Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62019CC0896

    Conclusões do advogado-geral G. Hogan apresentadas em 17 de dezembro de 2020.
    Repubblika contra Il-Prim Ministru.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Prim’Awla tal-Qorti Ċivili – Ġurisdizzjoni Kostituzzjonali.
    Reenvio prejudicial — Artigo 2.o TUE — Valores da União Europeia — Estado de direito — Artigo 49.o TUE — Adesão à União — Não regressão do nível de proteção dos valores da União — Tutela jurisdicional efetiva — Artigo 19.o TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Âmbito de aplicação — Independência dos juízes de um Estado‑Membro — Processo de nomeação — Poder do Primeiro‑Ministro — Participação de um Comité de Nomeações Judiciais.
    Processo C-896/19.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:1055

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    GERARD HOGAN

    apresentadas em 17 de dezembro de 2020 ( 1 )

    Processo C‑896/19

    Repubblika

    contra

    Il‑Prim Ministru,

    sendo interveniente:

    WY

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Prim’Awla tal-Qorti Ċivili — Ġurisdizzjoni Kostituzzjonali (Primeira Secção do Tribunal Cível, Jurisdição Constitucional, Malta)]

    «Reenvio prejudicial — Artigo 2.o TUE — Valores da União Europeia — Estado de direito — Tutela jurisdicional efetiva — Artigo 19.o TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Independência judicial — Procedimento de nomeação dos juízes — Poderes do Primeiro‑Ministro — Participação de um Comité de Nomeações Judiciais»

    I. Introdução

    1.

    O presente pedido prejudicial suscita, uma vez mais, importantes questões relativas à natureza da independência judicial. Especificamente, as questões prejudiciais submetidas pela decisão de reenvio exigem que o Tribunal de Justiça aprecie em que medida as garantias de independência judicial previstas no direito da União têm também impacto no sistema nacional de nomeação dos juízes nacionais. Em particular, deve considerar‑se que o direito da União impõe alguma limitação à nomeação dos juízes pelo poder executivo?

    2.

    O presente pedido prejudicial foi apresentado no âmbito de um processo, instaurado sob a forma de ação popular, que se encontra atualmente pendente nos órgãos jurisdicionais malteses. Neste processo, é alegado que o procedimento de nomeação dos juízes previsto na Constituição de Malta não respeita, nomeadamente, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE nem o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    3.

    Por conseguinte, é oferecida ao Tribunal de Justiça uma nova oportunidade de examinar a sua jurisprudência recente respeitante ao alcance das referidas disposições e, em particular, de avaliar os seus requisitos relativos à independência do sistema judicial na ordem jurídica da União.

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União Europeia

    1. Tratado da União Europeia

    4.

    O artigo 2.o TUE tem a seguinte redação:

    «A União funda‑se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.»

    5.

    O artigo 19.o, n.o 1, TUE estabelece:

    «O Tribunal de Justiça da União Europeia inclui o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e tribunais especializados. O Tribunal de Justiça da União Europeia garante o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados.

    Os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.»

    2. Carta

    6.

    O título VI da Carta, sob a epígrafe «Justiça», inclui o artigo 47.o, relativo ao «Direito à ação e a um tribunal imparcial», que dispõe o seguinte:

    «Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

    Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]

    […]»

    B.   Direito maltês

    7.

    A Constituição de Malta de 1964 (a seguir «Constituição») estabelece, no capítulo VIII, regras pormenorizadas relativas à magistratura, incluindo, nomeadamente, o procedimento de nomeação dos juízes. Em 2016, este capítulo foi alterado, inclusive através da introdução do Comité de Nomeações Judiciais. Embora o papel deste Comité e o procedimento de nomeação dos juízes tenham sido substancialmente alterados em julho de 2020, as regras aplicáveis ao processo principal são as que seguem.

    8.

    O artigo 96.o da Constituição é relativo à nomeação dos juízes das instâncias superiores. Estabelece o seguinte:

    «(1)

    Os Imħallfin (juízes das instâncias superiores) são nomeados pelo Presidente da República, que decide em conformidade com o parecer do Primeiro‑Ministro.

    (2)

    Apenas pode ser nomeado juiz de uma instância superior quem, durante um ou vários períodos que, no seu conjunto, correspondam a, pelo menos, doze anos, tenha exercido a advocacia ou funções de Maġistrat (juiz das instâncias inferiores) em Malta, ou quem tenha exercido sucessivamente a advocacia e a judicatura nas instâncias inferiores.

    (3)

    Sem prejuízo do disposto no n.o 4, antes de o Primeiro‑Ministro dar o seu parecer, em conformidade com o n.o 1, relativamente à nomeação de um juiz de uma instância superior [com exceção do Prim Imħallef (juiz‑presidente)], o Comité de Nomeações Judiciais, instituído pelo artigo 96.o‑A da presente Constituição, deve proceder à avaliação, em conformidade com o disposto nas alíneas c), d) ou e) do n.o 6 do referido artigo 96.o‑A.

    (4)

    Não obstante o disposto no n.o 3, o Primeiro‑Ministro tem a faculdade de optar por não respeitar o resultado da avaliação aí referida.

    Se o Primeiro‑Ministro tiver feito uso do poder que lhe é conferido pelo presente número, o Primeiro‑Ministro ou o Ministru responsabbli għall‑ġustizzja (Ministro da Justiça):

    (a)

    publicará no prazo de cinco dias, na Gazzetta tal‑Gvern ta’ Malta, uma declaração anunciando a decisão de usar esse poder e indicando as razões que conduziram a essa decisão; e

    (b)

    fará uma declaração na Kamra tad‑Deputati (Câmara dos Deputados) sobre essa decisão, explicando as razões em que a mesma se baseou, o mais tardar até à segunda sessão da Câmara realizada após o parecer ter sido dado ao Presidente da República em conformidade com o n.o 1:

    O disposto na primeira frase do presente número não se aplica à nomeação para o cargo de juiz‑presidente.»

    9.

    O artigo 96.o‑A da Constituição descreve o papel do Comité de Nomeações Judiciais e tem a seguinte redação:

    «(1)

    É criado um Comité de Nomeações Judiciais, doravante denominado neste artigo por “Comité”, que é um subcomité da Kummissjoni għall‑Amministrazzjoni tal‑ġustizzja (Comissão para a Administração da Justiça) instituída pelo artigo 101.o‑A da presente Constituição e que deverá ser composto como segue:

    (a)

    pelo juiz‑presidente;

    (b)

    pelo Avukat Ġenerali (procurador‑geral);

    (c)

    pelo Awditur Ġenerali (auditor‑geral);

    (d)

    pelo Kummissarju għall‑Investigazzjonijiet Amministrattivi (comissário para os inquéritos administrativos) (provedor de Justiça); e

    (e)

    pelo bastonário da Kamra tal‑Avukati (Ordem dos Advogados):

    […]

    (2)

    O Comité deve ser presidido pelo juiz‑presidente ou, na sua ausência, pelo juiz que o substitui nos termos da alínea d) do n.o 3.

    (3)

    (a) Não podem ser nomeados ou continuar a exercer funções de membro do Comité os ministros, os secretários de Estado, os membros da Câmara dos Deputados, os membros de um governo local, nem os representantes ou candidatos de um partido político:

    […]

    (4)

    No exercício das suas funções, os membros do Comité atuam com total autonomia e não estão sujeitos à direção nem ao controlo de nenhuma pessoa ou autoridade.

    (5)

    O Comité tem um secretário, nomeado pelo Ministro da Justiça.

    (6)

    O Comité tem as seguintes funções:

    (a)

    receber e examinar as manifestações de interesse de pessoas interessadas em serem nomeadas para o cargo de juiz de uma instância superior (exceto o de juiz‑presidente) ou de juiz de uma instância inferior, exceto das pessoas às quais se aplica a alínea e);

    (b)

    manter um registo permanente das manifestações de interesse mencionadas na alínea a) e dos atos a elas relativos, registo esse que é mantido em segredo e acessível apenas aos membros do Comité, ao Primeiro‑Ministro e ao Ministro da Justiça;

    (c)

    realizar as entrevistas e as avaliações dos candidatos aos cargos supramencionados da forma que considerar adequada e, para o efeito, pedir a qualquer autoridade pública as informações que considerar razoavelmente necessárias;

    (d)

    dar pareceres ao Primeiro‑Ministro, por intermédio do Ministro da Justiça, sobre a sua avaliação da elegibilidade e do mérito dos candidatos à nomeação para os cargos supramencionados;

    (e)

    quando solicitado pelo Primeiro‑Ministro, dar pareceres sobre a elegibilidade e o mérito das pessoas que já ocupam os cargos de procurador‑geral, auditor‑geral, comissário para os inquéritos administrativos ou de juiz das instâncias inferiores a nomear para um cargo na magistratura;

    (f)

    dar pareceres sobre a nomeação para qualquer outro cargo judicial ou cargo nos órgãos jurisdicionais, sempre que solicitados pelo Ministro da Justiça[;]

    A avaliação referida na alínea d) é feita no prazo máximo de sessenta dias a contar da receção, pelo Comité, da manifestação de interesse, e o parecer mencionado nas alíneas e) e f) é dado no prazo máximo trinta dias a contar da data em que foi pedido, ou dentro de outros prazos que o Ministro da Justiça possa ter estabelecido, com o acordo do Comité, por despacho publicado na Gazzetta tal‑Gvern ta’ Malta.

    (7)

    Os procedimentos no Comité são confidenciais e decorrem à porta fechada e nenhum membro ou secretário do Comité pode ser chamado a testemunhar em tribunal ou noutro órgão em relação a qualquer documento recebido ou a qualquer questão debatida ou comunicada ao Comité ou pelo Comité.

    (8)

    O Comité adota o seu próprio Regulamento Processual e está obrigado a publicar, com o acordo do Ministro da Justiça, os critérios em que as suas avaliações se baseiam.»

    10.

    O artigo 97.o da Constituição enuncia:

    «(1)   Sem prejuízo do disposto no presente artigo, os juízes das instâncias superiores cessam funções quando atingem os 65 anos de idade.

    (2)   Os juízes das instâncias superiores só podem ser destituídos dos seus cargos pelo Presidente da República a pedido da Câmara dos Deputados, apoiada pelos votos de, pelo menos, dois terços dos seus membros, com fundamento em incapacidade comprovada para exercer as funções do seu cargo (por motivo de doença física ou mental ou outra causa) ou em comprovada má conduta.

    (3)   O Parlamento pode regular por via legislativa o procedimento relativo à apresentação de requerimentos e à investigação e produção de prova da incapacidade ou da má conduta dos juízes das instâncias superiores nos termos do disposto no número anterior.»

    11.

    O artigo 100.o da Constituição é relativo à nomeação dos juízes das instâncias inferiores. Estabelece um procedimento semelhante ao procedimento aplicável aos juízes das instâncias superiores:

    «(1)

    Os juízes das instâncias inferiores são nomeados pelo Presidente da República, que decide em conformidade com o parecer do Primeiro‑Ministro.

    (2)

    Apenas pode ser nomeado para ou exercer funções de juiz das instâncias inferiores quem tenha exercido a advocacia em Malta durante um ou vários períodos que, no seu conjunto, correspondam a, pelo menos, sete anos.

    (3)

    Sem prejuízo do disposto no n.o 4 do presente artigo, os juízes das instâncias inferiores cessam funções quando atingem os 65 anos de idade.

    (4)

    O disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 97.o é aplicável aos juízes das instâncias inferiores.

    (5)

    Sem prejuízo do disposto no n.o 6, antes de o Primeiro‑Ministro dar o seu parecer, em conformidade com o n.o 1, relativamente à nomeação de um juiz de uma instância inferior, o Comité de Nomeações Judiciais instituído pelo artigo 96.o‑A da presente Constituição deve proceder à avaliação, em conformidade com o disposto nas alíneas c), d) ou e) do n.o 6 do referido artigo 96.o‑A.

    (6)

    Não obstante o disposto no n.o 5, o Primeiro‑Ministro tem a faculdade de optar por não respeitar o resultado da avaliação a que se refere o n.o 5.

    Se o Primeiro‑Ministro tiver feito uso do poder que lhe é conferido pelo presente número, o Primeiro‑Ministro ou o Ministro da Justiça:

    (a)

    publicará no prazo de cinco dias, na Gazzetta tal‑Gvern ta’ Malta, uma declaração anunciando a decisão de usar esse poder e indicando as razões que conduziram a essa decisão; e

    (b)

    fará uma declaração na Câmara dos Deputados sobre a referida decisão, explicando as razões em que a mesma se baseou, o mais tardar até à segunda sessão da Câmara realizada após o parecer ter sido dado ao Presidente da República em conformidade com o n.o 1.»

    12.

    O artigo 101.o‑B da Constituição é relativo à disciplina dos juízes. Estabelece o seguinte:

    «(1)   É criado um comité para os juízes dos tribunais superiores e os juízes dos tribunais inferiores, a seguir designado por “Comité”, que é um subcomité da Comissão para a Administração da Justiça e é composto por três membros da magistratura que não são membros da Comissão para a Administração da Justiça, eleitos de entre os juízes dos tribunais superiores e os juízes dos tribunais inferiores, em conformidade com o regulamento da Comissão para a Administração da Justiça, sendo que, no entanto, nos processos disciplinares contra um juiz dos tribunais inferiores, dois dos três membros devem ser juízes de tribunais inferiores e, nos processos disciplinares contra juízes dos tribunais superiores, dois dos três membros devem ser juízes dos tribunais superiores.

    […]

    (4)   Cabe ao Comité exercer o poder disciplinar contra os juízes, nos termos do presente artigo.

    […]

    (15)   No exercício das suas funções, os membros do Comité atuam com base no seu juízo individual e não estão sujeitos a instruções nem ao controlo de nenhuma pessoa ou autoridade.

    […]»

    III. Factos no processo principal

    13.

    A Repubblika é uma associação cuja finalidade consiste em promover a justiça e o Estado de direito em Malta. Em 25 de abril de 2019, intentou uma ação popular no órgão jurisdicional de reenvio, destinada a obter a declaração de que, devido ao sistema de nomeação dos juízes das instâncias superiores e dos juízes das instâncias inferiores em vigor à data em que o processo teve início, nomeadamente em conformidade com os artigos 96.o, 96.o‑A e 100.o da sua Constituição, Malta não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, bem como por força do artigo 39.o da Constituição e do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

    14.

    Na audiência realizada em 30 de outubro de 2019 no órgão jurisdicional de reenvio, a demandante esclareceu que o presente processo visava impugnar todas as nomeações judiciais que entraram em vigor em 25 de abril de 2019, assim como quaisquer outras nomeações posteriores a esta data, a menos que sejam efetuadas em conformidade com as recomendações do Parecer n.o 940/2018 da Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (a seguir «Comissão de Veneza») relativas às disposições constitucionais e à separação de poderes, à independência da magistratura e à aplicação da lei ( 2 ) e em conformidade com o disposto no artigo 19.o, n.o 1, TUE e no artigo 47.o da Carta.

    15.

    Por sua vez, o Prim Ministru (Primeiro‑Ministro) (a seguir «demandado») alega que o direito à ação e a um processo equitativo é respeitado em Malta. Neste contexto, as nomeações que entraram em vigor em 25 de abril de 2019 foram efetuadas no estrito cumprimento das disposições da Constituição e em conformidade com o direito da União. O demandado alega que não há diferença entre estas nomeações específicas e qualquer outra nomeação de um membro da magistratura efetuada desde que a Constituição foi promulgada em 1964, a não ser o facto de, ao contrário das nomeações anteriores a 2016, os candidatos serem agora sujeitos a uma avaliação de adequação realizada pelo Comité de Nomeações Judiciais nos termos do artigo 96.o‑A da Constituição.

    16.

    O demandado alega igualmente que o sistema de nomeação dos membros da magistratura cumpre os requisitos do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 47.o da Carta, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, este sistema reflete o modo como os juízes são nomeados para o Tribunal de Justiça nos termos do artigo 253.o, primeiro parágrafo, TFUE, que estabelece que o parecer emitido pelo Comité criado nos termos do artigo 255.o TFUE não produz efeitos vinculativos em relação à decisão final adotada pelos Governos dos Estados‑Membros.

    17.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que a questão principal submetida à sua apreciação diz respeito à discricionariedade do Primeiro‑Ministro, ao abrigo dos artigos 96.o, 96.o‑A e 100.o da Constituição, na nomeação de todos os membros da magistratura e à questão de saber se esta discricionariedade foi reforçada pelas alterações constitucionais de 2016. Embora alguns aspetos suscitados pelo presente processo tenham sido abordados pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, a seguir «Acórdão Independência do Supremo Tribunal, EU:C:2019:531), o órgão jurisdicional de reenvio considera que esta questão deve ser apreciada no âmbito de uma avaliação do sistema como um todo, incluindo o direito à ação e a um processo equitativo em Malta.

    18.

    Na audiência de 27 de outubro de 2020, o Tribunal de Justiça foi informado de que tinham sido introduzidas algumas alterações à Constituição, em julho de 2020, na sequência de recomendações relativas ao sistema de nomeação para a magistratura emitidas pela Comissão de Veneza no seu Parecer n.o 940/2018. No entanto, estas alterações não afetam o objeto do processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio nem o presente pedido de decisão prejudicial.

    IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    19.

    Nestas circunstâncias, por Decisão de 25 de novembro de 2019, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de dezembro de 2019, o Prim’Awla tal-Qorti Ċivili — Ġurisdizzjoni Kostituzzjonali (Primeira Secção do Tribunal Cível, Jurisdição Constitucional, Malta) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem o artigo 19.o, n.o 1, segundo [parágrafo], TUE e o artigo 47.o da Carta, lidos separada ou conjuntamente, ser considerados aplicáveis no que diz respeito à validade jurídica dos artigos 96.o, 96.o‑A e 100.o da [Constituição]?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, […] o poder do Primeiro‑Ministro no [âmbito do] procedimento de nomeação de membros da magistratura em Malta [deve] ser considerado conforme com o artigo 19.o, n.o 1, TUE e com o artigo 47.o da [Carta], [tendo em conta igualmente o artigo 96.o‑A da [Constituição], que entrou em vigor em 2016?

    3)

    Se o poder do Primeiro‑Ministro for considerado não conforme, deve este facto ser tido em consideração em futuras nomeações ou deve também afetar nomeações anteriores?»

    20.

    A Repubblika, os Governos belga, maltês, neerlandês, polaco e sueco, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas. Além disso, apresentaram alegações na audiência de 27 de outubro de 2020.

    V. Análise

    A.   Admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    21.

    Nas suas observações escritas, o Governo polaco afirma que o reenvio prejudicial é inadmissível por duas razões.

    22.

    Em primeiro lugar, alega que, mesmo que o direito maltês permita que particulares possam pedir, no âmbito de uma ação popular, a fiscalização em abstrato da legalidade das normas em vigor na ordem jurídica nacional, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu as suas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça com vista, em função da resposta dada, a poder pronunciar‑se sobre a conformidade abstrata das disposições de direito maltês com o direito da União.

    23.

    No entanto, o Governo polaco salienta que a decisão relativa à conformidade abstrata do direito nacional com o direito da União está abrangida pela competência exclusiva do Tribunal de Justiça prevista nos artigos 258.o e 259.o TFUE e que apenas a Comissão ou outro Estado‑Membro pode dar início a esse processo. Em contrapartida, o único objeto do reenvio prejudicial é a interpretação do direito da União. Por conseguinte, à luz dos artigos 258.o, 259.o e 267.o TFUE, um órgão jurisdicional nacional não pode apreciar a conformidade em abstrato do direito nacional com o direito da União com base na interpretação deste direito fornecida no processo prejudicial, uma vez que o próprio Tribunal de Justiça não se considera competente para fiscalizar a conformidade do direito nacional no âmbito desse processo.

    24.

    Assim, a interpretação do direito da União fornecida pelo Tribunal de Justiça no âmbito do processo de decisão prejudicial não pode ser utilizada para dirimir um litígio como o que o órgão jurisdicional de reenvio foi chamado a apreciar e, consequentemente, não pode ser considerada necessária para efeitos da resolução do processo principal na aceção do artigo 267.o TFUE. O Governo polaco alega, nomeadamente, que uma interpretação desta disposição em sentido contrário equivaleria a contornar os artigos 258.o e 259.o TFUE e poria em causa a competência exclusiva do Tribunal de Justiça, da Comissão e dos Estados‑Membros prevista nestas disposições.

    25.

    A este respeito, é verdade que a missão do Tribunal de Justiça deve ser distinguida consoante lhe tenha sido submetido um reenvio prejudicial ou uma ação por incumprimento. Com efeito, enquanto, no âmbito de uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça deve verificar se a medida ou a prática nacional contestada pela Comissão ou por outro Estado‑Membro é, em termos gerais e sem que seja necessário existir um litígio a esse respeito submetido perante os órgãos jurisdicionais nacionais, contrária ao direito da União, a missão do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo prejudicial consiste, em contrapartida, em dar apoio ao órgão jurisdicional de reenvio na solução do litígio concreto nele pendente. No âmbito de um processo dessa natureza, deve existir, entre o referido litígio e as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada, um nexo de ligação tal, que essa interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar ( 3 ).

    26.

    No presente processo, há que reconhecer que o litígio no processo principal apresenta, quanto à matéria de fundo, um nexo de ligação com o direito da União, em particular com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ao qual as questões prejudiciais submetidas dizem respeito. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio está obrigado a aplicar esta disposição para dirimir o referido litígio.

    27.

    A este respeito, embora o artigo 267.o TFUE não habilite o Tribunal de Justiça a decidir sobre a compatibilidade das disposições do direito nacional com as normas jurídicas do direito da União ou a aplicar normas do direito da União num caso concreto, cabe ao Tribunal de Justiça, não obstante, decidir sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União. É por este motivo que, segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da cooperação judiciária instituída nesse artigo e com base nos elementos dos autos, fornecer ao órgão jurisdicional nacional uma interpretação do direito da União que lhe possa ser útil na apreciação dos efeitos de uma determinada disposição deste ( 4 ).

    28.

    Além disso, importa acrescentar que o facto de a ação no processo principal ser uma ação popular — em que o demandante não tem de demonstrar um interesse pessoal na resolução do litígio — não obsta a que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre as questões prejudiciais. Basta que a ação seja autorizada pelo direito nacional e que as questões respondam a uma necessidade objetiva para a decisão da causa regularmente submetida ao órgão jurisdicional de reenvio ( 5 ).

    29.

    Assim, tendo em conta o exposto, considero que existe um verdadeiro litígio perante o órgão jurisdicional de reenvio e que não há dúvidas quanto à relevância das questões prejudiciais, uma vez que dizem respeito à interpretação de disposições do direito da União — direito primário, neste caso — e constituem precisamente o objeto principal do litígio em causa no presente processo. Daqui se deduz, por conseguinte, que o primeiro argumento invocado pelo Governo polaco não é procedente.

    30.

    Em segundo lugar, de acordo com o Governo polaco, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, nos termos do qual os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, não altera de modo algum a substância do princípio da atribuição ou o alcance das competências da União. Pelo contrário, esta disposição baseia‑se na premissa de que, na falta de competência da União em matéria de organização dos sistemas judiciais, cabe aos Estados‑Membros designar os órgãos jurisdicionais e instituir mecanismos adequados para efeitos de processos destinados a salvaguardar os direitos conferidos aos particulares pela ordem jurídica da União. Por conseguinte, o artigo 19.o, n.o 1, TUE, interpretado à luz do artigo 5.o TUE, lido em conjugação com os artigos 3.o e 4.o TFUE, não estabelece nenhuma regra específica relativa à nomeação dos juízes ou à organização dos órgãos jurisdicionais.

    31.

    No que diz respeito ao artigo 47.o da Carta, esse Governo alega que esta disposição não é aplicável no presente processo. A Repubblika intentou uma ação popular, mas não invocou um direito subjetivo decorrente do direito da União. Além disso, contrariamente ao que é exigido pelo artigo 51.o da Carta, não existe «aplicação» do direito da União pelo Estado‑Membro em causa no presente processo, uma vez que as questões jurídicas suscitadas no pedido de decisão prejudicial se prendem com questões nacionais de caráter processual, cuja regulação é da exclusiva competência dos Estados‑Membros.

    32.

    O Governo polaco acrescenta que, em todo o caso, o direito da União não prevê critérios comuns para a nomeação dos juízes nos quais o Tribunal de Justiça se possa basear para avaliar o sistema em vigor em Malta e que todos os Estados‑Membros utilizam sistemas diferentes.

    33.

    Com efeito, estes argumentos respondem à problemática suscitada pela primeira questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, irei apreciá‑los no âmbito da análise da primeira questão. Basta declarar que o segundo fundamento de inadmissibilidade invocado pelo Governo polaco também não é, em meu entender, procedente. De facto, embora concorde que o artigo 47.o da Carta não é aplicável no processo principal (uma vez que Malta não está a «aplicar» o direito da União na aceção do artigo 51.o da Carta), o artigo 19.o TUE é, no entanto, inteiramente aplicável e, por isso, é provável que a interpretação desta disposição seja útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

    34.

    Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça declare que as questões prejudiciais são admissíveis.

    B.   Quanto à primeira questão

    35.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 47.o da Carta devem ser considerados aplicáveis quando um órgão jurisdicional nacional aprecia a validade de um procedimento de nomeação dos juízes como o que está previsto na Constituição de Malta.

    1. Quanto à aplicabilidade do artigo 19.o, n.o 1, TUE

    36.

    No que diz respeito ao artigo 19.o, n.o 1, TUE, o Tribunal de Justiça proferiu recentemente vários acórdãos de referência que permitem, sem dúvida, responder afirmativamente a esta questão.

    37.

    Com efeito, conforme resumido pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535), decorre dessa jurisprudência que «a independência dos juízes dos Estados‑Membros reveste uma importância fundamental para a ordem jurídica da União a diversos títulos. Decorre, antes de mais, do princípio do Estado de direito, que faz parte dos valores nos quais, de acordo com o artigo 2.o TUE, se funda a União e que são comuns aos Estados‑Membros, bem como do artigo 19.o TUE, que concretiza este valor e atribui a tarefa de assegurar a fiscalização jurisdicional nesta ordem também aos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 32). Em seguida, a referida independência constitui uma condição necessária para garantir aos particulares, no âmbito de aplicação do direito da União, o direito fundamental a um tribunal independente e imparcial previsto no artigo 47.o da Carta, o qual reveste uma importância essencial enquanto garante da proteção do conjunto dos direitos que o direito da União confere aos particulares (v., neste sentido, designadamente, Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/1 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.os 70, 71 e jurisprudência referida). Por último, a referida independência é essencial ao bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária que o mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE representa, na medida em que esse mecanismo só pode ser acionado por uma instância, encarregada de aplicar o direito da União, que satisfaça, designadamente, esse critério de independência (v., designadamente, Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander, C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 56 e jurisprudência referida)» ( 6 ).

    38.

    Além disso, está também claramente estabelecido que, no que diz respeito ao âmbito material do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, esta disposição é aplicável aos domínios abrangidos pelo direito da União, independentemente de os Estados‑Membros aplicarem o direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 7 ).

    39.

    Neste contexto, é agora perfeitamente claro que, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União, em especial do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 8 ). Esta obrigação é aplicável a todas as instâncias nacionais que possam decidir, como órgãos jurisdicionais, sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União e, como tal, abrangidas por domínios cobertos por esse direito ( 9 ).

    40.

    Esta interpretação do alcance do artigo 19.o, n.o 1, TUE baseia‑se na história e no contexto da integração desta disposição no Tratado. Com efeito, o artigo 19.o, n.o 1, TUE foi introduzido para enfatizar o dever dos Estados‑Membros de garantir uma tutela jurisdicional efetiva quando esta tutela não pode ser diretamente assegurada pelo Tribunal de Justiça ( 10 ), uma vez que a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento do direito da União é inerente a um Estado de direito ( 11 ). Por conseguinte, sem garantias efetivas de independência judicial, o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos individuais conferidos pelo direito da União poderia, assim, ficar comprometido ( 12 ). Por último, é possível observar que este princípio, referido no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, constitui um princípio geral de direito da União decorrente das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da CEDH, e que é atualmente afirmado no artigo 47.o da Carta ( 13 ).

    41.

    Nestas circunstâncias, uma vez que o procedimento de nomeação em causa no presente processo é aplicável a todos os juízes malteses, é possível presumir que alguns destes — se não todos — irão necessariamente apreciar questões relativas à interpretação ou à aplicação do direito da União. Por conseguinte, isto é, por si só, suficiente para assegurar que esses juízes, nomeados em conformidade com o procedimento estabelecido na Constituição, gozam de níveis suficientes de independência judicial para cumprirem os requisitos do artigo 19.o TUE.

    2. Aplicabilidade do artigo 47.o da Carta

    42.

    Nos termos do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo». O Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373), estabelece que a aplicabilidade deste artigo está subordinada à alegada violação de um direito ou de uma liberdade garantidos pelo direito da União ( 14 ).

    43.

    No entanto, importa observar que a demandante não alega nenhuma violação do seu direito à ação, nem contesta a independência do órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da sua ação, nem invoca nenhum direito específico garantido pelo direito da União. Por conseguinte, nestas circunstâncias, não creio que o artigo 47.o da Carta seja aplicável no processo principal.

    44.

    Além disso, concordo com a posição recentemente manifestada pelo advogado‑geral M. Bobek segundo o qual realização de uma «fiscalização abstrata da constitucionalidade» de uma norma nacional à luz do artigo 47.o da Carta é admissível sempre que essa norma tiver sido adotada no contexto da aplicação do direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 15 ). No entanto, uma vez que o procedimento de nomeação dos juízes nacionais se insere no âmbito da organização do sistema judicial, está abrangido, como já referi, pela competência dos Estados‑Membros. Nestas circunstâncias, o procedimento de nomeação dos juízes em Malta não cumpre o requisito de «aplicação» do direito da União estabelecido no artigo 51.o, n.o 1, da Carta, embora, como já salientei, isso não seja exigido para efeitos da aplicação do artigo 19.o TUE ( 16 ).

    45.

    Não obstante, uma vez que a obrigação imposta aos Estados‑Membros pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, de estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União corresponde ao direito à ação perante um tribunal, previsto no artigo 47.o da Carta ( 17 ), as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do artigo 19.o, n.o 1, TUE são, nessa medida, «reflexo» do direito individual reconhecido pelo artigo 47.o da Carta ( 18 ).

    46.

    Por conseguinte, concordo inteiramente com as declarações do advogado‑geral E. Tanchev nas suas Conclusões nos processos apensos A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:551), segundo as quais «há uma “passarela constitucional” entre as duas disposições, e a jurisprudência a elas relativa tem inevitavelmente pontos de interceção» ( 19 ). Além disso, o próprio Tribunal de Justiça já declarou que o «artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE obriga todos os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva, na aceção designadamente do artigo 47.o da Carta, nos domínios abrangidos pelo direito da União» ( 20 ).

    47.

    Neste contexto, considero que, embora o artigo 47.o da Carta não seja aplicável no processo principal, o artigo 19.o, n.o 1, TUE deve, não obstante, ser objeto de interpretação à luz do artigo 47.o da Carta e da jurisprudência relativa a esta disposição.

    3. Conclusão sobre a primeira questão

    48.

    Por conseguinte, atendendo às considerações anteriores, deve concluir‑se que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido à luz do artigo 47.o da Carta, é aplicável quando um órgão jurisdicional nacional aprecia a validade de um procedimento de nomeação dos juízes como o previsto na Constituição.

    C.   Quanto à segunda questão

    49.

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 19.o TUE, lido, caso seja necessário, à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual o poder executivo, neste caso o Primeiro‑Ministro, goza de um poder discricionário e decisivo no procedimento de nomeação dos membros da magistratura. É esta a questão fundamental do presente reenvio prejudicial.

    1. Observações gerais sobre as consequências do artigo 19.o, n.o 1, TUE, do artigo 47.o da Carta e do artigo 6.o da CEDH para os procedimentos de nomeação dos juízes

    50.

    Como decorre da jurisprudência referida na minha análise da primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, se um juiz se pode pronunciar sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União, o Estado‑Membro em causa deve garantir que os seus juízes gozam de suficientes garantias em matéria de independência e cumprir os requisitos essenciais de uma tutela jurisdicional efetiva, em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 21 ).

    51.

    Além disso, uma vez que a obrigação de os Estados‑Membros estabelecerem vias de recurso necessárias para garantir uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, imposta pelo artigo 19.o, n.o 1, TUE, corresponde ao direito à ação perante um tribunal previsto no artigo 47.o da Carta ( 22 ), há que observar que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta dispõe que, na medida em que a Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção.

    52.

    Como resulta das anotações ao artigo 47.o da Carta, que, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração para efeitos da interpretação da Carta, o artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, e ao artigo 13.o da CEDH.

    53.

    A este respeito, decorre de jurisprudência assente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a introdução da expressão «estabelecido pela lei» no artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, CEDH tem por objetivo garantir que a organização do sistema judicial não seja simplesmente deixada à discricionariedade ilimitada do poder executivo, mas que a instituição de um sistema judicial e a nomeação dos juízes sejam reguladas por legislação adequada. Por conseguinte, não há dúvida de que o direito de ser julgado por um tribunal «estabelecido pela lei» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, CEDH abrange, pela sua própria natureza, aspetos do procedimento de nomeação dos juízes ( 23 ). Contudo, na prática, as restrições impostas a este respeito pela legislação nacional tendem a ser limitadas e estão relacionadas com questões como a elegibilidade para nomeação, a promoção no âmbito do sistema judicial e os limites de idade.

    54.

    Importa igualmente sublinhar que, embora o princípio da separação entre o poder executivo e a autoridade judicial tenda a adquirir uma importância crescente na sua jurisprudência, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem afirma que nem o artigo 6.o nem nenhuma outra disposição da CEDH impõe aos Estados um determinado modelo constitucional que regule de uma maneira ou de outra as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais. O artigo 6.o da CEDH também não obriga esses Estados a dar cumprimento a este ou àquele conceito constitucional teórico relativo aos limites admissíveis a essa interação ( 24 ). A este respeito, embora vários Estados‑Membros possuam um Conselho da Magistratura — definido como um órgão independente, estabelecido por lei ou pela Constituição nacional, que visa salvaguardar a independência do poder judicial e dos juízes individuais e, assim, promover o funcionamento eficaz do sistema judicial ( 25 ) — ou, como no caso de Malta e de outros países, um Comité de Nomeações Judiciais ( 26 ), há que admitir que a sua composição e competências variam consideravelmente ( 27 ).

    55.

    No entanto, importa observar que o simples facto de os juízes serem nomeados por um membro do poder executivo não cria, em si mesmo, uma relação de subordinação para com este último, nem gera dúvidas quanto à imparcialidade daqueles, se — sendo esta uma condição essencial — uma vez nomeados, não estiverem sujeitos a pressões e não receberem instruções no exercício das suas funções ( 28 ). Há, porém, uma exceção a esta regra. Como o Tribunal de Justiça reconheceu no seu Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232), o artigo 19.o TUE é aplicável quando determinado juiz tiver sido nomeado de forma irregular e esta irregularidade for tão grave que tenha criado o risco real, nas palavras do Tribunal de Justiça, de o executivo poder, assim, pôr em perigo a integridade do procedimento de nomeação ( 29 ). Em contrapartida, decorre daqui que deve haver um mecanismo mediante o qual uma nomeação judicial ilegal — designadamente quando o juiz em causa não era legalmente elegível para a nomeação — pode ser judicialmente anulada.

    56.

    Não obstante, é possível afirmar que, com exceção do caso específico e invulgar de juízes nomeados ilegalmente, descrito no Acórdão Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232), o artigo 19.o, n.o 1, TUE é essencialmente prospetivo, na medida em que diz respeito à proteção da independência judicial após o juiz ter sido nomeado.

    57.

    A este respeito, é inútil negar que a política tem desempenhado um papel — por vezes decisivo — na nomeação dos juízes em muitos sistemas jurídicos, incluindo nos de muitos Estados‑Membros. Neste contexto, basta referir a experiência de dois dos mais proeminentes e influentes tribunais do mundo — nomeadamente, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos e o Tribunal Constitucional alemão —, em que quase todos os membros têm ligações conhecidas a determinados partidos políticos e tradições políticas ( 30 ). Políticos e antigos políticos podem até ser membros ex officio dos tribunais constitucionais dos Estados‑Membros (como em França ( 31 )), em virtude da lei que regula esses tribunais (como sucede com o Tribunal Constitucional belga ( 32 )), ou porque são eleitos pelos membros do parlamento (como, por exemplo, na Alemanha ( 33 ) ou, parcialmente, em Itália ( 34 )), ou, muitas vezes, por uma questão de tradição. Contudo, não há dúvida de que todos estes tribunais provaram ser firmemente independentes dos restantes poderes.

    2. Acórdãos Independência do Supremo Tribunal e AK

    58.

    Isto conduz‑nos diretamente à questão de saber qual o significado do conceito de independência judicial. Atualmente, é pacífico que o conceito de independência comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, requer que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a qualquer entidade e sem receber ordens ou instruções de qualquer proveniência, estando assim protegida de intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto desse litígio. Este aspeto exige objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio que não seja a estrita aplicação da regra de direito ( 35 ).

    59.

    Embora a questão da imparcialidade judicial não esteja diretamente em causa no presente processo, trata‑se, no entanto, de um conceito estreitamente relacionado com o da independência institucional. A questão da independência institucional tem sido constantemente analisada numa série de decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, desde o seu Acórdão de referência de 28 de junho de 1984, Campbell e Fell c. Reino Unido (CE:ECHR:1984:0628JUD000781977), e, mais recentemente, em várias decisões fundamentais do Tribunal de Justiça, a começar talvez pelo Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117).

    60.

    Dado que muita desta jurisprudência se encontra consolidada e resumida nos Acórdãos Independência do Supremo Tribunal e AK, pode ser suficiente, para efeitos do presente processo, apreciar apenas o conceito de independência nos termos em que o Tribunal de Justiça o abordou nestes dois acórdãos. Proponho começar pela análise do Acórdão AK.

    61.

    No seu Acórdão AK, o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

    «123 Estas garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto [Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 66 e jurisprudência referida, e [Independência do Supremo Tribunal], n.o 74].

    124 De resto, em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de direito, a independência dos órgãos jurisdicionais deve ser garantida em relação ao poder legislativo e ao poder executivo (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Poltorak, C‑452/16 PPU, EU:C:2016:858, n.o 35).

    125 A este respeito, importa que os juízes se encontrem ao abrigo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em perigo a sua independência. As regras mencionadas no n.o 123 do presente acórdão devem, em especial, permitir excluir não só qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também as formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa (v., neste sentido, Acórdão [Independência do Supremo Tribunal], n.o 112 e jurisprudência referida).

    […]

    127 Nos termos de jurisprudência constante desse mesmo Tribunal, para determinar se um tribunal é “independente”, na aceção do referido artigo 6.o, n.o 1, há que ter em conta, designadamente, o método de nomeação e a duração do mandato dos seus membros, a existência de proteção contra pressões externas e se o órgão em causa tem uma aparência de independência (TEDH, 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 144 e jurisprudência referida), sendo precisado, a este respeito, que está em causa a própria confiança que qualquer tribunal deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática (v., neste sentido, TEDH, 21 de junho de 2011, Fruni c. Eslováquia, CE:ECHR:2011:0621JUD000801407, § 141).

    […]

    129 Como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reiteradamente salientou, os conceitos de independência e de imparcialidade objetiva estão estreitamente ligados, o que leva, geralmente, a analisá‑los em conjunto (v., nomeadamente, TEDH, 6 de maio de 2003, Kleyn e outros c. Países Baixos, CE:ECHR:2003:0506JUD003934398, § 192 e jurisprudência referida, e 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 150 e jurisprudência referida). Nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para se pronunciar sobre a existência de razões de receio de que essas exigências de independência ou de imparcialidade objetiva não sejam cumpridas num determinado processo, o ponto de vista duma parte entra em linha de conta mas não tem um papel decisivo. O elemento determinante consiste em saber se os receios em causa podem ser considerados objetivamente justificados (v., nomeadamente, TEDH, 6 de maio de 2003, Kleyn e o. c. Países Baixos, CE:ECHR:2003:0506JUD003934398, §§ 193 e 194 e jurisprudência referida, e 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, §§ 147 e 152 e jurisprudência referida).»

    62.

    No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça também declarou que o simples facto de alguns juízes «terem sido nomeados pelo presidente da República não é suscetível de criar uma dependência daqueles para com este, nem de gerar dúvidas quanto à sua imparcialidade, se, uma vez nomeados, os interessados não estiverem sujeitos a nenhuma pressão e não receberem instruções no exercício das suas funções» ( 36 ). Não obstante, o Tribunal de Justiça prosseguiu advertindo que «[…] continua[va] a ser necessário garantir que as condições materiais e as modalidades processuais que presidem à adoção dessas decisões de nomeação sejam tais que não possam criar, no espírito dos particulares, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto, uma vez nomeados os interessados» ( 37 ). Nesta perspetiva, importa, nomeadamente, que as referidas condições e modalidades sejam concebidas de modo a garantir que os juízes estejam ao abrigo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em perigo a sua independência ( 38 ).

    63.

    O Tribunal de Justiça observou que a existência de um Conselho da Magistratura (conhecido por KRS) que aconselhou o presidente polaco quanto à adequação de determinados candidatos a cargos judiciais contribuiu para tornar o processo mais objetivo e transparente, na condição, todavia, de «o referido órgão ser, ele próprio, suficientemente independente dos poderes legislativo e executivo e da autoridade à qual deve submeter essa proposta de nomeação (v., por analogia, Acórdão [Independência do Supremo Tribunal], n.o 116)» ( 39 ). O Tribunal de Justiça concluiu remetendo para critérios com base nos quais o órgão jurisdicional de reenvio podia, por si só, avaliar a independência do KRS.

    64.

    O Tribunal de Justiça manifestou‑se no mesmo sentido no acórdão que proferiu no processo Independência do Supremo Tribunal. No entanto, há que examinar os antecedentes deste processo, para compreender devidamente o contexto e a importância das apreciações efetuadas posteriormente pelo Tribunal de Justiça no Acórdão AK acerca da necessidade de garantir que as condições materiais e as modalidades processuais pormenorizadas que presidem à adoção dessas decisões de nomeação sejam tais, que não possam criar, no espírito dos particulares, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa a elementos externos.

    65.

    O processo Independência do Supremo Tribunal teve origem numa ação por incumprimento proposta pela Comissão, em que esta alegou que certas disposições de uma regulamentação polaca que permitiam ao presidente da República da Polónia decidir se determinado juiz se deveria manter no cargo para além da idade normal de aposentação eram contrárias às garantias de independência judicial. O Tribunal de Justiça sublinhou que, embora as decisões sobre a idade de aposentação dos juízes sejam da competência dos Estados‑Membros, quando optam por esse mecanismo, estão obrigados a garantir que a independência dos juízes não seja posta em causa.

    66.

    Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que a circunstância de «o presidente da República estar investido do poder de […] conceder ou não essa eventual prorrogação não é suficiente, por si só, para [se] concluir pela existência de uma violação do referido princípio. Todavia, há que garantir que as condições materiais e as modalidades processuais que [regulam a] adoção dessas decisões sejam tais, que não possam criar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto» ( 40 ).

    67.

    Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que a nova legislação sobre o Supremo Tribunal polaco não cumpria estes requisitos, dado que a decisão de conceder tal prorrogação «está atualmente sujeita a uma decisão do presidente da República que reveste caráter discricionário, na medida em que a sua adoção não está, enquanto tal, enquadrada por nenhum critério objetivo e verificável e não tem de ser fundamentada. Além disso, tal decisão não pode ser objeto de recurso jurisdicional» ( 41 ).

    68.

    Embora o Tribunal de Justiça tenha reconhecido que o Conselho Nacional da Magistratura polaco devia emitir um parecer dirigido ao presidente da República antes de este adotar a sua decisão — um procedimento que, seguramente, contribuiu para conferir objetividade a este processo —, a verdade é que a legislação não instituía nenhum mecanismo que obrigasse aquele órgão a emitir um parecer «com base em critérios simultaneamente objetivos e pertinentes e […] devidamente fundamentado, de maneira que seja adequado [a] esclarecer objetivamente essa autoridade na sua tomada de decisão» ( 42 ).

    69.

    O Tribunal de Justiça concluiu que a natureza deste poder discricionário do presidente polaco no que diz respeito ao seu poder de prorrogar a idade de aposentação para determinados juízes era suscetível «de gerar dúvidas legítimas, nomeadamente no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses suscetíveis de estar em confronto perante esses juízes» ( 43 ).

    3. Conclusões que podem ser extraídas dos Acórdãos AK e Independência do Supremo Tribunal

    70.

    Que conclusões é possível extrair destes dois importantes acórdãos? Decorre do Acórdão AK (e da jurisprudência anterior) que nem o direito da União nem, aliás, a CEDH impõem qualquer tipo de garantias institucionais previstas a priori para assegurar a independência dos juízes. Todavia, o que importa é que, em primeiro lugar, os juízes não estejam sujeitos a nenhuma relação de subordinação ou de controlo hierárquico por parte quer do poder executivo quer do poder legislativo e que, em segundo lugar, os juízes beneficiem de garantias efetivas que os protejam de tais pressões externas.

    71.

    Nestas circunstâncias, o procedimento de nomeação dos juízes só é suscetível de violar o artigo 19.o, n.o 1, TUE se um dos referidos aspetos apresentar uma irregularidade de natureza tal e de gravidade tal, que crie um risco real de outros ramos do Estado — particularmente o executivo — poderem exercer uma influência discricionária abusiva através de uma nomeação ilegal, pondo em perigo a integridade do resultado a que conduz o procedimento de nomeação (e semeando, assim, uma dúvida legítima no espírito dos sujeitos de direito quanto à independência e à imparcialidade do juiz ou dos juízes em causa) ( 44 ).

    72.

    Importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, as garantias de independência e de imparcialidade de que devem beneficiar os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros postulam a existência de regras não só relativas à nomeação dos seus membros, mas também no que se refere à composição da instância, à duração das funções, às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitem afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto ( 45 ). Com efeito, estes critérios são tão importantes como o próprio procedimento de nomeação, porque «a exigência de independência e de imparcialidade faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que reveste importância essencial enquanto garante da proteção do conjunto dos direitos que o direito da União confere aos sujeitos de direito e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, nomeadamente o valor do Estado de direito» ( 46 ).

    73.

    Tudo isto significa que os juízes devem gozar de autonomia financeira em relação ao poder executivo e ao poder legislativo, de modo que, por exemplo, as suas remunerações devem ser de nível adequado à importância das funções judiciais que exercem. Isto significa também que essas remunerações não devem ser reduzidas (exceto pelo regime fiscal geralmente aplicável) durante o seu mandato. No entanto, um Estado‑Membro pode reduzir as remunerações dos juízes se tiver de adotar medidas de emergência para redução de custos, desde que tais reduções sejam aplicáveis de maneira geral a toda a função pública e proporcionadas e os níveis remuneratórios originais sejam repostos assim que tiver terminado a crise financeira que justifica tais medidas ( 47 ).

    74.

    Ainda mais importante, uma característica essencial da independência judicial é que os juízes também devem beneficiar de uma proteção suficiente contra a destituição, exceto por justa causa ( 48 ). A decisão de destituir um juiz — quer seja adotada apenas pelo poder executivo ou na sequência de um processo de destituição por parte do poder legislativo — também deve, em princípio, poder ser objeto de fiscalização judicial. Aliás, as garantias de independência judicial seriam muito escassas se o poder executivo ou o poder legislativo se pudessem entrincheirar num silêncio inescrutável e invocar o caráter não judicial de qualquer decisão de destituição de um juiz, pois, desse modo, passaria a ser possível destituir um juiz por motivos diferentes de justa causa ( 49 ).

    75.

    Por último, a exigência de independência impõe igualmente que o regime disciplinar daqueles que têm por missão julgar apresente as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização desse regime como sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. A este respeito, a fixação de regras que definam, designadamente, tanto os comportamentos constitutivos de infrações disciplinares como as sanções concretamente aplicáveis, que prevejam a intervenção de uma instância independente em conformidade com um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta, designadamente os direitos de defesa, e que consagrem a possibilidade de impugnar judicialmente as decisões dos órgãos disciplinares constitui um conjunto de garantias essenciais para efeitos da preservação da independência do poder judicial ( 50 ).

    76.

    Uma análise dos procedimentos de nomeação judiciais atualmente em vigor nos Estados‑Membros revela uma diversidade de abordagens e de sistemas de nomeação. Como já referi, nem o artigo 19.o TUE nem o artigo 47.o da Carta (nem, de resto, o artigo 6.o da CEDH) pretendem impor uniformidade a este respeito. No entanto, uma coisa é clara: os juízes são nomeados, e não eleitos. Isto significa que, numa União fundada nos valores da democracia e do Estado de direito nos termos do artigo 2.o TUE, os juízes não são — e não podem ser — democraticamente responsáveis nem lhes pode ser atribuído papel algum na elaboração da política.

    77.

    Por sua vez, tudo isto tem implicações na independência judicial. As garantias institucionais que referi visam, assim, assegurar que os juízes demonstrem a independência necessária perante o poder executivo e o poder legislativo, não só na teoria mas também na prática. No entanto, além das necessárias garantias institucionais, talvez a característica mais crítica da independência judicial seja também a mais vaga. Uma vez que os juízes não gozam de um mandato democrático, têm o dever de demonstrar independência face às suas próprias preferências políticas estritamente pessoais e convicções políticas subjetivas e, desse modo, permanecer fiéis ao compromisso solene que assumiram de aplicar a lei de forma imparcial segundo princípios jurídicos consagrados, sem medos nem favorecimentos.

    4. Quanto à importância relativa de um órgão independente no procedimento de nomeação dos juízes e às garantias existentes na Constituição de Malta

    78.

    É certo que, conforme foi reconhecido no Acórdão Independência do Supremo Tribunal, a existência de órgãos independentes, tais como um Conselho Nacional da Magistratura ou um Comité de Nomeações Judiciais, pode contribuir para garantir que o procedimento de nomeações judiciais (ou, como nesse processo, a prorrogação do mandato de um juiz específico) seja objetivo e transparente. Assim, a existência desses órgãos pode, em si mesma, ser bastante desejável. Não obstante, resulta claramente do Acórdão AK do Tribunal de Justiça que a sua existência não constitui a essência da independência judicial exigida pelo artigo 19.o TUE conjugado com o artigo 47.o da Carta. Digo isto, apesar de, no Acórdão Independência do Supremo Tribunal, o Tribunal de Justiça ter evocado a necessidade de garantir que as «condições materiais e as modalidades processuais que presidem à adoção dessas decisões [de nomeação] sejam tais que não possam criar […] dúvidas legítimas» ( 51 ) sobre a independência dos juízes específicos em causa. No entanto, como vimos, estas observações foram feitas em relação a uma nomeação que prorrogou a duração do mandato judicial e não a uma nomeação judicial propriamente dita. Por conseguinte, repito, o artigo 19.o, n.o 1, TUE é essencialmente prospetivo, na medida em que pretende garantir que os juízes, uma vez nomeados, gozem de suficientes garantias de independência judicial.

    79.

    Ao chegar a esta conclusão, não ignorei o facto de o Tribunal de Justiça ter repetido estas palavras no Acórdão AK ( 52 ), no âmbito geral de nomeações judiciais. No entanto, não creio que, com isso, o Tribunal de Justiça pretendesse, sem mais, sugerir, por exemplo, que o simples facto de uma pessoa que, anteriormente, tinha ligações estreitas a um determinado partido político ou tradição política ter posteriormente sido nomeada juiz era, por si só, suficiente para suscitar dúvidas sobre a independência desse juiz, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, TUE, após a sua nomeação para tal cargo. Por conseguinte, nesta medida, ainda não estou convencido de que o artigo 19.o, n.o 1, TUE abranja, por assim dizer, a posição detida antes da nomeação do juiz em causa.

    80.

    Também não ignorei o facto de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ter recentemente concluído pela existência de uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH num processo que punha em causa a legalidade de um procedimento de nomeação dos juízes ( 53 ). No entanto, importa salientar que esta conclusão não resultou do facto de o Ministro da Justiça não ter nomeado candidatos propostos pelo Comité de Peritos Independente competente — o que era permitido pelo direito interno. Resultou antes de não ter fundamentado de forma suficiente a sua decisão de se afastar da avaliação efetuada por esse Comité, não procedendo a uma apreciação independente das circunstâncias relevantes dos candidatos a esses cargos judiciais e não fornecendo explicações adequadas para o facto de não seguir as recomendações do Comité de Peritos, o que, como o Supremo Tribunal da Islândia já tinha declarado, constituía uma violação do direito nacional islandês. De acordo com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tal constituía uma irregularidade grave que atingiu a essência do direito a um «tribunal estabelecido por lei» ( 54 ).

    81.

    Não obstante, mantêm‑se as principais considerações relativas à questão de saber se, objetivamente, um juiz nacional goza de suficientes garantias de independência institucional e de proteção contra as destituições para — como o Tribunal de Justiça observou no Acórdão AK — poder exercer as suas funções com total autonomia, sem estar sujeito a instruções nem ao controlo do poder executivo ou do poder legislativo.

    82.

    Embora a apreciação destas matérias seja, em última análise, da competência do órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que, tendo em conta o disposto nos artigos 97.o e 100.o da Constituição, os juízes gozam, de facto, de uma proteção significativa contra as destituições, exceto no caso de incapacidade ou de má conduta. No que diz respeito à proteção contra a destituição dos juízes em Malta, a Constituição prevê que estes devem cessar funções ao atingir os 65 anos de idade e que não podem ser destituídos antes, a não ser pelo Presidente [da República], a pedido da Câmara dos Deputados, apoiada pelos votos de, pelo menos, dois terços de todos os seus membros, com fundamento em incapacidade comprovada para exercer as funções do seu cargo (por motivo de doença física ou mental ou outra causa) ou em comprovada má conduta ( 55 ).

    83.

    Além disso, o regime disciplinar aplicável por força da Constituição parece fornecer as garantias necessárias para evitar qualquer risco de o mesmo ser utilizado como um sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. Com efeito, o órgão exclusivamente competente para exercer o poder disciplinar sobre os juízes é um subcomité da Comissão para a Administração da Justiça composto por três membros da magistratura eleitos de entre os juízes, que atuam com base no seu juízo individual e não estão sujeitos a instruções nem ao controlo de nenhuma pessoa ou autoridade ( 56 ). Além disso, o artigo 101.o‑B da Constituição estabelece um procedimento que garante ao juiz contra quem foi instaurado um processo disciplinar a possibilidade de apresentar observações e de ser ouvido em audiência, assistido por um advogado ou por um representante legal. A mesma disposição define igualmente as condutas que constituem infrações disciplinares à luz do Código de Ética dos Membros da Magistratura e as sanções efetivamente aplicáveis.

    84.

    É verdade que, ao contrário das Constituições de outros Estados‑Membros ( 57 ), a Constituição de Malta não declara expressamente que os juízes são independentes no desempenho das suas funções. Não obstante, é possível que o órgão jurisdicional de reenvio considere que esse facto está necessariamente implícito na redação do artigo 97.o da Constituição de Malta. Em todo o caso, a inexistência dessa garantia expressa não é, em si mesma, uma fatalidade se, como parece ser o caso, os juízes malteses beneficiarem de outras garantias institucionais e constitucionais sólidas, destinadas a promover a independência judicial.

    85.

    O mesmo se pode dizer da autonomia financeira. Segundo o Governo maltês, os juízes em Malta auferem uma remuneração consentânea com a tabela salarial mais elevada da função pública maltesa, pelo que a autonomia financeira dos juízes malteses não parece estar ameaçada. Também não há nada que sugira que estas remunerações foram ou podem vir a ser afetadas de uma forma que ameace a independência judicial.

    5. Observações finais sobre o Parecer n.o 940/2018 da Comissão de Veneza

    86.

    Antes de responder à segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio é necessário apreciar o impacto do Parecer n.o 940/2018 da Comissão de Veneza no presente processo. Com efeito, uma parte essencial da argumentação da demandante baseia‑se nas recomendações constantes do presente parecer.

    87.

    Em primeiro lugar, a demandante invoca o Parecer n.o 940/2018 da Comissão de Veneza em apoio do seu pedido de declaração de nulidade do procedimento de nomeação dos juízes impugnado, ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Neste parecer, a Comissão de Veneza salientou que as alterações constitucionais de 2016, que instituíram o Comité de Nomeações Judiciais, foram um passo na direção certa, mas não garantem a independência judicial, e que eram necessárias mais medidas ( 58 ).

    88.

    Embora, evidentemente, seja bastante útil para efeitos da apreciação da validade de um procedimento de nomeação dos juízes à luz dos requisitos da tutela jurisdicional efetiva, esse parecer da Comissão de Veneza não pode, todavia, ser considerado um elemento determinante para a questão da legalidade na aceção do artigo 19.o, n.o 1, TUE. Como o advogado‑geral M. Bobek observou recentemente, «[à] luz do direito da União, estes relatórios são […] uma fonte de informação útil» ( 59 ). Com efeito, a análise da Comissão de Veneza é essencialmente política, embora fundada numa análise jurídica e política sofisticada. O parecer da Comissão de Veneza visa alcançar um sistema ideal. Foi com este objetivo em mente que a Comissão de Veneza efetuou recomendações para melhorar o sistema de nomeação dos juízes em vigor em Malta, que dizem respeito, nomeadamente, à composição do Comité de Nomeações Judiciais ou ao caráter vinculativo da proposta que deve apresentar ao Presidente de Malta (e não ao Primeiro‑Ministro) ( 60 ).

    89.

    Como salientou um antigo membro da Comissão de Veneza, as normas de ação estabelecidas pela Comissão de Veneza devem também preservar a liberdade de escolha e a margem de discricionariedade dos países em causa. Assim, os seus pareceres não podem ser emitidos sob a forma de regras «tudo ou nada», mesmo que a flexibilidade de algumas normas possa ser parcialmente corrigida por convenções internacionais como a CEDH, quando esteja em jogo a estrutura e a independência da magistratura ( 61 ). Como a própria Comissão de Veneza recordou no seu Parecer n.o 940/2018, não há um único «modelo» capaz de respeitar idealmente o princípio da separação de poderes e de assegurar a total independência da magistratura ( 62 ).

    90.

    Em segundo lugar, nos termos da Constituição de 2016, as propostas do Comité de Nomeações Judiciais não são vinculativas e parece que os órgãos jurisdicionais malteses não consideram que as decisões de nomeação podem ser judicialmente impugnadas. Com efeito, a este respeito, observo que, como o representante do Governo maltês confirmou na audiência, a única via de recurso atualmente disponível em Malta é a ação popular. Todavia, como a Repubblika observou na sua resposta, esta via de recurso é simplesmente um meio de contestar a constitucionalidade de uma lei e não um procedimento que permita apreciar a validade de uma nomeação judicial individual. Se alguma vez se colocar a questão de um juiz individual ter sido ilegalmente nomeado, os órgãos jurisdicionais malteses estão obrigados, por força do artigo 19.o, n.o 1, TUE, a estabelecer uma via de recurso adequada para assegurar que essa nomeação possa ser efetivamente contestada. Uma vez que, até ao momento, esta questão não foi colocada aos órgãos jurisdicionais malteses, talvez não seja necessário continuar a apreciá‑la enquanto não for suscitada. Além disso, se o Primeiro‑Ministro alguma vez se afastasse da proposta do Comité de Nomeações Judiciais, seria obrigado pela Constituição a fundamentar a sua escolha, numa declaração publicada no Jornal Oficial, e a fazer uma declaração na Câmara dos Representantes, num determinado prazo, para explicar o motivo por que não seguiu as recomendações ( 63 ).

    91.

    Além disso, o artigo 96.o‑A, n.o 4, da Constituição garante que os membros do Comité de Nomeações Judiciais atuam com base no seu juízo individual e, no exercício das suas funções, não estão sujeitos a instruções nem ao controlo de nenhuma pessoa ou autoridade. Além disso, o Comité de Nomeações Judiciais formula os seus pareceres com base em critérios previstos numa decisão publicada nos termos do artigo 96.o‑A, n.o 8, da Constituição ( 64 ), e as nomeações assentam em critérios objetivos — tais como a experiência como advogado — estabelecidos nessa Constituição ( 65 ).

    92.

    Por conseguinte, em suma, é possível afirmar que o parecer da Comissão de Veneza reflete recomendações a respeito de um sistema de transparência mais completo e de um sistema de nomeação judicial baseado no mérito. Embora estas recomendações possam, em si, ser desejáveis, o facto de o sistema maltês não respeitar plenamente esses critérios não significa, por si só, que os juízes malteses não gozem, tanto em teoria como na prática, de suficientes garantias de independência para satisfazer os requisitos do artigo 19.o TUE.

    6. Conclusão quanto à segunda questão

    93.

    Por conseguinte, em face do exposto, há que concluir que o artigo 19.o, n.o 1, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, não se opõe a disposições constitucionais nacionais que estabelecem que o poder executivo, ou um dos seus membros, como o Primeiro‑Ministro, desempenha um papel no procedimento de nomeação dos membros da magistratura.

    94.

    Embora o artigo 19.o, n.o 1, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, não fixe ex ante as condições específicas de nomeação nem a natureza das garantias específicas de que gozam os juízes dos Estados‑Membros, exige, não obstante, que, no mínimo, estes juízes gozem de garantias de independência. Para efeitos do artigo 19.o TUE, importa que os juízes não estejam sujeitos a nenhum tipo de relação de subordinação ou de controlo hierárquico por parte quer do poder executivo quer do poder legislativo. Os juízes devem gozar de autonomia financeira em relação ao poder executivo e ao poder legislativo, para que as suas remunerações não sejam reduzidas (exceto pelo regime fiscal geralmente aplicável e pelas medidas proporcionadas de redução salarial geralmente aplicáveis) durante o seu mandato. É igualmente importante que gozem de proteção suficiente contra as destituições, exceto por justa causa, e o seu regime disciplinar deve incluir as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização desse regime como sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais.

    95.

    Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se estas garantias existem efetivamente.

    D.   Quanto à terceira questão

    96.

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no caso de o poder do Primeiro‑Ministro ser considerado incompatível com o artigo 19.o, n.o 1, TUE e com o artigo 47.o da Carta, se este facto deveria ser tomado em consideração em futuras nomeações ou se também afetaria nomeações anteriores. Esta questão suscita efetivamente o problema da limitação dos efeitos temporais das decisões do Tribunal de Justiça, no caso de o órgão jurisdicional de reenvio concluir, no termo da sua análise, que o procedimento de nomeações de juízes em causa no processo principal é contrário ao artigo 19.o, n.o 1, TUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão a proferir.

    97.

    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a interpretação que este faz de uma regra de direito da União, no exercício da competência que lhe é conferida pelo artigo 267.o TFUE, clarifica e precisa o significado e o alcance dessa regra, tal como deve ser ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daqui se conclui que a regra assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz, inclusive a relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que se pronuncia sobre o pedido de interpretação, se, além disso, estiverem reunidas as condições que permitem submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida regra ( 66 ).

    98.

    Só a título verdadeiramente excecional é que o Tribunal de Justiça pode, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição interpretada por ele para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para decidir uma limitação desta natureza, é necessário que estejam preenchidos dois critérios essenciais, a saber, a boa‑fé dos interessados e um risco de perturbações graves ( 67 ).

    99.

    O Tribunal de Justiça declarou igualmente que restringir os efeitos temporais de tal interpretação só é admissível no próprio acórdão que se pronuncia sobre a interpretação solicitada ( 68 ). A este propósito, importa observar que, no processo presente, é abordada, pela primeira vez, a questão de saber se um procedimento nacional de nomeação dos juízes está sujeito ao artigo 19.o, n.o 1, TUE e, em caso afirmativo, em que medida.

    100.

    Quanto ao requisito da boa‑fé, devem salientar‑se três elementos. Em primeiro lugar, o presente processo pode marcar uma evolução na interpretação do alcance do artigo 19.o, n.o 1, TUE, na medida em que diz respeito a um procedimento de nomeação dos juízes, no quadro de uma jurisprudência relativamente recente, iniciado com o Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117). Em segundo lugar, o sistema de nomeação em vigor antes da reforma da Constituição de 2016 era semelhante ao sistema impugnado no processo principal — com exceção da participação do Comité de Nomeações Judiciais. No entanto, para se tornar membro da União Europeia, Malta tinha necessariamente de respeitar os valores referidos no artigo 2.o TUE ( 69 ) e cumprir os «critérios de Copenhaga» adotados pelo Conselho Europeu em 21 e 22 de junho de 1993 ( 70 ), que implicam — por força do critério político — uma fiscalização rigorosa do Estado de direito e um sistema judicial forte, eficaz, independente, imparcial e responsável ( 71 ). Em terceiro lugar, embora tenha mencionado no seu Relatório Relativo a Malta de 2019 ( 72 ), remetendo para o Parecer n.o 940/2018 da Comissão de Veneza, que o sistema judicial maltês enfrentava uma série de desafios e que as recentes reformas ainda não asseguravam plenamente a independência do poder judicial ( 73 ), a Comissão Europeia não considerou necessário intentar uma ação por incumprimento contra Malta com base no artigo 258.o TFUE ( 74 ).

    101.

    Por conseguinte, penso que estas circunstâncias levaram as autoridades de Malta a considerar, acertadamente, que o procedimento de nomeação dos juízes impugnado era conforme com o direito da União ( 75 ).

    102.

    Quanto ao risco de dificuldades graves, importa observar que, nesta situação, a interpretação do direito da União fornecida pelo Tribunal de Justiça no presente processo diz respeito ao direito à ação e à legalidade da composição dos órgãos jurisdicionais nacionais.

    103.

    Nestas circunstâncias, é evidente que se o órgão jurisdicional de reenvio concluir, com base no acórdão do Tribunal de Justiça, que o procedimento de nomeação dos juízes em vigor em Malta violava o artigo 19.o, n.o 1, TUE, isso suscita inevitavelmente preocupações sérias quanto à segurança jurídica, suscetíveis de afetar o funcionamento do sistema judicial no seu todo. Com efeito, tais dificuldades não só afetariam a capacidade dos juízes para se pronunciarem sobre processos pendentes, mas — como assinalou corretamente o Governo maltês nas suas observações escritas — teriam também impacto na capacidade do sistema judicial para resolver o problema da acumulação de processos que Malta enfrenta. Por último, tal decisão poderia provavelmente afetar o estatuto de caso julgado dos processos apreciados no passado pelos órgãos jurisdicionais malteses. No entanto, este princípio do caso julgado é especialmente importante quer na ordem jurídica da União quer nos sistemas jurídicos nacionais. Com efeito, a fim de garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou após terem terminado os prazos previstos para tais recursos deixem de poder ser impugnadas ( 76 ).

    104.

    Atendendo às considerações anteriores, entendo que se deve responder à terceira questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional no sentido de que o procedimento de nomeação dos juízes não pode ser impugnado com base no artigo 19.o, n.o 1, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, em apoio de pedidos apresentados antes da data do acórdão a proferir.

    VI. Conclusão

    105.

    Por conseguinte, em face do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Prim’Awla tal-Qorti Ċivili — Ġurisdizzjoni Kostituzzjonali (Primeira Secção do Tribunal Cível, Jurisdição Constitucional, Malta):

    1)

    O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é aplicável quando um órgão jurisdicional nacional aprecia a validade de um procedimento de nomeação dos juízes como o previsto na Constituição de Malta.

    2)

    O artigo 19.o, n.o 1, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, não se opõe a disposições constitucionais nacionais que estabelecem que o poder executivo, ou um dos seus membros, como o Primeiro Ministro, desempenha um papel no procedimento de nomeação dos membros da magistratura. Embora o artigo 19.o, n.o 1, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, não fixe ex ante as condições específicas de nomeação nem a natureza das garantias específicas de que gozam os juízes dos Estados‑Membros, exige, não obstante, que, no mínimo, estes juízes gozem de garantias de independência. Para efeitos do artigo 19.o TUE, importa que os juízes não estejam sujeitos a nenhum tipo de relação de subordinação ou de controlo hierárquico por parte quer do poder executivo quer do poder legislativo. Os juízes devem gozar de autonomia financeira em relação ao poder executivo e ao poder legislativo, para que as suas remunerações não sejam reduzidas (exceto pelo regime fiscal geralmente aplicável e pelas medidas proporcionadas de redução alarial geralmente aplicáveis) durante o seu mandato. É igualmente importante que gozem de proteção suficiente contra as destituições, exceto por justa causa, e o seu regime disciplinar deve incluir as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização desse regime como sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais.

    3)

    O procedimento de nomeação dos juízes não pode ser impugnado com base no artigo 19.o, n.o 1, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, em apoio de pedidos apresentados antes da data do acórdão a proferir.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) CDL‑AD(2018)028.

    ( 3 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.os 47 e 48).

    ( 4 ) V., neste sentido, Acórdãos de 26 de janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales (C‑118/08, EU:C:2010:39, n.o 23), e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, a seguir Acórdão AK, EU:C:2019:982, n.o 132).

    ( 5 ) V., neste sentido, em relação a uma ação declarativa, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 31 e jurisprudência referida).

    ( 6 ) N.o 45.

    ( 7 ) V., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 29); Independência do Supremo Tribunal, n.o 50; e de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 33).

    ( 8 ) V., neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal, n.o 52; de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos órgãos jurisdicionais de direito comum) (C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 102); AK, n.o 75; e de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 36).

    ( 9 ) V., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 40); Independência do Supremo Tribunal, n.o 51; AK, n.o 83; e de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 34).

    ( 10 ) V., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 100 e 101). V., igualmente, Krajeswki, M., e Ziółkowski, M., «EU judicial independence decentralized: A.K.», Common Market Law Review, vol. 57, 2020, 1107‑1138, em especial p. 1121.

    ( 11 ) V., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 36). V., igualmente, Badet, L., «À propos de l’article 19 du traité sur l’Union européenne, pierre angulaire de l’action de l’Union européenne pour la sauvegarde de l’État de droit», Cahiers de droit européen, 2020, 57‑106, em especial pp. 75 e 76.

    ( 12 ) V., neste sentido, Pauliat, H., «Abaissement de l’âge de la retraite des magistrats: une atteinte à l’indépendance de la justice reconnue en Pologne», La Semaine Juridique — Édition générale, n.o 29, 2019, 1424‑1428, em especial p. 1427.

    ( 13 ) V., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 35).

    ( 14 ) V., neste sentido, n.os 44 a 52, em comparação com o raciocínio desenvolvido pelo advogado‑geral M. Wathelet nos n.os 51 a 67 das suas Conclusões no processo Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:2). Isto foi recentemente confirmado com clareza pelo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito de recurso de pedidos de informações em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 55).

    ( 15 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.os 198 a 202, em especial n.o 201).

    ( 16 ) V. n.o 38 das presentes conclusões.

    ( 17 ) V., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 44); de 26 de julho de 2017, Sacko (C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 30); de 27 de setembro de 2017, Puškár (C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 58); e de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Proteção jurisdicional contra pedidos de informações em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 47).

    ( 18 ) V., neste sentido, Hofmann, H. Ch., «Article 47 — Specific Provisions (Meaning)», em Peers, S., Hervey, T., Kenner, J. e Ward, A. (E.), The EU Charter of Fundamental Rights — A Commentary, Hart Publishing, Londres, 2014, pp. 1197 a 1275, em especial n.o 47.50.

    ( 19 ) N.o 85. V., igualmente, García‑Valdecasas Dorrego, M.‑J., «El Tribunal de Justicia, centinela de la independencia judicial desde la sentencia Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP)», Revista Española de Derecho Europeo, vol. 72, 2019, pp. 75 a 96, em especial p. 86.

    ( 20 ) Acórdão Independência do Supremo Tribunal, n.o 54 (o sublinhado é meu). V., igualmente, a título de exemplo da utilização do artigo 47.o da Carta para efeitos da interpretação do artigo 19.o, n.o 1, TUE, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 40 e 41), e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Deficiências do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 53 conjugado com os n.os 50 e 52).

    ( 21 ) V., neste sentido, Badet, L., «À propos de l’article 19 du traité sur l’Union européenne, pierre angulaire de l’action de l’Union européenne pour la sauvegarde de l’État de droit», Cahiers de droit européen, 2020, pp. 57 a 106, em especial pp. 63, 64 e 72; Bonellli, M., e Claes, M., «Judicial serendipity: how Portuguese judges came to rescue of the Polish judiciary», European Constitutional Law Review, vol. 14, 2018, 622‑643, em especial p. 635.

    ( 22 ) V., neste sentido, jurisprudência referida na nota 17.

    ( 23 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.os 73 e 74 e jurisprudência do TEDH referida).

    ( 24 ) V., neste sentido, Acórdão AK, n.o 130 e jurisprudência do TEDH aí referida. V., relativamente a outra aplicação recente deste princípio, TEDH, 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 144, e TEDH, 1 de dezembro de 2020, Guðmundur Andri Ástráðsson c. Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, § 215.

    ( 25 ) Definição de «Conselho da Magistratura» dada no n.o 26 da Recomendação CM/Rec(2010)12 «Juízes: independência, eficiência e responsabilidades», adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa de 17 de novembro de 2010.

    ( 26 ) V., em geral, Caroll McNeill, J., The Politics of Judicial Selection in Ireland, Four Courts Press, Dublim, 2016.

    ( 27 ) V., igualmente, neste sentido, Bobek, M., e Kosař, D., «Global Solutions, Local Damages: A Critical Study in Judicial Councils in Central and Eastern Europe», German Law Journal, vol. 19, n.o 7, 2020, pp. 1257‑1292, em especial pp. 1267 e 1268.

    ( 28 ) V., neste sentido, Acórdão AK, n.o 133. V., igualmente, no mesmo sentido, mas em relação ao papel desempenhado pelas autoridades legislativas no procedimento de nomeação de um juiz, Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535, n.o 54).

    ( 29 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 75).

    ( 30 ) Isto também se tem verificado noutros sistemas jurídicos/judiciais. V., por exemplo, Caroll McNeill, J., The Politics of Judicial Selection in Ireland, Four Courts Press, Dublim, 2016, pp. 107 a 110. Em gerações anteriores, a política partidária desempenhava um papel enorme no sistema britânico de nomeações judiciais. Assim, escrevendo ao seu Lord Chancellor Halsbury em setembro de 1897, o então primeiro‑ministro britânico (Earl of Salisbury) falou abertamente do «direito não escrito do nosso sistema partidário […] em que as exigências dos partidos devem ter sempre uma grande influência na forma como são efetuadas as mais altas nomeações para cargos judiciais […] Talvez não seja um sistema ideal — sem dúvida, um dia os [juízes dos tribunais superiores] serão nomeados com base numa análise competitiva da jurisprudência, mas é o nosso sistema atual […]» (Heuston, R., Lives of the Lord Chancellors 1885‑1940, Oxford Clarendon Press, Oxford, 1964, p. 52).

    ( 31 ) Nos termos do artigo 56.o, n.o 2 da Constituição francesa, os antigos presidentes da República são membros vitalícios do Conseil Constitutionnel (Tribunal Constitucional).

    ( 32 ) Nos termos do artigo 34.o, n.os 1 e 2, da Special Law of 6 January 1989 on the Constitutional Court [Lei Especial de 6 de janeiro de 1989, Relativa ao Tribunal Constitucional], para serem nomeados para o Tribunal Constitucional, metade dos juízes devem ser antigos membros do Senado, da Câmara dos Representantes ou de um parlamento comunitário ou regional, durante pelo menos cinco anos.

    ( 33 ) Nos termos do § 94 da Grundgesetz (Lei Fundamental), metade dos membros do Tribunal Constitucional Federal são eleitos pelo Bundestag [Parlamento Federal alemão] e a outra metade pelo Bundesrat [Conselho Federal alemão]. Não podem ser membros do Bundestag, do Bundesrat, do Governo federal nem de nenhum dos órgãos correspondentes de um Land.

    ( 34 ) Nos termos do artigo 135.o da Constituição italiana, o Tribunal Constitucional é composto por quinze juízes, sendo um terço nomeado pelo presidente da República, um terço nomeado pelo Parlamento, em sessão ordinária, e um terço nomeado pela suprema magistratura ordinária e administrativa.

    ( 35 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587, n.os 49 a 52), e Acórdão AK (n.os 121 e 122 e jurisprudência referida).

    ( 36 ) N.o 133.

    ( 37 ) N.o 134.

    ( 38 ) V., neste sentido, n.o 135, que remete para o n.o 125 acima referido.

    ( 39 ) N.o 138.

    ( 40 ) N.o 111.

    ( 41 ) N.o 114.

    ( 42 ) N.o 116.

    ( 43 ) N.o 118.

    ( 44 ) V., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 75).

    ( 45 ) V., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 66); Independência do Supremo Tribunal, n.o 74; de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos órgãos jurisdicionais de direito comum) (C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 111); AK, n.o 123; de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 63); de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 71); e de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535, n.o 52). Quanto à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, v. acórdãos de 18 de outubro de 2018, Thiam c. França, CE:ECHR:2018:1018JUD008001812, § 59, e 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 144.

    ( 46 ) Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 48). V., igualmente, neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal, n.o 58; de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos órgãos jurisdicionais de direito comum) (C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 106); AK, n.o 120; e de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 71).

    ( 47 ) V., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 45 a 51).

    ( 48 ) V., neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal, n.o 76, e de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.os 58 a 60).

    ( 49 ) V., por analogia, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal, n.o 114; TEDH, 23 de junho de 2016, Baka c. Hungria, CE:ECHR:2016:0623JUD002026112, § 121; e TEDH, 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, §§ 212 a 214.

    ( 50 ) V., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 67).

    ( 51 ) N.o 111.

    ( 52 ) V., neste sentido, Acórdão AK, n.o 134.

    ( 53 ) V. TEDH, 1 de dezembro de 2020, Guðmundur Andri Ástráðsson c. Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418.

    ( 54 ) TEDH, 1 de dezembro de 2020, Guðmundur Andri Ástráðsson c. Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 254 e 263 a 267. Para ser exaustivo, refira‑se que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também concluiu que o Parlamento tinha violado as regras de votação aplicáveis ao procedimento de nomeação em causa (v. § 271).

    ( 55 ) V. artigo 97.o, n.os 1 e 2, da Constituição, quanto aos juízes das instâncias superiores, e artigo 100.o, n.os 3 e 4, da Constituição, quanto aos juízes das instâncias inferiores.

    ( 56 ) V. artigo 101.o‑B, n.os 1 e 15, da Constituição.

    ( 57 ) V., por exemplo, § 97, n.o 1, da Lei Fundamental alemã de 1949, artigo 104.o, n.o 1, da Constituição italiana, artigo 203.o da Constituição portuguesa e artigo 35.4.1 da Constituição irlandesa de 1937.

    ( 58 ) Parecer n.o 940/2018, n.o 43.

    ( 59 ) Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.o 170).

    ( 60 ) Parecer n.o 940/2018, n.o 44.

    ( 61 ) V., neste sentido, Bartole, S., «Final remarks: the role of the Venice Commission», Review of Central and East European Law, vol. 3, 2000, pp. 351 a 363, em especial p. 355.

    ( 62 ) Parecer n.o 940/2018, n.o 30.

    ( 63 ) V. artigo 96.o, n.o 4, da Constituição, quanto aos juízes das instâncias superiores, e artigo 100.o, n.o 6, da Constituição, quanto aos juízes das instâncias inferiores.

    ( 64 ) Nos termos do artigo 96.o‑A, n.o 8, da Constituição, o Comité de Nomeações Judiciais «adota o seu próprio Regulamento Processual e está obrigado a publicar, com o consentimento do Ministro da Justiça, os critérios em que as suas avaliações se baseiam». Estes critérios estão disponíveis no sítio Internet do Ministro da Justiça (https://justice.gov.mt/en/justice/Pages/criteria‑for‑appointment‑to‑the‑judiciary.aspx).

    ( 65 ) V. artigo 96.o, n.o 2, da Constituição, quanto aos juízes das instâncias superiores, e artigo 100.o, n.o 2, da Constituição, quanto aos juízes das instâncias inferiores.

    ( 66 ) V., neste sentido, Acórdãos de 14 de abril de 2015, Manea (C‑76/14, EU:C:2015:216, n.o 53 e jurisprudência referida), e de 23 de abril de 2020, Herst (C‑401/18, EU:C:2020:295, n.o 54).

    ( 67 ) V., neste sentido, Acórdãos de 14 de abril de 2015, Manea (C‑76/14, EU:C:2015:216, n.o 54), e de 23 de abril de 2020, Herst (C‑401/18, EU:C:2020:295, n.o 56).

    ( 68 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, EU:C:2007:132, n.o 36), e de 23 de abril de 2020, Herst (C‑401/18, EU:C:2020:295, n.o 57).

    ( 69 ) Artigo 49.o TUE.

    ( 70 ) Conclusões da Presidência, Conselho Europeu de Copenhaga (21 e 22 de junho de 1993).

    ( 71 ) V., neste sentido, Lazarova‑Déchaux, G., «L’exigence de qualité de la justice dans la nouvelle stratégie d’élargissement de l’Union européenne», Revue du droit public, n.o 3, 2015, pp. 729 a 759, em especial pp. 731 e 737; Bobek, M., e Kosař, D., «Global Solutions, Local Damages: A Critical Study in Judicial Councils in Central and Eastern Europe», German Law Journal, vol. 19, n.o 7, 2020, pp. 1257 a 1292, em especial p. 1275. O requisito de «instituições democráticas e poderes judiciais […] independentes» consta claramente da Agenda da Comissão de 2000 — Vol. I: Para uma União reforçada e alargada» [COM(2000) 97 final] (p. 43 da versão inglesa; o sublinhado é meu).

    ( 72 ) SWD(2019) 1017 final.

    ( 73 ) V., neste sentido, título 3.4.3., «Governação/Qualidade das instituições», p. 40.

    ( 74 ) Observo igualmente que, no capítulo relativo a Malta do Relatório de 2020 sobre o Estado de Direito — Situação do Estado de Direito na União Europeia, a Comissão declara, a propósito do sistema judicial de Malta, que o Governo maltês apresentou uma série de propostas de reforma, incluindo em relação ao sistema de nomeação judiciais, que contribuem para reforçar a independência judicial [Relatório de 2020 sobre o Estado de Direito — Capítulo relativo ao Estado de Direito em Malta, SWD(2020) 317 final, p. 2].

    ( 75 ) V., neste sentido, quanto ao impacto da inexistência de ação por incumprimento do direito da União quando da avaliação da boa‑fé de um Estado‑Membro, Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56, n.o 73).

    ( 76 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 28), e de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 52 e jurisprudência referida).

    Top