Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62015CC0596

    Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 25 de abril de 2017.
    Bionorica SE e Diapharm GmbH & Co. KG contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Saúde pública — Proteção dos consumidores — Regulamento (CE) n.o 1924/2006 — Alegações de saúde sobre os alimentos — Artigo 13.o, n.o 3 — Lista das alegações de saúde autorizadas sobre os alimentos — Substâncias botânicas — Alegações de saúde suspensas — Ação por omissão — Artigo 265.o TFUE — Tomada de posição da Comissão Europeia — Interesse em agir — Legitimidade.
    Processos apensos C-596/15 P e C-597/15 P.

    Court reports – general ; Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:297

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MICHAL BOBEK

    apresentadas em 25 de abril de 2017 ( 1 )

    Processos apensos C‑596/15 P e C‑597/15 P

    Bionorica SE (C‑596/15 P)

    Diapharm GmbH & Co. KG (C‑597/15 P)

    contra

    Comissão Europeia

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Saúde pública — Alegações de saúde sobre substâncias botânicas — Omissão da Comissão por não ter incumbido a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos de realizar uma avaliação das alegações de saúde sobre substâncias botânicas»

    I. Introdução

    1.

    Nos termos do Regulamento (CE) n.o 1924/2006 ( 2 ) (a seguir «Regulamento n.o 1924/2006»), a Comissão Europeia deveria consultar a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (a seguir «EFSA») e aprovar, até 31 de janeiro de 2010, uma lista de alegações de saúde autorizadas para efeitos de utilização nos alimentos. No entanto, em setembro de 2010, suspendeu as avaliações das alegações relacionadas com alimentos à base de plantas (a seguir «substâncias botânicas») realizadas pela EFSA. Essa suspensão ainda está em vigor.

    2.

    A Bionorica SE (a seguir «Bionorica») e a Diapharm GmbH (a seguir «Diapharm») (a seguir, em conjunto, «recorrentes») interpuseram recursos dos despachos proferidos pelo Tribunal Geral nos processos T‑619/14 e T‑620/14 (a seguir «despachos impugnados») ( 3 ). Os despachos impugnados julgaram inadmissíveis os recursos por omissão interpostos pelas recorrentes contra a Comissão. A alegada omissão da Comissão consistia no facto de esta não ter incumbido a EFSA de avaliar as alegações de saúde sobre substâncias botânicas, com vista à aprovação de uma lista de alegações de saúde suscetíveis de serem utilizadas em tais alimentos (a seguir «lista de alegações sobre substâncias botânicas»).

    3.

    O Tribunal Geral entendeu que os recursos eram inadmissíveis, dado que a Comissão tinha posto termo à omissão ao responder ao convite a agir formulado pelas recorrentes e assim, «tomado uma posição». Além disso, o Tribunal Geral entendeu que nem a Bionorica nem a Diapharm tinham interesse em agir. Por último, concluiu que, no caso da Diapharm, esta não tinha legitimidade por não estar preenchido o requisito da afetação direta.

    4.

    Os presentes recursos suscitam algumas questões importantes e complexas em matéria de admissibilidade. Para começar, requerem que o Tribunal de Justiça analise pormenorizadamente o significado de «interesse em agir» e, em especial, que clarifique a diferença entre esse conceito e os conceitos de «ato recorrível» e de «afetação direta». Requerem igualmente a aplicação do conceito de «afetação direta» no contexto de uma omissão e, consequentemente, à situação futura das recorrentes caso o ato pretendido vier a ser adotado. Por último, os recursos suscitam a questão do paralelismo constante, posterior ao Tratado de Lisboa, entre os requisitos de admissibilidade dos recursos de anulação e dos recursos por omissão.

    II. Quadro jurídico

    A. Direito da União

    1.  Regulamento n.o 1924/2006

    5.

    O artigo 2.o, n.o 2, ponto 5), do Regulamento n.o 1924/2006 define a «alegação de saúde» como «qualquer alegação que declare, sugira ou implique a existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde».

    6.

    Nos termos do artigo 13.o, os Estados‑Membros devem fornecer à Comissão as listas das alegações, acompanhadas das condições que se lhe aplicam. Após consulta à EFSA, a Comissão deverá ter aprovado, em conformidade com o procedimento de comitologia aplicável, uma lista de alegações autorizadas e das respetivas condições até 31 de janeiro de 2010. As listas podem ser alteradas após esta data seguindo os procedimentos estabelecidos noutras disposições do Regulamento n.o 1924/2006.

    7.

    O artigo 10.o proíbe a utilização de alegações não autorizadas nos termos do Regulamento n.o 1924/2006.

    8.

    O artigo 17.o, n.o 5, estabelece que as alegações de saúde «incluídas nas listas prevista nos artigos 13.° e 14.° podem ser utilizadas, de acordo com as condições que se lhes aplicam, por qualquer operador de uma empresa do setor alimentar […]».

    9.

    O artigo 28.o, n.os 5 e 6, estabelece um regime transitório até à aprovação final da lista de alegações:

    «5.   A partir da data de entrada em vigor do presente regulamento e até à aprovação da lista referida no n.o 3 do artigo 13.o, as alegações de saúde referidas na alínea a) do n.o 1 do artigo 13.o podem ser feitas sob a responsabilidade dos operadores das empresas do setor alimentar, desde que sejam conformes com o presente regulamento e com as disposições nacionais que lhes são aplicáveis, sem prejuízo da adoção das medidas de salvaguarda referidas no artigo 24.o

    6.   As alegações de saúde não referidas na alínea a) do n.o 1 do artigo 13.o nem na alínea a) do n.o 1 do artigo 14.o que tenham sido utilizadas de acordo com disposições nacionais antes da data de entrada em vigor do presente regulamento ficam sujeitas ao seguinte:

    a)

    As alegações de saúde que tenham sido sujeitas a avaliação e autorização num Estado‑Membro terem sido autorizadas nos seguintes moldes:

    i)

    Os Estados‑Membros terem comunicado à Comissão até 31 de janeiro de 2008 as referidas alegações, acompanhadas de um relatório de avaliação dos dados científicos que justificam a alegação;

    ii)

    Após consulta à Autoridade, a Comissão aprova, pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 3 do artigo 25.o, uma decisão quanto às alegações autorizadas nestes termos e que tem por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, completando‑o.

    As alegações de saúde não autorizadas nestes termos podem continuar a ser utilizadas durante seis meses após a aprovação da decisão;

    b)

    Alegações de saúde que não tenham sido sujeitas a avaliação e autorização num Estado‑Membro: estas alegações podem continuar a ser utilizadas desde que tenha sido apresentado um pedido nos termos do presente regulamento antes de 19 de janeiro de 2008. As alegações de saúde não autorizadas nestes termos podem continuar a ser utilizadas durante seis meses depois de ter sido tomada uma decisão nos termos do n.o 3 do artigo 17.o»

    III. Matéria de facto e tramitação processual

    10.

    De acordo com a exposição dos factos nos despachos impugnados, a Bionorica é uma empresa que fabrica e vende produtos farmacêuticos e suplementos alimentares na Europa. Nos rótulos e nos anúncios publicitários dos seus produtos, inclui certas alegações de saúde. A Diapharm presta diversos serviços a nível internacional, nomeadamente aconselhamento em matéria de utilização de alegações de saúde sobre os alimentos e, em especial, sobre os suplementos alimentares ( 4 ).

    11.

    Nos termos do artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006, a Comissão aprova, até 31 de janeiro de 2010, uma lista de alegações de saúde autorizadas suscetíveis de serem utilizadas em alimentos. Para o fazer, a Comissão tinha, em primeiro lugar, de recolher as alegações propostas pelos Estados‑Membros e incumbir a EFSA de as avaliar. A Comissão incumbiu a EFSA de realizar as avaliações necessárias. Porém, em setembro de 2010, a Comissão suspendeu os trabalhos relativos às alegações sobre substâncias botânicas, mas aprovou uma lista de alegações autorizadas sobre outros alimentos nos termos do Regulamento (UE) n.o 432/2012 ( 5 ).

    12.

    Em 22 de abril de 2014, a Bionorica e a Diapharm escreveram à Comissão, convidando‑a a incumbir a EFSA de proceder imediatamente à avaliação das alegações de saúde que tinha sido suspensa, com vista à aprovação da lista prevista no artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006. Em 19 de junho de 2014, a Comissão respondeu às recorrentes nos seguintes termos (a seguir «carta»):

    «Como é do vosso conhecimento, a Comissão deu início a uma reflexão sobre as alegações de saúde relativas às chamadas “substâncias botânicas” na sequência das preocupações manifestadas por alguns Estados‑Membros e partes interessadas em relação ao tratamento diferenciado dos produtos que contêm essas substâncias ao abrigo da legislação sobre alegações de saúde e da legislação sobre medicamentos tradicionais à base de plantas.

    Enquanto se aguardam os resultados desta reflexão, a Comissão pediu à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) para suspender a sua avaliação científica das alegações de saúde relativas a substâncias botânicas. A Comissão reconhece a importância desta questão complexa tanto para os consumidores como para os operadores económicos. Contudo, a fim de identificar o melhor procedimento a seguir, a Comissão deve dispor do tempo e do contexto necessários para esse fim.»

    IV. Tramitação do processo no Tribunal Geral e despachos impugnados

    13.

    Em 19 de agosto de 2014, a Bionorica e a Diapharm interpuseram recursos por omissão contra a Comissão no Tribunal Geral (T‑619/14 e T‑620/14, respetivamente).

    14.

    Em 20 de novembro de 2014, a Comissão invocou a exceção da inadmissibilidade dos recursos, à qual as recorrentes responderam em 19 de dezembro de 2014.

    15.

    Por despachos de 16 de setembro de 2015, o Tribunal Geral julgou inadmissíveis os recursos.

    16.

    O Tribunal Geral considerou que a carta constituía uma tomada de posição por parte da Comissão, pondo termo a uma eventual omissão.

    17.

    O Tribunal Geral considerou ainda, a título secundário, que nenhuma das recorrentes tinha interesse em agir. Nessa matéria, apresentou quatro argumentos.

    18.

    Em primeiro lugar, enquanto a Comissão não tiver aprovado uma lista de alegações nos termos do artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1924/2006, é aplicável o regime transitório previsto no artigo 28.o, n.os 5 e 6. Isso significa que podem ser utilizadas alegações, desde que o Regulamento n.o 1924/2006 e a legislação nacional aplicável sejam respeitados ( 6 ). Consequentemente, se a lista fosse aprovada, o melhor que poderia acontecer às recorrentes seria conservarem o direito de utilizar as alegações relevantes. Na verdade, a situação poderia até piorar com a aprovação da lista, uma vez que as alegações poderiam não ser autorizadas ( 7 ).

    19.

    Em segundo lugar, a não aprovação da lista não cria, de modo algum, condições de concorrência desiguais. O regime transitório permite que as alegações continuem a ser utilizadas. As desigualdades eventualmente resultantes da não aprovação da lista prejudicariam apenas os interesses dos operadores cujas alegações tivessem já sido avaliadas e rejeitadas. Por conseguinte, as recorrentes não podiam invocar qualquer interesse na aprovação da lista. Além disso, a Diapharm não produz efetivamente géneros alimentícios abrangidos pelas alegações em causa ( 8 ).

    20.

    Em terceiro lugar, a não aprovação da lista não comprometia a segurança jurídica (motivo alegado pelas recorrentes para justificar o seu interesse em agir), dado que era claro quais as regras aplicáveis durante o regime transitório. Além disso, como sucede no Regulamento n.o 432/2012, a Comissão pode estabelecer disposições transitórias adicionais mesmo na lista final que vier a aprovar ( 9 ).

    21.

    Em quarto lugar, nem a Bionorica nem a Diapharm tinham demonstrado que a omissão da Comissão lhes tinha causado um prejuízo financeiro ou de que modo a aprovação da lista de alegações sobre substâncias botânicas teria posto termo a esse prejuízo ( 10 ).

    22.

    O Tribunal Geral concluiu igualmente que, além de não ter interesse em agir, a Diapharm não preenchia o requisito da afetação direta, uma vez que não produzia nem vendia géneros alimentícios no mercado europeu ( 11 ).

    V. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    23.

    No seu recurso, as recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que anule os despachos proferidos pelo Tribunal Geral nos processos T‑619/14 e T‑620/14 e que condene a Comissão nas despesas.

    24.

    A Bionorica invoca dois fundamentos de recurso. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão tinha tomado uma posição. Em segundo lugar, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que a Bionorica não tinha interesse em agir. A Diapharm também invoca estes dois fundamentos, aos quais acrescenta um terceiro: que o Tribunal Geral cometeu um erro ao sustentar que a Diapharm não satisfazia o critério da afetação direta ( 12 ).

    25.

    A Comissão rejeita estes argumentos. Alega que tomou posição e que, em qualquer caso, nenhuma das recorrentes tem interesse em agir. A Comissão alega ainda que a Diapharm não é diretamente afetada. Por último, rejeita qualquer paralelismo entre os recursos de anulação e os recursos por omissão respeitantes à não adoção de «atos regulamentares» que «não necessitem de medidas de execução», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

    26.

    As recorrentes e a Comissão apresentaram observações escritas e expuseram os seus argumentos na audiência que teve lugar em 19 de janeiro de 2017.

    VI. Apreciação

    A. Introdução

    27.

    Em ambos os acórdãos recorridos, o Tribunal Geral concluiu que os recursos eram inadmissíveis com fundamento no facto de que a) a Comissão tinha tomado posição, e b) nem a Bionorica nem a Diapharm tinham interesse em agir. Relativamente à Diapharm, o Tribunal Geral entendeu ainda que o recurso era inadmissível por falta de afetação direta.

    28.

    Pelos motivos que exponho a seguir, considero que, em relação aos dois primeiros pontos — tomada de posição e interesse em agir — ambos os despachos do Tribunal Geral padecem de erros de direito.

    29.

    Consequentemente, entendo que o despacho do Tribunal Geral relativo à Bionorica deve ser anulado. Proponho igualmente que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a questão da admissibilidade do recurso da Bionorica em geral e que, caso conclua que o recurso é admissível, devolva o processo ao Tribunal Geral para que este profira uma decisão sobre o mérito.

    30.

    Embora o despacho do Tribunal Geral relativo à Diapharm também esteja viciado pelos erros de direito identificados nos dois primeiros fundamentos de recurso, o recurso da Diapharm deve, em última análise, ser julgado inadmissível por falta de interesse em agir, ainda que por motivos diferentes, não sendo necessário analisar o terceiro fundamento respeitante à não afetação direta.

    B. Primeiro fundamento de recurso: violação do artigo 265.o TFUE

    31.

    Com o seu primeiro fundamento de recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que a carta constituía uma tomada de posição pela Comissão.

    32.

    Sou da mesma opinião.

    33.

    Como resulta do n.o 12, supra, o primeiro parágrafo da carta da Comissão limita‑se a descrever o status quo. A primeira frase do segundo parágrafo refere que a Comissão pediu à EFSA para suspender os trabalhos até à conclusão das suas reflexões. A segunda frase do segundo parágrafo reconhece que a situação é complicada. Na terceira frase, a Comissão declara simplesmente que precisa de tempo e de contexto para decidir o que fazer.

    34.

    Se lermos as duas frases em conjunto, o significado do segundo parágrafo é o de que esta questão complexa ainda está a ser examinada e que a Comissão não está em posição de agir imediatamente. Por outras palavras, coloca as recorrentes em espera. A Comissão não diz, de modo algum, «recuso‑me a agir».

    35.

    A jurisprudência deixa bem claro que o pedido dirigido a um operador para que seja paciente ou aguarde enquanto a instituição analisa o assunto não constitui uma tomada de posição ( 13 ). A carta está claramente abrangida por esse tipo de resposta. Por conseguinte, não se trata de uma tomada de posição.

    36.

    A Comissão alega que, dado o contexto, era evidente que a sua posição consistia em rejeitar o pedido das recorrentes para que praticasse o ato em causa.

    37.

    Não sou da mesma opinião. A carta é, na melhor das hipóteses, ambígua. Nos casos em que, de uma comunicação da Comissão, resultem ambiguidades quanto à existência de uma tomada de posição, devem as mesmas ser resolvidas a favor do recorrente. Não se pode exigir ao recorrente que adivinhe, com base no contexto, o teor da comunicação da Comissão e que a interprete, na prática, em seu próprio detrimento. É certo que, pela própria natureza da função que desempenha, uma comunicação da Comissão dificilmente será tão clara quanto o ideal bíblico «dizei somente: “sim”, se é sim; “não”, se é não» ( 14 ). Porém, se o que pretendia comunicar era efetivamente uma posição institucional «clara», a Comissão deveria ser certamente mais direta e inequívoca na sua correspondência.

    38.

    À luz do exposto, considero procedente o primeiro fundamento das recorrentes.

    C. Segundo fundamento: interesse em agir

    39.

    Com o seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro ao sustentar que não possuíam interesse suficiente em interpor o recurso (interesse em agir). Nesse contexto, refutam as conclusões do Tribunal Geral relativas a) à comparabilidade das alegações autorizadas com as alegações sujeitas ao regime transitório; b) à inexistência de uma desvantagem concorrencial; e c) à inexistência de insegurança jurídica ( 15 ).

    40.

    Além disso, a Bionorica alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de facto ao qualificá‑la como empresa produtora de suplementos alimentares. A Bionorica considera que esse erro contribuiu para que o Tribunal Geral não reconhecesse o seu interesse em agir ( 16 ).

    41.

    Começarei por abordar o erro de facto alegado pela Bionorica (1); seguidamente, analisarei, em geral, a jurisprudência sobre o interesse em agir e os requisitos substantivos (2); e, por último, aplicarei essa jurisprudência aos presentes recursos (3).

    1) Alegado erro de facto

    42.

    O apuramento dos factos é da competência exclusiva do Tribunal Geral. O Tribunal de Justiça só poderá exercer a sua função de fiscalização se dos documentos que lhe foram submetidos resultar uma inexatidão material das conclusões do Tribunal Geral ou se existir um desvirtuamento dos elementos de prova ( 17 ).

    43.

    No despacho proferido no processo T‑619/14, o Tribunal Geral declara que a Bionorica é uma empresa que produz e comercializa produtos farmacêuticos e suplementos alimentares no mercado europeu, e que é um «produtor de alimentos» ( 18 ). Porém, resulta claramente dos autos desse processo que a Bionorica é uma empresa que produz e comercializa produtos farmacêuticos e não suplementos alimentares nem, de um modo geral, alimentos. Esse facto foi também confirmado pela Bionorica nas suas observações escritas e orais perante o Tribunal de Justiça.

    44.

    Consequentemente, existe, naquele aspeto, uma inexatidão material no despacho proferido pelo Tribunal Geral no processo T‑619/14.

    45.

    Contudo, saber se essa inexatidão põe em causa a conclusão do Tribunal Geral sobre o interesse em agir é outra questão. Com efeito, conforme refere a Comissão, teria sido provavelmente mais fácil para a Bionorica provar a sua legitimidade processual no presente caso se, de facto, atuasse no mercado dos suplementos alimentares.

    46.

    Antes de analisar a questão do interesse em agir neste caso concreto, recordarei brevemente os principais elementos da jurisprudência sobre essa matéria.

    2) Interesse em agir

    47.

    O interesse em agir é um requisito essencial para a interposição de um recurso direto no Tribunal de Justiça ( 19 ). Este requisito visa, de um modo geral, evitar que sejam interpostos no Tribunal de Justiça recursos que tenham por objeto questões de caráter geral ou hipotético ( 20 ). A adoção (ou anulação) do ato deve proporcionar uma vantagem ou um benefício ao recorrente ( 21 ). Essa «vantagem» ou «benefício» deve ser igualmente pessoal. Por outras palavras, uma pessoa não pode instaurar uma ação no interesse de um terceiro ou no interesse geral (ou seja, uma actio popularis) ( 22 ).

    48.

    Por conseguinte, a existência de «interesse» implica que o recorrente retire algum benefício da procedência do recurso. Se o desfecho de um processo for, na realidade, redundante ou negativo para o recorrente, não existe interesse em agir ( 23 ).

    49.

    Esse benefício pessoal pode ser apenas factual ou deve ser jurídico (em termos da sua repercussão positiva nos direitos e obrigações legais do recorrente) para que se prove que existe interesse em agir? No meu entender, pode ser uma coisa ou outra, ou ambas. Em qualquer caso, uma delas será claramente suficiente. Por exemplo, a melhoria da posição concorrencial do recorrente em resultado de uma anulação poderá fundamentar um interesse em agir.

    50.

    Todavia, perante a jurisprudência existente, seria útil que o Tribunal de Justiça confirmasse expressamente este entendimento, dado que, à primeira vista, alguns acórdãos parecem exigir repercussões sobre a situação jurídica do recorrente para que seja demonstrada a existência de um interesse em agir ( 24 ). Alguns despachos parecem apresentar os conceitos de benefício e de consequências jurídicas como formas alternativas de expressar o mesmo requisito ( 25 ).

    51.

    Porém, uma análise mais atenta destes acórdãos revela, geralmente, que o Tribunal de Justiça está simplesmente a enunciar em conjunto os requisitos para a existência de um «ato recorrível» e de «interesse em agir» numa única frase ou parágrafo ( 26 ). É óbvio que, para ser objeto de um recurso de anulação ou de um recurso por omissão, um ato deve produzir efeitos jurídicos vinculativos ( 27 ). Consequentemente, o desfecho do processo deve ser suscetível de ter ramificações jurídicas no sentido de o ato ser eliminado da ordem jurídica da União ou nela inserido. Mas isso não equivale ao interesse em agir ( 28 ).

    52.

    Essa conclusão é, além do mais, confirmada pela jurisprudência, que considera admissíveis recursos nos casos em que seja evidente que, se o recurso for julgado procedente, a situação jurídica do recorrente não será afetada. Um exemplo óbvio é a admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por concorrentes contra decisões da Comissão que autorizam operações de concentração ( 29 ).

    53.

    A jurisprudência também confirma que esse interesse deve ser efetivo e atual ( 30 ). Por conseguinte, um interesse hipotético é insuficiente ( 31 ). Esse interesse deve existir no momento em que o recurso é interposto e perdurar até à prolação da decisão final ( 32 ). Se o interesse invocado pelo recorrente se referir a uma situação jurídica futura, este deve provar que a violação dessa situação se revela, desde já, certa ( 33 ).

    54.

    Importa deixar bem claro que estes precedentes não significam que, para provar um interesse, todos os acontecimentos futuros relevantes têm de ser certos. Com efeito, é possível que o recorrente beneficie com a procedência do seu recurso principalmente por este criar uma possibilidade ou uma oportunidade. A existência de uma possibilidade é certa, mas o resultado não. Num jogo de roleta, existe uma pequena possibilidade de ganhar um prémio avultado, mas não há garantia de que tal aconteça.

    55.

    Encontramos exemplos óbvios no domínio dos contratos públicos. Um recorrente que impugne a adjudicação de um contrato a um concorrente não tem qualquer garantia de que, caso essa decisão seja anulada, o contrato lhe será adjudicado. No entanto, muitas vezes haverá a possibilidade de tal acontecer e daí o interesse na anulação da adjudicação. Nos casos em que, por qualquer motivo, não exista essa possibilidade, poderá não existir interesse em agir ( 34 ).

    56.

    Os acórdãos Flaherty ( 35 ) e Gordon ( 36 ) do Tribunal de Justiça proporcionam outros exemplos deste tipo de interesse baseado no «benefício da possibilidade» ou em «manter em aberto a possibilidade». No acórdão Flaherty, os recorrentes tinham pedido a possibilidade de aumentar a capacidade da sua frota de pesca. A Comissão tinha defendido que um primeiro grupo de recorrentes não tinha interesse em agir, uma vez que ainda não tinham começado a construir os navios, ao contrário do segundo grupo. O Tribunal de Justiça entendeu que ambos os grupos tinham interesse, ainda que o interesse do segundo grupo fosse mais premente ( 37 ). No acórdão Gordon, o recorrente contestou o seu relatório de desempenho. Embora se tivesse reformado por motivo de incapacidade permanente, a reintegração ainda era possível, pelo que tinha interesse em contestar o relatório ( 38 ).

    57.

    Em resumo, existe interesse em agir quando a adoção do ato impugnado confere um benefício jurídico ou factual, de caráter pessoal, ao recorrente. De um modo geral, esse benefício deve ser efetivo e atual, ou deve existir, pelo menos, uma clara possibilidade ou oportunidade de obter tal benefício. Em contrapartida, a exclusão do interesse em agir por o benefício ser apenas «factual» ou por existir uma mera «possibilidade de benefício» e não uma certeza absoluta quanto à sua obtenção, independentemente de acontecimentos futuros, não seria consentânea com esta jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    3) Aplicação ao presente caso

    58.

    Na aplicação do conceito de «interesse em agir», tal como enunciado na jurisprudência, explicarei adiante por que motivo considero que, na verdade, a Bionorica tem interesse em agir. Nesse aspeto, o despacho proferido pelo Tribunal Geral no processo T‑619/14 padece de um erro de direito. Porém, a Diapharm, o operador a montante, não tem interesse em agir, pelo que o despacho proferido pelo Tribunal Geral no processo T‑620/14 deve ser confirmado.

    59.

    Esta questão apresenta vários aspetos que merecem uma análise detalhada. A chave para o raciocínio do Tribunal Geral assenta numa comparação geral entre o regime transitório previsto no artigo 28.o do Regulamento n.o 1924/2006 e o regime permanente (nomeadamente, a aprovação da lista de alegações sobre substâncias botânicas). Por conseguinte, começarei por atentar na «vantagem» ou «benefício» que poderá, de um modo geral, resultar da mudança do regime transitório para o regime «permanente», nomeadamente, a aprovação da lista de alegações sobre substâncias botânicas (i). Seguidamente, analisarei a questão da segurança jurídica como fundamento do interesse em agir (ii). Por último, examinarei a situação concreta da Bionorica (iii) e da Diapharm (iv).

    i) Benefícios do regime permanente em comparação com o regime transitório

    60.

    O Tribunal Geral afirmou, no n.o 39 dos despachos impugnados, que as recorrentes não poderiam retirar qualquer benefício da aprovação da lista de alegações sobre substâncias botânicas. O Tribunal Geral considerou, em substância, que o motivo é o de que enquanto a lista não for aprovada, é aplicável o regime transitório. A situação relativa a uma determinada alegação ao abrigo do regime transitório é, na prática, tão favorável quanto seria se a alegação fosse autorizada. Com efeito, ainda que a alegação não fosse autorizada, a situação seria mais vantajosa ao abrigo do regime transitório.

    61.

    Não sou da mesma opinião.

    62.

    Em termos jurídicos, o regime transitório não pode ser equiparado à autorização. Conforme observaram as recorrentes, a situação ao abrigo do regime transitório é objetivamente menos favorável do que a autorização, sobretudo porque a continuação da utilização das alegações ao abrigo desse regime está sujeita aos requisitos estabelecidos pelo direito nacional ( 39 ), e como tal sujeita a 28 regimes potencialmente diferentes. Não é o que acontece com as alegações especificamente autorizadas pelas regras da União ( 40 ). Nesse sentido, por uma questão de princípio, a autorização comportaria claramente um benefício em comparação com o regime transitório ( 41 ).

    63.

    O Tribunal Geral afirmou que o regime transitório até poderia ser mais vantajoso do que a rejeição de uma alegação. Porém, não considero que a possibilidade de rejeição seja, em si mesma, suficiente para privar as recorrentes do seu interesse em agir.

    64.

    Em primeiro lugar, recordo o exemplo sobre contratação pública acima referido. Nesses casos, os recorrentes não pretendem a garantia de um benefício, mas apenas a possibilidade de o obter. Esse potencial benefício também existe certamente no presente caso ( 42 ).

    65.

    Em segundo lugar (e talvez mais importante), o presente caso é um pouco diferente. Na contratação pública, os resultados possíveis são, à primeira vista, positivos (a decisão é anulada e o contrato é adjudicado ao recorrente) ou neutros (a decisão é anulada e o contrato é novamente adjudicado a outro concorrente). No presente caso, os resultados possíveis são, à primeira vista, positivos (a lista é aprovada e a alegação é autorizada) ou negativos (a lista é aprovada e a alegação é rejeitada). Contudo, em ambos os casos, é a clara possibilidade de obter um benefício que constitui o interesse.

    66.

    Em terceiro lugar, considero que a ideia de que «a rejeição é negativa» é excessivamente simplista. A rejeição de uma alegação também pode trazer claros benefícios. Por exemplo, conforme alegou a Bionorica, poder‑se‑á traduzir numa maior segurança jurídica para o operador: embora uma determinada alegação de saúde possa não ter sido autorizada, isso significa que o operador pode adaptar a sua estratégia comercial para o futuro. Ou, numa perspetiva talvez um pouco mais cínica, uma rejeição pode dificultar a vida aos concorrentes que pretendam utilizar essas alegações. Em todos esses casos, existe um benefício factual, de caráter pessoal, para o operador.

    67.

    Mais importante ainda, levada às suas últimas consequências lógicas, a abordagem do Tribunal Geral apresenta graves problemas do meu ponto de vista. De acordo com essa abordagem, a possibilidade de uma alegação ser rejeitada e, consequentemente, colocar o recorrente numa situação potencialmente mais desfavorável do que a que existiria ao abrigo do regime transitório é suficiente para excluir o interesse do recorrente. Afigura‑se‑me que, se essa abordagem fosse aceite, um recorrente só teria interesse em interpor um recurso por omissão se o pior desfecho possível desse recurso fosse melhor do que o status quo.

    68.

    Considero essa hipótese questionável a vários níveis. Duas das suas implicações práticas são especialmente problemáticas.

    69.

    Em primeiro lugar, nem a Bionorica nem nenhum outro operador poderia alguma vez, na prática, provar que ficaria numa situação mais favorável após a aprovação da lista final. Assim, extraindo desta linha de raciocínio o seu corolário lógico, nenhum operador poderia alguma vez interpor um recurso por omissão.

    70.

    Em segundo lugar, essa abordagem permitiria, em muitos casos, que a Comissão bloqueasse a aprovação de atos finais por tempo indeterminado, nos casos em que existisse uma certa discricionariedade quanto ao resultado ( 43 ). Conforme observaram as recorrentes no processo inicial perante o Tribunal Geral, isso prejudicaria o recorrente no caso de uma omissão porque estaria impedido de interpor qualquer tipo de recurso ( 44 ).

    71.

    Considero também que se trata uma leitura excessivamente restritiva do conceito de interesse em agir, que é, acima de tudo, um instrumento para evitar ações abusivas, hipotéticas ou instauradas no interesse geral. No seu sentido mais básico, ter um interesse significa ter algo em jogo. Por exemplo, numa luta de cães, os donos dos cães têm algo a ganhar ou a perder conforme o resultado. Facilmente se compreende por que motivo esta jurisprudência do Tribunal de Justiça exige que o recurso seja suscetível de beneficiar o recorrente. Se o resultado for necessariamente prejudicial, não haverá interesse.

    72.

    No entanto, o requisito do benefício não deve converter‑se numa condição que exija que todos os resultados possíveis comportem um benefício. Essa abordagem serviria unicamente para privar de efeito útil o recurso por omissão previsto no artigo 265.o TFUE.

    73.

    Por último, há pouca jurisprudência em matéria de omissão e ainda menos de não adoção de atos preparatórios ( 45 ). Tanto quanto sei, nenhum acórdão do Tribunal de Justiça analisa pormenorizadamente o conceito de interesse em agir no contexto desses recursos. É legítimo perguntar se o «interesse em agir» se refere ao ato regulamentar final (neste caso, a aprovação da lista de alegações sobre substâncias botânicas) ou às fases preparatórias (neste caso, o ato de incumbir a EFSA de avaliar as alegações) ( 46 ).

    74.

    O raciocínio desenvolvido na presente secção examina o interesse na adoção do ato final. É pacífico que, no presente caso, a lista final poderia ser benéfica (autorização) ou não (rejeição) ( 47 ).

    75.

    No entanto, nos recursos por omissão que visem a adoção de atos preparatórios, em que o ato final pode ter efeitos positivos ou negativos, é óbvio que terá de existir um ato preparatório para que exista qualquer possibilidade de adoção de um ato benéfico final. Nesse sentido, o «interesse em agir» imediato nesses casos consiste em fazer avançar o processo regulamentar. Uma alternativa (do meu ponto de vista, também legítima) seria assim analisar a questão do interesse em agir no contexto dos recursos por omissão com fundamento na não adoção de um ato preparatório. Esse enquadramento também seria consentâneo com o raciocínio adotado pelo Tribunal Geral nos poucos processos que têm por objeto uma omissão, como o processo Pioneer Hi‑Bred, em que o resultado do processo de decisão era incerto, mas, não obstante, o Tribunal Geral concluiu que a recorrente tinha legitimidade para instaurar um recurso por omissão com fundamento na não adoção de um ato preparatório e, assim, fazer avançar o processo ( 48 ).

    ii) Segurança jurídica

    76.

    As recorrentes alegaram reiteradamente perante o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça que a aprovação da lista de alegações sobre substâncias botânicas resultaria numa maior segurança jurídica. A esse propósito, referem, por exemplo, a proliferação de diferentes abordagens nacionais e de procedimentos abreviados nos órgãos jurisdicionais nacionais, com resultados incertos, que visam basicamente dificultar a utilização das alegações pelos operadores.

    77.

    No meu entender, os recursos gerais em benefício da segurança jurídica não podem constituir, eles mesmos, uma base válida para o interesse em agir. Conforme expliquei no n.o 47, supra, o interesse em agir tem de ser pessoal. Fica assim excluída, em princípio, a possibilidade de o interesse em agir se fundar numa preocupação geral com o Estado de direito, em disputas hipotéticas, em zelo académico ou em simples curiosidade.

    78.

    Porém, existe obviamente uma diferença entre essas preocupações de ordem geral e as situações em que a aplicação a longo prazo, por tempo indeterminado, de um regime transitório cria insegurança jurídica, afetando a própria posição concorrencial de uma parte e as suas próprias estratégias comerciais e de investimento. Essas situações não podem ser simplesmente reduzidas a casos de actio popularis. Podem envolver um interesse pessoal. Nas secções que se seguem, analisarei, em relação a cada uma das recorrentes, a questão de saber se tais interesses constituem um interesse em agir.

    iii) Processo C‑596/15 P Bionorica

    79.

    A Bionorica produz e comercializa produtos farmacêuticos na União Europeia. Conforme expliquei no n.o 43, supra, ao contrário do que é referido no despacho impugnado, a Bionorica não está atualmente presente no mercado de suplementos alimentares da União Europeia. Nesse cenário, o interesse da Bionorica estaria então relacionado com a sua potencial entrada no mercado de suplementos alimentares à base de plantas, que ostentam alegações de saúde.

    80.

    No entanto, a Bionorica também atua no mercado de produtos farmacêuticos à base de plantas e alega que existe uma relação concorrencial entre estes e os suplementos alimentares. Em especial, na petição apresentada ao Tribunal Geral, a Bionorica identifica alguns produtos farmacêuticos por ela comercializados que contêm substâncias ativas a) que também são utilizadas em suplementos alimentares, e b) que são idênticas a substâncias ativas relativamente às quais foram apresentados pedidos de autorização de alegações de saúde ao abrigo do Regulamento n.o 1924/2006.

    81.

    No essencial, a Bionorica alega que o processo regulamentar a poderá beneficiar, seja qual for o seu resultado (autorização ou rejeição das alegações).

    82.

    Em caso de autorização, a Bionorica afirma que poderia entrar no mercado de suplementos alimentares que contenham as substâncias relevantes e ostentem as correspondentes alegações autorizadas. Como tal, poderia comercializar produtos que são concorrentes diretos do tipo de produtos farmacêuticos que vende atualmente, mas sem muitos dos custos a eles associados em termos, por exemplo, de ensaios clínicos e de farmacovigilância. Se, por outro lado, as alegações fossem rejeitadas, pelo menos usufruiria de segurança jurídica nessa matéria e procederia às adaptações necessárias. Além disso, dos articulados da Bionorica resulta muito claramente que esta considera que, caso as alegações fossem rejeitadas, também beneficiaria com o facto de as empresas que concorrem atualmente com ela no mercado de suplementos alimentares ficarem impedidas de utilizar essas alegações para promoverem os seus produtos.

    83.

    Na sua conclusão de que a Bionorica não tem interesse em agir, o Tribunal Geral centra‑se na premissa geral de que, por uma questão de princípio, o regime transitório é, pelo menos, tão permissivo quanto a existência de uma lista de alegações autorizadas. Consequentemente, nem a Bionorica nem ninguém ( 49 ) poderia beneficiar com a aprovação de uma lista de alegações sobre substâncias botânicas.

    84.

    Considero que, nesse aspeto, existem falhas no raciocínio do Tribunal Geral. No que respeita ao impacto na concorrência, o Tribunal Geral observa que apenas sofreriam uma eventual desvantagem os operadores cujo pedido de autorização de alegações tivesse sido indeferido, pelo que não poderiam utilizar tais alegações. Em contrapartida, os operadores cujos pedidos tivessem sido suspensos e que pudessem continuar a utilizar as alegações ao abrigo do regime transitório não sofreriam qualquer desvantagem. No entanto, esse raciocínio assenta, mais uma vez, numa comparação incorreta entre as vantagens e desvantagens dos regimes transitório e permanente.

    85.

    Pelos motivos acima expostos, considero que o conceito de interesse em agir deve ser interpretado no sentido de abranger as situações em que o recorrente possa retirar pessoalmente um benefício de facto ou de direito da anulação ou da aprovação do ato em causa.

    86.

    No meu entender, contrariamente à conclusão do Tribunal Geral, a Bionorica apresentou elementos suficientes para demonstrar a existência de um benefício pessoal e de interesse em agir.

    87.

    Em primeiro lugar, a Bionorica alega que os seus produtos farmacêuticos concorrem com os suplementos alimentares, alguns dos quais contêm as mesmas substâncias que os seus próprios produtos, e que a avaliação das alegações relativas a essas substâncias foi suspensa. Essa relação de concorrência não foi contestada ( 50 ).

    88.

    Em segundo lugar, a Bionorica alega que, em virtude da sua presença no mercado de produtos farmacêuticos que contêm essas substâncias, está preparada para entrar no mercado de suplementos alimentares caso as alegações relevantes sejam aprovadas. Essa potencial entrada não foi contestada ( 51 ).

    89.

    Em terceiro lugar, a Bionorica demonstrou que o regime transitório gera mais insegurança do que o regime permanente e alegou que essa insegurança relativa dificulta a sua própria entrada no mercado. Por outras palavras, a falta de segurança jurídica afeta as suas próprias decisões em matéria de concorrência e de investimento.

    90.

    Em conjunto, considero que estes fatores (e, em especial, a presença da Bionorica em mercados vizinhos de produtos que contêm substâncias idênticas) demonstram que a Bionorica pode obter um benefício pessoal e, consequentemente, tem interesse em agir no presente caso. Além disso, essa conclusão não é posta em causa pelo facto de o Tribunal Geral ter decidido que a Bionorica não tinha demonstrado a existência de prejuízos financeiros. A demonstração da ocorrência de tais prejuízos ajudaria a corroborar a existência de interesse, mas não é obviamente obrigatória ( 52 ).

    91.

    Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que a Bionorica não tinha interesse em agir. O segundo fundamento de recurso da Bionorica deve ser julgado procedente.

    iv) Processo C‑597/15: Diapharm

    92.

    As atividades da Diapharm incluem o aconselhamento de empresas no domínio das alegações de saúde, nomeadamente em relação a géneros alimentícios e, em especial, suplementos alimentares. A Diapharm não está, ela própria, presente no mercado de géneros alimentícios ou em mercados vizinhos, mas sim a montante.

    93.

    A Diapharm alega, em substância, que o facto de a Comissão não ter aprovado a lista de alegações sobre substâncias botânicas a afeta negativamente, na medida em que reduz a procura dos seus serviços, o que resulta numa perda significativa de receitas. Nesse aspeto, sustenta que uma menor segurança jurídica no que respeita à utilização de alegações de saúde torna menos atrativo o mercado dos medicamentos à base de plantas. Tal deve‑se ao facto de a entrada nesse mercado comportar custos elevados e de as empresas poderem entrar no mercado dos suplementos alimentares, e beneficiar do regime transitório, para utilizar alegações a um custo mais baixo, evitando desse modo os custos associados à comercialização de medicamentos.

    94.

    A Diapharm alegou igualmente perante o Tribunal Geral que tinha estado estreitamente ligada ao processo conduzido por uma associação industrial que tinha culminado na apresentação às autoridades alemãs de uma lista de alegações de saúde para efeitos de autorização, posteriormente transmitida à Comissão para autorização ao abrigo do Regulamento n.o 1924/2006. A esse propósito, a Diapharm incluiu na petição apresentada ao Tribunal Geral uma lista de substâncias em relação às quais afirma ter proposto à associação industrial alegações de saúde, que foram depois transmitidas à Comissão através das autoridades alemãs.

    95.

    Ao considerar que a Diapharm não tinha interesse em agir, o Tribunal Geral adota um raciocínio praticamente idêntico ao que aplicou em relação à Bionorica. Pelos mesmos motivos expostos no ponto (i), entendo que esse raciocínio não procede.

    96.

    Não obstante, subscrevo a conclusão final do Tribunal Geral de que a Diapharm não apresentou elementos suficientes que demonstrassem interesse em agir no presente caso, mas por um motivo diferente. O interesse da Diapharm é simplesmente demasiado distante, pelo que não satisfaz o requisito da existência de um benefício pessoal para o recorrente.

    97.

    O «interesse em agir» implica um benefício pessoal. É um facto que a Diapharm esteve estreitamente envolvida no processo que resultou na apresentação da lista de alegações propostas à Comissão. No meu entender, esse elemento é importante, mas não serve para demonstrar um interesse pessoal em termos do benefício que a Diapharm poderia retirar, ela própria, da aprovação da lista de alegações sobre substâncias botânicas. Independentemente do seu grau de envolvimento, a Diapharm só participou indiretamente na apresentação da lista de alegações às autoridades alemãs. Não utilizará as alegações em causa nem será concorrente dos operadores que utilizam essas alegações. Os argumentos da Diapharm relativos ao aumento da segurança jurídica (que, em princípio, beneficiaria principalmente as empresas presentes nos mercados relevantes ou nos mercados concorrentes) também são demasiado fracos e indiretos para justificar um entendimento diferente.

    98.

    A propósito dessa conclusão, chamo a atenção para o facto de o Tribunal Geral ter concluído que a Diapharm não tinha apresentado elementos suficientes para demonstrar que a omissão da Comissão tinha provado prejuízos financeiros ( 53 ). Essa conclusão de facto, que não pode ser reexaminada pelo Tribunal de Justiça, é, no meu entender, relevante porque o prejuízo financeiro, sob a forma de lucros cessantes, era um elemento central dos argumentos da Diapharm. Importa salientar que a Diapharm não estava obrigada a provar um prejuízo financeiro para demonstrar que retiraria um benefício de facto da adoção do ato e, consequentemente, que tinha interesse em agir. Porém, no presente caso, se o tivesse feito, teria sido muito mais fácil demonstrar o interesse em agir.

    99.

    Aqui, considero preferível mencionar um elemento prático ao invés de uma conclusão. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete ao recorrente demonstrar o interesse em agir ( 54 ). Nesse aspeto, creio que vale a pena recordar a necessidade de adotar uma atitude pragmática e proporcionada em relação à quantidade de provas que o recorrente deve apresentar, por iniciativa própria, naquela matéria. Assim, esperar que, na fase da petição, seja feita uma demonstração exaustiva do impacto comercial através, por exemplo, de volumosos relatórios económicos ou financeiros não é, no meu entender, realista da perspetiva do recorrente (especialmente em termos de custos e também de limites quanto ao número de páginas permitido) nem serve os interesses de eficiência processual do Tribunal de Justiça. Contudo, se necessário, poderão ser apresentadas provas adicionais na fase da réplica ou, se forem essenciais para o raciocínio do Tribunal Geral, este poderá ordenar oficiosamente medidas de instrução nesse sentido.

    100.

    À luz do exposto, não obstante as falhas no raciocínio do Tribunal Geral, considero que este não cometeu um erro de direito ao concluir que a Diapharm não tinha interesse em agir. Por conseguinte, o segundo fundamento invocado pela Diapharm deve ser considerado inoperante e o acórdão do Tribunal Geral deve ser confirmado relativamente à questão da falta de interesse em agir.

    101.

    Nessa conformidade, não é necessário examinar a conclusão do Tribunal Geral de que o recurso da Diapharm é também inadmissível por esta não ser diretamente afetada.

    D. Outros requisitos de admissibilidade

    102.

    Uma vez que ambas as conclusões sobre a questão da admissibilidade no despacho do Tribunal Geral relativo à Bionorica padecem de erros de direito, o Tribunal de Justiça poderia decidir anular esse despacho e devolver o processo ao Tribunal Geral para decisão final. A Bionorica teria então de demonstrar perante o Tribunal Geral que os restantes requisitos de admissibilidade estão preenchidos e, sendo bem‑sucedida, apresentaria apenas alegações sobre o mérito da causa ( 55 ).

    103.

    De acordo com o primeiro parágrafo do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça poderá também, após anular a decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

    104.

    No presente caso, o Tribunal de Justiça não está em condições de se pronunciar definitivamente sobre o mérito do recurso interposto no Tribunal Geral. A Comissão não apresentou argumentos sobre o mérito.

    105.

    Considero, porém, que o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para proferir uma decisão que julgue improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão em primeira instância. No interesse da eficiência e da economia processual, e a fim de assegurar que a Bionorica receba em tempo útil uma resposta sobre a questão de saber se o mérito da sua causa será apreciado, proponho que o Tribunal de Justiça siga aquele caminho.

    1) Requisitos de admissibilidade dos recursos por omissão

    106.

    Com o seu recurso, a Bionorica pretende, em última análise, a adoção de um regulamento que contenha uma lista de alegações autorizadas.

    107.

    Segundo a jurisprudência existente, um recorrente pode interpor recurso por omissão com fundamento na não adoção de um ato que lhe seria dirigido ou que lhe diria direta e individualmente respeito ( 56 ).

    108.

    A Bionorica não alega que a lista de alegações sobre substâncias botânicas lhe seria dirigida. Consequentemente, tem de demonstrar que tal regulamento lhe diria direta e individualmente respeito.

    109.

    Este último fundamento alternativo de admissibilidade não está expressamente previsto no artigo 265.o TFUE, resultando antes de um paralelismo com o artigo 263.o, baseado na jurisprudência, que permite que recorrentes não privilegiados impugnem atos que lhes digam direta e individualmente respeito. Confirmando esse paralelismo de requisitos estabelecidos em ambas as disposições do Tratado, o Tribunal de Justiça concluiu, no acórdão T. Port, que a «possibilidade de os particulares fazerem valer os seus direitos não pode com efeito depender da ação ou da inércia da instituição visada ( 57 )».

    110.

    No presente caso, foi suscitada a questão de saber se esse paralelismo é afetado pela alteração da redação do artigo 263.o TFUE efetuada pelo Tratado de Lisboa. Com efeito, desde o Tratado de Lisboa, o quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE dispõe que os recorrentes também podem interpor recursos de anulação contra «os atos regulamentares que lhe[s] digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução».

    111.

    Significará também essa modificação, quando combinada com a linha jurisprudencial T. Port supramencionada, que os recorrentes podem agora interpor recursos por omissão com fundamento na não adoção de «atos regulamentares que lhe[s] digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução»?

    112.

    Na audiência, a Comissão declarou que a resposta a essa pergunta deveria ser negativa. No seu entender, o objetivo do Tratado de Lisboa era colmatar uma lacuna concreta e específica na proteção jurídica decorrente do quarto parágrafo do ex‑artigo 230.o TCE. Contudo, no pleno conhecimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o referido paralelismo, a modificação só foi introduzida em relação ao quarto parágrafo do ex‑artigo 230.o TCE (atual quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE), deixando inalterado o texto do ex‑artigo 232.o TCE (atual artigo 265.o TFUE).

    113.

    Não sou da mesma opinião. No meu entender, a resposta deveria ser afirmativa, sobretudo por três razões.

    114.

    Em primeiro lugar, o paralelismo anterior ao Tratado de Lisboa entre os requisitos estabelecidos nos artigos 263.° e 265.° TFUE resulta da preocupação em assegurar a coerência dos mecanismos de recurso, não da redação do artigo 265.o TFUE. Consequentemente, o argumento da Comissão quanto ao facto de a redação do artigo 265.o TFUE não ter sido alterada não é particularmente convincente, uma vez que, mesmo antes do Tratado de Lisboa, o principal argumento a favor do paralelismo era diferente. Ao mesmo tempo, esse argumento e as preocupações que levaram essencialmente o Tribunal de Justiça a afastar‑se da letra do artigo 265.o TFUE não desapareceram com o Tratado de Lisboa.

    115.

    Em segundo lugar, as alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa ao quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE visavam o alargamento do acesso aos tribunais da União em relação a certos tipos de atos ( 58 ), especialmente em resposta à jurisprudência fixada nos acórdãos Jégo‑Quéré ( 59 ) e UPA ( 60 ). Restringir agora o acesso ao abrigo do artigo 265.o TFUE negando a existência de um paralelismo entre os dois tipos de recursos seria claramente contrário, no meu entender, ao objetivo principal e ao espírito das referidas alterações ao Tratado.

    116.

    Em terceiro lugar, o objetivo fundamental do recurso por omissão é relativamente modesto: combater a esclerose institucional. Contrariamente ao recurso de anulação, não há qualquer sugestão de que o trabalho foi mal executado, mas simplesmente de que o trabalho não foi de todo executado. O objetivo do recurso por omissão não é retardar o processo, mas sim acelerá‑lo em conformidade com as obrigações assumidas pelas instituições da União. Como tal, se o argumento da Comissão fosse aceite, seria paradoxal que os requisitos de legitimidade ao abrigo do artigo 265.o TFUE fossem mais restritos do que ao abrigo do artigo 263.o TFUE. Com efeito, caso o paralelismo entre essas duas disposições viesse a ser abandonado, isso deveria, no meu entender, verificar‑se exatamente no sentido contrário: estabelecer requisitos de legitimidade mais permissivos para os recursos por omissão do que para os recursos de anulação.

    117.

    Por esses motivos, considero que deve ser mantido o paralelismo estabelecido pelo Tribunal de Justiça entre os artigos 263.° e 265.° TFUE. Como tal, os recursos por omissão interpostos por recorrentes não privilegiados devem ser admissíveis em três situações, a saber, quando o ato final cuja adoção se pretende:

    seja dirigido ao recorrente; ou

    diga direta e individualmente respeito ao recorrente; ou

    seja um ato regulamentar que diga diretamente respeito ao recorrente e que não necessite de medidas de execução.

    2) Afetação individual e ato regulamentar que não necessita de medidas de execução

    118.

    É evidente que a Bionorica não seria individualmente afetada pelo ato cuja adoção se pretende, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Nada a distingue de qualquer outro operador suscetível de ser afetado por tal ato ( 61 ). Em especial, não se alega que a Bionorica tenha pedido especificamente autorização para qualquer das alegações cuja avaliação foi suspensa ( 62 ).

    119.

    Partindo do princípio de que o Tribunal de Justiça mantém o paralelismo baseado na jurisprudência com o artigo 263.o TFUE, poderá a adoção do ato pretendido, ainda assim, ser qualificada como um «ato regulamentar» que «não necessita de medidas de execução»?

    120.

    No meu entender, a resposta é afirmativa. O ato em questão não seria um ato legislativo, mas sim um ato adotado pela Comissão no seguimento de um procedimento de comitologia ( 63 ). Como tal, seria claramente um «ato regulamentar» na aceção da jurisprudência existente ( 64 ).

    121.

    No que respeita à inexistência de medidas de execução, limitar‑me‑ei a observar que o ato cuja adoção se pretende resulta na criação de um direito imediato de utilização de alegações autorizadas sobre géneros alimentícios, sujeito às condições de utilização eventualmente especificadas, ou, em caso de recusa de autorização, numa proibição automática da sua utilização. Não é necessária qualquer ação por parte dos Estados‑Membros ou das instituições para validar esses direitos ou desencadear as proibições. Com efeito, o Tribunal Geral tinha já chegado a uma conclusão semelhante ao sustentar que o Regulamento n.o 432/2012 não necessitava de quaisquer medidas de execução ( 65 ).

    122.

    Consequentemente, o ato cuja adoção se pretende constitui um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução. Resta apenas determinar se tal ato regulamentar afetaria diretamente a Bionorica.

    3) Afetação direta

    123.

    Para que um recurso por omissão seja admissível, o recorrente tem ainda de demonstrar afetação direta. De acordo com a fórmula frequentemente utilizada na jurisprudência ( 66 ), a «afetação direta» exige que o ato em causa produza efeitos diretos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua implementação, já que esta é de caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias ( 67 ).

    124.

    No que respeita ao segundo elemento desse critério — caráter automático ou inexistência de poder de apreciação — o presente caso não suscita grandes dificuldades. À semelhança das conclusões do Tribunal Geral em relação ao Regulamento n.o 432/2012 ( 68 ), considero que é evidente que, no presente caso, a execução seria, de facto, automática e não deixaria qualquer poder de apreciação aos Estados‑Membros.

    125.

    No que respeita ao primeiro elemento — a produção de efeitos diretos na situação jurídica do recorrente — a Bionorica alega, em substância, que o ato pretendido produziria efeitos diretos na sua situação jurídica porque lhe concederia o direito de utilizar certas alegações sobre suplementos alimentares ou a proibiria, a si e aos seus concorrentes, de o fazer.

    126.

    A proibição de utilizar as alegações imposta sobre os concorrentes poderia ser considerada um efeito direto na situação jurídica desses concorrentes, mas não da Bionorica.

    127.

    As questões remanescentes são mais complexas. Afigura‑se‑me difícil negar que, em resultado do ato pretendido, a Bionorica obteria o direito de utilizar alegações autorizadas ( 69 ) ou, pelo menos, seria proibida de utilizar outras alegações. Esse direito poderia ser exercido diretamente pela Bionorica. Essa proibição produziria imediatamente efeitos relativamente à sua situação. Seriam introduzidas alterações diretas na sua situação jurídica.

    128.

    Poderia ser suscitada uma objeção a esse raciocínio: o facto de a Bionorica não estar atualmente (ou, pelo menos, à data da interposição do recurso) presente no mercado de géneros alimentícios.

    129.

    A presença efetiva no mercado relevante é um dos requisitos mencionados em acórdãos anteriores no contexto da afetação direta ( 70 ). Porém, essa abordagem não é sistemática. Noutros acórdãos, concluiu‑se que existia afetação direta, por exemplo, no caso de uma potencial (e, possivelmente, hipotética) entrada ( 71 ) e presença num mercado a montante ( 72 ).

    130.

    Mais importante ainda, porém, considero que esse requisito não decorre do próprio conceito de afetação direta. Interpretar esse conceito no sentido de ter implícito tal requisito é, no mínimo, questionável por duas ordens de razões: uma prática e uma sistemática.

    131.

    Em primeiro lugar, numa perspetiva prática, é impossível determinar com segurança aquilo em que se traduz a presença atual no mercado num caso como o presente. Exigir‑se‑ia a utilização efetiva das alegações relevantes sobre géneros alimentícios comercializados à data da interposição do recurso por omissão (ou de anulação)? E se essas alegações não puderem ser utilizadas na prática em virtude da aplicação do direito nacional (como poderá acontecer ao abrigo do regime transitório)? Ou exigir‑se‑ia alguma forma de presença no mercado dos géneros alimentícios que contivessem os ingredientes ou substâncias a que se referiam as alegações, sem que fosse necessária a utilização efetiva das alegações? E se ocorrer a venda de produtos (que utilizem as alegações), mas essa atividade for esporádica ou não for exercida há algum tempo? E se a entrada no mercado estiver iminente, mas ainda não tiver ocorrido? E se a entrada no mercado e a utilização de alegações só fizer sentido depois de a situação jurídica ter sido clarificada e as alegações terem sido autorizadas, a fim de justificar os investimentos necessários (em substância, um dos argumentos aduzidos pela Bionorica)?

    132.

    Em termos mais gerais, no caso dos recursos por omissão, como ter em conta o facto de, na verdade, estar em causa um debate totalmente hipotético relativo a efeitos diretos sobre uma situação jurídica que poderá só ser diretamente afetada muitos anos depois, mas que se aplica aos factos tal como se apresentam atualmente?

    133.

    As complexidades que rodeiam o conceito de presença no mercado (presença atual? presença esporádica? presença mínima? presença iminente?) poderão ser relevantes, por exemplo, para o interesse em agir. Com efeito, entendo que são decisivas para o operador a montante, ou seja, a Diapharm. Contudo, não podem, no meu entender, ser um requisito formal da afetação direta.

    134.

    Em segundo lugar, considero que tal abordagem seria intrinsecamente contraditória de um ponto de vista sistemático. Ou um ato cria direitos e proibições legais diretamente aplicáveis a uma pessoa singular, ou não. Tal como habitualmente formulado pela jurisprudência, o conceito de afetação direta exige uma análise dos direitos ou proibições que se aplicam a essa pessoa, e não da questão de saber se a mesma está a exercer ativamente esses direitos ou está a ser afetada pelas proibições num determinado momento. Mais uma vez, a situação factual concreta do recorrente no momento da interposição do recurso pode ser relevante para determinar o seu interesse em agir ( 73 ), mas não é conclusiva no contexto da afetação direta.

    135.

    Afigura‑se igualmente importante destacar aqui outro argumento sistemático. É jurisprudência assente que a presença no mercado é considerada completamente irrelevante pelo Tribunal de Justiça na apreciação da situação específica do recorrente para efeitos de determinação da afetação individual. Nesses processos, este Tribunal tem declarado reiteradamente que, em teoria, qualquer pessoa pode entrar no mercado em qualquer momento. Creio que seria algo estranho que exatamente o mesmo fator — presença efetiva no mercado —, que é considerado irrelevante para a apreciação da admissibilidade, fosse subitamente tido como decisivo na apreciação (manifestamente mais objetiva) dos direitos e obrigações legais do recorrente, para efeitos de determinação da afetação direta.

    136.

    Em resumo, entendo que não é possível interpretar o conceito de afetação direta no sentido de ter implícito o requisito da presença no mercado.

    137.

    Poderia esse requisito decorrer, ainda assim, do próprio Regulamento n.o 1924/2006?

    138.

    Em tese geral, um regulamento pode obviamente restringir a concessão de direitos e a imposição de obrigações a determinados grupos de pessoas. No presente caso e em relação a este Regulamento n.o 1924/2006 específico, porém, não existe qualquer requisito restritivo que exija a presença no mercado nesse sentido.

    139.

    As proibições de utilização de alegações estabelecidas no artigo 10.o do Regulamento n.o 1924/2006 são de aplicação geral. Isto significa que não se restringem a um grupo específico. Uma entidade que venda géneros alimentícios contendo ingredientes relevantes ou que contemple essa possibilidade é afetada, na medida em que fica diretamente sujeita à proibição legal de utilizar determinadas alegações de saúde. A presença efetiva no mercado não é relevante.

    140.

    No que respeita à autorização de alegações prevista no artigo 17.o, n.o 5, do regulamento, essa disposição estabelece que «[a]s alegações de saúde incluídas na lista prevista nos artigos 13.° e 14.° podem ser utilizadas […] por qualquer operador de uma empresa do setor alimentar […]» ( 74 ). Significa isto que o ato pretendido pelas recorrentes conferiria o direito legal de utilizar alegações apenas a um grupo restrito de pessoas, tal como definido num momento específico («operadores de empresas do setor alimentar»)?

    141.

    Essa é, com efeito, uma interpretação possível dessa disposição. Porém, não considero que seja a correta. A expressão «operador de uma empresa do setor alimentar» é definida como «a pessoa singular ou coletiva responsável pelo cumprimento das normas da legislação alimentar na empresa do setor alimentar sob o seu controlo» ( 75 ). Assim, ao invés de uma descrição clara, é fornecida uma descrição de um grupo numeroso e extremamente eclético, que abrange desde distribuidores de couve‑flor a produtores de bebidas energéticas e fabricantes de aminoácidos para utilização em suplementos alimentares. Além disso, trata‑se de um grupo aberto, cuja composição muda constantemente. Assim, conforme explicado nos n.os 134 e 135, supra, a lista de alegações de saúde autorizadas ou proibidas será imediatamente aplicável a qualquer pessoa que exerça essa atividade, simplesmente em virtude desse exercício ( 76 ).

    142.

    Assim sendo, é simplesmente ilógico tentar estabelecer uma distinção nítida entre, por um lado, um grupo «fechado» ao qual essa disposição confere diretamente direitos legais e, por outro, todas as outras pessoas ( 77 ).

    143.

    O facto de a referência no artigo 17.o, n.o 5, a «operadores de empresas do setor alimentar» não pretender definir um grupo fechado que beneficia de certos direitos legais, excluindo todos os outros, é igualmente ilustrado por uma comparação com casos em que essa abordagem foi adotada. Assim, por exemplo, no acórdão T&L Sugars ( 78 ), o Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso de anulação de um regulamento no setor do açúcar que concedia direitos a produtores de açúcar — um grupo fechado, definido muito claramente por referência a um processo de autorização ( 79 ) — com fundamento no facto de as recorrentes não serem membros desse grupo e de, consequentemente, a sua situação jurídica não ser afetada pelo regulamento ( 80 ).

    144.

    Em conclusão, considero que o ato final cuja adoção se pretende (ou seja, a aprovação da lista de alegações autorizadas em relação a substâncias botânicas) diz diretamente respeito à Bionorica, no sentido de que a sua situação jurídica é diretamente afetada por esse ato.

    4) Conclusão

    145.

    À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça declare admissível o recurso por omissão interposto pela Bionorica.

    146.

    Essa conclusão não exige qualquer mudança na interpretação dos requisitos de admissibilidade existentes. No entanto, convida à confirmação dos requisitos existentes e da articulação entre os mesmos. Em especial, exige a reiteração da diferença entre os conceitos de interesse em agir e afetação direta, que talvez se tenha esbatido em alguns casos ( 81 ).

    147.

    De acordo com a atual jurisprudência, o interesse em agir implica um benefício pessoal para o recorrente em virtude da adoção (ou anulação) do ato em causa, ou, pelo menos, uma clara possibilidade ou oportunidade de obter tal benefício ( 82 ). Esse benefício pode ser factual ou jurídico.

    148.

    A afetação direta exige que um ato «produza efeitos diretos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida, encarregados da sua implementação, já que esta é de caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias» ( 83 ).

    149.

    Existe claramente uma certa sobreposição entre o requisito do interesse em agir e o requisito da afetação direta. Contudo, têm teor e objetivos diferentes e importa distingui‑los. Não se trata de um mero exercício intelectual. Assume uma relevância prática inequívoca, especialmente para os recorrentes, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, devem demonstrar o preenchimento destes dois requisitos sob pena de rejeição do seu recurso.

    150.

    O interesse em agir visa, assim, a situação factual ou jurídica do recorrente e o impacto do desfecho do recurso sobre essa situação. Como condição de admissibilidade, pretende evitar recursos interpostos no interesse geral e recursos que em nada podem ajudar o recorrente. Daí a necessidade da existência de um benefício pessoal. De certa forma, pode ser vista como um «primeiro rastreio» dos recursos, possivelmente com um nível de exigência mais baixo em termos de impacto pessoal do que os dois requisitos principais: «afetação direta» e «afetação individual».

    151.

    Em contrapartida, a afetação direta privilegia a natureza do ato jurídico impugnado e o tipo de direito ou obrigação legal dele decorrente. Tem em conta o poder de apreciação do autor do ato e a existência de um ato intermédio suscetível de quebrar a ligação entre o ato da União e o recorrente. Uma vez que a afetação direta exige a produção de efeitos diretos sobre a situação jurídica do recorrente ( 84 ), o que importa determinar é se o ato cria direitos ou obrigações legais que o recorrente possa invocar ou que sejam suscetíveis de limitar os seus atos. Nesse contexto, não é conclusivo que, de acordo com os factos do processo, o recorrente esteja ou não a exercer ativamente esses direitos no momento em que interpõe o recurso.

    VII. Conclusão

    152.

    Proponho que o Tribunal de Justiça:

    1)

    relativamente ao processo C‑596/15 P

    anule o despacho proferido pelo Tribunal Geral da União Europeia no processo T‑619/14 e julgue admissível o recurso por omissão interposto pela recorrente naquele processo;

    devolva o processo ao Tribunal Geral para uma decisão sobre o mérito;

    ordene que a decisão quanto às despesas seja reservada.

    2)

    relativamente ao processo C‑597/15 P

    julgue o recurso improcedente;

    condene a recorrente nesse processo nas suas próprias despesas e nas despesas da Comissão.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos (JO 2006, L 404, p. 9).

    ( 3 ) Despacho de 16 de setembro de 2015, Bionorica/Comissão (T‑619/14, não publicado, EU:T:2015:723); despacho de 16 de setembro de 2015, Diapharm/Comissão (T‑620/14, não publicado, EU:T:2015:714).

    ( 4 ) V. n.o 1 dos despachos impugnados.

    ( 5 ) Regulamento da Comissão, de 16 de maio de 2012, que estabelece uma lista de alegações de saúde permitidas relativas a alimentos que não referem a redução de um risco de doença ou o desenvolvimento e a saúde das crianças (JO 2012, L 136, p. 1).

    ( 6 ) V. n.os 34 a 38 dos despachos impugnados.

    ( 7 ) V. n.os 40 a 45 do despacho impugnado no processo T‑619/14 e n.os 40 a 44 do despacho impugnado no processo T‑620/14.

    ( 8 ) N.os 46 a 48 do despacho impugnado no processo T‑619/14 e n.os 45 a 47 do despacho impugnado no processo T‑620/14.

    ( 9 ) N.os 49 a 53 do despacho impugnado no processo T‑619/14 e n.os 48 a 52 do despacho impugnado no processo T‑620/14.

    ( 10 ) N.o 54 do despacho impugnado no processo T‑619/14 e n.o 53 do despacho impugnado no processo T‑620/14.

    ( 11 ) N.o 56 do despacho impugnado no processo T‑620/14.

    ( 12 ) As recorrentes não numeram os fundamentos desta forma. Faço‑o apenas para facilitar a exposição.

    ( 13 ) Acórdãos de 22 de maio de 1985, Parlamento/Conselho (13/83, EU:C:1985:220, n.o 25); de 15 de setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão (T‑95/96, EU:T:1998:206, n.o 88); e de 7 de março de 2002, Intervet International/Comissão (T‑212/99, EU:T:2002:63, n.o 61).

    ( 14 ) São Mateus, 5:37. Versão King James 2000.

    ( 15 ) V., supra, n.os 18 a 20 das presentes conclusões.

    ( 16 ) Embora o façam numa secção intitulada «erros de facto», distinta da parte dedicada ao interesse em agir.

    ( 17 ) Acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, EU:C:1994:211, n.o 49) e de 15 de junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão (C‑237/98 P, EU:C:2000:321, n.os 35 e 36).

    ( 18 ) Despacho impugnado proferido no processo T‑619/14, n.os 1 e 48.

    ( 19 ) Acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 27); despacho de 31 de julho de 1989, S./Comissão (206/89 R, EU:C:1989:333, n.o 8). A jurisprudência diz geralmente respeito a recursos de anulação. Porém, relativamente a recursos por omissão, v. acórdãos de 27 de junho de 1995, Guérin automobiles/Comissão (T‑186/94, EU:T:1995:114, n.o 25), e de 7 de março de 2002, Intervet International/Comissão (T‑212/99, EU:T:2002:63, n.o 53).

    ( 20 ) Van Raepenbusch, S., «L’Intérêt à agir dans le contentieux communautaire, in Mélanges en hommage à Georges Vandersanden, Bruxelas, Bruyant, 2008, p. 381.

    ( 21 ) Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 42); despacho de 8 de abril de 2008, Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão (C‑503/07 P, EU:C:2008:207, n.o 48); acórdãos de 17 de abril de 2008, Flaherty e o./Comissão (C‑373/06 P, C‑379/06 P e C‑382/06 P, EU:C:2008:230, n.o 25), e de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 25).

    ( 22 ) Acórdão de 10 de julho de 1986, DEFI/Comissão (282/85, EU:C:1986:316, n.o 18); despacho de 25 de junho de 2003, Pérez Escolar/Comissão (T‑41/01, EU:T:2003:175, n.os 35 e 36) — confirmado em sede de recurso no despacho de 1 de outubro de 2004, Pérez Escolar/Comissão (C‑379/03 P, não publicado, EU:C:2004:580). A contrario, v. acórdão de 4 de abril de 2001, Regione Autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Commission (T‑288/97, EU:T:2001:115, n.o 49).

    ( 23 ) Acórdão de 18 de dezembro de 1997, ATM/Comissão (T‑178/94, EU:T:1997:210, n.os 59 a 62), no qual se entendeu que a confirmação ou a anulação da decisão não afetava, de modo algum, os interesses da recorrente e que, consequentemente, esta não tinha interesse em agir.

    ( 24 ) Acórdão de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão (53/85, EU:C:1986:256, n.o 16): «Convém averiguar se […] o ato impugnado constitui uma medida que produz efeitos jurídicos e é de molde a modificar de forma nítida a situação jurídica do recorrente e a afetar, dessa forma, os seus interesses». V. também, por exemplo, despacho de 3 de setembro de 2014, Schutzgemeinschaft Milch und Milcherzeugnisse/Comissão (T‑112/11, EU:T:2014:752, n.o 22); e acórdãos de 19 de setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI (Pastilha regular com incrustação) (T‑129/00, EU:T:2001:231, n.o 12); de 7 de março de 2002, Intervet International/Comissão (T‑212/99, EU:T:2002:63, n.o 43); e de 3 de abril de 2008, Kongra‑Gel e o./Conselho (T‑253/04, não publicado, EU:T:2008:88, n.os 82 a 85).

    ( 25 ) V., por exemplo, despacho de 15 de outubro de 2013, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (T‑13/12, não publicado, EU:T:2013:567, n.o 31), confirmado em sede de recurso, e acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356 n.o 25)

    ( 26 ) Esses acórdãos «parecem não distinguir [entre o requisito do interesse em agir] e o requisito da recorribilidade do ato» (v. Lenaerts, K., Maselis, I., e Gutman, K., EU Procedural Law, Oxford University Press, 2014, p. 356, nota de rodapé 528).

    ( 27 ) No caso dos recursos por omissão, é o ato final que se pretende seja adotado que deve ser recorrível no sentido de produzir efeitos jurídicos vinculativos. Porém, o recurso poderá ter especificamente por objeto a não adoção de um ato preparatório como passo intermédio. V., por exemplo, acórdão de 26 de setembro de 2013, Pioneer Hi‑Bred International/Comissão (T‑164/10, não publicado, EU:T:2013:503).

    ( 28 ) Do mesmo modo, há acórdãos que justapõem declarações sobre o interesse em agir e sobre a afetação direta. V., por exemplo, despacho de 3 de setembro de 2014, Schutzgemeinschaft Milch und Milcherzeugnisse/Comissão (T‑112/11, EU:T:2014:752, n.os 24 a 31). No entanto, ambos continuam a ser requisitos distintos.

    ( 29 ) V., por exemplo, acórdão de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão (T‑177/04, EU:T:2006:187, n.o 41).

    ( 30 ) Despacho de 5 de março de 2009, Comissão/Provincia di Imperia (C‑183/08 P, não publicado, EU:C:2009:136, n.o 26).

    ( 31 ) Acórdão de 21 de janeiro de 1987, Stroghili/Tribunal de Contas (204/85, EU:C:1987:21, n.o 11).

    ( 32 ) Acórdãos de de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 42), e de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 57).

    ( 33 ) Acórdão de 17 de setembro de 1992, NBV e NVB/Comissão (T‑138/89, EU:T:1992:95, n.o 33).

    ( 34 ) Acórdão de 9 de junho de 2011, Evropaïki Dynamiki/ BCE (C‑401/09 P, EU:C:2011:370, n.o 49).

    ( 35 ) Acórdão de 17 de abril de 2008, Flaherty e o./Comissão (C‑373/06 P, C‑379/06 P e C‑382/06 P, EU:C:2008:230).

    ( 36 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Gordon/Comissão (C‑198/07 P, EU:C:2008:761).

    ( 37 ) Acórdão de 17 de abril de 2008, Flaherty e o./Comissão (C‑373/06 P, C‑379/06 P e C‑382/06 P, EU:C:2008:230, n.o 32).

    ( 38 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Gordon/Comissão (C‑198/07 P, EU:C:2008:761, n.os 41 a 53).

    ( 39 ) V. artigo 28.o, n.os 5 e 6, do Regulamento n.o 1924/2006.

    ( 40 ) V. artigo 17.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1924/2006.

    ( 41 ) Retomarei a questão do caráter pessoal desse benefício para cada uma das recorrentes nos n.os 87 a 90 e 97 das presentes conclusões.

    ( 42 ) V. n.o 55, supra.

    ( 43 ) Nos seus despachos, o Tribunal Geral refere que o exercício dessa discricionariedade tem significado que, na prática, a probabilidade de as alegações serem autorizadas é muito reduzida. Não creio que uma probabilidade de sucesso de 10%, 50% ou 90% seja relevante para determinar o interesse em agir. Seria pura e simplesmente incorreto fazer depender o conceito do interesse em agir de estatísticas gerais relativas às escolhas efetuadas no passado pelo executivo em diferentes casos.

    ( 44 ) V., nesse sentido, acórdão de 26 de setembro de 2013, Pioneer Hi‑Bred International/Comissão (T‑164/10, não publicado, EU:T:2013:503, n.o 35). A questão do interesse em agir não foi objeto de uma análise aprofundada. No entanto, vale a pena mencioná‑lo aqui porque o Tribunal Geral considerou admissível uma ação por omissão fundada no facto de a Comissão não ter apresentado ao Conselho uma proposta de autorização de um OGM, embora tivesse sido plenamente reconhecido que essa proposta poderia ser rejeitada pelo Conselho, mas que também poderia ser aceite.

    ( 45 ) V. acórdãos de de 27 de junho de 1995, Guérin automobiles/Comissão (T‑186/94, EU:T:1995:114, n.o 25), de 7 de março de 2002, Intervet International/Comissão (T‑212/99, EU:T:2002:63, n.o 61) e de 26 de setembro de 2013, Pioneer Hi‑Bred International/Comissão (T‑164/10, não publicado, EU:T:2013:503).

    ( 46 ) Os acórdãos Intervet e Pioneer Hi‑Bred do Tribunal Geral (referidos na nota de pé de página n.o 45), na prática, consideram a existência de interesse em agir da perspetiva do interesse no resultado final do processo legislativo. Porém, a questão não foi especificamente analisada nos acórdãos.

    ( 47 ) Conforme supramencionado no n.o 66, esta dicotomia é redutora. Considero que a conceção binária «autorização — resultado positivo/rejeição — resultado negativo» é uma simplificação excessiva suscetível de induzir em erro. Conforme alegaram as recorrentes, a rejeição poderá trazer benefícios em termos de segurança jurídica. Por outro lado, a autorização não é exatamente uma carte blanche. Poderá, por exemplo, estar associada a condições que os operadores considerem mais onerosas do que as impostas pelo regime transitório.

    ( 48 ) V. nota de pé de página n.o 44, supra. A existência de interesse em agir nem sequer foi posta em causa nesse processo.

    ( 49 ) Aqui, o Tribunal Geral adota um raciocínio que se abstrai basicamente da situação específica de qualquer uma das recorrentes.

    ( 50 ) Esta situação é diferente da situação em causa no processo Andechser [acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356)]. Nesse processo, a recorrente alegava que tinha sofrido uma desvantagem concorrencial porque os seus produtos (iogurtes biológicos) concorriam com os iogurtes não biológicos. O regulamento impugnado permitia a utilização de um sucedâneo do açúcar, o esteviol, como aditivo em iogurtes não biológicos, mas não permitia expressamente a utilização de esteviol como ingrediente em iogurtes biológicos. O Tribunal de Justiça entendeu que, naquele caso, a recorrente não tinha demonstrado a existência de interesse em agir porque não tinha feito prova da alegada relação de concorrência entre produtos biológicos e não biológicos.

    ( 51 ) Com efeito, conforme referido supra no contexto do primeiro fundamento, nos n.os 42 a 46, o Tribunal Geral até afirma (incorretamente) que tal entrada já se verificou.

    ( 52 ) Importa salientar que o que está aqui em causa é uma questão processual sobre o interesse em agir, não uma questão substantiva sobre danos.

    ( 53 ) Despacho impugnado no processo T‑620/14, n.o 53.

    ( 54 ) V., por exemplo, acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, não publicado, EU:C:2015:356, n.o 27).

    ( 55 ) Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 47 e 48).

    ( 56 ) Acórdão de 26 de novembro de 1996, T. Port (C‑68/95, EU:C:1996:452, n.o 59); despacho de 1 de outubro de 2004, Pérez Escolar/Comissão (C‑379/03 P, não publicado, EU:C:2004:580, n.o 15).

    ( 57 ) Acórdão de 26 de novembro de 1996 (C‑68/95, EU:C:1996:452, n.o 59).

    ( 58 ) Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 57); conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2014:2283, n.os 19 e 20).

    ( 59 ) Acórdão de 1 de abril de 2004, Comissão/Jégo‑Quéré (C‑263/02 P, EU:C:2004:210), que anulou o acórdão de 3 de maio de 2002, Jégo‑Quéré/Comissão (T‑177/01, EU:T:2002:112).

    ( 60 ) Acórdão de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, EU:C:2002:462).

    ( 61 ) Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17, p. 107).

    ( 62 ) Confrontar com o acórdão de 30 de abril de 2014, Hagenmeyer e Hahn/Comissão (T‑17/12, EU:T:2014:234, n.o 61).

    ( 63 ) V. artigos 13.°, n.o 3, e 24.°, n.o 2, do Regulamento n.o 1924/2006.

    ( 64 ) Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625). No seu acórdão de 12 de junho de 2015, Health Food Manufacturers’ Association e o./Comissão (T‑296/12, EU:T:2015:375, n.o 37), o Tribunal Geral concluiu que o Regulamento n.o n.o 432/2012 era um ato regulamentar.

    ( 65 ) Acórdão de 12 de junho de 2015, Health Food Manufacturers’ Association e o./Comissão (T‑296/12, EU:T:2015:375, n.o 50).

    ( 66 ) Acórdãos de 5 de maio de 1998, Glencore Grain/Comissão (C‑404/96 P, EU:C:1998:196, n.o 41); de 13 de maio de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159, n.o 47); e de 2 de julho de 2009, Bavaria e Bavaria Italia (C‑343/07, EU:C:2009:415, n.o 43). V. também acórdãos de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão (C‑386/96 P, EU:C:1998:193, n.o 43), e de 10 de setembro de 2009, Comissão/Ente per le Ville Vesuviane e Ente per le Ville Vesuviane/Comissão (C‑445/07 P e C‑455/07 P, EU:C:2009:529, n.o 45). Saliento que o processo Dreyfus foi o primeiro em que o Tribunal de Justiça utilizou a formulação jurisprudencial referida aos atos que afetem diretamente a «situação jurídica» do recorrente. Ainda que o n.o 43 desse processo se refira a uma série de precedentes que apoiam tal conclusão, nenhum deles se debruça sobre o referido impacto direto na situação jurídica do recorrente como requisito da afetação direta (além disso, no processo Dreyfus, o Tribunal de Justiça declarou que, em última análise, o ato impugnado afetava a situação jurídica do recorrente, com o que revogou a decisão do Tribunal General nesse particular).

    ( 67 ) Não obstante, também partilho as dúvidas anteriormente expressas noutro processo quanto à aptidão desta fórmula para refletir as inúmeras subtilezas do conceito de «afetação direta» tal como aplicado pelo Tribunal de Justiça (v. conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:21, n.o 71). Em especial, no que respeita ao primeiro elemento do critério, é frequente considerar que existe afetação direta quando os efeitos dos atos relevantes sobre o recorrente não são jurídicos, mas meramente factuais (por exemplo, quando a sua capacidade como participante no mercado em concorrência com outros participantes no mercado é diretamente afetada). A jurisprudência sobre recursos de decisões relativas a auxílios estatais e a concentrações fornece exemplos óbvios desse fenómeno. Relativamente aos auxílios estatais, v. acórdão de 12 de julho de 1990, Cofaz e o./Comissão (C‑169/84, EU:C:1990:301, n.o 9), no qual a admissibilidade foi considerada um dado adquirido. V. também acórdão de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.os 31, e 35 a 38). Para um exemplo mais recente, v. acórdão de 15 de setembro de 2016, Ferracci/Comissão (T‑219/13, EU:T:2016:485, n.o 44). No que respeita ao controlo de concentrações, v. acórdãos de 3 de abril de 2003, BaByliss/Comissão (T‑114/02, EU:T:2003:100, n.o 89), e de 30 de setembro de 2003, ARD/Comissão (T‑158/00, EU:T:2003:246, n.o 60).

    ( 68 ) Acórdão de 12 de junho de 2015, Health Food Manufacturers’ Association e o./Comissão (T‑296/12, EU:T:2015:375, n.o 50).

    ( 69 ) No entanto, v. n.os 137 a 139, infra.

    ( 70 ) Acórdão de 12 de junho de 2015, Health Food Manufacturers’ Association e o./Comissão (T‑296/12, EU:T:2015:375, n.os 40 e 41).

    ( 71 ) Acórdão de 30 de abril de 2014, Hagenmeyer e Hahn/Comissão (T‑17/12, EU:T:2014:234). Nesse processo, o recorrente era um professor universitário que tinha apresentado um pedido de autorização para uma alegação de saúde que exaltava as virtudes da água. O seu pedido de anulação da recusa da Comissão sob a forma do Regulamento n.o 1170/2011 [Regulamento (UE) n.o 1170/2011 da Comissão, de 16 de novembro de 2011, que recusa autorizar determinadas alegações de saúde sobre os alimentos e relativas à redução de um risco de doença (JO 2011, L 299, p. 1)] foi declarado admissível pelo Tribunal Geral.

    ( 72 ) No acórdão de 25 de outubro de 2011, Microban International e Microban (Europe)/Comissão (T‑262/10, EU:T:2011:623), as recorrentes impugnaram a proibição de utilização de triclosan em materiais de acondicionamento de alimentos. As recorrentes fabricavam, vendiam e comercializavam aditivos, e tinham pedido a inclusão do triclosan na lista de aditivos autorizados pela Diretiva 90/128/CEE da Comissão, de 23 de fevereiro de 1990, relativa aos materiais e objetos de matéria plástica destinados a entrar em contacto com os géneros alimentícios (JO 1990, L 75, p. 19). Era evidente que seriam comercialmente afetadas pela proibição (v. n.o 28 do acórdão Microban). Porém, não estavam efetivamente presentes no mercado a jusante de materiais de acondicionamento de alimentos.

    ( 73 ) V. a análise supra em relação ao interesse em agir (secção C).

    ( 74 ) O sublinhado é meu.

    ( 75 ) V. artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1924/2006 e artigo 3.o, ponto 3), do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1).

    ( 76 ) _ São igualmente suscitadas outras questões relativas a atividades esporádicas ou temporárias no setor alimentar, conforme já sublinhado no n.o 131, supra.

    ( 77 ) Com efeito, defender o entendimento contrário seria admitir que, neste caso, as recorrentes poderiam ter criado artificialmente uma situação de afetação direta, exercendo temporariamente uma atividade marginal e totalmente distinta no setor alimentar, a fim de usufruir do estatuto de «operador de uma empresa do setor alimentar». Não seria credível nem coerente atribuir tais consequências jurídicas à presença num segmento distante do setor alimentar e, ao mesmo tempo, declarar irrelevante uma presença consolidada em mercados próximos.

    ( 78 ) Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284).

    ( 79 ) No acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.o 34), o Tribunal de Justiça entendeu que apenas poderiam apresentar pedidos as «[…] empresas produtoras de açúcar de beterraba ou de cana, ou de isoglicose, que tenham sido aprovadas nos termos do artigo 57.o do Regulamento n.o 1234/2007 e às quais tenha sido atribuída uma quota de produção a título de determinada campanha de comercialização».

    ( 80 ) Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.o 37).

    ( 81 ) V. nota de pé de página 26, supra.

    ( 82 ) V., supra, n.o 50 das presentes conclusões.

    ( 83 ) Acórdão de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão (C‑386/96 P, EU:C:1998:193, n.o 43). V. outros acórdãos referidos supra na nota de pé de página 66. V. também nota de pé de página 71, supra. Porém, não é necessário abordar aqui a questão da afetação direta «factual».

    ( 84 ) V. nota de pé de página n.o 67, supra.

    Top