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Document 62016CJ0268

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 20 de dezembro de 2017.
    Binca Seafoods GmbH contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regulamento (CE) n.o 834/2007 — Produção e rotulagem dos produtos biológicos — Regulamento (CE) n.o 889/2008 — Regulamento de Execução (UE) n.o 1358/2014 — Interesse em agir — Conceito de “benefício pessoal”.
    Processo C-268/16 P.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:1001

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    20 de dezembro de 2017 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regulamento (CE) n.o 834/2007 — Produção e rotulagem dos produtos biológicos — Regulamento (CE) n.o 889/2008 — Regulamento de Execução (UE) n.o 1358/2014 — Interesse em agir — Conceito de “benefício pessoal”»

    No processo C‑268/16 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 13 de maio de 2016,

    Binca Seafoods GmbH, com sede em Munique (Alemanha), representada por H. Schmidt, Rechtsanwalt,

    recorrente,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada por A. Lewis, G. von Rintelen e K. Walkerová, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász (relator), K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

    advogado‑geral: M. Bobek,

    secretário: K. Malacek, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 29 de março de 2017,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de junho de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, a Binca Seafoods GmbH (a seguir «Binca») pede a anulação do despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 11 de março de 2016, Binca Seafoods/Comissão (T‑94/15, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2016:164), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso de anulação do Regulamento de Execução (UE) n.o 1358/2014 da Comissão, de 18 de dezembro de 2014, que altera o Regulamento (CE) n.o 889/2008 que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 834/2007 do Conselho no respeitante à origem dos animais de aquicultura utilizados na produção biológica, às práticas de produção aquícola, aos alimentos para animais de aquicultura utilizados na produção biológica e aos produtos e substâncias que podem ser utilizados na aquicultura biológica (JO 2014, L 365, p. 97, a seguir «regulamento controvertido»).

    Quadro jurídico

    Regulamento de base

    2

    O Regulamento (CE) n.o 834/2007 do Conselho, de 28 de junho de 2007, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 2092/91 (JO 2007, L 189, p. 1, a seguir «regulamento de base»), dispõe, no seu artigo 1.o:

    «1.   O presente regulamento constitui a base para o desenvolvimento sustentável da produção biológica, garantindo simultaneamente o funcionamento eficaz do mercado interno, assegurando a concorrência leal, garantindo a confiança dos consumidores e protegendo os seus interesses.

    O presente regulamento estabelece os objetivos e princípios comuns destinados a estear as regras nele definidas relativamente:

    a)

    A todas as fases da produção, preparação e distribuição dos produtos biológicos e ao seu controlo;

    […]

    2.   O presente regulamento é aplicável aos seguintes produtos da agricultura, incluindo a aquicultura, sempre que sejam colocados no mercado ou a tal se destinem:

    a)

    Produtos agrícolas vivos ou não transformados;

    b)

    Produtos agrícolas transformados destinados a serem utilizados como géneros alimentícios;

    c)

    Alimentos para animais;

    d)

    Material de propagação vegetativa e sementes.

    Os produtos da caça e da pesca de animais selvagens não são considerados produção biológica.

    […]»

    3

    O artigo 2.o do regulamento de base enuncia:

    «Para efeitos do disposto no presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    “Produção biológica”, a utilização do método de produção conforme com as regras estabelecidas no presente regulamento em todas as fases da produção, preparação e distribuição;

    […]

    d)

    “Operador”, a pessoa singular ou coletiva responsável pelo cumprimento dos requisitos do presente regulamento dentro da empresa biológica sob o seu controlo;

    […]»

    4

    O artigo 15.o do regulamento de base, que prevê as regras aplicáveis à produção aquícola, tem a seguinte redação:

    «1.   Para além das regras gerais de produção agrícola estabelecidas no artigo 11.o, são aplicáveis à produção aquícola as seguintes regras:

    a)

    Quanto à origem dos animais de aquicultura:

    i)

    A aquicultura biológica baseia‑se na criação de populações de juvenis originárias de reprodutores biológicos e de explorações biológicas;

    ii)

    Quando não estiverem disponíveis populações de juvenis originárias de reprodutores biológicos ou de explorações biológicas, podem ser introduzidos numa exploração animais de criação não biológica, em condições específicas;

    […]

    c)

    Quanto à reprodução:

    […]

    iii)

    São estabelecidas condições próprias a cada espécie para a gestão dos reprodutores, a reprodução e a produção de juvenis;

    […]»

    5

    O artigo 38.o do regulamento de base habilita a Comissão Europeia a adotar as normas de execução deste regulamento.

    6

    Nos termos do seu artigo 42.o, o regulamento de base é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2009.

    Regulamento de execução

    7

    Na sua versão inicial, o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 889/2008 da Comissão, de 5 de setembro de 2008, que estabelece normas de execução do Regulamento n.o 834/2007 no que respeita à produção biológica, à rotulagem e ao controlo (JO 2008, L 250, p. 1, a seguir «regulamento de execução»), aplicável a partir de 1 de janeiro de 2009 por força do seu artigo 97.o, excluía do seu âmbito de aplicação os produtos da aquicultura.

    Primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução

    8

    Com o Regulamento (CE) n.o 710/2009 da Comissão, de 5 de agosto de 2009 (JO 2009, L 204, p. 15, a seguir «primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução»), a aplicação do regulamento de execução foi alargada a certos animais de aquicultura e foram aditadas ao regulamento de execução normas de produção específicas para os produtos da aquicultura.

    9

    O primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução inseriu, no título II do regulamento de execução, um capítulo 2‑A, intitulado «Produção aquícola de animais». Na secção 2 do referido capítulo, relativa à origem dos animais de aquicultura, o artigo 25.o‑E enunciou as condições em que os animais de aquicultura de produção não biológica podiam ser introduzidos numa exploração.

    10

    Na sua versão inicial, decorrente do primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução, o artigo 25.o‑E dispunha:

    «1.   Para fins de reprodução ou de melhora do património genético, e em caso de indisponibilidade de animais de aquicultura de criação biológica, podem ser introduzidos na exploração animais selvagens capturados ou animais de criação não biológica. Estes animais devem ser mantidos num regime de gestão biológica durante, pelo menos, os três meses que precedem a sua utilização para reprodução.

    2.   Para fins de engorda e sempre que não estejam disponíveis juvenis de aquicultura biológica, podem ser introduzidos na exploração juvenis da aquicultura não biológica. Os dois últimos terços, pelo menos, da duração do ciclo de produção são geridos segundo métodos de gestão biológica.

    3.   A percentagem máxima de juvenis da aquicultura não biológica introduzidos na exploração é a seguinte: 80% até 31 de dezembro de 2011, 50% até 31 de dezembro de 2013 e 0% até 31 de dezembro de 2015.

    4.   Para fins de engorda, a colheita de juvenis de aquicultura selvagens é limitada especificamente aos casos seguintes:

    a)

    Afluência natural de larvas e juvenis de peixes ou de crustáceos durante o enchimento das lagoas, dos sistemas de produção e dos tanques;

    b)

    Enguia‑de‑vidro europeia, desde que exista um plano de gestão da enguia aprovado para esse local e enquanto não for resolvido o problema da reprodução artificial da enguia.»

    11

    O artigo 25.o‑I, com a epígrafe «Proibição de hormonas», inserido na secção 4, consagrada à reprodução, do capítulo 2‑A do título II do regulamento de execução pelo primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução dispõe:

    «É proibida a utilização de hormonas e derivados de hormonas.»

    12

    O artigo 25.o‑K, com a epígrafe «Regras específicas em matéria de alimentos para animais carnívoros de aquicultura», introduzido no regulamento de execução pelo primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução, tem, na sua versão decorrente do Regulamento de Execução (UE) n.o 505/2012 da Comissão, de 14 de junho de 2012, que altera e corrige o Regulamento n.o 889/2008 (JO 2012, L 154, p. 12), a seguinte redação:

    «1.   Os alimentos para os animais carnívoros de aquicultura devem ser obtidos de acordo com as seguintes prioridades:

    a)

    Produtos alimentares biológicos da aquicultura;

    b)

    Farinha e óleo de peixe provenientes de aparas de peixe da aquicultura biológica;

    c)

    Farinha e óleo de peixe e ingredientes derivados de peixe provenientes de aparas de peixe já capturado para o consumo humano numa pesca sustentável;

    d)

    Produtos biológicos para a alimentação animal de origem vegetal ou animal.

    […]

    3.   Os alimentos podem compreender um máximo de 60% de produtos vegetais biológicos.

    4.   A astaxantina deriva[da] principalmente de fontes biológicas, como as cascas de crustáceos biológicos, pode ser utilizada nos alimentos para salmões e trutas, dentro dos limites das suas necessidades fisiológicas. Caso não se disponha de fontes biológicas, poderão ser utilizadas fontes naturais de astaxantina (por exemplo, leveduras do Género Phaffia).»

    13

    Nos termos do seu artigo 2.o, o primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução era aplicável a partir de 1 de julho de 2010.

    14

    Todavia, o primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução aditou ao artigo 95.o do regulamento de execução o número seguinte:

    «11.   A autoridade competente pode autorizar, durante um período que expira em 1 de julho de 2013, que as unidades de produção de animais de aquicultura e de algas marinhas que estejam instaladas e produzam de acordo com regras de produção biológica aceites a nível nacional antes da entrada em vigor do presente regulamento mantenham o seu estatuto de produção biológica enquanto se adaptam às regras previstas no presente regulamento, desde que não provoquem uma poluição indevida das águas com substâncias não autorizadas na produção biológica. Os operadores que beneficiem desta medida comunicam à autoridade competente as instalações, lagoas, tanques, jaulas ou lotes de algas marinhas em causa.»

    15

    O artigo 2.o, primeiro parágrafo, do primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução dispunha:

    «O presente regulamento pode ser revisto com base em propostas relevantes dos Estados‑Membros, acompanhadas de uma justificação devidamente fundamentada, com vista à alteração do presente regulamento a partir de 1 de julho de 2013.»

    Segundo regulamento de alteração do regulamento de execução

    16

    Com o Regulamento de Execução (UE) n.o 1030/2013 da Comissão, de 24 de outubro de 2013 (JO 2013, L 283, p. 15, a seguir «segundo regulamento de alteração do regulamento de execução»), a data de termo do período transitório durante o qual o primeiro regulamento de alteração do regulamento de execução não podia ser revisto (a seguir «período transitório»), que tinha sido fixada em 1 de julho de 2013 pelo artigo 95.o, n.o 11, do regulamento de execução, foi substituída pela data de 1 de janeiro de 2015.

    Terceiro regulamento de alteração do regulamento de execução

    17

    O Regulamento de Execução (UE) n.o 1364/2013 da Comissão, de 17 de dezembro de 2013, que altera o [regulamento de execução] no que respeita à utilização, na aquicultura biológica, de juvenis de aquicultura não biológica e de sementes de moluscos bivalves de produção não biológica (JO 2013, L 343, p. 29, a seguir «terceiro regulamento de alteração do regulamento de execução»), alterou o artigo 25.o‑E, n.o 3, do regulamento de execução.

    18

    O período durante o qual a percentagem de juvenis provenientes da aquicultura não biológica introduzidos na exploração pode ser superior a 50% foi prorrogado até 31 de dezembro de 2014.

    19

    A data em que a percentagem deverá ser de 0%, fixada em 31 de dezembro de 2015, não foi alterada.

    Regulamento controvertido

    20

    O artigo 1.o, ponto 1, do regulamento controvertido substituiu o artigo 25.o‑E, n.o 4, do regulamento de execução, do seguinte modo:

    «4.   Para fins de engorda, a colheita de juvenis selvagens para aquicultura é limitada especificamente aos casos seguintes:

    a)

    afluência natural de larvas e juvenis de peixes ou de crustáceos durante o enchimento das lagoas, dos sistemas de confinamento e dos tanques;

    b)

    meixão, desde que exista um plano de gestão da enguia aprovado para o local em causa e enquanto não for resolvido o problema da reprodução artificial da enguia;

    c)

    colheita de alevins selvagens de espécies diferentes da enguia‑europeia para fins de engorda em explorações de aquicultura tradicional extensiva em zonas húmidas, nomeadamente lagoas de água salobra, zonas entre marés e lagunas costeiras, fechadas por diques e motas, desde que:

    i)

    o repovoamento esteja em sintonia com medidas de gestão aprovadas pelas autoridades competentes encarregadas da gestão das unidades populacionais em causa, a fim de assegurar a exploração sustentável das espécies em causa, e

    ii)

    os peixes sejam alimentados exclusivamente com alimentos naturalmente disponíveis no ambiente.»

    21

    Os considerandos 3 e 4 deste regulamento justificaram os aditamentos ao artigo 25.o‑E, n.o 4, do regulamento de execução, do seguinte modo:

    «(3)

    Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, alínea a), subalínea ii), do [regulamento de base], quando não estiverem disponíveis populações de juvenis originárias de reprodutores biológicos ou de explorações biológicas, podem ser introduzidos numa exploração animais de criação não biológica, em condições específicas. O [regulamento de execução] estabelece restrições específicas para os animais de aquicultura capturados em meio selvagem, incluindo a colheita de juvenis selvagens para aquicultura. Algumas das práticas tradicionais de piscicultura extensiva em zonas húmidas, nomeadamente lagoas de água salobra, zonas entre marés e lagunas costeiras, fechadas por diques e motas, existem desde há séculos e são valiosas para as comunidades locais em termos de património cultural, de conservação da biodiversidade e na perspetiva económica. Em certas condições, essas práticas não afetam o estado das unidades populacionais das espécies em causa.

    (4)

    Por conseguinte, considera‑se que a colheita de alevins selvagens para fins de engorda nessas práticas tradicionais de aquicultura é conforme com os objetivos, critérios e princípios da produção aquícola biológica, desde que estejam em vigor medidas de gestão aprovadas pela autoridade competente encarregada da gestão das unidades populacionais em causa para assegurar a exploração sustentável das espécies em causa, que o repovoamento seja conforme com essas medidas e que os peixes sejam alimentados exclusivamente com alimentos naturalmente disponíveis no ambiente.»

    22

    O artigo 1.o, ponto 3, do regulamento controvertido completou o artigo 25.o‑K, n.o 1, do regulamento de execução, do seguinte modo:

    «e) produtos alimentares derivados de peixes inteiros capturados em pescarias sustentáveis certificadas ao abrigo de um regime reconhecido pela autoridade competente em conformidade com os princípios estabelecidos no Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO 2013, L 354, p. 22)]».

    23

    O artigo 1.o, ponto 5, do regulamento controvertido também aditou no artigo 25.o‑K do regulamento de execução um novo número com a seguinte redação:

    «5.   A histidina produzida através da fermentação pode ser utilizada na ração alimentar dos salmonídeos quando os alimentos enumerados no n.o 1 não fornecerem quantidades de histidina suficientes para satisfazer as necessidades nutricionais do peixe e evitar a formação de cataratas.»

    Antecedentes do litígio

    24

    A Binca, sociedade de direito alemão que beneficia da certificação ecológica, importa para a Alemanha um peixe denominado pangasius, produzido no Vietname numa exploração de aquicultura com o nome de «Binca Organic Farm», no âmbito da aquicultura biológica, e depois vende‑o a parceiros comerciais estabelecidos na Alemanha, na Áustria e nos países escandinavos.

    25

    A Binca compra os pangasius congelados, por intermédio de uma empresa estabelecida no Vietname (a seguir «intermediário»), cotada na bolsa e que beneficia da certificação ecológica, que procede à transformação e à congelação dos peixes de aquicultura e fatura a mercadoria fornecida à Binca, atuando como explorador.

    26

    A Binca adquire diretamente os alimentos para os peixes que fornece ao intermediário e deduz o respetivo montante do preço de compra pago a este.

    27

    Por carta dirigida à Comissão em setembro de 2014, a Binca propôs alterações ao regulamento de execução, designadamente ao artigo 25.o‑E, n.o 3, conforme alterado pelo terceiro regulamento de alteração do regulamento de execução, com vista a prorrogar, até 2021, a possibilidade de introduzir nas explorações juvenis de aquicultura não biológica.

    28

    Por carta de 15 de outubro de 2014, a Comissão informou a Binca de que estava em curso o processo de alteração do regulamento de execução e que seria tida em conta a posição dos Estados‑Membros e de todas as partes interessadas.

    29

    O regulamento controvertido foi aprovado em 18 de dezembro de 2014.

    30

    Por carta de 18 de fevereiro de 2015, a Binca solicitou à Comissão, ao abrigo do artigo 265.o TFUE, a prorrogação, até 1 de janeiro de 2018, do período transitório previsto no artigo 95.o, n.o 11, do regulamento de execução, relativamente ao pangasius produzido no Vietname.

    Tramitação no Tribunal Geral e despacho recorrido

    31

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de fevereiro de 2015, a Binca interpôs recurso de anulação do regulamento controvertido. Alegou que tinha sido objeto de discriminação, uma vez que, no regulamento controvertido, a Comissão tinha previsto medidas transitórias e regras derrogatórias específicas para outras aquiculturas biológicas que não a sua. Este regulamento beneficiava assim os seus concorrentes, mas não previa nenhuma medida transitória e derrogatória de que ela pudesse tirar proveito. Segundo a Binca, tais medidas transitórias e derrogatórias diziam especialmente respeito à origem dos animais juvenis.

    32

    A Binca referiu que outros operadores económicos podiam continuar a utilizar o rótulo «bio» em determinadas condições, que, no entanto, não lhe eram oferecidas. A este respeito, invocou expressamente, no seu recurso, uma desigualdade de tratamento na produção de peixe entre o delta do Mecom (Vietname) e as zonas de água salobra situadas na Europa.

    33

    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de maio de 2015, a Comissão aduziu uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991.

    34

    No despacho recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso da Binca, com o fundamento de que esta não tinha interesse em agir para pedir a anulação do regulamento controvertido.

    Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

    35

    Com o presente recurso, a Binca pede ao Tribunal de Justiça que:

    anule o despacho recorrido e

    anule o regulamento controvertido.

    36

    A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

    negue provimento ao recurso e

    condene a Binca nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    37

    Em apoio do seu recurso, a Binca invoca, em substância, cinco fundamentos, relativos, o primeiro, à não tomada em consideração dos argumentos relativos à proteção da concorrência e à não declaração de uma violação do princípio da igualdade de tratamento; o segundo, à violação do direito a um recurso efetivo; o terceiro, à violação do direito de ser ouvido equitativamente e do dever de fundamentação; o quarto, à violação do direito a uma audiência pública; e, o quinto, à violação da liberdade de empresa.

    Argumentação das partes

    38

    Com o seu primeiro fundamento, a Binca critica o Tribunal Geral por ter feito uma avaliação que conduziu a uma requalificação errada do seu recurso. Apesar de ela ter denunciado uma discriminação em relação aos concorrentes que podiam manter o rótulo «bio» devido a uma prorrogação arbitrária e seletiva do período transitório, o Tribunal Geral tratou esse recurso como destinado unicamente a obter a prorrogação do período transitório.

    39

    A Comissão alega que a fundamentação do despacho recorrido assenta principalmente, e com razão, no interesse da Binca em pedir a anulação do regulamento controvertido com vista a poder continuar a comercializar o pangasius com o rótulo «bio», uma vez que a sua petição tinha expressamente definido como objetivo do recurso a prorrogação do período transitório previsto no artigo 95.o, n.o 11, do regulamento de execução. Este objetivo era também prosseguido pelas diligências extrajudiciais empreendidas pela Binca e evocadas no despacho recorrido.

    40

    Além disso, segundo a Comissão, a Binca não se encontra nas mesmas condições de concorrência que os destinatários do regulamento controvertido que são os responsáveis de explorações de aquicultura, uma vez que a sua atividade é a importação de pangasius enquanto produto biológico.

    41

    A Comissão acrescenta que a Binca não apresentou nenhum elemento convincente suscetível de justificar que existe uma relação de concorrência entre ela e os outros produtores de peixe de aquicultura biológica. Consequentemente, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao não examinar mais em pormenor os argumentos da Binca relativos à proteção da concorrência.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    42

    A título preliminar, importa declarar que o Tribunal Geral, na fase do exame da admissibilidade do recurso que lhe foi submetido, abordou esse recurso como destinado unicamente à prorrogação, a favor da Binca, do período transitório previsto no artigo 95.o, n.o 11, do regulamento de execução. Dado que o regulamento controvertido não alterou esse período transitório, o Tribunal Geral considerou, no despacho recorrido, que a anulação desse despacho não alterava o quadro jurídico aplicável. Sem examinar as outras condições de admissibilidade do recurso, o Tribunal Geral concluiu, por conseguinte, no n.o 73 do despacho recorrido, que a Binca não tinha interesse em agir para pedir a anulação do regulamento controvertido e que, por isso, o seu recurso era inadmissível.

    43

    Com o presente recurso, a Binca alega que, no âmbito do exame da admissibilidade do seu recurso no Tribunal Geral, este devia ter declarado que esse recurso denunciava uma desigualdade de tratamento introduzida pelo regulamento controvertido, cuja aplicação conduzia a uma concorrência falseada.

    44

    Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato possa, por si só, produzir consequências jurídicas e que, assim, o resultado do recurso possa proporcionar um benefício à parte que o interpôs (acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 25; de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55; e despacho de 6 de abril de 2017, Proforec/Comissão, C‑176/16 P, não publicado, EU:C:2017:290, n.o 32).

    45

    Segundo essa jurisprudência, cabe ao recorrente fazer prova do seu interesse em agir, que constitui a condição essencial e primeira de qualquer ação judicial (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 58). Em especial, para que um recurso de anulação de um ato, apresentado por uma pessoa singular ou coletiva, seja admissível, o recorrente deve justificar de forma pertinente o interesse que tem para ele a anulação desse ato (acórdão de4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.os 26 a 28, e despacho de 6 de abril de 2017, Proforec/Comissão, C‑176/16 P, não publicado, EU:C:2017:290, n.os 33 e 34).

    46

    No caso em apreço, resulta dos n.os 60 e 62 do despacho recorrido que, no Tribunal Geral, a Binca alegou que o regulamento controvertido permitia a alguns dos seus concorrentes, mas não a ela, prosseguirem a comercialização dos respetivos produtos com o rótulo «bio» e que, na medida em que já não podia vender o pangasius com esse rótulo, a escolha dos consumidores recairia sobre peixes de outras espécies de aquicultura biológica. Por conseguinte, a Binca sustentou que, no caso de anulação do regulamento controvertido, poderia manter os seus clientes porquanto os seus concorrentes também deixariam de ter autorização para utilizar o rótulo «bio».

    47

    Resulta também do n.o 70 do despacho recorrido que a Binca alegou no Tribunal Geral que, com o seu recurso de anulação, lhe parecia possível obter condições equitativas e iguais entre ela e outros produtores de peixe de aquicultura biológica, de maneira que estes não pudessem, como ela, continuar a utilizar o rótulo «bio» no mercado.

    48

    Daqui decorre que a Binca sustentou no Tribunal Geral que tinha interesse em pedir a anulação do regulamento controvertido, porque tal anulação era suscetível de sanar a desigualdade de tratamento que esse regulamento havia criado entre ela e outros produtores de peixe de aquicultura biológica, e não unicamente porque o regulamento controvertido não prorrogava o período transitório previsto no artigo 95.o, n.o 11, do regulamento de execução.

    49

    Além disso, como resulta do n.o 69 do despacho recorrido, a Binca admitiu no Tribunal Geral que, com o seu recurso, não poderia beneficiar de uma prorrogação do período transitório previsto no artigo 95.o, n.o 11, do regulamento de execução, conforme alterado pelo segundo regulamento de alteração do regulamento de execução, mas sustentou que seria possível pôr termo à discriminação de que era vítima, privando os outros produtores de peixe de aquicultura biológica da utilização do rótulo «bio».

    50

    Nestas condições, o Tribunal Geral, ao entender erradamente que o recurso que lhe foi submetido pela Binca se destinava à anulação do regulamento controvertido unicamente pelo facto de este não prorrogar o referido período transitório, o que levou a uma requalificação errada do recurso, cometeu um erro de direito.

    51

    Consequentemente, há que anular o despacho recorrido, sem que seja necessário examinar os demais fundamentos invocados pela Binca.

    Quanto ao recurso no Tribunal Geral

    52

    Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

    53

    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a questão de saber se a Binca tinha interesse em agir.

    54

    A este respeito, saliente‑se, antes de mais, que, na sua petição inicial em primeira instância, a Binca sustentou que o regulamento controvertido devia ser anulado em razão de uma desigualdade de tratamento arbitrária entre as diferentes aquiculturas biológicas e que essa anulação permitiria pôr termo à discriminação e forçar a Comissão a tomar uma decisão não discriminatória acerca das medidas transitórias. Nessa petição, a Binca precisou, quanto à origem dos animais juvenis, que a alteração do artigo 25.o‑E, n.o 4, do regulamento de execução pelo artigo 1.o, n.o 1, do regulamento controvertido implicava uma desigualdade de tratamento entre a aquicultura praticada no delta do Mecom e a praticada nas zonas de água salobra na Europa.

    55

    Nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade aduzida pela Comissão no Tribunal Geral, a Binca especificou ainda que os produtores de salmão e de truta biológicos foram favorecidos por duas derrogações decorrentes, a primeira, do artigo 25.o‑K, n.o 1, alínea e), do regulamento de execução, introduzida pelo artigo 1.o, ponto 3, do regulamento controvertido, e, a segunda, do artigo 25.o‑K, n.o 5, do regulamento de execução, introduzida pelo artigo 1.o, ponto 5, do regulamento controvertido, que permitem, respetivamente, a utilização de peixes inteiros como fonte de alimentação dos animais carnívoros e a adição de histidina para garantir as necessidades alimentares dos salmonídeos.

    56

    Como salientou o advogado‑geral nos n.os 69 a 73 das suas conclusões, uma vez que os argumentos específicos relativos ao artigo 1.o, pontos 3 e 5, do regulamento controvertido, que aditaram, respetivamente, a alínea e) do artigo 25.o‑K, n.o 1, e o n.o 5 do artigo 25.o‑K do regulamento de execução, não foram apresentados pela Binca na sua petição em primeira instância, não podem ser tidos em conta para verificar se a Binca tinha interesse em pedir a anulação do regulamento controvertido. Com efeito, resulta das disposições do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 44.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991 (atual artigo 76.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 23 de abril de 2015) que a petição apresentada em primeira instância deve, designadamente, conter o objeto do litígio e uma exposição sumária dos fundamentos invocados.

    57

    Em contrapartida, quanto à questão de saber se a Binca tinha interesse em agir para pedir a anulação do artigo 1.o, ponto 1, do regulamento controvertido, que alterou o artigo 25.o‑E, n.o 4, do regulamento de execução, a Comissão salienta, por um lado, que esta sociedade, na medida em que tem apenas a qualidade de importador de peixe, não se encontra em concorrência com os produtores pretensamente favorecidos pelo regulamento controvertido e, por outro, que o pangasius não está em concorrência com os outros tipos de peixes aos quais, segundo a Binca, o regulamento controvertido confere um tratamento privilegiado.

    58

    Todavia, em primeiro lugar, como decorre dos n.os 25 e 26 do presente acórdão, o papel da Binca na cadeia de abastecimento do pangasius biológico proveniente do Vietname é mais amplo e mais complexo do que o de um importador clássico. Em todo o caso, dado que as exigências em matéria de rotulagem biológica a que estão sujeitos os importadores de produtos de aquicultura biológica incluem as exigências de produção impostas pelo regulamento controvertido, o que foi admitido pela Comissão na audiência no Tribunal de Justiça, não se pode considerar, no caso em apreço, que só os produtores de peixe são suscetíveis de ter interesse na anulação do regulamento controvertido.

    59

    Em segundo lugar, não cabe ao Tribunal de Justiça, na fase do exame da admissibilidade, pronunciar‑se definitivamente sobre a existência de uma relação de concorrência entre a Binca e os produtores de peixe pretensamente favorecidos pelo regulamento controvertido ou entre o pangasius biológico e os outros peixes de aquicultura biológica, para estabelecer o interesse em agir da Binca (v., por analogia, acórdão de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, EU:C:1986:42, n.o 28). No caso em apreço, basta verificar que a Binca justificou de forma pertinente o interesse que tem na anulação do regulamento controvertido.

    60

    A este respeito, a Binca não só sustentou no Tribunal Geral que beneficiaria com a anulação do artigo 1.o, ponto 1, do regulamento controvertido, que alterou o artigo 25.o‑E, n.o 4, do regulamento de execução, mas também explicou de que maneira essa alteração introduzida pelo regulamento controvertido conferia vantagens a alguns dos outros produtores de peixe de aquicultura biológica e acarretava para ela consequências comerciais negativas.

    61

    No âmbito desta argumentação, a Binca também referiu que, em razão das condições específicas naturais da produção aquícola no delta do Mecom, a exploração que abastecia a Binca não podia beneficiar, contrariamente às explorações situadas nas águas europeias, do artigo 25.o‑E, n.o 4, alínea c), do regulamento de execução, na sua versão decorrente do artigo 1.o, ponto 1, do regulamento controvertido.

    62

    A este respeito, há que salientar, como resulta do n.o 87 das conclusões do advogado‑geral, que, segundo os considerandos 3 e 4 do regulamento controvertido, as exceções previstas no artigo 25.o‑E, n.o 4, do regulamento de execução visam facilitar a produção de peixe biológico em curso, que, de outro modo, seria interrompida. A anulação pedida pela Binca levaria, portanto, a eliminar essas exceções e tornaria mais difícil, se não impossível, a produção biológica, pelos outros produtores, de determinados tipos de peixe, na aceção do regulamento de base, do regulamento de execução e dos regulamentos de alteração do regulamento de execução.

    63

    Por conseguinte, há que considerar que a Binca justificou suficientemente o seu interesse em agir, ao invocar de forma pertinente, no Tribunal Geral, os efeitos negativos que teriam para ela as disposições do regulamento controvertido visadas pelo seu recurso de anulação, bem como o benefício suscetível de resultar, para ela, da anulação dessas disposições. Na fase do exame da admissibilidade do recurso interposto no Tribunal Geral, esse benefício deve ser reconhecido independentemente da circunstância de o Tribunal Geral, em resultado do processo perante ele, anular ou não a disposição em causa.

    64

    Daqui se conclui que a Binca tinha interesse em agir.

    65

    No entanto, saliente‑se que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos suficientes para se pronunciar quer sobre os outros argumentos desenvolvidos na exceção de inadmissibilidade aduzida pela Comissão contra o recurso de anulação da Binca quer sobre o mérito do litígio.

    66

    Consequentemente, há que remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    O despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 11 de março de 2016, Binca Seafoods/Comissão (T‑94/15, não publicado, EU:T:2016:164), é anulado.

     

    2)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

     

    3)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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