04 P, EU:C:2007:52, n.o 51), que, mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem expressamente a existência de contactos ilegítimos entre operadores, estes apenas serão geralmente fragmentados e dispersos, pelo que frequentemente é necessário reconstituir determinados pormenores por inferência. No entanto, considerou, nesse n.o 1016, que os acordos de transação e de licença Krka eram «verdadeiros contratos que, de resto, [foram] objeto de ampla publicidade (considerando 915 da decisão [controvertida])», que, «[t]endo a Comissão podido dispor facilmente do conteúdo completo dos acordos em causa, a jurisprudência citada é aplicada com menos evidência» e que, e que, «[a]ssim, as deduções resultantes de extratos parciais de cartas ou de outros documentos que devem demonstrar as intenções das partes não podem facilmente pôr em causa uma conclusão baseada no próprio conteúdo dos acordos, ou seja, nas ligações jurídicas vinculativas que as partes decidiram estabelecer entre si».

    271

    A este respeito, há que lembrar que, no direito da União, o princípio que prevalece é o da livre administração da prova e o único critério para apreciar as provas apresentadas reside na sua credibilidade (Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.os 49 e 63, e de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 38).

    272

    Para cumprir o seu ónus da prova, a Comissão deve reunir provas suficientemente sérias, precisas e concordantes para basear a firme convicção da ocorrência da infração alegada (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 20, e de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, EU:C:2007:52, n.os 42 e 45).

    273

    Porém, cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem necessariamente de preencher esses critérios relativamente a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, cumpra esse requisito (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 513 a 523, e de 14 de maio de 2020, NKT Verwaltungs e NKT/Comissão, C‑607/18 P, EU:C:2020:385, n.o 180).

    274

    Como refere a advogada‑geral nos n.os 97 e 220 das suas conclusões, estes princípios relativos à administração da prova aplicam‑se não só quando a Comissão deva inferir a própria existência de uma prática colusória de elementos de prova fragmentados e dispersos, mas também quando a Comissão tenha podido dispor do conteúdo de acordos destinados a aplicar essa prática. Com efeito, nessa situação, o próprio conteúdo desses acordos não permite necessariamente determinar se os referidos acordos se inscrevem no quadro de uma prática anticoncorrencial, nem, por maioria de razão, se essa prática apresenta suficiente grau de nocividade para poder ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo.

    275

    Ora, como já foi exposto no n.o 183 do presente acórdão, em resposta à segunda parte do segundo fundamento, o facto de os termos de acordos destinados a levar a cabo uma prática colusória não revelarem um objetivo anticoncorrencial não é, por si só, determinante. É por isso que é necessário ter em conta não só o conteúdo desses acordos, mas também os seus objetivos, bem como o contexto económico e jurídico em que se inserem (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 20, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.os 78 e 79). A este respeito, embora a intenção das partes não constitua um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo entre empresas, nada impede as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e da União de a terem em conta (Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 54 e jurisprudência referida), nomeadamente para compreender o verdadeiro objetivo desse acordo à luz do contexto em que foi celebrado, como acima se referiu no n.o 258 do presente acórdão.

    276

    Por conseguinte, primeiro, o Tribunal Geral violou o princípio da livre administração da prova no direito da União ao considerar, no n.o 1016 do acórdão recorrido, que existe uma distinção jurídica, no que respeita à consideração de elementos fragmentados e dispersos para demonstrar a existência de uma infração, entre as situações em que a Comissão dispõe e em que não dispõe do conteúdo de acordos anticoncorrenciais. Segundo, cometeu um erro de direito ao observar, nesse n.o 1016, que «as deduções resultantes de extratos parciais de cartas ou de outros documentos que devem demonstrar as intenções das partes não podem facilmente pôr em causa uma conclusão baseada no próprio conteúdo dos acordos, ou seja, nas ligações jurídicas vinculativas que as partes decidiram estabelecer entre si». Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral feriu de ilegalidade as suas apreciações que figuram nos n.os 1016 a 1025 desse acórdão.

    277

    A segunda parte do quarto fundamento, nas suas alegações segunda e terceira, deve, portanto, ser acolhida.

    c)   Quanto à terceira parte

    1) Argumentos das partes

    278

    Com a terceira parte do seu quarto fundamento, a Comissão sustenta que, pelas razões expostas no âmbito da sexta parte do seu primeiro fundamento, os n.os 1017 e 1024 estão feridas de erro de direito.

    279

    Segundo a Servier, esta terceira parte deve ser julgada improcedente pelas mesmas razões que justificam a improcedência da sexta parte do primeiro fundamento.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    280

    Tendo a sexta parte do primeiro fundamento sido acolhida no n.o 163 do presente acórdão, não há que decidir de forma autónoma sobre a terceira parte do quarto fundamento.

    d)   Quanto à quarta parte

    1) Argumentos das partes

    281

    Com a quarta parte do seu quarto fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 999, 1000, 1010 e 1026 do acórdão recorrido, ter violado os princípios que lhe impõem que analise, de forma completa e imparcial, a globalidade das provas. Entende que o Tribunal Geral«preferiu» provas subjetivas posteriores à data de celebração dos acordos de transação e de licença Krka às provas contemporâneas referidas nos n.os 1015 a 1024 desse acórdão, quando estas últimas teriam lhe permitido verificar se a Krka reconhecia efetivamente a validade da patente 947. Ainda que esta empresa tivesse alegado que a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 a tinha levado a crer que a patente 947 era válida, tal alegação não podia resistir a uma avaliação completa e imparcial da globalidade das provas. Entende que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não examinar todas as provas referidas na secção 5.5 da decisão controvertida.

    282

    Segundo a Servier, a quarta parte do quarto fundamento assenta numa leitura errada do acórdão recorrido. O Tribunal Geral analisou tanto as provas posteriores como as provas contemporâneas dos acordos de transação e de licença Krka. Em todo o caso, estas últimas careciam de valor probatório, uma vez que eram anteriores à decisão do IEP de 27 de julho de 2006. Além disso, a Comissão não pode acusar o Tribunal Geral de não ter revisto todas as provas mencionadas na secção 5.5 da decisão controvertida. Em especial, esta alegação é inadmissível, uma vez que a Comissão não indica claramente quais são, em seu entender, as provas específicas que o Tribunal Geral devia ter examinado nessa secção, que conta 55 páginas. No entender da Servier, não incumbe ao Tribunal Geral rever a decisão controvertida para além das provas que a Comissão apresentou na fase contenciosa, nem ao Tribunal de Justiça substituir a apreciação do Tribunal Geral pela sua.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    283

    Com a segunda parte do quarto fundamento, tomada na sua primeira alegação, bem como na quarta parte desse fundamento, a Comissão alega, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao pronunciar‑se sobre a existência de uma restrição da concorrência por objetivo com base numa apreciação incompleta e seletiva das provas do reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka e nas intenções das partes nos acordos Krka.

    284

    A esse respeito, considerou‑se, nos n.os 160 a 162 do presente acórdão que, ao não tomar em consideração os elementos a que se referem os n.os 158 e 159 deste acórdão relativos à perceção da Krka quanto à validade da patente 947 e ao não explicar as razões para não o ter feito, apesar de a existência de uma infração às normas da concorrência só poder ser apreciada corretamente se os indícios invocados na decisão controvertida forem todos considerados, o Tribunal Geral desvirtuou a decisão controvertida e feriu de falta de fundamentação o acórdão recorrido. Nestas condições, há que julgar procedente a primeira alegação da segunda parte e a quarta parte do quarto fundamento.

    285

    Em face destas considerações, há que julgar procedente a primeira parte, as alegações primeira a terceira da segunda parte e a quarta parte do quarto fundamento.

    8.   Quanto ao quinto fundamento

    a)   Argumentos das partes

    286

    Com o seu quinto fundamento, a Comissão critica os n.os 1007 a 1009 e 1031 do acórdão recorrido, através dos quais o Tribunal Geral teve em conta os efeitos positivos do acordo de licença Krka nos mercados principais da Krka. Entende que o Tribunal Geral cometeu três erros. Antes de mais, não tendo sido declarada qualquer infração nesses mercados, os efeitos positivos alegados não justificam a restrição da concorrência nos outros mercados. Em seguida, o Tribunal Geral ignorou o Acórdão de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão (56/64 e 58/64, EU:C:1966:41), segundo o qual, em substância, um acordo de distribuição exclusiva que institui uma proteção territorial absoluta constitui uma restrição da concorrência por objetivo. Por último, o Tribunal Geral ignorou a jurisprudência constante segundo a qual a ponderação dos efeitos positivos e negativos de um acordo sobre a concorrência só pode ser efetuada no âmbito do artigo 101.o, n.o 3, TFUE.

    287

    A Servier contesta esta argumentação. Refuta qualquer analogia com o processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão (56/64 e 58/64, EU:C:1966:41), que não dizia respeito à transação num litígio relativo a uma patente. Os acordos Krka não oferecem proteção territorial absoluta. A Servier continuou a ser livre de vender nos mercados principais da Krka, ao passo que a Krka continuava a ser livre de desenvolver um produto não contrafeito no resto da União. A afirmação de que a concorrência potencial foi eliminada nesses mercados é inexata, uma vez que a transação Krka proibia apenas a Krka de violar a patente 947, cuja validade acabava de ser confirmada. Segundo a Servier, a Krka trabalhava, aliás ativamente, para o desenvolvimento de uma forma não contrafeita de perindopril. Em todo o caso, o Tribunal Geral podia, na opinião da Servier, ter em conta, nos n.os 304 e 996 do acórdão recorrido, os efeitos pró‑concorrenciais do acordo de licença Krka, enquanto elementos contextuais, a fim de refutar a qualificação de restrição da concorrência por objetivo.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    288

    Importa recordar que, como o Tribunal de Justiça já declarou, para demonstrar se um comportamento apresenta o grau de nocividade exigido para constituir uma restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, de forma nenhuma é necessário examinar nem, por maioria de razão, demonstrar os efeitos desse comportamento na concorrência, reais ou potenciais e negativos ou positivos (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.os 159 e 166 e jurisprudência referida). Daí resulta que os eventuais efeitos positivos ou pró‑concorrenciais de um comportamento não podem ser tidos em conta para saber se deve ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo para efeitos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, incluindo no âmbito da eventual questão de saber se o comportamento em causa apresenta o grau de nocividade exigido para efeitos dessa qualificação.

    289

    De qualquer forma, como referido no n.o 175 do presente acórdão, o acordo de licença Krka diz respeito a mercados que não estão fazem parte do âmbito geográfico de aplicação da infração ao artigo 101.o TFUE. Nestas condições, os eventuais efeitos favoráveis à concorrência que esse acordo pudesse ter nesses mercados, admitindo que existiam, seriam totalmente irrelevantes, do ponto de vista lógico, para apreciar a existência da infração dada por provada no caso presente nos mercados principais da Servier.

    290

    Assim, ao basear‑se, no n.o 1031 do acórdão recorrido, tal como no seu n.o 1032, que extrai as consequências, nos efeitos pró‑concorrenciais que tinha apurado nos mercados principais da Krka, nos n.os 1007 a 1009 desse acórdão, o Tribunal Geral cometeu um erro de interpretação e de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e feriu de ilegalidade esses números.

    291

    Consequentemente, há que julgar procedente o quinto fundamento.

    9.   Conclusão intermédia quanto aos fundamentos primeiro a quinto

    292

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, em substância, que, para qualificar os acordos de transação e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo, cabia à Comissão demonstrar, por um lado, que existia uma ligação suficientemente direta entre esses dois acordos para que a sua associação fosse justificada e, por outro, que, na falta de tal ligação, cabia à Comissão provar que o acordo de licença Krka não tinha sido celebrado nas condições normais de mercado, antes ocultava um pagamento compensatório da Servier em benefício da Krka, destinado a atrasar a entrada da segunda nos principais mercados da primeira.

    293

    Ora, como resulta dos n.os 133 a 135 e 179 a 184 do presente acórdão, o Tribunal Geral abstraiu da própria natureza da infração ao artigo 101.o TFUE imputada à Servier e à Krka, infração que não se limitava a uma transação num litígio de patente contra pagamento compensatório, antes prosseguia o objetivo mais amplo de repartir os mercados entre essas empresas. Ignorou igualmente o âmbito de aplicação geográfico desta infração, que não se estendia aos mercados principais da Krka.

    294

    Este erro de direito levou o Tribunal Geral, conforme resulta dos n.os 178 a 184 do presente acórdão, a verificar a qualificação da prática ilícita imputada à Servier e à Krka como restrição da concorrência por objetivo ao analisar a forma e as características jurídicas dos acordos destinados a aplicar essa prática em vez de o fazer tendo em conta as repercussões económicas dessa prática. Foi à luz destes critérios errados que o Tribunal Geral atribuiu uma importância determinante ao reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka e à questão de saber se a taxa do acordo de licença Krka correspondia às condições normais de mercado, quando, como resulta dos n.os 196 a 200 e 223 a 226 do presente acórdão, esses elementos não eram, em si mesmos, decisivos.

    295

    Por outro lado, quando, com base nestes erros de direito, o Tribunal Geral examinou se a celebração dos acordos de transação e de licença Krka era justificada pelo facto de a Krka, após ter sofrido duas derrotas judiciais, já não estar convencida da invalidade da patente 947, o Tribunal Geral, como resulta dos n.os 145 a 162 do presente acórdão, desvirtuou o sentido claro e preciso de uma dessas decisões judiciais e, no que respeita à outra, desvirtuou a decisão controvertida e violou o seu dever de fundamentação.

    296

    Além disso, para confirmar a conclusão — que enferma dos erros de direito que acabam de ser resumidos — de que a Comissão não podia qualificar os acordos de transação e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo, o Tribunal Geral refutou sete elementos que, segundo a decisão controvertida, demonstravam que o acordo de licença Krka era a contrapartida da renúncia desta empresa a concorrer com a Servier nos seus mercados principais.

    297

    Primeiro, o Tribunal Geral refutou, nos n.os 987 a 991 do acórdão recorrido, a perspetiva da instauração de um duopólio de facto entre a Servier e a Krka nos mercados principais da Krka, pelo facto de esse duopólio não resultar do acordo de licença Krka, mas sim de escolha posteriores das partes neste acordo. Todavia, esta consideração assenta apenas no exame do conteúdo das cláusulas deste acordo, abstraindo do seu contexto económico, e numa desvirtuação dos termos de uma dessas cláusulas, como resulta dos n.os 178 a 184 e 230 a 232 do presente acórdão.

    298

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral rejeitou, nos n.os 992 a 999 do acórdão recorrido, a possibilidade de o acordo de licença Krka ter podido constituir a contrapartida da transação Krka, com o fundamento de que foi o reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka que foi o elemento determinante da sua decisão de transigir. Contudo, esta apreciação assenta, por um lado, no erro de direito declarado nos n.os 223 a 226 do presente acórdão no que respeita ao caráter decisivo desse reconhecimento e, por outro, nas desvirtuações e na falta de fundamentação declaradas nos n.os 145 a 162 e 283 a 285 do presente acórdão.

    299

    Terceiro, o Tribunal Geral afirmou, nos n.os 1000 a 1002 do acórdão recorrido, que a avaliação pela Krka do custo de oportunidade da transação Krka não permitia demonstrar que o acordo de licença Krka era a contrapartida da transação Krka, antes confirmando que essa empresa reconhecia a validade da patente 947. Todavia, isso, por si só, não é decisivo, como resulta dos n.os 223 a 226 do presente acórdão.

    300

    Quarto, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1003 a 1014 do acórdão recorrido, antes de mais, que, na falta de mercados reservados à Krka, a Comissão não tinha provado a existência de uma repartição «estanque» dos mercados, em seguida, que a licença tinha tido um efeito pró‑concorrencial nos mercados principais da Krka, e, por último, que nenhuma parte do mercado tinha sido reservada de forma ilícita à Servier. Todavia, resulta dos n.os 216 a 219, 225 e 226 do presente acórdão que estas apreciações assentam, por um lado, numa análise formalista dos acordos de transação e de licença Krka e não na análise concreta da sua nocividade para a concorrência e, por outro, num erro de interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, uma vez que a proibição dos acordos que visam repartir os mercados não é aplicável só aos acordos que procedem a uma repartição «estanque» entre esses mercados.

    301

    Quinto, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 1015 a 1025 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado que a Servier e a Krka tivessem a intenção de celebrar um acordo de repartição dos mercados. Contudo, para além de, como se afirma no n.o 258 do presente acórdão, a Comissão não ter de demonstrar que a Servier ou a Krka tinham a intenção de restringir a concorrência entre ambas, resulta dos n.os 145 a 162 e 269 a 276 do presente acórdão que esse entendimento assenta na desvirtuação da decisão controvertida e da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, bem como na violação do dever de fundamentar os acórdãos e numa aplicação errada dos princípios relativos à administração da prova.

    302

    Sexto, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1026 a 1028 do acórdão recorrido, que o facto de a Krka ter continuado a contestar as patentes da Servier após a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 não significava que essa decisão não tivesse tido um impacto determinante na perceção da validade da patente 947 pela Krka e que a Krka continuava a exercer pressão concorrencial sobre a Servier. Segundo o Tribunal Geral, esta prossecução das ações contenciosas podia explicar‑se pela vontade de a Krka reforçar a sua posição nas negociações com a Servier e pela sua convicção de que só corria um risco limitado de ser objeto de ações por contrafação. Todavia, resulta dos n.os 130 a 137 e 145 a 162 do presente acórdão que esta consideração do Tribunal Geral assenta na premissa errada do caráter determinante do reconhecimento da validade da patente 947 pela Krka, que, por sua vez, se baseia na desvirtuação não só de um elemento de prova mas também da decisão controvertida enquanto tal, bem como numa falta de fundamentação do acórdão recorrido.

    303

    Sétimo, o Tribunal Geral reiterou, nos n.os 1029 a 1031 do acórdão recorrido, a sua posição de que, por um lado, o acordo de licença Krka tinha por fundamento o reconhecimento da validade da patente 947 por essa empresa e, por outro, a Comissão não tinha demonstrado que esse acordo não tinha sido celebrado em condições normais de mercado. Resulta, porém, dos n.os 90 a 104, 131 a 134 e 196 a 200 do presente acórdão que estas considerações assentam na aplicação de critérios juridicamente errados.

    304

    Em face de todas estas considerações e tendo em conta a amplitude, a natureza e o alcance dos erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral, identificados no âmbito da análise dos fundamentos primeiro a quinto, há que observar que esses erros afetam todo o raciocínio relativo à qualificação de restrição da concorrência por objetivo dos acordos de transação e de licença Krka, exposto nos n.os 943 a 1032 do acórdão recorrido (v., por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments, C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.o 337).

    10.   Quanto ao sexto fundamento

    a)   Argumentos das partes

    305

    Com o seu sexto fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter recusado reconhecer, pelos fundamentos expostos nos n.os 1041 a 1060 do acórdão recorrido, que o acordo de cessão e de licença Krka constituía uma restrição da concorrência por objetivo pelo facto de essa qualificação assentar na constatação errada da existência de uma partilha de mercado entre a Krka e a Servier. Uma vez que esta apreciação se baseia numa premissa errada, não pode subsistir. A Comissão considera ainda que o Tribunal Geral fundamentou insuficientemente a referida apreciação.

    306

    Segundo a Servier, este fundamento assenta na premissa da validade dos fundamentos primeiro a quinto, que contesta.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    307

    Nos n.os 1053, 1054 e 1059 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que, na decisão controvertida, a Comissão tinha qualificado o acordo de cessão e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo baseando‑se na declaração da existência de um acordo de partilha de mercado, resultante dos acordos de transação e de licença Krka. Tendo essa declaração sido invalidada pelo Tribunal Geral, este considerou que se devia, por essa única razão, afastar também a qualificação de restrição da concorrência por objetivo em relação ao acordo de cessão e de licença Krka.

    308

    Todavia, resulta do exame do primeiro a quinto fundamentos que o raciocínio do Tribunal Geral relativo à qualificação dos acordos de transação e de licença Krka, exposto nos n.os 943 a 1032 do acórdão recorrido, está ferido de ilegalidade no seu conjunto. Estando assim viciada a premissa do raciocínio através da qual o Tribunal Geral rejeitou a qualificação de restrição da concorrência por objetivo em relação ao acordo de cessão e de licença Krka, há que julgar procedente o sexto fundamento.

    B. Quanto ao sétimo fundamento, relativo à existência de uma restrição da concorrência por efeito, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE

    1.   Pontos relevantes da decisão controvertida e do acórdão recorrido

    a)   Decisão controvertida

    309

    Nos considerandos 1214 a 1218 da decisão controvertida, a Comissão expôs que, para avaliar os efeitos anticoncorrenciais de um acordo, há que ter em conta as condições concretas em que se produzem esses efeitos, não só à luz da concorrência atual mas também da concorrência potencial. Nos considerandos 1219 e 1220 dessa decisão, a Comissão precisou que essa avaliação deve ser efetuada com base nos factos no momento da celebração desse acordo, tendo simultaneamente em conta a sua aplicação efetiva.

    310

    Nos considerandos 1221 a 1227 da decisão controvertida, a Comissão indicou que os efeitos de um acordo devem ser comparados com o que se teria produzido sem o referido acordo, em especial no que respeita à concorrência potencial. Segundo os considerandos 1228 a 1243 dessa decisão, a principal pressão concorrencial exercida no mercado do perindopril resultava da entrada de versões genéricas desse medicamento nesse mercado, sem a qual a Servier podia manter os seus preços a um nível superior ao preço concorrencial. Por conseguinte, as transações celebradas por essa empresa com fabricantes de medicamentos genéricos produziram diretamente efeitos anticoncorrenciais. Nos considerandos 1244 a 1269 da referida decisão, a Comissão sublinhou que, após a celebração de transações com a Niche, a Matrix, a Teva, a Krka e a Lupin, só dois fabricantes de medicamentos genéricos — a Apotex e a Sandoz — constituíam uma ameaça significativa de entrada nos mercados principais da Servier, o que tende a demonstrar que, face a um pequeno número de concorrentes potenciais, basta a eliminação de um só para reduzir de forma significativa a probabilidade de tal entrada.

    311

    No que respeita mais especificamente à qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por efeito nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido, os únicos considerados para efeitos da declaração dessa infração, resulta dos considerandos 1813 a 1850 da decisão controvertida que a Krka era um concorrente potencial da Servier nesses mercados e dispunha de possibilidades reais e concretas para nele entrar a curto prazo. A Krka tinha intentado ações judiciais no Reino Unido e preparava a sua entrada nos referidos mercados. Ao incentivar essa empresa a renunciar a esse projeto, os acordos Krka tiveram por efeito eliminar uma fonte de concorrência potencial.

    312

    Além disso, estes acordos reduziram de forma significativa o risco de entrada de outros fabricantes de medicamentos genéricos, aos quais a Krka poderia ter fornecido produtos à base de perindopril. Com base nestes elementos, a Comissão considerou que os referidos acordos tinham tido por efeito restringir de forma sensível a concorrência potencial, observando, a este respeito, no considerando 1850 dessa decisão, que esses mesmos acordos «aumentaram de forma sensível a probabilidade de a exclusividade da Servier no mercado permanecer incontestada durante um período de tempo mais longo e de os consumidores serem privados de uma redução dos preços considerável que teria resultado de uma colocação efetiva no mercado dos genéricos em tempo útil».

    b)   O acórdão recorrido

    313

    Pelos motivos expostos nos n.os 1075 a 1234 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente o décimo fundamento de primeira instância, no qual a Servier contestava a qualificação dos acordos Krka como restrição da concorrência por efeito nos três mercados geográficos visados.

    314

    Em primeiro lugar, após ter recordado, nos n.os 1078 a 1104 desse acórdão, os fundamentos que levaram a Comissão a adotar essa qualificação, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1107 a 1139 do referido acórdão, que a jurisprudência relativa à consideração dos efeitos potenciais de um acordo, em particular a que resulta dos Acórdãos de 21 de janeiro de 1999, Bagnasco e o. (C‑215/96 e C‑216/96, EU:C:1999:12, n.o 34), de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado (C‑238/05, EU:C:2006:734, n.o 50), de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 71), e de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija (C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 30), não é aplicável quando esse acordo já tiver sido executado. Segundo o Tribunal Geral, a Comissão não pode declarar uma restrição da concorrência por efeito apenas com fundamento numa limitação ou mesmo na eliminação de uma fonte de concorrência potencial. A prova desses efeitos exigiria tomar em consideração, por uma questão de realismo, todos os desenvolvimentos factuais relevantes, nomeadamente os posteriores à celebração do acordo em causa.

    315

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 1140 a 1217 do acórdão recorrido, que a Comissão, baseando‑se unicamente num entrave à concorrência potencial e em considerações hipotéticas, qualificou erradamente a transação Krka e o acordo de cessão e de licença Krka como restrição da concorrência por efeito.

    316

    Antes de mais, pelos motivos expostos nos n.os 1142 a 1187 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que a Comissão não tinha demonstrado que, sem a cláusula de não comercialização estipulada na transação Krka, esta teria provavelmente entrado nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido. Segundo o referido acórdão, a Comissão não teve em conta o facto de que a Krka reconhecia a validade da patente 947 e não demonstrou que, sem essa transação, a concorrência teria provavelmente sido mais aberta, por não ter precisado os efeitos prováveis de tal situação sobre os preços, a produção ou a inovação.

    317

    Seguidamente, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1188 a 1213 do referido acórdão, que a Comissão não tinha demonstrado que, sem a cláusula de não contestação prevista na transação Krka, a prossecução dos litígios relativos à patente 947 teria, de forma provável, ou mesmo plausível, permitido uma invalidação mais rápida ou mais completa dessa patente. Segundo o Tribunal Geral, a Comissão não demonstrou, portanto, que essa cláusula tinha por efeito restringir a concorrência.

    318

    Por último, o Tribunal Geral referiu, nos n.os 1214 e 1215 do mesmo acórdão, que a Comissão não tinha demonstrado que o acordo de cessão e de licença Krka tinha por efeito restringir a concorrência, uma vez que este acordo não previa nenhuma medida de exclusão análoga a uma cláusula de não comercialização.

    319

    Em terceiro lugar, após ter julgado procedente, nos n.os 1216 e 1217 do acórdão recorrido, o fundamento relativo à inexistência de efeitos anticoncorrenciais dos acordos Krka, o Tribunal Geral examinou «se a Comissão [tinha] viciado, além disso, [a decisão controvertida] de erros de direito». A este respeito, declarou, nos n.os 1219 a 1232 desse acórdão, que, ao não ter em conta o desenrolar dos acontecimentos observáveis à data da decisão controvertida e ao analisar o jogo da concorrência na falta dos acordos Krka com base em considerações hipotéticas, a Comissão tinha limitado o seu exame dos efeitos na concorrência desses acordos de forma injustificada, tanto à luz da jurisprudência relativa à consideração dos efeitos potenciais na concorrência como da jurisprudência relativa à eliminação da concorrência potencial. Entendeu que esse exame incompleto era contrário à distinção estabelecida no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, entre as restrições da concorrência por objetivo e as restrições da concorrência por efeito.

    2.   Argumentos das partes

    320

    O sétimo fundamento contém sete partes.

    321

    Na primeira parte, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter considerado, nos n.os 1128, 1178, 1179 e 1227 a 1231 do acórdão recorrido, que o efeito de restringir a concorrência potencial, embora real, não bastava para declarar a existência de uma restrição da concorrência por efeito.

    322

    Com a segunda parte, a Comissão alega que, nos n.os 1107 a 1128 e 1225 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de interpretação e de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, nos n.os 1107 a 1128 e 1225 do acórdão recorrido, ao entender que a consideração dos efeitos potenciais não bastava para demonstrar os efeitos de um cartel que já tinha sido executado.

    323

    Com a terceira parte, a Comissão critica os n.os 399, 1160, 1165, 1168, 1169, 1173, 1174, 1178, 1204, 1206, 1207, 1209, 1221 e 1223 do acórdão recorrido. Critica o Tribunal Geral por ter considerado que era obrigada a demonstrar que a Krka teria provavelmente entrado no mercado do perindopril em França, nos Países Baixos e no Reino Unido na falta dos acordos Krka, nomeadamente especulando sobre o resultado dos litígios relativos à patente 947.

    324

    Com a quarta parte, a Comissão, apoiada pelo Reino Unido, critica os n.os 1089 a 1092, 1130 a 1133, 1151, 1170, 1181, 1210 e 1219 do acórdão recorrido. Em particular, o Tribunal Geral exigiu, no n.o 1130 desse acórdão, que a Comissão tomasse em conta os desenvolvimentos factuais posteriores à celebração dos acordos. Ora, um acordo deve ser analisado à data da sua celebração, em função dos desenvolvimentos prováveis que se teriam produzido no mercado se esse acordo não existisse.

    325

    Com a quinta parte, a Comissão alega que o Tribunal Geral, nos n.os 1148 a 1151 e 1154 do acórdão recorrido, desvirtuou a decisão controvertida, ao afirmar que essa decisão não tinha tido em conta os efeitos da patente 947 e o reconhecimento pela Krka da validade desta patente.

    326

    Na sexta parte, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter substituído pela sua própria apreciação dos factos as considerações da decisão controvertida, excedendo assim os limites da fiscalização da legalidade. O Tribunal Geral, nos n.os 1162 a 1170 do acórdão recorrido, considerou, assim, por um lado, que a decisão da Krka de continuar a impugnar a patente 947 após a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 era uma simples postura, destinada a reforçar a sua posição nas suas negociações com a Servier, quando esta apreciação não assenta em nenhuma prova contemporânea dos factos e, por outro, que a Krka não teria provavelmente entrado nos mercados principais da Servier.

    327

    Com a sétima parte, a Comissão critica os n.os 1198 a 1207 do acórdão recorrido. O Tribunal Geral impôs erradamente à Comissão o ónus de demonstrar que a prossecução, pela Krka, dos processos judiciais relativos às patentes teria permitido invalidar mais rapidamente ou mais completamente a patente 947.

    328

    Quanto à primeira parte, a Servier refuta que a eliminação de uma fonte de concorrência potencial possa bastar para demonstrar a existência de efeitos negativos na concorrência. A este respeito, a Servier e a EFPIA consideram que o Tribunal Geral examinou o jogo da concorrência no âmbito real em que se teria verificado se não existisse a transação Krka.

    329

    Quanto à segunda parte, a Servier considera que a distinção entre acordos consoante tenham sido, ou não, aplicados, é procedente. Para comparar a estrutura concorrencial induzida por acordos já aplicados com a que se teria apresentado na sua ausência, seria necessário ter em conta factos posteriores à celebração desses acordos. Esta distinção que, segundo a EFPIA, não é nova, é conforme com o n.o 29 da Comunicação da Comissão intitulada «Orientações sobre a aplicação do artigo [101.o TFUE] aos acordos de cooperação horizontal» (JO 2001, C 3, p. 2). A segunda parte é, portanto, improcedente.

    330

    Quanto à terceira parte, na opinião da Servier e da EFPIA, o Tribunal Geral não exigiu a demonstração de uma entrada provável da Krka no mercado, tendo simplesmente invalidado um elemento do raciocínio que figurava na decisão controvertida. De qualquer forma, tal exigência não obrigaria a Comissão a especular sobre o desfecho de um litígio relativo a uma patente, uma vez que uma entrada dita «de risco» nos mercados principais da Servier significava, por definição, que a Krka não estava à espera do desfecho desse litígio para efetuar tal entrada. A análise contrafactual não deve assentar em simples especulações, mas sim em provas tangíveis. Por outro lado, o facto de o artigo 101.o TFUE proteger a concorrência enquanto tal não dispensa a Comissão de demonstrar efeitos concretos sobre a concorrência.

    331

    Quanto à quarta parte, a argumentação da Comissão relativa à consideração, no acórdão recorrido, de efeitos posteriores à data de celebração dos acordos Krka é dirigida contra uma apreciação factual do Tribunal Geral. Segundo a Servier, esta argumentação deve ser declarada inadmissível.

    332

    Quanto ao mérito, a Servier denuncia o caráter contraditório da argumentação da Comissão. Não deixando de criticar a consideração de acontecimentos posteriores aos acordos Krka, esta instituição afirma, no entanto, ter tido em conta tais acontecimentos, com o fundamento de que eram razoavelmente previsíveis.

    333

    A Servier contesta qualquer erro de direito na comparação entre a situação induzida pelos acordos Krka e a resultante do cenário contrafactual. A consideração dos desenvolvimentos prováveis diz respeito ao cenário contrafactual. Ora, na decisão controvertida, a Comissão baseou‑se exclusivamente em considerações hipotéticas para caracterizar a situação induzida pelos referidos acordos.

    334

    A Servier e a EFPIA alegam inadmissibilidade da quinta parte, relativa a uma desvirtuação, tendo‑se a Comissão limitado a remeter para a leitura de vários considerandos da decisão controvertida.

    335

    Segundo a Servier e a EFPIA, a sexta parte é inadmissível, uma vez que a Comissão critica uma apreciação factual do Tribunal Geral. Além disso, a argumentação da Comissão não é clara nem identifica de forma precisa o erro de direito que o Tribunal Geral cometeu, limitando‑se a repetir que a decisão controvertida era procedente. Entende ainda que essa parte é inoperante, uma vez que não pode levar à anulação do acórdão recorrido. Em todo o caso, a referida parte é improcedente, uma vez que a decisão controvertida não exclui que a Krka pudesse ter agido por motivos táticos. Não se verifica qualquer ultrapassagem dos limites da fiscalização jurisdicional.

    336

    A sétima parte assenta numa leitura errada do acórdão recorrido. A Comissão confunde a análise da situação induzida pelos acordos Krka e a análise da situação contrafactual. Entende que a invalidação da patente 947 obtida pela Apotex não é uma hipótese contrafactual, mas sim um facto. Cabia à Comissão referir uma situação contrafactual provável, mais concorrencial do que a situação induzida pelos acordos Krka.

    3.   Apreciação do Tribunal de Justiça

    337

    Com o seu sétimo fundamento, a Comissão critica essencialmente o Tribunal Geral por ter considerado que a decisão controvertida não tinha demonstrado que os acordos Krka tinham tido por efeito restringir a concorrência potencial, uma vez que essa instituição não conseguiu provar que, sem esses acordos, a Krka teria provavelmente entrado nos mercados principais da Servier.

    338

    Como sublinhou a advogada‑geral no n.o 292 das suas conclusões, um acordo entre empresas pode estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não só em razão do seu objetivo mas também em razão dos seus efeitos na concorrência, mesmo quando esses efeitos prejudicam a concorrência potencial exercida por uma ou mais empresas que, embora ausentes do mercado relevante, dispõem da capacidade de nele entrar e afetam, por esse facto, o comportamento das empresas já presentes nesse mercado. O ónus da prova desses efeitos na concorrência potencial incumbe à Comissão.

    339

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada pelo Tribunal Geral no n.o 1076 do acórdão recorrido, para apreciar a existência de efeitos anticoncorrenciais causados por um acordo entre empresas, há que comparar a situação concorrencial resultante desse acordo com a que existiria na sua ausência (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, EU:C:1966:38, p. 360; de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 161; e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 74).

    340

    Este método dito «contrafactual» tem por finalidade identificar, no âmbito da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, a existência de um nexo de causalidade entre, por um lado, um acordo entre empresas e, por outro, a estrutura ou o funcionamento da concorrência no mercado no qual esse acordo produz os seus efeitos. Permite assim garantir que a qualificação de restrição da concorrência por efeito não é reservada aos acordos que apresentam uma simples correlação com uma degradação da situação concorrencial desse mercado, mas sim aos que são a causa dessa degradação.

    341

    O método contrafactual tem por razão de ser que a identificação dessa relação de causa e efeito colide com a impossibilidade de observar, de facto, num mesmo momento, o estado do mercado com e sem o acordo em causa, dado esses dois estados serem, por definição, mutuamente exclusivos. É, portanto, necessário comparar a situação observável, ou seja, a que resulta desse acordo, com a situação que teria ocorrido se o referido acordo não tivesse sido celebrado. O referido método impõe, portanto, que se compare uma situação observável com um cenário que, por definição, é hipotético, no sentido de que não se concretizou. Ora, a apreciação dos efeitos de um acordo entre empresas à luz do artigo 101.o TFUE implica a necessidade de tomar em consideração o quadro concreto em que esse acordo se insere, nomeadamente o contexto económico e jurídico em que operam as empresas em causa, a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e a estrutura do mercado ou mercados em questão. Daí resulta que o cenário contrafactual, previsto a partir da inexistência do referido acordo, deve ser realista e credível [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C 307/18, EU:C:2020:52, n.os 115 a 120].

    342

    É, portanto, imperativo, para a correta aplicação do método contrafactual, assegurar que a comparação efetuada assenta em bases sólidas e verificáveis, tanto no que respeita à situação observada — a que resulta do acordo entre empresas — como ao cenário contrafactual. Para tanto, o ponto de referência temporal que permite efetuar essa comparação deve ser o mesmo para a situação observada e para o cenário contrafactual, devendo a natureza anticoncorrencial de um ato ser avaliada no momento em que este foi cometido (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão, C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.o 110).

    343

    Daí resulta que, como refere a advogada‑geral no n.o 318 das suas conclusões, na medida em que o cenário contrafactual visa dar uma imagem realista da situação do mercado tal como teria existido sem o acordo que foi celebrado, esse cenário não pode assentar em acontecimentos posteriores à data de celebração desse acordo, precisamente porque, nessa data, esses acontecimentos não ocorreram e, no que respeita às circunstâncias do presente processo, não podiam ocorrer futuramente devido à existência dos acordos Krka.

    344

    Ao contrário do cenário contrafactual, a situação observada é a que corresponde às condições concorrenciais que existem no momento da celebração do acordo e que dele resultam. Esta situação é real, pelo que não é necessário tomar como base hipóteses realistas para a apreciar. Por conseguinte, para efeitos da declaração de uma infração ao artigo 101.o TFUE, os acontecimentos posteriores à celebração desse acordo podem ser tidos em conta para apreciar esta situação. Contudo, de acordo com a jurisprudência recordada no n.o 342 do presente acórdão, esses acontecimentos só são relevantes na medida em que contribuam para determinar as condições de concorrência existentes no momento em que essa infração foi cometida, tal como resultam diretamente da existência do referido acordo.

    345

    No caso, nos n.os 1078 a 1103 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou o critério seguido pela Comissão na decisão controvertida para qualificar as transações em matéria de patentes entre a Servier e os fabricantes de medicamentos genéricos visados por esta decisão, e sublinhou o caráter hipotético desse critério. Por outro lado, considerou, nos n.os 1107 a 1139 desse acórdão, que a jurisprudência no sentido de que um acordo entre empresas pode ser qualificado de restrição da concorrência por efeito devido aos seus efeitos potenciais deixa de ser aplicável quando esse acordo tiver sido posto em prática.

    346

    Uma vez que os efeitos reais desse acordo na concorrência podem ser observados à luz dos acontecimentos posteriores à sua celebração, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1122 e 1123 do referido acórdão, que seria paradoxal permitir à Comissão provar a existência de efeitos anticoncorrenciais limitando‑se a efetuar uma análise contrafactual com base apenas nos efeitos potenciais de um acordo, quando, por um lado, essa instituição dispõe de elementos observáveis quanto aos efeitos reais desse acordo e, por outro, só perante uma restrição da concorrência por objetivo é que o ónus da Comissão de provar os efeitos anticoncorrenciais pode ser atenuado.

    347

    Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral ignorou, sob três aspetos principais, as características do método contrafactual inerente à apreciação de uma restrição da concorrência por efeito, para efeitos da aplicação do artigo 101.o TFUE.

    348

    Em primeiro lugar, o Tribunal Geral declarou que a apreciação dos efeitos anticoncorrenciais da transação Krka assentava numa abordagem hipotética e num exame incompleto desses efeitos, uma vez que a Comissão não tinha integrado no cenário contrafactual o desenrolar real dos acontecimentos posteriores a este acordo. Todavia, este raciocínio do Tribunal Geral abstrai do facto de, como recordado nos n.os 341 a 343 do presente acórdão, a identificação dos efeitos anticoncorrenciais de um acordo exigir o recurso a um cenário contrafactual que, por definição, é hipotético, no sentido de que não se concretizou, e que não pode, portanto, assentar em elementos posteriores à celebração do referido acordo. Daí resulta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e feriu de ilegalidade os fundamentos expostos nos n.os 1078 a 1103, 1089, 1090, 1102, 1151, 1170, 1181, 1203, 1210, 1219 a 1223 e 1227 do acórdão recorrido.

    349

    Em segundo lugar, ao considerar, nos n.os 1107 a 1139 do acórdão recorrido, que a jurisprudência no sentido de que um acordo entre empresas pode ser qualificado de restrição da concorrência por efeito devido aos seus efeitos potenciais deixa de ser aplicável quando esse acordo tiver sido posto em prática, pelo facto de os efeitos reais do referido acordo na concorrência poderem ser observados, o Tribunal Geral baseou o seu raciocínio numa compreensão imperfeita da razão de ser, do objeto e do funcionamento do método contrafactual, recordados nos n.os 340 a 344 do presente acórdão.

    350

    É certo que, no caso de um acordo cuja aplicação alterou o número ou o comportamento de empresas já presentes no interior de um mesmo mercado, a aplicação do método contrafactual pode, do ponto de vista prático e segundo as circunstâncias de facto, assemelhar‑se a uma comparação entre, por um lado, a situação da concorrência entre essas empresas antes da celebração desse acordo e, por outro, a coordenação entre as referidas empresas induzida pela execução desse acordo, que pode ser atestada, sendo caso disso, por acontecimentos posteriores à sua celebração.

    351

    Em contrapartida, quando um acordo não conduz à alteração mas, pelo contrário, à manutenção do número ou do comportamento de empresas concorrentes já presentes nesse mercado, adiando ou atrasando a entrada de um novo concorrente no mesmo, uma simples comparação entre as situações verificadas no referido mercado antes e depois da execução desse acordo é insuficiente para permitir concluir pela inexistência de efeito anticoncorrencial. Com efeito, nessa situação, o efeito anticoncorrencial está ligado ao desaparecimento garantido, devido a esse acordo, de uma fonte de concorrência que, no momento da celebração desse acordo, continua a ser potencial, na medida em que é exercida por uma empresa que, embora não estando ainda presente no mercado em causa, é, no entanto, capaz de afetar o comportamento das empresas já presentes nesse mercado devido à ameaça credível da sua entrada nesse mercado.

    352

    De resto, como refere a advogada‑geral no n.o 326 das suas conclusões, a distinção feita pelo Tribunal Geral nos n.os 1107 a 1139 do acórdão recorrido, para efeitos da qualificação de restrição da concorrência por efeito, entre os acordos celebrados por empresas consoante tenham sido ou não postos em prática, viola a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os efeitos restritivos da concorrência podem ser tanto atuais como potenciais, mas devem ser suficientemente sensíveis (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de julho de 1969, Völk, 5/69, EU:C:1969:35, n.o 7, e de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, EU:C:2006:734, n.o 50), e equivaleria a reduzir a plena eficácia da proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    353

    Em terceiro lugar, como foi recordado no n.o 340 do presente acórdão, o método contrafactual não visa prever qual teria sido o comportamento de uma parte se não tivesse celebrado um acordo com o seu ou os seus concorrentes, mas sim evidenciar uma relação causal entre esse acordo e uma degradação da situação concorrencial no mercado, com base num cenário contrafactual que, embora hipotético, deve, no entanto, ser realista e verosímil, isto é, credível. A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar, no contexto de transação num litígio de patente contra pagamento compensatório, que o cenário contrafactual tem unicamente por objetivo determinar as possibilidades realistas de comportamento do fabricante de medicamentos genéricos na falta desse acordo. Embora esse cenário contrafactual não possa ser indiferente às possibilidades de sucesso desse fabricante no processo de patente ou ainda à probabilidade de celebração de um acordo menos restritivo, estes são apenas alguns elementos, entre outros, a ter em conta. Por conseguinte, não cabe à entidade que suporta o ónus da prova da existência de efeitos sensíveis potenciais ou reais na concorrência, quando estabelece o cenário contrafactual, efetuar uma conclusão definitiva relativa às possibilidades de sucesso do fabricante de medicamentos genéricos no litígio relativo à patente ou à probabilidade da celebração de um acordo menos restritivo [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.os 87 a 121].

    354

    Resulta destes elementos que a Comissão tem de provar que o cenário contrafactual tido em conta numa decisão que declara a existência de uma restrição da concorrência por efeito é realista e credível.

    355

    No caso, incumbia ao Tribunal Geral verificar se o cenário contrafactual utilizado pela Comissão preenchia esses critérios. Ora, na medida em que a restrição da concorrência apurada na decisão controvertida consistia em eliminar de forma certa e deliberada a fonte de concorrência potencial exercida pela Krka sobre a Servier, através do seu perindopril composto da forma cristalina alfa da erbumina protegida pela patente 947, a análise do cenário contrafactual correspondia, em substância, à da existência dessa concorrência potencial, pois a eliminação dessa concorrência, admitindo‑a demonstrada, constitui, por definição, um efeito suficientemente sensível sobre ela, na aceção da jurisprudência lembrada no n.o 352 do presente acórdão. Assim, para determinar se os acordos Krka, ao proibirem a Krka de entrar nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido, produziram um efeito comprovado na concorrência potencial, havia que verificar, de acordo com a jurisprudência recordada no n.o 101 e conforme decidido no n.o 351 do presente acórdão, se a Krka dispunha de uma possibilidade real e concreta de integrar esses mercados num prazo capaz de fazer pressão concorrencial sobre a Servier, de modo que a ameaça de tal entrada pudesse ser considerada realista e verosímil, ou seja, credível.

    356

    Ora, ao considerar, nos n.os 1142 a 1168 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha provado que, sem a cláusula de não comercialização estipulada na transação Krka, a Krka teria provavelmente entrado nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido e, nos n.os 1188 a 1213 desse acórdão, que a Comissão não tinha provado que, sem a cláusula de não contestação estipulada nessa transação, a prossecução dos processos contenciosos que contestavam a validade da patente 947, segundo os termos do n.o 1203 do referido acórdão, «teria permitido, de forma provável e até plausível, uma invalidação mais rápida ou mais completa desta patente», o Tribunal Geral cometeu um erro de interpretação e de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e feriu de ilegalidade os n.os 1147 a 1168 e 1188 a 1213 do acórdão recorrido.

    357

    Estes erros de direito identificados ferem de ilegalidade a totalidade do raciocínio do Tribunal Geral relativo à qualificação de restrição da concorrência por efeito dos acordos Krka, exposto nos n.os 1075 a 1234 do acórdão recorrido.

    358

    Em face do exposto, há que julgar procedente o sétimo fundamento, sem que seja necessário decidir separadamente sobre cada uma das suas partes, nomeadamente sobre a quinta parte, relativa a uma desvirtuação da decisão controvertida e sobre a sexta parte, segundo a qual o Tribunal Geral substituiu a apreciação da Comissão pela sua.

    C. Quanto aos fundamentos oitavo a décimo primeiro, relativos à infração ao artigo 102.o TFUE

    359

    Os oitavo e nono fundamentos são relativos a erros de direito na apreciação da importância atribuída, para efeitos da determinação do mercado do produto relevante, ao preço e à substituibilidade terapêutica do perindopril. O décimo fundamento é relativo à inadmissibilidade de certos documentos juntos pela Servier em anexo aos seus articulados em primeira instância. O décimo primeiro fundamento é relativo a erros de direito respeitantes à definição do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril.

    1.   Pontos relevantes da decisão controvertida e do acórdão recorrido

    a)   Decisão controvertida

    360

    Para efeitos de aplicação do artigo 102.o TFUE, a Comissão definiu, antes de mais, na decisão controvertida, o mercado relevante como o do perindopril, com fundamento em observações realizadas entre o ano de 2000 e o ano de 2009, em França, nos Países Baixos, na Polónia e no Reino Unido, baseando‑se essencialmente em dois elementos.

    361

    Por um lado, entendeu, nos considerandos 2445 a 2457 dessa decisão, que, entre os dezasseis medicamentos IEC que partilham o mesmo modo de ação e que têm indicações terapêuticas e efeitos secundários semelhantes, o perindopril dispunha de certas características específicas realçadas pela Servier nos seus esforços promocionais junto dos médicos, a fim de levar a cabo uma política de diferenciação em relação aos outros medicamentos IEC.

    362

    Por outro lado, afirmou, nos considerandos 2460 a 2495, 2528 e 2546 da referida decisão, que a forte descida dos preços dos outros medicamentos IEC consecutiva à chegada de versões genéricas não tinha implicado uma redução dos preços do perindopril e das despesas de promoção da Servier, que permaneceram estáveis durante todo o período considerado, nem uma diminuição dos volumes vendidos do perindopril, que tinham aumentado constantemente. Assim, essa descida dos preços não se traduziu numa transferência da procura de perindopril para estes outros medicamentos IEC. A Comissão deduziu daí que, na falta de pressão concorrencial significativa dos outros medicamentos IEC durante esse mesmo período, a Servier podia, assim, comportar‑se, numa medida apreciável, independentemente dos fabricantes destes medicamentos. Segundo a Comissão, esta situação contrastava com a situação que resultou da entrada no mercado de versões genéricas do perindopril, cujo efeito foi provocar reduções de preços médias deste medicamento de 27 % em França, de 81 % nos Países Baixos, de 17 % na Polónia e de 90 % no Reino Unido.

    363

    Em seguida, a Comissão observou, nos considerandos 2561 a 2600 da decisão controvertida, que a Servier dispunha de uma posição dominante no mercado do perindopril em França, nos Países Baixos, na Polónia e no Reino Unido. Essa instituição declarou ainda, nos considerandos 2601 a 2758 dessa decisão, que a Servier dispunha igualmente de uma posição dominante no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo deste medicamento.

    364

    Por último, a Comissão entendeu, nos considerandos 2759 a 2998 da referida decisão, que a estratégia única e continuada da Servier de atrasar a entrada das versões genéricas do perindopril no mercado combinando, nomeadamente, a aquisição de tecnologia relativa ao princípio ativo deste medicamento e transações em matéria de patentes contra pagamento compensatório constituía uma infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE.

    b)   Acórdão recorrido

    365

    O Tribunal Geral considerou, nos n.os 1367 a 1592 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha limitado erradamente a definição do mercado do produto relevante apenas ao perindopril, com exclusão dos outros medicamentos IEC.

    366

    Após ter rejeitado, desde logo, uma primeira alegação da Servier, relativa à não consideração de todos os elementos do contexto económico, o Tribunal Geral, em seguida, julgou procedente uma alegação de erro de apreciação da substituibilidade do perindopril pelos outros medicamentos IEC. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 1418 a 1482 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha cometido um erro ao considerar que existiam diferenças terapêuticas entre o perindopril e os outros medicamentos IEC, nos n.os 1483 a 1513 desse acórdão, que a Comissão não tinha demonstrado que a inércia e a fidelidade dos prescritores em relação ao perindopril contribuíam para limitar a pressão concorrencial exercida pelos outros medicamentos IEC, nos n.os 1514 a 1540 do referido acórdão, que a Comissão tinha subestimado a propensão dos pacientes tratados com perindopril para mudar de medicamento, e, nos n.os 1541 a 1566 do mesmo acórdão, que a Comissão não tinha tido em consideração a importância dos esforços promocionais da Servier.

    367

    Por último, o Tribunal Geral julgou procedente, pelos fundamentos expostos nos n.os 1567 a 1585 do acórdão recorrido, a alegação da Servier de que a Comissão tinha atribuído uma importância excessiva aos preços na determinação do mercado relevante. Considerou, no n.o 1586 desse acórdão, que já não havia que conhecer da alegação da Servier relativa a erros metodológicos que afetavam a análise econométrica da Comissão.

    368

    O Tribunal Geral invalidou, nos n.os 1595 a 1608 e 1611 a 1622 do referido acórdão, as constatações da Comissão relativas à existência de uma posição dominante no mercado do perindopril, bem como no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo desse medicamento. Na falta de uma definição correta do mercado do produto relevante, o Tribunal Geral, pelos motivos enunciados nos n.os 1625 a 1632 do mesmo acórdão, infirmou as constatações efetuadas na decisão controvertida relativas ao abuso de posição dominante imputado à Servier.

    369

    Tendo em conta estes elementos, o Tribunal Geral anulou o artigo 6.o e o artigo 7.o, n.o 6, da decisão controvertida.

    2.   Quanto ao oitavo fundamento

    a)   Argumentos das partes

    370

    Com o seu oitavo fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter considerado que a decisão controvertida tinha dado excessiva importância aos preços na definição do mercado do produto relevante. Este fundamento divide‑se em seis partes.

    371

    Com as partes primeira, terceira e quinta do seu oitavo fundamento, a Comissão critica essencialmente as apreciações feitas pelo Tribunal Geral, nos n.os 1380 a 1405 e 1567 a 1586 do acórdão recorrido, sobre a definição do mercado relevante.

    372

    A Comissão alega, antes de mais, que, nos n.os 1567 a 1586 desse acórdão, o Tribunal Geral, para efeitos dessa delimitação, minimizou a importância a atribuir aos preços do perindopril e favoreceu as considerações relativas à qualidade deste medicamento. O Tribunal Geral não teve em conta o facto de os preços do perindopril se terem mantido estáveis e de os volumes das vendas deste medicamento terem aumentado enquanto os preços dos outros medicamentos IEC sofriam fortes descidas (compreendidas entre 28 % e 90 % na Polónia, entre 47 % e 58 % em França, entre 88 % e 90 % no Reino Unido e entre 94 % e 97 % nos Países Baixos), na sequência da entrada de versões genéricas destes medicamentos. O Tribunal Geral baseou‑se numa distinção entre os condicionalismos qualitativos e condicionalismos «tarifários» que é artificial, abstrata, contrária ao método estabelecido para definir o mercado relevante e aos ensinamentos do Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770).

    373

    Em seguida, a Comissão alega que o Tribunal Geral sobreavaliou a importância do papel dos médicos prescritores na avaliação das características da procura do perindopril. Primeiro, o Tribunal Geral, nos n.os 1393 a 1395 do acórdão recorrido, considerou erradamente que a procura era apenas determinada por esses prescritores, sem ter em conta outros fatores relevantes. Segundo, de acordo com a Comissão, o facto de os prescritores não serem sensíveis aos preços confere mais liberdade à Servier que não tem de modular os seus preços a fim de convencer esses médicos a prescreverem o seu perindopril. Ao centrar‑se nos condicionalismos que recaem sobre os prescritores em vez dos que recaem sobre a Servier, o Tribunal Geral fez uma aplicação errada do conceito de mercado relevante.

    374

    Por último, a Comissão alega que o Tribunal Geral, nos n.os 1385, 1395, 1397, 1401, 1404, 1576 a 1579 e 1584 do acórdão recorrido, negligenciou a importância da concorrência exercida pelas versões genéricas do perindopril. Após ter constatado esta importância, o Tribunal Geral devia ter declarado que os outros medicamentos IEC não exerciam qualquer pressão sobre o perindopril. Seria artificial considerar, como fez o Tribunal Geral no n.o 1392 desse acórdão, que a pressão concorrencial exercida pelos medicamentos genéricos só pode ser tida em conta após a sua chegada efetiva ao mercado.

    375

    Com as partes segunda, quarta e sexta do seu oitavo fundamento, a Comissão alega, em substância, que a fundamentação dos n.os 1392 e 1567 a 1586 do acórdão recorrido é insuficiente ou contraditória.

    376

    A Servier considera que a fundamentação do acórdão recorrido é suficiente e desprovida de contradições.

    377

    Quanto ao mérito, a Servier e a EFPIA afirmam, antes de mais, que não cometeu qualquer erro de direito o Tribunal Geral ao atribuir um valor menor, em relação à Comissão, à importância do fator preço. Afirma que, no setor farmacêutico, os aspetos terapêuticos atenuam a pressão concorrencial através dos preços. O Tribunal Geral não ignorou as fortes descidas dos preços dos outros medicamentos IEC, mas declarou que a estabilidade do preço do perindopril não bastava para excluir a existência de pressões concorrenciais sobre este proveniente desses outros medicamentos. O Tribunal Geral não rejeitou a pertinência da análise do volume das vendas do perindopril, tendo apenas reprovado a importância que a Comissão tinha dado à estabilidade do preço deste medicamento. Referiu ainda, nos n.os 1499 e 1500 do acórdão recorrido, que as quantidades dos outros medicamentos IEC vendidos tinham igualmente aumentado e mais ainda no caso do ramipril do que no caso do perindopril. Quanto à rentabilidade da Servier, o Tribunal Geral constatou, no n.o 1559 deste acórdão, que a Comissão nunca se tinha baseado neste elemento para definir o mercado relevante. O Tribunal Geral procedeu a uma análise global dos condicionalismos concorrenciais, sem os hierarquizar.

    378

    A Servier considera, em seguida, que a argumentação da Comissão relativa à insensibilidade dos prescritores aos preços é inadmissível, uma vez que tem por objeto apreciações factuais do Tribunal Geral. De qualquer modo, esta argumentação é improcedente. Com efeito, o Tribunal Geral não minimizou os fatores relacionados com os preços, tendo‑os apreciado levando em conta o facto de as características particulares do setor farmacêutico limitarem a pressão concorrencial pelos preços, sem ignorar a função da definição do mercado.

    379

    Por último, o Tribunal Geral não abstraiu da pressão concorrencial exercida pelos medicamentos genéricos sobre o perindopril. Pelo contrário, declarou, no n.o 1579 do acórdão recorrido, que a descida do preço deste medicamento consecutiva à entrada de versões genéricas no mercado não permitia concluir pela inexistência de condicionalismos concorrenciais antes dessa chegada. O facto de esses genéricos serem os mais próximos concorrentes do perindopril não significa que outros medicamentos IEC não exerciam pressões concorrenciais sobre este medicamento, pressões cuja existência é comprovada pela política promocional e pela estratégia interna da Servier, conforme resulta dos n.os 1550, 1577 e 1590 desse acórdão.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    380

    A título preliminar, há que observar que, contrariamente ao que alega a Servier, a argumentação da Comissão relativa ao facto de a escolha dos médicos na prescrição de um medicamento ser menos ditada por considerações relacionadas com o preço desse medicamento do que por considerações de ordem terapêutica não incide sobre apreciações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral, mas sim sobre a qualificação jurídica destas apreciações. Com efeito, esta argumentação visa contestar tanto a fundamentação como os critérios jurídicos com base nos quais o Tribunal Geral considerou que a Comissão tinha concedido, na decisão controvertida, demasiada importância aos preços do perindopril quando definiu o mercado relevante. Improcede, pois, a exceção de inadmissibilidade parcial do oitavo fundamento.

    381

    Quanto à apreciação do mérito deste fundamento, há que lembrar que a determinação do mercado relevante, no âmbito da aplicação do artigo 102.o TFUE, constitui, em princípio, uma condição prévia à apreciação da eventual existência de uma posição dominante da empresa em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, EU:C:1973:22, n.o 32), que tem por objeto definir o perímetro dentro do qual deve ser apreciada a questão de saber se essa empresa pode comportar‑se, em medida considerável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores [v., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 37, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 127].

    382

    A determinação do mercado relevante pressupõe que se defina, em primeiro lugar, o mercado do produto e depois, em segundo lugar, o seu mercado geográfico (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.os 10 e 11).

    383

    No que respeita ao mercado de produtos, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de mercado relevante implica que possa haver concorrência efetiva entre os produtos ou serviços que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para a mesma utilização entre todos os produtos ou serviços que façam parte de um mesmo mercado. A permutabilidade ou a substituibilidade não se aprecia apenas em relação às características objetivas dos produtos ou serviços em questão. Há que tomar também em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 51 e jurisprudência referida).

    384

    Resulta destes elementos que a apreciação da substituibilidade de dois produtos não se limita a determinar se esses produtos são, do ponto de vista funcional, aptos a satisfazer a mesma necessidade, antes exige também que se determine se, economicamente, esses produtos são, de facto, efetivamente substituíveis. A substituibilidade económica entre dois produtos pode verificar‑se quando as alterações nos seus preços relativos impliquem uma transferência das vendas de um para o outro. A este respeito, importa sublinhar que, como resulta do n.o 13 da comunicação relativa à definição do mercado, mencionada no n.o 2 do presente acórdão e à qual o Tribunal Geral se referiu no n.o 1384 do acórdão recorrido, do ponto de vista económico, a substituibilidade do lado da procura é o fator de disciplina mais imediato e mais eficaz face aos fornecedores de um dado produto. A apreciação desta substituibilidade consiste essencialmente em avaliar a elasticidade cruzada da procura em relação ao preço, determinando se os consumidores de um produto sujeito a um aumento de preços ligeiro mas permanente se voltariam para produtos de substituição.

    385

    No caso, o Tribunal Geral constatou, no n.o 1404 do acórdão recorrido, a relativa elasticidade da procura do perindopril face ao preço dos outros medicamentos IEC e sublinhou, no n.o 1573 desse acórdão, que a Servier não tinha posto em causa este elemento factual. Este elemento assenta na observação, relatada nos considerandos 2460 a 2495 da decisão controvertida, de que, apesar da forte redução dos preços dos medicamentos IEC destinados à mesma utilização terapêutica que o perindopril, o preço deste último permaneceu estável e os volumes das suas vendas tinham aumentado ao longo do período de referência.

    386

    No entanto, o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 1574 a 1586 do acórdão recorrido, que o facto de a procura de perindopril ter permanecido estável apesar da forte redução dos preços dos outros medicamentos IEC «não permite concluir pela inexistência de pressões concorrenciais de ordem qualitativa e não tarifária» até à entrada de versões genéricas do perindopril, com o fundamento de que, em razão, nomeadamente, das particularidades do setor farmacêutico, a concorrência é exercida não só pelos preços, mas também pela qualidade dos medicamentos, reconhecida pelos prescritores, nomeadamente através de ações promocionais dos produtores dos outros medicamentos IEC. No n.o 1584 desse acórdão, o Tribunal Geral deduziu daí que, na decisão controvertida, a Comissão tinha dado uma importância excessiva ao fator preço na definição do mercado do produto relevante.

    387

    Contudo, importa sublinhar que, para efeitos da definição do mercado relevante, o preço e a quantidade vendida de um produto não são a expressão de um tipo de concorrência distinto que possa ser oposto à concorrência que depende da qualidade desse produto ou aos esforços desenvolvidos para assegurar a sua promoção comercial. Pelo contrário, a substituibilidade económica reflete todas as características dos produtos em questão, incluindo as relativas aos seus custos promocionais, bem como à sua qualidade intrínseca ou percebida. Com efeito, o incentivo ao fornecimento de um produto de qualidade depende, em última instância, da vontade do consumidor de pagar por essa qualidade, independentemente de a procura dos medicamentos ser, como acertadamente refere o Tribunal Geral, guiada mais pelas escolhas dos prescritores do que pela dos seus pacientes e de estes últimos não suportarem geralmente a totalidade do preço — quer esteja ou não regulamentado — devido à intervenção de diversos mecanismos de seguro em matéria de saúde.

    388

    Daí resulta que, independentemente das características particulares do setor farmacêutico ligadas à regulamentação aplicável, ao papel dos prescritores e à comparticipação do preço dos medicamentos por mecanismos de seguro, a substituibilidade económica entre medicamentos deve ser analisada à luz das transferências das vendas entre medicamentos destinadas a uma mesma indicação terapêutica, induzidas pelas alterações dos preços relativos desses medicamentos. A constatação da inexistência de tal substituibilidade revela a existência de um mercado distinto, independentemente das suas causas, quer seja a qualidade intrínseca do ou dos medicamentos abrangidos por esse mercado quer sejam os esforços promocionais desenvolvidos pelos seus fabricantes.

    389

    De resto, o Tribunal Geral teve estas considerações em conta quando enunciou, nos n.os 1380 a 1398 do acórdão recorrido, os princípios aplicáveis à delimitação de um mercado relevante de produtos no setor farmacêutico. Com efeito, afirmou, por um lado, no n.o 1386 desse acórdão, que «as especificidades que caracterizam os mecanismos de concorrência no setor farmacêutico não retiram a relevância aos fatores relativos aos preços na avaliação das pressões concorrenciais, devendo, todavia, estes fatores ser apreciados no seu contexto próprio». Por outro lado, expôs, no n.o 1390 do referido acórdão, que «a circunstância de a pressão concorrencial pelos preços ser largamente atenuada no setor farmacêutico[…] pode justificar a delimitação de mercados pequenos» e afirmou, no n.o 1391 do mesmo acórdão, que, quando um «grupo de medicamentos não está significativamente sujeito a pressões concorrenciais de outros medicamentos, de modo que pode considerar‑se que esse grupo forma um mercado relevante, o tipo ou a natureza dos fatores que subtraem esse grupo de medicamentos a qualquer pressão concorrencial significativa reveste‑se apenas de pertinência limitada, uma vez que a verificação da inexistência dessas pressões concorrenciais permite concluir que uma empresa em posição dominante no mercado definido nesses termos poderia afetar os interesses dos consumidores nesse mercado, impedindo, através de um comportamento abusivo, a manutenção de uma concorrência efetiva».

    390

    Assim, o Tribunal Geral não podia, sem se contradizer de forma manifesta e violar esses princípios que acabava corretamente enunciar, declarar, nos n.os 1399 a 1405 e 1574 a 1586 do acórdão recorrido, que a relativa falta de elasticidade da procura de perindopril face ao preço era pouco relevante para efeitos da determinação do mercado relevante, uma vez que podia ser explicada ou justificada pela qualidade deste medicamento e pela importância dos esforços promocionais do seu fabricante. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e feriu de ilegalidade os n.os 1399 a 1405 e 1574 a 1586 desse acórdão.

    391

    Improcede integralmente, portanto, o oitavo fundamento.

    3.   Quanto aos fundamentos nono e décimo

    392

    Com o seu nono fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando infirmou, nos n.os 1418 a 1566 do acórdão recorrido, a análise, para efeitos da determinação do mercado do perindopril, das relações de substituibilidade terapêutica deste medicamento em relação aos outros medicamentos IEC. Com o seu décimo fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter admitido, nos n.os 1461 a 1463 desse acórdão, a admissibilidade de certos documentos juntos pela Servier em anexo aos seus articulados em primeira instância para contestar a avaliação da Comissão sobre esses relatórios de substituibilidade terapêutica.

    393

    Tendo em conta a resposta dada ao oitavo fundamento, da qual resulta que está ferida de contradição de fundamentos a consideração do Tribunal Geral no n.o 1585 do acórdão recorrido de que a Comissão tinha determinado erradamente, com base numa análise da substituibilidade dos produtos baseada em considerações económicas relativas aos preços, que o perindopril e os outros medicamentos IEC não eram substituíveis, não é necessário conhecer dos fundamentos nono e décimo, na medida em que esses outros fundamentos se referem à substituibilidade terapêutica destes medicamentos.

    4.   Quanto ao décimo primeiro fundamento

    a)   Argumentos das partes

    394

    Com o seu décimo primeiro fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter considerado, nos n.os 1611 a 1622 do acórdão recorrido, que a definição do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril e a constatação da existência da posição dominante da Servier neste mercado estavam erradas. Entende que o Tribunal Geral se baseou exclusivamente nos erros que tinha constatado a respeito da definição do mercado do perindopril. A Comissão apresenta três alegações a este respeito.

    395

    Com uma primeira alegação, sustenta que estes dois mercados, ainda que próximos, têm características diferentes, tanto do lado da oferta como da procura. Por conseguinte, o Tribunal Geral não podia afirmar, no n.o 1615 do acórdão recorrido, que a invalidação da definição do mercado do perindopril tinha de implicar automaticamente a invalidação da definição do mercado da tecnologia relativa a este medicamento e, por consequência, a constatação da posição dominante da Servier neste mercado. Foi erradamente que o Tribunal Geral, em apoio deste raciocínio, indicou que resulta dos considerandos 2648 a 2651 da decisão controvertida que a procura de tecnologia relativo ao princípio ativo do perindopril deriva da procura do perindopril. Com efeito, estes considerandos não contêm qualquer elemento que permita considerar que a procura para a tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril depende da definição do mercado deste medicamento.

    396

    Numa segunda alegação, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 1618 a 1621 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida não podia inferir a existência de uma posição dominante da Servier no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril com base em manifestações dessa posição no mercado, uma vez que, segundo o que o Tribunal Geral tinha declarado, este último mercado não estava limitado apenas ao perindopril. Com efeito, uma vez que estes dois mercados são diferentes, a constatação da posição dominante da Servier no primeiro não depende da existência da sua posição dominante no segundo.

    397

    Com uma terceira alegação, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter ignorado a análise do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril que figura na decisão controvertida, em particular nos considerandos 2632 a 2647, no que respeita às características da procura, e nos considerandos 2671 a 2757, no que respeita à posição dominante da Servier neste mercado. Entende, assim, que o Tribunal Geral não respondeu aos fundamentos que lhe foram submetidos.

    398

    A Servier contrapõe que este fundamento é, no seu conjunto, inoperante, pois critica uma apreciação relativa à definição do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril, quando o Tribunal Geral não se pronunciou sobre essa questão. Com efeito, contrariamente ao que alega a Comissão, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre a definição desse mercado, tendo sim criticado as constatações efetuadas na decisão controvertida a respeito da existência de uma posição dominante da Servier nesse mercado, devido a erros na definição do mercado do perindopril como medicamento.

    399

    Por outro lado, esse fundamento não pode levar à anulação do acórdão recorrido, uma vez que a Comissão não contestou os n.os 1627 a 1631 desse acórdão em que assenta o dispositivo do referido acórdão. Resulta destes números que o Tribunal Geral afirmou, por um lado, que «a falta de posição dominante […] apenas no mercado [do perindopril] põe em causa, por si só, a existência do abuso de posição dominante imputado à Servier» no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril e, por outro, que a decisão controvertida não refere qualquer comportamento dessa empresa cujo caráter ilícito seja independente da sua alegada posição dominante no mercado do perindopril.

    400

    Além disso, a Servier afirma que as três alegações da Comissão são inoperantes e carecem de base factual.

    401

    A primeira alegação diz respeito a erros factuais e desvirtua o acórdão recorrido, tendo‑se o Tribunal Geral limitado, no n.o 1615 deste acórdão, a constatar que, na decisão controvertida, a Comissão tinha utilizado a definição do mercado do perindopril para analisar o mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo deste medicamento.

    402

    Do mesmo modo, a segunda alegação assenta numa desvirtuação dos n.os 1618 e 1619 do acórdão recorrido, através dos quais o Tribunal Geral sublinhou que a decisão controvertida não tinha examinado os dois mercados em causa independentemente um do outro. Pelo contrário, resulta da secção 7.2.1.2.3 dessa decisão que a procura para a tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril deriva da procura do perindopril. Entende que a Comissão se baseou na posição dominante da Servier no mercado deste medicamento para inferir a existência de uma posição dominante desta empresa no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do referido medicamento.

    403

    Quanto à terceira alegação, é inoperante, visto não ter a Comissão contestado o entendimento do Tribunal Geral de que os erros que afetam a definição do mercado do perindopril se repercutiram na definição do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo deste medicamento. A Servier acrescenta que a Comissão se limita a invocar uma omissão de resposta a um fundamento, sem precisar de que fundamento se trata.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    404

    No n.o 1615 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, no que respeita à definição do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril, resulta da decisão controvertida que «[a procura desta tecnologia] resulta [da procura] para o medicamento acabado de perindopril (considerandos 2648 a 2651 da decisão recorrida) [dessa decisão]» e que «[a] Comissão utilizou a delimitação errada do mercado relevante que considerou para o mercado dos produtos acabados no âmbito da sua análise do mercado da tecnologia, em particular no que respeita à apreciação d[a procura] sobre este último mercado».

    405

    Todavia, resulta da leitura dos considerandos 2648 a 2651 da decisão controvertida que, embora a Comissão tenha constatado que a procura da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril resulta da procura desse medicamento, sublinhou igualmente, no considerando 2649 desta decisão, que esta característica não significa que as condições da procura para essa tecnologia refletem exatamente as da procura do perindopril.

    406

    Com base nestes elementos, a Comissão entendeu, no considerando 2651 da referida decisão, que, tendo em conta a relativa falta de elasticidade da procura do perindopril, a procura da tecnologia relativa ao princípio ativo desse medicamento tinha provavelmente a mesma falta de elasticidade. Resulta destes elementos que, contrariamente ao que resulta da formulação do n.o 1615 do acórdão recorrido, os elementos que figuram nos considerandos 2648 a 2651 da decisão controvertida relativos às características da procura de tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril não assentam na definição do mercado do perindopril enquanto tal, mas sim nas ligações que existem entre a procura dessa tecnologia e a procura do referido medicamento, sendo estes dois produtos complementares, uma vez que o primeiro é um fator de produção utilizado para a produção do segundo.

    407

    Embora seja verdade que o Tribunal Geral, no n.o 1615 do acórdão recorrido, relatou de forma parcial e inexata o conteúdo da decisão controvertida ao dar a entender que a Comissão tinha definido o mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril limitando‑se a reproduzir a definição do mercado desse medicamento, no n.o 1616 deste acórdão, limitou o alcance deste erro, ao indicar que, «como a Comissão alega, também utilizou, no âmbito da sua análise do mercado da tecnologia, outros elementos para delimitar o mercado da tecnologia, nomeadamente, uma análise da substituibilidade do lado da oferta (considerandos 2657 e seguintes da decisão [controvertida]».

    408

    Assim, abstraindo do erro que acaba de ser detetado, improcede a primeira alegação da Comissão, em que invoca, no essencial, uma desvirtuação da decisão controvertida, na medida em que o Tribunal Geral não tomou em consideração as diferenças entre os dois mercados, tanto do lado da oferta como da procura.

    409

    De resto, nos n.os 1617 a 1619 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que não era necessário pronunciar‑se sobre o caráter errado ou não da delimitação do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril para apreciar o fundamento relativo a erros na demonstração, pela Comissão, da existência de uma posição dominante da Servier neste mercado, com o fundamento de que esta última «se baseou de forma determinante» na delimitação do mercado do perindopril para declarar a posição dominante da Servier no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo deste medicamento. No n.o 1621 deste acórdão, o Tribunal Geral extraiu as consequências da sua apreciação do caráter errado da definição do mercado do perindopril. Considerou que a Comissão não tinha podido demonstrar que a Servier ocupava uma posição dominante no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo desse medicamento e considerou, consequentemente, no n.o 1622 do referido acórdão, que havia que julgar procedente o fundamento invocado em primeira instância relativo a erros na demonstração pela Comissão de uma posição dominante da Servier no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril.

    410

    Ora, resulta dos n.os 380 a 390 do presente acórdão que a própria apreciação do Tribunal Geral relativa ao caráter errado da definição do mercado do perindopril está ferida de erro de direito. Por conseguinte, há que observar que as apreciações efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 1611 a 1622 do acórdão recorrido sobre a posição dominante da Servier no mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril assentam numa premissa errada e estão, por isso, feridas de ilegalidade. Uma vez que estas apreciações tiveram influência direta no n.o 3 do dispositivo do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida na parte em que declarava uma infração ao artigo 102.o TFUE cometida pela Servier, há que julgar procedente o décimo primeiro fundamento.

    D. Conclusões quanto ao presente recurso

    411

    Tendo os fundamentos primeiro a oitavo e décimo primeiro sido julgados procedentes, há que anular, de acordo com o pedido da Comissão, os n.os 1 a 3 do dispositivo do acórdão recorrido nos quais o Tribunal Geral tinha anulado, primeiro, o artigo 4.o da decisão controvertida na parte em que dá por provada a participação da Servier nos acordos Krka, segundo, o artigo 6.o dessa decisão, que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE cometida pela Servier e, terceiro, o artigo 7.o, n.o 4, alínea b), e o artigo 7.o, n.o 6, da referida decisão, que fixam o montante da coima aplicada à Servier pelas infrações referidas, respetivamente, nos artigos 4.o e 6.o da mesma decisão.

    VIII. Quanto às consequências da anulação do acórdão recorrido

    412

    Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento.

    413

    No caso, no que respeita aos fundamentos do recurso em primeira instância destinado à anulação do artigo 4.o da decisão controvertida, relativo à infração ao artigo 101.o TFUE, o Tribunal de Justiça considera que o litígio não está em condições de ser julgado no seu conjunto. Com efeito, com o seu nono fundamento, na segunda parte, a Servier alega que a Comissão cometeu vários erros de apreciação ao qualificar o acordo de cessão e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo. Ora, como resulta do n.o 307 do presente acórdão, o Tribunal Geral invalidou esta qualificação pelo simples facto de ter rejeitado a mesma qualificação em relação aos acordos de transação e de licença Krka, sem, todavia, se pronunciar sobre o mérito desta segunda parte. Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral, para que este se pronuncie sobre a segunda parte do nono fundamento do recurso em primeira instância.

    414

    No que respeita aos fundamentos do recurso em primeira instância destinado à anulação do artigo 6.o da decisão controvertida, relativo à infração ao artigo 102.o TFUE, resulta da resposta dada ao oitavo fundamento do recurso que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a Comissão tinha restringido erradamente a definição do mercado relevante ao do perindopril. O Tribunal Geral considerou que esta apreciação bastava para julgar procedente o décimo quarto fundamento em primeira instância, sem que fosse necessário decidir sobre a primeira parte do mesmo, através da qual a Servier invocava várias irregularidades que afetavam a análise econométrica da Comissão. Uma vez que o Tribunal Geral não se pronunciou sobre esta primeira parte, o litígio não está em condições de ser julgado quanto a este ponto.

    415

    Além disso, resulta da resposta dada ao décimo primeiro fundamento do recurso nos n.os 404 a 410 do presente acórdão que o Tribunal Geral não examinou de forma autónoma os décimo sexto e décimo sétimo fundamentos de primeira instância da Servier dirigidos contra a definição do mercado da tecnologia relativa ao princípio ativo do perindopril e à existência de uma posição dominante da Servier neste mercado, tendo‑se limitado a reproduzir os fundamentos que o tinham levado a julgar procedente o décimo quarto fundamento de primeira instância da Servier, relativo a um erro na definição do mercado do perindopril. O litígio não está, pois, em condições de ser julgado, devendo, assim, o processo ser remetido ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre os fundamentos de primeira instância relativos à violação do artigo 102.o TFUE.

    416

    Neste contexto, a Comissão convidou o Tribunal de Justiça a remeter o processo ao Tribunal Geral para que este decida com uma composição diferente da que adotou o acórdão recorrido.

    417

    Todavia, de acordo com o artigo 216.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, quando o Tribunal de Justiça anula um acórdão de uma secção, o processo pode ser atribuído a outra secção com o mesmo número de juízes, cabendo essa decisão ao presidente do Tribunal Geral. A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de sublinhar que a remessa do processo a uma formação de julgamento composta de forma distinta da que conheceu da primeira apreciação desse processo não pode, no âmbito do direito da União, ser considerada uma obrigação de caráter geral (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 57). Indefere‑se, portanto, o requerimento da Comissão.

    418

    Em face destas considerações, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre o nono fundamento de primeira instância da Servier, na segunda parte, relativa à qualificação de restrição da concorrência por objetivo do acordo de cessão e de licença Krka, sobre os fundamentos décimo quarto a décimo sétimo de primeira instância, relativos à infração ao artigo 102.o TFUE, e sobre os fundamentos subsidiários de primeira instância, que visam contestar o montante da coima.

    IX. Quanto ao recurso no Tribunal Geral

    419

    No seu recurso em primeira instância, a Servier contesta, com a primeira parte do nono fundamento, a qualificação dos acordos de transação e de licença Krka como restrição da concorrência por objetivo. Com o seu décimo fundamento, contesta a qualificação da transação Krka e do acordo de cessão e de licença Krka como restrição da concorrência por efeito.

    420

    Atendendo, nomeadamente, ao facto de esses fundamentos terem sido objeto de contraditório no Tribunal Geral e de a sua análise não exigir a adoção de nenhuma medida suplementar de organização do processo ou diligência de instrução, o Tribunal de Justiça considera que o processo está em condições de ser julgado no que respeita à primeira parte do nono fundamento e ao décimo fundamento.

    A. Quanto à primeira parte do nono fundamento do recurso em primeira instância

    1.   Argumentos das partes

    421

    Com a primeira parte do seu nono fundamento, a Servier contesta a qualificação dos acordos de transação e de licença Krka como restrição da concorrência por objetivo e desenvolve, a este respeito, cinco alegações. Alega, primeiro, que «a decisão desvirtua os factos ao concluir que a Krka tinha a capacidade de entrar nos mercados num curto espaço de tempo», segundo, que «a decisão desvirtua as intenções das partes e os objetivos pretendidos que eram, no entanto, legítimos», terceiro, que «a decisão qualifica os acordos erradamente de partilha de mercado», quarto, que «o conteúdo dos acordos também não justifica a qualificação de restrição por objetivo, antes demonstra, pelo contrário, o seu caráter legítimo» e, quinto, que «a decisão qualifica os acordos erradamente de restrições de concorrência por objetivo quando os seus efeitos restritivos eram hipotéticos». Cabe ao Tribunal de Justiça determinar se a declaração pela Comissão da infração constituída por uma partilha dos mercados do perindopril através dos acordos de transação e de licença Krka assenta nos erros de direito e de facto alegados pela Servier no âmbito destas cinco alegações.

    422

    A Comissão contesta estes argumentos.

    2.   Apreciação do Tribunal de Justiça

    423

    A título preliminar, há que lembrar que a existência de uma infração às normas da concorrência só pode ser apreciada corretamente se os indícios invocados pela decisão impugnada não forem considerados isoladamente, mas sim no seu conjunto, tendo em conta as características do mercado dos produtos em causa (Acórdão de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, EU:C:1972:70, n.o 68). O alcance da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE, cuja fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, deve ser assegurada à luz dos fundamentos invocados pelas partes (Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 44, e de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 72).

    424

    A este respeito, embora a primeira parte do nono fundamento de primeira instância se articule em cinco alegações, todos os argumentos apresentados pela Servier neste contexto dizem respeito quer à questão de saber se a Krka era um concorrente potencial da Servier no momento da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, não obstante as derrotas judiciais sucessivas sofridas pela Krka nas suas tentativas de obter a declaração de invalidade da patente 947, quer à de saber se estes acordos, considerados em conjunto, eram constitutivos de um acordo de partilha de mercado abrangido pela qualificação de restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Importa sublinhar que esta argumentação da Servier, específica dos acordos de transação e de licença Krka, coincide com a apresentada no âmbito do seu quarto fundamento de primeira instância, relativo à natureza intrinsecamente legítima das transações em litígios relativos a patentes e dos acordos de licença de patentes.

    425

    De acordo com o que foi declarado no n.o 131 do presente acórdão, há que verificar, num primeiro momento e na medida em que a Servier suscitou esta questão no Tribunal Geral, se a Comissão podia validamente qualificar os acordos Krka de restrição da concorrência potencial exercida pela Krka sobre a Servier. Para este efeito, há que examinar se existiam, à data da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, possibilidades reais e concretas de a Krka entrar no mercado do perindopril e fazer concorrência à Servier. Este exame exige que se determine se a Krka tinha efetuado diligências suficientes que permitissem demonstrar que tinha a firme determinação e a capacidade própria de entrar no mercado num prazo capaz de fazer pressão concorrencial sobre a Servier, bem como verificar a inexistência de eventuais barreiras a esta entrada que apresentassem um caráter intransponível, podendo a constatação de uma concorrência potencial, sendo caso disso, ser corroborada por elementos adicionais.

    426

    Se for esse o caso, haverá então que determinar, num segundo momento, em conformidade com o que foi declarado no n.o 107 do presente acórdão, se os acordos de transação e de licença Krka constituíam um acordo de partilha de mercado que restringia a concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, como a Comissão considerou na decisão controvertida. Para o efeito, será necessário examinar os objetivos desses acordos, bem como a relação económica que, segundo a decisão controvertida, existia entre eles. Mais especificamente, haverá que apreciar se a transferência de valor pela Servier em benefício da Krka, através do acordo de licença Krka, era suficiente para incentivar a Krka a aceitar uma repartição dos mercados nacionais do perindopril com a Servier, renunciando, ainda que temporariamente, a entrar nos mercados principais da Servier em contrapartida da garantia de poder comercializar a sua versão genérica do perindopril nos seus próprios mercados principais, sem correr o risco de ser objeto de ações por contrafação por parte da Servier. Por último, há que ter em conta, na medida em que a Servier suscita esta questão de forma pertinente, as intenções das partes nos acordos Krka, na medida em que possam contribuir para demonstrar as finalidades objetivas que esses acordos pretendiam atingir.

    a)   Quanto à concorrência potencial exercida pela Krka sobre a Servier

    427

    Segundo os considerandos 1672 a 1700 da decisão controvertida, a Krka era o primeiro fabricante de medicamentos genéricos a desafiar a posição da Servier no mercado do perindopril. Estas duas empresas já eram concorrentes atuais nos mercados na República Checa, na Lituânia, na Hungria, na Polónia e na Eslovénia, onde a Krka tinha começado a comercializar uma versão genérica do perindopril. Nos outros mercados nacionais no interior da União, a Krka era um concorrente potencial da Servier. A Krka preparava a sua entrada nesses outros mercados através de diligências concretas e suficientes, tendo obtido, nomeadamente, autorizações de colocação no mercado em França, nos Países Baixos, bem como no Reino Unido, e já dispunha de um produto pronto a ser lançado. Em alguns desses outros mercados, beneficiava da cooperação de parceiros comerciais. A Comissão constatou, no considerando 1685 desta decisão, que resultava de numerosas provas documentais anteriores à decisão do IEP de 27 de julho de 2006 que a Krka estava então convencida de obter ganho de causa nos litígios que opunham a Krka ou os seus parceiros comerciais à Servier a respeito da validade das patentes 340 e 947.

    428

    Assim, segundo a decisão controvertida, antes da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, a Krka já concorria com a Servier em certos mercados nacionais e, naqueles em que ainda não estava presente, não só dispunha da capacidade de entrar num prazo curto, como estava igualmente firmemente determinada a fazê‑lo. Tendo em conta estes elementos, a Krka podia ser considerada um concorrente potencial da Servier.

    429

    A Servier não contesta estes elementos enquanto tais, mesmo embora afirme que a estratégia da Krka «se focalizava nos mercados da Europa Central e Oriental, e não nos mercados da Europa Ocidental». Alega que a Comissão não podia considerar que, à data da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, a Krka ainda podia ser considerada sua concorrente potencial. A Servier acusa, em substância, a Comissão de ter desvirtuado as intenções das partes, mais particularmente as da Krka, ao recusar aceitar que as derrotas judiciais em série que esta empresa tinha sofrido a tinham convencido de que a patente 947 era válida e que, portanto, era preferível para esta negociar com a Servier com vista a obter uma licença dessa patente nos seus mercados principais. Essas derrotas judiciais sofridas pela Krka, resultantes da decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, constituíram uma barreira intransponível à entrada, a curto prazo, dessa empresa nos mercados principais da Servier. Um documento interno da Krka datado de 13 de setembro de 2006 demonstra que, devido à decisão do IEP de 27 de julho de 2006, esta empresa tinha alterado a estratégia ao decidir abandonar a comercialização do seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, para se investir no desenvolvimento de uma forma não contrafeita desse medicamento.

    430

    Além disso, a Servier recorda que, imediatamente após a decisão do IEP de 27 de julho de 2006, foi, por um lado, contactada pela Krka que pretendia evocar a possibilidade de uma licença de patente para certos mercados nacionais e que, por outro, iniciou, no Reino Unido, um processo por contrafação das patentes 340 e 947, acompanhado de um pedido de injunção, contra a Krka. Embora a Krka tenha deduzido um pedido reconvencional de declaração de nulidade dessas patentes, tinha, segundo a Servier, pouco interesse por estas ações contenciosas, aliás onerosas e arriscadas.

    431

    No caso, para determinar se a Servier tem fundamento para alegar que, devido à decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e à decisão da High Court de 3 de outubro de 2006, a Krka já não dispunha da capacidade nem da determinação firme de entrar nos mercados principais da Servier, e, portanto, já não constituía uma fonte de concorrência potencial, importa recordar que a existência de uma patente que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público não pode, enquanto tal, ser considerada uma barreira intransponível nem impede que se qualifique de concorrente potencial do fabricante do medicamento original em causa um fabricante de medicamentos genéricos que tem efetivamente a firme determinação e capacidade própria para entrar no mercado e que, através das suas diligências, se mostra disposto a contestar a validade dessa patente e a assumir o risco de, no momento da sua entrada no mercado, ser confrontado com uma ação por contrafação intentada pelo titular dessa patente [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 46]. De resto, como se considerou no n.o 132 do presente acórdão, quando ainda estão pendentes os litígios que os opõem quanto à questão da validade da patente, é necessário analisar todos os elementos relevantes antes de concluir que o titular da patente e esse fabricante de medicamentos genéricos não são concorrentes potenciais.

    432

    Com efeito, no que respeita à determinação firme da Krka em prosseguir os seus esforços com vista à comercialização do seu perindopril, bem como à questão de saber se as derrotas judiciais sofridas pela Krka constituíram uma barreira intransponível à sua entrada num prazo suscetível de fazer pressão concorrencial sobre a Servier nos mercados principais desta, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 101 do presente acórdão, resulta das provas referidas pela Comissão nos considerandos 1686 a 1691 da decisão controvertida que nem a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 nem, de resto, a decisão da High Court de 3 de outubro de 2006 levaram a Krka a cessar os seus esforços para entrar nestes mercados. Por outro lado, no decurso desse período, como resulta dos considerandos 1687 e 1700 da decisão controvertida que a Servier não impugna, a Krka conseguiu obter, na Hungria, em setembro de 2006, o indeferimento de um pedido de medidas cautelares da Servier relativo à patente 947, quando a Krka já comercializava, no mercado húngaro, o seu perindopril composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947.

    433

    Mais especificamente, nos considerandos 1687 e 1688 da decisão controvertida, a Comissão fez referência a documentos que, pelo contrário, revelam que a Krka era crítica em relação à decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e estava determinada a não se resignar. Resulta, nomeadamente, do depoimento de um empregado da Krka, citado in extenso nos considerandos 895 e 1688 dessa decisão, que «[o] que nos incomoda particularmente é que este processo era discriminatório para a indústria dos produtos genéricos e nós não os deixaríamos levar a melhor tão facilmente». Tal afirmação, feita por conta da Krka, desmente a alegação da Servier de que a Krka tinha renunciado a contestar a validade da patente 947 com vista a poder entrar nos mercados principais da Servier. Por outro lado, as ações concretas tomadas pela Krka após a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 confirmam que esta empresa não tinha aceitado a validade dessa patente, pois continuou a contestar a sua validade no IEP e deduziu contra a Servier, em 1 e 8 de setembro de 2006, pedidos reconvencionais de declaração de nulidade das patentes 947 e 340 no âmbito dos processos por contrafação instaurados pela Servier no Reino Unido.

    434

    Por outro lado, nenhum documento contemporâneo dos acordos de transação e de licença Krka indica que a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e a decisão da High Court de 3 de outubro de 2006 tenham alterado a perceção pela Krka da validade da patente 947 a ponto de a levar a renunciar aos seus projetos de comercialização do seu próprio perindopril. Em particular, o documento interno da Krka, datado de 13 de setembro de 2006, a que se refere a Servier, e segundo o qual as atividades relativas ao perindopril da Krka deviam cessar em benefício de trabalhos sobre o desenvolvimento de uma versão não contrafeita desse medicamento, não pode ser interpretado no sentido de que constitui o reflexo de uma decisão estratégica dos dirigentes da Krka. Com efeito, como a Comissão sublinhou no considerando 1687 da decisão controvertida, esse documento interno limita‑se a consignar posições expressas em reuniões operacionais no departamento «Investigação e desenvolvimento» dessa empresa, cuja interpretação dada pela Servier é, em todo o caso, desmentida pelo facto de a Krka ter prosseguido a produção do seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, como atestam os próprios documentos internos da Krka, como refere a Comissão na nota de rodapé 2260 dessa decisão. Seja como for, tendo em conta a contraprova invocada pela Comissão nos considerandos 1686 a 1691 da referida decisão, este documento interno não demonstra de forma convincente que a Krka, como afirma a Servier, tivesse renunciado definitivamente a entrar com esse perindopril nos mercados principais da Servier na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006. Com efeito, estas provas demonstram de forma objetiva que a Krka continuava a dispor de capacidade própria para aceder aos mercados principais da Servier e da intenção subjetiva de nele entrar.

    435

    Na medida em que a Servier acusa a Comissão de ter «desvirtuado» as intenções das partes, importa recordar que a Comissão reconheceu, nos considerandos 1688 e 1690 da decisão controvertida, que a Krka já não estava firmemente convencida da força da sua posição contenciosa na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e que foi em reação a essa decisão que a Krka tinha tomado a iniciativa de contactar a Servier a fim de prever a possibilidade de esta lhe conceder uma licença sobre a patente 947 para certos mercados geográficos.

    436

    Todavia, esta iniciativa da Krka também não demonstra que esta empresa tivesse renunciado a concorrer com a Servier nos seus mercados principais através do seu perindopril composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947. Com efeito, como resulta das provas invocadas pela Comissão nos considerandos 912 e 1688 da decisão controvertida, a Krka estava consciente de que a Servier tinha aceitado negociar com ela na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006 porque representava «uma ameaça séria» para a Servier que «acreditava que a Krka detinha provas entre as melhores e as mais completas na oposição perante o IEP e na revogação no Reino Unido». Daí resulta que a existência do diferendo que opõe a Krka à Servier a respeito da validade da patente 947, que era objeto de litígios pendentes no IEP e no Reino Unido e que estas duas empresas consideravam séria, constitui um indício suplementar da relação de concorrência potencial entre elas [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 52], sendo esta concorrência, aliás, suscetível de se tornar efetiva num prazo suscetível de fazer pressão concorrencial sobre a Servier na aceção da jurisprudência referida no n.o 101 do presente acórdão. Esse é necessariamente o caso quando a existência dessa concorrência influenciou efetivamente o comportamento comercial da Servier levando‑a a conceder uma licença à Krka nos seus mercados principais.

    437

    Por outro lado, o argumento da Servier, relativo ao facto de a Krka ter tomado a iniciativa das negociações relativas à concessão de uma licença, confunde as intenções da Krka no caso de as negociações não terem sucesso, por um lado, com os objetivos comerciais que a Krka prosseguia no âmbito dessas negociações, por outro. Ora, só as primeiras são pertinentes para apreciar a existência de uma concorrência potencial entre a Servier e a Krka no momento da assinatura dos acordos de transação e de licença Krka. Os objetivos comerciais alegadamente legítimos prosseguidos pela Krka no âmbito das referidas negociações eram relevantes unicamente para apreciar o objetivo destes mesmos acordos.

    438

    Com efeito, há que lembrar a esse respeito que a celebração de um acordo entre várias empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção e algumas das quais não estão presentes no mercado em causa constitui um forte indício da existência de uma relação concorrencial entre as referidas empresas [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 55 e jurisprudência referida].

    439

    Ora, se o facto de a Krka negociar com a Servier com o objetivo de celebrar acordos como os acordos de transação e de licença Krka bastasse para demonstrar que a Krka já não tinha a firme determinação de fazer concorrência à Servier com o seu perindopril composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, ou mesmo que existia um obstáculo intransponível a tal entrada nos mercados principais da Servier, não obstante a existência de provas objetivas como as referidas pela Comissão nos considerandos 1686 a 1691 da decisão controvertida, isso significaria, de forma contraditória face à jurisprudência que acaba de ser recordada no número anterior, que a decisão de uma empresa de negociar e seguidamente celebrar um acordo com outra empresa que operasse no mesmo nível da cadeia de produção, como o objetivo de substituir a concorrência pelo mérito por uma cooperação, poderia ter a consequência de deixar de ser um concorrente potencial do seu cocontratante. Se assim fosse, a opção deliberada de uma empresa de prosseguir uma política comercial que consistisse em celebrar um acordo com um objetivo anticoncorrencial poderia subtrair esse mesmo acordo à proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE e privar assim essa disposição de uma parte importante do seu efeito útil.

    440

    Em face do exposto, a argumentação da Servier não permite desmentir a o facto apurado pela Comissão, no considerando 1700 da decisão controvertida, de, à data da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, a Krka ser um concorrente potencial da Servier.

    441

    Improcede, portanto, a argumentação da Servier relativa à concorrência potencial exercida pela Krka.

    b)   Quanto à existência de um acordo de repartição de mercado

    442

    Com uma segunda alegação, a Servier alega que a Comissão considerou erradamente que os acordos de transação e de licença Krka tinham tido por objeto repartir os mercados com a Krka.

    443

    A Servier afirma, em primeiro lugar, que esses acordos foram celebrados devido ao reconhecimento da validade da patente 947 e visavam encontrar uma solução para os litígios que a opunham à Krka. Com efeito, esta última não podia comercializar o seu perindopril por causa da patente 947 e da decisão do IEP de 27 de julho de 2006.

    444

    Contudo, com esta argumentação, a Servier limita‑se, em substância, a reiterar as suas alegações, assentes no alegado reconhecimento da validade dessa patente, relativas à inexistência de concorrência potencial exercida pela Krka e a desmentir a existência de um acordo de partilha de mercado. Ora, estes argumentos já foram rejeitados pelos motivos expostos respetivamente nos n.os 178 a 184 e 427 a 440 do presente acórdão.

    445

    A Servier contesta, em segundo lugar, a existência de um acordo de partilha de mercado em que a Krka renunciava a entrar nos mercados principais da Servier em contrapartida da instauração de um duopólio de facto nos mercados principais da Krka. Segundo a Servier, resulta das cláusulas dos acordos de transação e de licença Krka que cada um destes acordos tinha um objeto legítimo. Em especial, nenhum elemento permite considerar que o acordo de licença Krka ia instaurar tal duopólio. Pelo contrário, numerosos documentos contemporâneos da celebração dos acordos de transação e de licença Krka demonstram que a concorrência entre essas duas empresas era intensa. Entende que a Comissão afirmou erradamente, nos considerandos 1724 e 1728 da decisão controvertida, que a Servier se tinha obrigado, através do acordo de licença Krka, a não introduzir um terceiro concorrente nos mercados principais da Krka. Além disso, a Servier alega que a decisão controvertida desvirtua um documento de 29 de setembro de 2005, mencionado nomeadamente no considerando 849 dessa decisão, no qual um empregado da Krka se referia a «uma atividade conjunta com vista a controlar o mercado».

    446

    A Servier refuta que o acordo de licença Krka tenha podido incentivar a Krka a aceitar as restrições da concorrência previstas na transação Krka. Mesmo que esse acordo de licença constituísse um incentivo à transação, tal circunstância seria, em si mesma, insuficiente para declarar uma infração ao artigo 101.o TFUE, uma vez que resulta das intenções das partes que esses acordos prosseguiam objetivos legítimos. Além disso, no considerando 1738 dessa decisão, a Comissão avaliou em dez milhões de euros os lucros que a Krka podia retirar deste acordo de licença, minimizando os seus efeitos pró‑concorrenciais, com o fundamento, enunciado no considerando 1833 desta decisão, de que «não é claro em que proporção a transação Krka reforçou de facto a situação concorrencial nos Estados‑Membros abrangidos pela licença, como a Krka já tinha lançado o seu perindopril em cinco destes Estados‑Membros antes da [transação Krka]». A Servier insiste igualmente no facto de, mesmo após a celebração destes acordos, a Krka continuar livre de entrar nos mercados principais da Servier com um produto não contrafeito.

    447

    Na medida em que a Servier invoca o caráter alegadamente «legítimo» das cláusulas dos acordos de transação e de licença Krka, há que lembrar desde logo que, embora seja certo que as finalidades objetivas quanto à concorrência que se pretende atingir com acordos são relevantes para apreciar o seu eventual objetivo anticoncorrencial, o facto de as empresas envolvidas terem agido sem a intenção de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido certos objetivos legítimos não são determinantes para efeitos de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 167 e jurisprudência referida). Assim, o facto de uma estratégia comercial que consiste em empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção negociarem esses acordos entre elas para porem termo a um litígio relativo à validade de uma patente ser lógico e racional do ponto de vista dessas empresas de modo nenhum demonstra que a prossecução dessa estratégia seja justificável do ponto de vista do direito da concorrência.

    448

    Além disso, é certo que, como foi declarado no n.o 226 do presente acórdão, as transações em litígios em matéria de patentes, bem como os acordos de licença associados a essas transações, podem ser celebradas com um objetivo legítimo e com total legalidade com fundamento no reconhecimento pelas partes da validade da patente em causa. Aliás, as transações são encorajadas pelos poderes públicos na medida em que permitem economias em termos de recursos e são, portanto, vantajosas para o grande público [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 79]. De igual modo, como acertadamente refere a Servier na sua petição em primeira instância, é inegável que um acordo de licença que permite a um fabricante de medicamentos genéricos entrar em certos mercados que estão fechados à concorrência devido à existência de uma patente é suscetível, por hipótese, de produzir efeitos pró‑concorrenciais nesses mesmos mercados.

    449

    Contudo, como resulta da jurisprudência referida no n.o 226 do presente acórdão, o facto de os acordos prosseguirem um objetivo que, em abstrato, é suscetível de ser legítimo não pode subtrair esses acordos à aplicação do artigo 101.o TFUE se se verificar que os referidos acordos visam igualmente repartir mercados ou realizar outras restrições da concorrência. Por outro lado, como foi recordado nos n.os 178 a 184 do presente acórdão, o facto de um acordo assumir uma forma jurídica em princípio legítima e de os termos desse acordo não revelarem um objetivo anticoncorrencial aparente não é, por si só, determinante para a questão de saber se dá origem a uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, qualquer acordo deve ser apreciado à luz do seu conteúdo específico e do seu contexto económico, nomeadamente à luz da situação do mercado em causa.

    450

    Ora, no caso, os argumentos apresentados pela Servier no âmbito do seu nono fundamento em primeira instância, relativos ao conteúdo dos acordos de transação e de licença Krka, abstraem, primeiro, do facto de as ligações entre estes acordos serem tais que era indispensável examinar as suas cláusulas não de forma isolada, mas sim no sentido de que formam um conjunto. Segundo, estes argumentos não têm em conta o facto de que o acordo de licença Krka autorizava a Krka a comercializar o seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, nos seus sete mercados principais, aos quais a infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE declarada na decisão controvertida não diz respeito, ao passo que a transação proibia a Krka de comercializar este medicamento nos mercados principais da Servier, sobre os quais incide esta infração.

    451

    No que respeita às ligações entre os acordos de transação e de licença Krka, resulta claramente dos termos destes acordos e das circunstâncias que rodeiam a sua celebração, conforme relatados pela Comissão no considerando 1703 da decisão controvertida, que, no plano económico, estes acordos estão ligados no sentido de que, como a Comissão refere no considerando 1702 dessa decisão, um não podia ser celebrado sem o outro. Por outro lado, esta ligação é comprovada pelas provas documentais invocadas pela Comissão nos considerandos 1746 e 2103 da decisão controvertida, das quais resulta que a Krka considerava que o acordo de licença Krka era uma condição prévia para aceitar não entrar nos mercados principais da Servier, sendo as restrições previstas na transação Krka indispensáveis para obter esta licença. Assim, na medida em que a Servier, sem impugnar a existência dessas ligações enquanto tais, tenta pôr em causa a análise destes acordos feita pela Comissão com base numa argumentação que examina os referidos acordos separadamente para demonstrar o caráter alegadamente legítimo do seu conteúdo, essa argumentação baseia‑se numa falsa premissa. Daí resulta igualmente, como foi declarado no n.o 195 do presente acórdão, e contrariamente à argumentação da Servier, que, independentemente do nível adequado ou não da taxa prevista no acordo de licença Krka à luz das condições do mercado, foi o acesso aos seus mercados principais sem risco de contrafação que motivou a Krka a renunciar a vender o seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, nos mercados principais da Servier.

    452

    Por outro lado, o argumento da Servier relativo ao caráter alegadamente pró‑concorrencial do acordo de licença Krka nos mercados principais da Krka é desmentido pelo facto de esse acordo não abranger os mercados principais da Servier, os únicos visados pela infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE declarada na decisão controvertida. Com efeito, este caráter pró‑concorrencial, admitindo‑o demonstrado, só tem um impacto positivo no jogo da concorrência nos mercados principais da Krka. De qualquer forma, é certo que a concessão de uma licença em certos mercados em contrapartida de um compromisso de o beneficiário dessa licença renunciar a contestar a validade da patente do seu cocontratante nesses mesmos mercados pode, sem prejuízo de uma apreciação do seu conteúdo específico e do seu contexto económico, ser considerada legítima no plano concorrencial, o mesmo não acontece quando um conjunto de acordos permite a esse beneficiário entrar sem risco de contrafação em certos mercados geográficos ao mesmo tempo que o proíbe de entrar noutros mercados.

    453

    Esse conjunto de acordos implica, em princípio, uma repartição desses mercados e, portanto, uma restrição da concorrência por objetivo, que não pode ser relativizada nem compensada por eventuais efeitos positivos ou pró‑concorrenciais seja em que mercado for. Ora, não cabe à Comissão analisar os efeitos de um acordo ou de um comportamento no âmbito da sua apreciação relativa à existência de uma eventual restrição da concorrência por objetivo (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.os 159 e 166 e jurisprudência referida).

    454

    Além disso, como explicou a Comissão no considerando 1745 da decisão controvertida, é precisamente devido ao facto de o acordo de licença Krka e a obrigação de não contrafação que resulta da transação Krka não cobrirem os mesmos mercados nacionais que, em seu entender, esse acordo de licença não era legítimo, ou mesmo pró‑concorrencial, antes constituindo um importante incentivo económico para a Krka aceitar as restrições previstas na transação Krka e, por conseguinte, para partilhar geograficamente esses mercados com a Servier. Este quid pro quo é, portanto, equiparável, do ponto de vista económico, a uma transferência de valor na aceção da jurisprudência recordada no n.o 104 do presente acórdão. Para verificar o mérito desta análise, há que verificar, de acordo com essa jurisprudência, se esta transferência de valor da Servier a favor da Krka se explica unicamente pelo interesse comercial da Servier e da Krka em não concorrerem com base no mérito.

    455

    A este respeito, conforme recordado nos n.os 427 e 428 do presente acórdão, não só a Krka já vendia o seu perindopril em alguns dos seus mercados principais como, além disso, estava à frente dos concorrentes potenciais da Servier nos seus projetos de comercialização de uma versão genérica do perindopril, nomeadamente em França e no Reino Unido, dois dos mercados principais da Servier. Por outro lado, resulta dos dados relativos às vendas do perindopril que figuram, nomeadamente, nos considerandos 2273 a 2401 da decisão controvertida que o preço a que a Servier vendia este medicamento nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido era muito superior àquele a que a Krka vendia o seu perindopril no mercado na Polónia. Nestas condições, o incentivo da Servier para atrasar a entrada deste medicamento nos seus mercados principais era manifesto e, de resto, não foi impugnado.

    456

    No que respeita à questão de saber se a Comissão podia validamente considerar que o acordo de licença Krka constituía uma contrapartida da transação Krka, há que recordar, antes de mais, que o acordo de licença Krka concedia, a título exclusivo e irrevogável, os direitos da patente 947 a favor da Krka nos mercados principais desta última, não obstante a possibilidade que a Servier se tinha reservado de explorar igualmente estes direitos, diretamente ou por intermédio das suas filiais ou de um único terceiro por país. Decorre deste acordo que, em cada um destes mercados, com exceção da Servier, das suas filiais ou de um terceiro por ela designado, a Krka era a única empresa em condições de comercializar perindopril composto da forma cristalina alfa da erbumina protegida pela patente 947 sem correr o risco de cometer um ato de contrafação dessa patente.

    457

    Seguidamente, como sublinhou a Comissão nos considerandos 1721, 1724, 1728 a 1730 e 1819 da decisão controvertida, a renúncia da Servier a opor‑se à comercialização pela Krka, nos mercados principais desta última, de uma versão genérica do perindopril equivale efetivamente, de um ponto de vista económico, a efetuar uma transferência de valor a favor da Krka. Graças a tal quid pro quo, a Servier e a Krka puderam manter, cada uma nos respetivos mercados principais, uma posição mais favorável, tendo a Servier conseguido afastar a concorrência potencial resultante de uma entrada do perindopril da Krka, composta pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, nos seus principais mercados e tendo a Krka obtido a certeza de poder comercializar este medicamento nos seus próprios mercados principais, sem risco de contrafação.

    458

    Neste contexto, a Servier invoca o facto de a Comissão ter minimizado o efeito pró‑concorrencial do acordo de licença Krka nos mercados principais da Krka, bem como a vantagem que representou para esta empresa, na medida em que a Krka já estava presente em cinco desses mercados. A Servier infere daí que a certeza adquirida pela Krka de poder comercializar o seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, sem risco de contrafação era a única vantagem que a Krka obteria deste acordo, segundo o raciocínio seguido pela própria Comissão, e alega que esta vantagem não bastava para incentivar a Krka a renunciar a entrar nos mercados principais da Servier. Todavia, resulta das provas invocadas pela Comissão nos considerandos 913 e 1748 da decisão controvertida que a própria Krka indicou à Comissão, em 4 de agosto de 2009, em resposta a um pedido de informações desta instituição, que tinha «sacrific[ado]» os mercados principais da Servier, que «tinham menor importância para a Krka», «contra uma entrada imediata nos mercados da Europa Central e Oriental». Assim, resulta dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que essa perspetiva oferecida à Krka de ser o único fabricante de uma versão genérica do perindopril nos seus mercados principais era preferível, do ponto de vista subjetivo da Krka — mesmo que não tivesse renunciado a entrar nos mercados principais da Servier na falta da concessão de uma licença que cobrisse os seus próprios mercados principais — à de ações judiciais nos mercados principais da Servier que corriam o risco de ser onerosas, cujo desfecho era incerto e que, em caso de sucesso, teriam beneficiado todos os fabricantes de medicamentos genéricos, como a Comissão constatou nos considerandos 844, 874, 914, 1759 e 1763 da decisão controvertida.

    459

    Quanto ao argumento da Servier de que a existência de um duopólio de facto nos mercados principais da Krka é desmentida pela possibilidade que existia de uma filial da Servier ou de um terceiro autorizado por esta última entrar nos mercados principais da Krka, há que observar, como se considera no n.o 232 do presente acórdão, que a Comissão concluiu pela existência de um duopólio «de facto» e não «de direito» e que, em todo o caso, a Servier renunciou ao seu monopólio de direito comprometendo‑se a partilhá‑lo com a Krka a título exclusivo. Na medida em que a Servier refere uma concorrência intensa exercida pela Krka e pela Servier nesses mercados, importa sublinhar que, embora, nos considerandos 1728 e 1744 da decisão controvertida, a Comissão não tenha negado a existência de um certo grau de concorrência, o grau preciso de concorrência nesses mercados é irrelevante, pois em nada altera o facto de a Servier ter necessariamente renunciado a quotas de mercado, e, portanto, a uma parte dos seus lucros, a favor da Krka.

    460

    Por último, no que respeita à questão de saber se a transferência de valor mencionada no n.o 457 do presente acórdão era suficiente para incentivar a Krka a celebrar a transação Krka, resulta do considerando 1738 da decisão controvertida que a própria Krka avaliou esse valor económico transferido pela Servier em contrapartida do seu compromisso de renunciar a entrar nos mercados principais desta empresa em cerca de dez milhões de euros num período de três anos. Esta estimativa revelou‑se fiável, uma vez que, como resulta dos elementos dos autos referidos na nota de rodapé 4112 dessa decisão, durante a vigência dos acordos de transação e de licença Krka, os lucros obtidos pela Krka com a venda do perindopril só nos mercados na Hungria, na Polónia e na República Checa atingiram o montante de dez milhões de euros. Ora, mesmo deduzindo desse montante de dez milhões de euros os montantes da taxa devida anualmente pela Krka à Servier a título do acordo de licença Krka, não é menos verdade que uma transferência de valor da Servier para a Krka de tal importância não pode ser explicada por nenhuma outra contrapartida da parte da Krka que não o seu compromisso de não fazer concorrência à Servier nos seus mercados principais.

    461

    Importa acrescentar que nenhum dos outros argumentos mais específicos apresentados pela Servier desmente a constatação da Comissão de que os acordos de transação e de licença Krka instituíram uma partilha de mercado constitutiva de uma restrição da concorrência por objetivo.

    462

    Segundo a Servier, foi erradamente que a Comissão concluiu, no considerando 1747 da decisão controvertida, que «o alcance geográfico da licença concedida à Krka não se pode explicar pelas diferenças entre as patentes nestes territórios» porque, na realidade, existiam tais diferenças, uma vez que a Krka já tinha entrado, à data da concessão desta licença, em vários dos mercados abrangidos pela referida licença, o que a expunha ao risco concreto e imediato de ações por contrafação. Ao apresentar esta argumentação, a Servier engana‑se sobre a relevância de eventuais diferenças que possam existir, no que respeita à situação das patentes, entre mercados geográficos.

    463

    Com efeito, como acertadamente refere a Comissão no considerando 1754 da decisão controvertida, tais diferenças só são relevantes para apreciar a legitimidade, do ponto de vista concorrencial, do âmbito geográfico de uma licença se estiverem relacionadas a nível do risco objetivo, em cada um desses mercados, da invalidação da ou das patentes objeto da licença concedida. Isto explica‑se pelo facto de não ser legítimo «sacrificar» certos mercados, em detrimento do jogo da concorrência nesses mercados, com vista a obter uma licença noutros mercados por motivos subjetivos de oportunidade comercial. Há que rejeitar igualmente, pela mesma razão, o argumento da Servier relativo ao alegado «paradoxo» resultante do facto de a concessão de uma licença que abrange um número maior de mercados ser mais suscetível de constituir um incentivo para renunciar aos mercados não abrangidos por essa licença. Com efeito, qualquer que seja o número de mercados não abrangidos pela referida licença, não deixa de ser verdade que, nesses mercados, a concorrência é restringida.

    464

    A Servier alega que as cláusulas de não contestação e de não contrafação nos mercados principais da Servier não conduziram a uma partilha de mercado. Se fosse proibido à Krka comercializar o seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, devido ao seu caráter alegadamente contrafeito, a Krka continuava a ser livre de comercializar uma versão não contrafeita deste medicamento, que, aliás, estava a desenvolver. Todavia, basta referir, a este respeito, que o facto de um acordo de partilha de mercado limitar as possibilidades de um concorrente potencial concorrer com o titular de uma patente sem, todavia, excluir qualquer possibilidade de concorrência por parte desse concorrente a longo prazo desenvolvendo um produto não contrafeito não pode infirmar a conclusão de que tal acordo constitui uma restrição da concorrência por objetivo.

    465

    A Servier invoca alegados efeitos pró‑concorrenciais nos mercados principais da Servier devido ao facto de a transação Krka não impedir a Krka de entrar nos mercados principais da Servier através do seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, antes de expirar a patente 340. Contudo, este acordo proibia a Krka de comercializar este perindopril nesses mercados enquanto a patente 947 não tivesse expirado. Assim, a «concessão» feita pela Servier em relação à patente 340 não desmente a apreciação da Comissão quanto ao objetivo anticoncorrencial do referido acordo, uma vez que este último impedia a Krka de entrar nos mercados principais da Servier a curto ou mesmo a médio prazo.

    466

    No que respeita à argumentação da Servier de que a transação Krka não impedia os outros concorrentes potenciais da Servier de prosseguirem as suas ações judiciais destinadas a invalidar a patente 947, isso não pode justificar, à luz do direito da concorrência, o facto de este acordo obrigar a Krka a renunciar aos litígios em curso que a opunham à Servier a este respeito. Isto é tanto mais verdade quanto, como resulta dos elementos de prova mencionados no n.o 436 do presente acórdão, a Servier «acreditava que a Krka detinha provas entre as melhores e mais completas na oposição no IEP e na revogação no Reino Unido», o que significa que a retirada das suas ações judiciais era suscetível de reduzir de forma significativa as possibilidades de esta patente ser invalidada e, portanto, de reforçar o controlo que a Servier podia exercer nos mercados em causa.

    467

    Quanto ao argumento da Servier relativo a uma alegada desvirtuação de um documento de 29 de setembro de 2005, no qual um empregado da Krka fazia referência a uma «atividade conjunta [com a Servier] com vista a controlar o mercado», há que observar que este documento indica, pelo menos, que a Krka estava aberta, um ano antes da celebração dos acordos de transação e de licença Krka, à ideia de cooperar com a Servier em certos mercados com vista a controlá‑los em conjunto, sem que este documento permita identificar com precisão os mercados aí visados. De qualquer modo, este elemento faz parte de um conjunto de indícios concordantes que demonstram o caráter anticoncorrencial desses acordos, mas não constitui, por si só, um apoio indispensável à constatação feita pela Comissão. Assim, mesmo admitindo que as alegações da Servier relativas a este elemento de prova fossem parcialmente exatas, este argumento não basta para que o presente fundamento seja julgado procedente.

    468

    Há que acrescentar, para todos os efeitos úteis, que, na medida em que a Servier visa, através de alguns dos seus argumentos, minimizar o grau de nocividade dos acordos Krka, não existe qualquer dúvida de que a restrição da concorrência dada por provada pela Comissão era suficientemente nociva para ser qualificada de restrição da concorrência por objetivo, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça [v., por analogia, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.o 67 e jurisprudência referida). Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada nos n.os 97 e 238 do presente acórdão, os acordos que visam a repartição dos mercados têm um objetivo restritivo da concorrência em si mesmos e pertencem a uma categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    469

    A avaliação de todos os argumentos das partes e das provas dos autos leva, portanto, a considerar que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar, no considerando 1745 da decisão controvertida, que, embora uma licença de patente possa ser um meio legítimo para o titular dessa patente conceder a um terceiro o direito de explorar a invenção protegida pela referida patente, o acordo de licença Krka tinha servido de incentivo para obter o compromisso da Krka de renunciar à sua entrada nos mercados principais da Servier, permitindo assim a estas duas empresas organizarem entre si uma partilha de mercado.

    470

    Por conseguinte, há que julgar improcedente a argumentação da Servier relativa à existência de um acordo de partilha de mercado.

    471

    Resulta destes elementos que as provas apresentadas na decisão controvertida demonstram a existência da prática que tinha por finalidade a Servier e a Krka repartirem o mercado do perindopril e bastam para justificar a qualificação dessa prática como restrição da concorrência por objetivo, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 96 e 97 do presente acórdão.

    472

    Na medida em que a Servier pede, a título subsidiário, que a decisão controvertida seja anulada na parte em que declarou uma restrição da concorrência por objetivo especificamente no mercado do Reino Unido, não obstante a existência de uma injunção provisória resultante da decisão da High Court de 3 de outubro de 2006 que proíbe a Krka de entrar nesse mercado com o seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, há que lembrar que tal injunção constitui uma medida cautelar que em nada prejudica a procedência de uma ação por contrafação, intentada pelo titular da patente [(v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.o 53]. Assim, a pressão concorrencial exercida pela possibilidade de uma entrada da Krka nesse mercado não desapareceu na sequência da prolação dessa injunção e isso não pode, portanto, desmentir a conclusão a que se chega no número anterior do presente acórdão no que respeita ao mercado do Reino Unido.

    473

    Em face destas considerações, há que julgar improcedente a primeira parte do nono fundamento do recurso em primeira instância e declarar que a Servier não conseguiu desmentir a qualificação de restrição da concorrência por objetivo efetuada, na decisão controvertida, em relação à prática que tinha por finalidade a Servier e a Krka repartirem o mercado do perindopril através dos acordos de transação e de licença Krka.

    474

    Por outro lado, há que observar que, conforme referido no n.o 424 do presente acórdão, na medida em que a primeira parte do quarto fundamento em primeira instância, assente, em substância, na natureza intrinsecamente legítima dos acordos de transação e de licença em geral, se refere especificamente aos acordos de transação e de licença Krka, coincide com a argumentação jurídica apresentada pela Servier no âmbito do seu nono fundamento em primeira instância. Por conseguinte, decorre dos fundamentos expostos nos n.os 423 a 473 do presente acórdão que, na medida em que a primeira parte do quarto fundamento de primeira instância diz respeito aos acordos de transação e de licença Krka, deve igualmente ser julgada improcedente.

    B. Quanto ao décimo fundamento do recurso em primeira instância

    1.   Argumentos das partes

    475

    Com o seu décimo fundamento do recurso em primeira instância, a Servier critica, antes de mais, a Comissão por ter declarado, no considerando 1817 da decisão controvertida, que a Servier detinha uma posição dominante no mercado tal como definido nessa decisão, definição que a Servier contesta no âmbito de outros fundamentos. Alega também falta de fundamentação por, em seu entender, não ser possível saber se a Comissão procedeu a uma análise contrafactual na decisão controvertida. Seguidamente, a Servier acusa a Comissão de ter cometido um erro de direito na sua análise do cenário contrafactual. Antes de mais, a Comissão deveria ter examinado a concorrência tal como teria existido sem os acordos Krka, tendo em conta o quadro real em que produziram os seus efeitos. A Servier alega, a este respeito, que a desistência da Krka dos processos relativos à validade da patente 947 não teve nenhum efeito sensível no desfecho destes processos.

    476

    Sem os acordos Krka, a Krka provavelmente não teria entrado nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido. Segundo a Servier, tal entrada estava bloqueada no Reino Unido por uma injunção judicial. Em França e nos Países Baixos, a Krka tinha abandonado os seus projetos de lançamento do seu perindopril. Todavia, os acordos Krka não eliminaram a Krka enquanto concorrente potencial da Servier em caso de uma eventual invalidação da patente 947 ou do desenvolvimento de uma versão do perindopril sem contrafação. Quanto ao acordo de cessão e de licença Krka, a Servier considera que não teve qualquer efeito na concorrência, uma vez que a tecnologia da Krka não permitia contornar a patente 947. A Servier sublinha que, após a revogação da patente 947 pela decisão do IEP de 6 de maio de 2009, vários fabricantes de medicamentos genéricos entraram no mercado do perindopril, o que demonstra a inexistência de qualquer efeito anticoncorrencial deste acordo de forma distinta em relação a esta patente.

    477

    A Servier critica igualmente o considerando 1831 da decisão controvertida, relativo às disposições que a Servier e a Krka poderiam ter tomado, no momento de negociar e de celebrar os acordos Krka, para evitar que esses acordos dessem origem a uma partilha de mercado. Alega que a Comissão não demonstrou que as partes teriam podido transigir em condições menos restritivas.

    478

    Por último, a Servier alega que a Comissão não teve em conta os efeitos pró‑concorrenciais do acordo de licença Krka na análise dos efeitos dos acordos Krka.

    479

    A Comissão contesta estes argumentos.

    2.   Apreciação do Tribunal de Justiça

    480

    Refira‑se, a título preliminar, que a argumentação da Servier desenvolvida no âmbito do seu décimo fundamento em primeira instância coincide com a apresentada no âmbito da segunda parte do seu quarto fundamento, segundo a qual as apreciações da Comissão relativas aos efeitos dos acordos Krka estão erradas. Quanto ao argumento pelo qual a Servier impugna a existência da sua posição dominante num alegado mercado autónomo do perindopril, posição à qual a Comissão fez referência no considerando 1817 da decisão controvertida, há que observar que essa referência, que ocorre no âmbito de uma descrição da posição concorrencial da Servier, não é determinante para a análise que se segue, nos considerandos 1820 e seguintes desta decisão, dos efeitos dos acordos Krka na concorrência potencial exercida pela Krka sobre a Servier.

    481

    Quanto à alegada falta de fundamentação resultante do facto de não ser possível saber se a Comissão procedeu a uma análise contrafactual na decisão controvertida, basta observar que, no seu considerando 1814, a Comissão indicou que era necessário tomar em consideração «a concorrência que teria existido sem o acordo», a saber, em particular, «o comportamento concorrencial que a Krka teria podido adotar sem o acordo». Assim, a decisão controvertida não está ferida de falta de fundamentação a este respeito.

    482

    Resulta dos elementos de direito expostos nos n.os 339 a 358 do presente acórdão que os outros argumentos relativos ao cenário contrafactual apresentados pela Servier no âmbito do presente fundamento assentam numa interpretação errada do ónus de a Comissão fazer a prova dos efeitos restritivos da concorrência de acordos que, à semelhança dos acordos Krka, visam instaurar uma partilha dos mercados atrasando a entrada de um medicamento genérico no mercado.

    483

    Com efeito, como já se considerou no n.o 354 do presente acórdão, não cabia à Comissão provar que o cenário contrafactual tido em conta era provável, mas sim realista e verosímil, ou seja, credível. Ora, como, no essencial, resulta do n.o 355 do presente acórdão, medida em que, no caso, a restrição da concorrência em causa dizia respeito à eliminação da fonte de concorrência potencial exercida pela Krka sobre a Servier, a análise do cenário contrafactual correspondia, no essencial, à da existência dessa concorrência potencial, que foi eliminada pelos acordos Krka. Assim, para determinar se os acordos Krka, ao proibirem a Krka de entrar nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido, produziram um efeito comprovado na concorrência potencial, a Comissão tinha de verificar se, sem esses acordos, a Krka teria disposto de uma possibilidade real e concreta de integrar esses mercados num prazo capaz de fazer pressão concorrencial sobre a Servier, de modo que a ameaça de tal entrada pudesse ser considerada realista e credível [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18 P, EU:C:2020:52, n.os 117 a 120].

    484

    Contrariamente ao que alega a Servier, a Comissão não tinha, portanto, de demonstrar que, sem a transação Krka, a Krka teria obtido ganho de causa nos processos judiciais contra a patente 947 de forma mais rápida ou mais completa.

    485

    Ao ter em conta, nos considerandos 1826, 1829 e 1835 a 1846 da decisão controvertida, o contexto económico e jurídico dos acordos Krka, a Comissão podia validamente considerar que a Krka representava uma das ameaças mais imediatas para a Servier, devido ao facto de dispor de possibilidades reais e concretas de entrar nos mercados em França, nos Países Baixos e no Reino Unido. O facto de não ser possível determinar com certeza se a Krka entrou efetivamente nestes mercados é irrelevante para o facto de, embora pretendendo entrar nos referidos mercados e possuindo os meios para o fazer, se ter concertado com a Servier para renunciar a tal possibilidade, em termos mutuamente benéficos para ambas as empresas.

    486

    Sem os acordos Krka, essa possibilidade de entrada por parte da Krka, através do seu perindopril, composto pela forma cristalina alpha da erbumina protegida pela patente 947, não teria sido eliminada. Consequentemente, a Comissão demonstrou que a eliminação, graças à execução dos referidos acordos, desta fonte de concorrência potencial tinha por efeito restringir a concorrência de forma sensível. Essa eliminação da concorrência potencial constituía, portanto, um efeito que não era hipotético nem potencial, mas bem real, e suscetível de justificar a qualificação de restrição da concorrência por efeito adotada no considerando 1850 da decisão controvertida.

    487

    No que respeita ao argumento da Servier que critica o considerando 1831 da decisão controvertida, relativo às disposições que a Servier e a Krka poderiam ter estipulado, no momento de negociar e celebrar os acordos Krka, para evitar que esses acordos dessem origem a uma partilha de mercado, basta observar que, nesse considerando, a Comissão se limitou a afirmar, com razão, que nada impedia a Servier e a Krka de celebrarem acordos diferentes que não dessem origem à partilha de mercado dada por provada nos n.os 442 a 473 do presente acórdão. Assim, este argumento da Servier assenta na premissa errada de que os acordos Krka não constituíam uma partilha de mercado e deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

    488

    Daí resulta que o exame do décimo fundamento do recurso de primeira instância da Servier não revelou a existência de qualquer erro suscetível de pôr em causa o facto dado por provado pela Comissão, no considerando 1850 da decisão controvertida, de os acordos Krka terem tido por efeito restringir de forma sensível a concorrência potencial exercida pela Krka sobre a Servier.

    489

    Quanto à invocação, pela Servier, dos alegados efeitos pró‑concorrenciais do acordo de licença Krka, basta recordar, como resulta nomeadamente dos n.os 175, 289, 452 e 454 do presente acórdão, que este acordo diz respeito a mercados que não fazem parte do âmbito geográfico da infração ao artigo 101.o TFUE, devido a uma restrição da concorrência por efeito dada por provada pela Comissão. Assim, os eventuais efeitos pró‑concorrenciais resultantes do referido acordo em mercados diferentes dos visados por essa infração não podem justificar a existência de efeitos anticoncorrenciais nos mercados em que a referida infração foi declarada.

    490

    Por conseguinte, há que julgar improcedente o décimo fundamento do recurso de primeira instância da Servier.

    491

    Por outro lado, conforme referido no n.o 480 do presente acórdão, a argumentação desenvolvida pela Servier no âmbito da segunda parte do quarto fundamento em primeira instância, segundo a qual a Comissão cometeu erros de direito ao definir o cenário contrafactual e ao examinar ex ante os efeitos dos acordos Krka, coincide com a apresentada pela Servier no âmbito do seu décimo fundamento em primeira instância. Por conseguinte, resulta dos fundamentos expostos nos n.os 480 a 490 do presente acórdão que esta segunda parte do quarto fundamento de primeira instância, na medida em que diz respeito à qualificação de restrição da concorrência por efeito dos acordos de transação e de licença Krka, deve igualmente ser julgada improcedente.

    492

    Resulta do exposto que, embora, no presente acórdão, o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado sobre certos fundamentos de primeira instância ao abrigo do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o litígio não está em condições de ser julgado no seu todo, pelo que o processo T‑691/14 deve ser remetido ao Tribunal Geral para que este examine os fundamentos da Servier sobre os quais ainda não foi proferida decisão definitiva.

    493

    No que respeita à infração ao artigo 101.o TFUE, prevista no artigo 4.o da decisão controvertida, o Tribunal de Justiça, de acordo com o pedido da Comissão, decidiu sobre vários fundamentos de primeira instância, a saber, o quarto fundamento, apenas na medida em que se refere especificamente aos acordos de transação e de licença Krka, a primeira parte do nono fundamento e o décimo fundamento. Tendo o Tribunal de Justiça julgado definitivamente improcedentes esses fundamentos, o Tribunal Geral já não terá de os examinar.

    494

    Contudo, com a segunda parte do seu nono fundamento de primeira instância, a Servier alega que a Comissão cometeu vários erros de apreciação ao qualificar o acordo de cessão e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo. Caberá ao Tribunal Geral examinar este fundamento após remessa.

    495

    No que respeita à infração ao artigo 102.o TFUE declarada pela Comissão no artigo 6.o da decisão controvertida em relação à Servier, incumbirá ao Tribunal Geral, tendo em conta os fundamentos expostos nos n.os 380 a 390 do presente acórdão, através dos quais o Tribunal de Justiça julgou procedentes o oitavo fundamento do presente recurso relativo à definição do mercado do perindopril e, consequentemente, o décimo primeiro fundamento, pronunciar‑se sobre os fundamentos décimo quarto a décimo sétimo de primeira instância relativos a essa infração, bem como sobre os fundamentos invocados a título subsidiário, na medida em que se referem ao cálculo da coima aplicada a título da mesma infração.

    496

    Em face destas considerações, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre a segunda parte do nono fundamento do recurso em primeira instância, relativa à qualificação do acordo de cessão e de licença Krka de restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o TFUE, sobre os fundamentos décimo quarto a décimo sétimo relativos à infração ao artigo 102.o TFUE, e sobre os fundamentos subsidiários, na parte em que se referem ao cálculo da coima aplicada a título dessa infração.

    Quanto às despesas

    497

    Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    São anulados os n.os 1 a 3 do dispositivo do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, EU:T:2018:922).

     

    2)

    Remete‑se o processo ao Tribunal Geral da União Europeia para que se pronuncie quanto à segunda parte do nono fundamento de primeira instância, relativa à qualificação do acordo de cessão e de licença celebrado em 5 de janeiro de 2007 entre Les Laboratoires Servier e a KRKA, tovarna zdravil, d.d. de restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, quanto aos fundamentos décimo quarto a décimo sétimo de primeira instância, relativos à infração ao artigo 102.o TFUE a que se refere o artigo 6.o da Decisão C(2014) 4955 final da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 102.o [TFUE] [AT.39.612 — Perindopril (Servier)], e quanto aos fundamentos de primeira instância invocados a título subsidiário, na parte relativa ao cálculo da coima aplicada a título dessa infração.

     

    3)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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