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Document 62015CC0348

    Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 8 de setembro de 2016.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:662

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    JULIANE KOKOTT

    apresentadas em 8 de setembro de 2016 ( 1 )

    Processo C‑348/15

    Stadt Wiener Neustadt

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria)]

    «Política ambiental — Diretiva 85/337/CEE na redação dada pela Diretiva 97/11/CE — Avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente — Âmbito de aplicação — Legislação de um Estado‑Membro destinada a sanar uma autorização definitiva apesar da inexistência de uma avaliação dos efeitos no ambiente — Segurança jurídica e proteção da confiança legítima»

    I – Introdução

    1.

    Vários processos relacionados com a Áustria demonstraram que, pelo menos no passado, este Estado‑Membro se debateu com sérias dificuldades na aplicação da Diretiva AIA ( 2 ) ( 3 ). Receia‑se que vários projetos que teriam necessitado de ser submetidos a uma avaliação do seu impacto ambiental nos termos da referida diretiva tenham sido concretizados sem uma avaliação deste tipo.

    2.

    O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito a uma regulamentação que tem por objeto as consequências deste tipo de violação da Diretiva AIA. Nos termos da mesma, um projeto é considerado autorizado em conformidade com as normas de transposição austríacas caso tenham decorrido três anos desde a autorização concedida em violação destas disposições. Este prazo restringe simultaneamente o poder das autoridades competentes de anular uma autorização concedida em violação das regulamentações austríacas.

    3.

    Por conseguinte, importa esclarecer em que medida uma tal ficção de autorização legal é compatível com o direito da União. A decisão do Tribunal de Justiça pode ter efeitos práticos significativos não só na Áustria, mas também em outros Estados‑Membros.

    II – Quadro jurídico

    A – Direito da União

    4.

    O pedido de decisão prejudicial diz respeito a uma derrogação à obrigação de proceder a uma avaliação dos efeitos no ambiente que, inicialmente, estava consagrada no artigo 1.o, n.o 5 ( 4 ) e, mais tarde, no artigo 1.o, n.o 4 ( 5 ), da Diretiva AIA:

    «A presente diretiva não se aplica aos projetos que são adotados em pormenor por um ato legislativo nacional específico, visto os objetivos da presente diretiva, incluindo o de fornecer informações, serem atingidos através do processo legislativo.»

    5.

    Esta disposição pode agora ser encontrada, com alterações pouco significativas, no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva AIA.

    6.

    Importa, além disso, remeter para a obrigação fundamental do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva AIA, que não foi alterada pelas referidas redações da diretiva:

    «Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a um pedido de aprovação e a uma avaliação dos seus efeitos. […]»

    B – Direito austríaco

    7.

    No presente processo, assumem relevância duas disposições da lei austríaca sobre a avaliação do impacto ambiental (Umweltverträglichkeitsprüfungsgesetz, a seguir «UVP‑G 2000»), na sua versão de 2009 aplicável ao presente caso. O § 3, n.o 6 contém um prazo de preclusão aplicável à declaração de nulidade de autorizações concedidas sem a necessária avaliação dos efeitos no ambiente:

    «Antes da conclusão da avaliação do impacto ambiental ou da avaliação individual, no caso dos projetos sujeitos a avaliação nos termos dos n.os 1, 2 ou 4, não será concedida nenhuma autorização e as declarações efetuadas nos termos das disposições administrativas antes da conclusão da avaliação não têm qualquer valor jurídico. As autorizações concedidas em violação da presente disposição podem ser declaradas nulas num prazo de três anos pela autoridade competente nos termos do § 39, n.o 3.»

    8.

    O § 46, n.o 20, ponto 4, da UVP‑G 2000 prevê uma ficção de autorização aplicável a projetos antigos que estabelece uma ligação com o § 3, n.o 6:

    «Os projetos cuja autorização já não está exposta ao risco de nulidade resultante do § 3, n.o 6, à data da entrada em vigor da Lei federal publicada no BGBl. I n.o 87/2009 são considerados autorizados nos termos da presente lei.»

    III – Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

    9.

    De acordo com os registos da Stadt Wiener Neustadt, a A.S.A. Abfall Service AG (a seguir «ASA Abfall») explora uma instalação de tratamento físico‑químico de resíduos perigosos, uma estação de transferência de resíduos, bem como uma instalação de tratamento de combustíveis de substituição, que é a única objeto no presente processo.

    10.

    Nos termos do pedido de decisão prejudicial, nesta última instalação os resíduos de plástico são essencialmente triturados em distintas fases até serem reduzidos a um tamanho que permite a sua utilização como combustível industrial de substituição, destinado principalmente à indústria cimenteira; nessa instalação é, por conseguinte, efetuado um tratamento físico dos resíduos não perigosos.

    11.

    Esta instalação dispõe de diferentes autorizações setoriais, a saber, autorizações de direito comercial para atividade industrial concedidas pelo presidente da câmara da Stadt Wiener Neustadt, em 1986 e em 1993; autorizavam, então, um volume de resíduos de 9990 toneladas anuais. Em 10 de dezembro de 2002, o presidente da Baixa Áustria aprovou uma extensão da instalação para uma capacidade máxima de 34000 toneladas anuais. Esta decisão não incluía a quantidade máxima diária de resíduos a tratar. A instalação não possui nenhuma autorização ao abrigo da UVP‑G 2000, que regula, na Áustria, a avaliação do impacto ambiental.

    12.

    De acordo com as conclusões no processo nacional, este aumento de capacidade devia ser alcançado através de uma extensão da linha existente e da construção de uma nova linha de tratamento. Atualmente, são produzidas entre 17000 e 21000 toneladas por ano, de maneira que não é excedida a capacidade autorizada. Tal deve‑se ao facto de a segunda linha de tratamento autorizada por essa decisão ainda não ter sido construída.

    13.

    Em 19 de agosto de 2009 (data de entrada em vigor da versão alterada da UVP‑G‑2009), a decisão definitiva de 10 de dezembro de 2002 deixou de estar exposta ao risco de nulidade decorrente do § 3, n.o 6, da UVP‑G 2000. Nos termos desta disposição, as autorizações concedidas a projetos sujeitos a avaliação do impacto ambiental com base em legislação específica em vez de uma autorização, nos termos da UVP‑G 2000, podiam ser anuladas no prazo de três anos.

    14.

    Por carta de 30 de abril de 2014, o Niederösterreichische Umweltanwalt (provedor do ambiente da Baixa Áustria) pediu ao Governo do Land da Baixa Áustria para decidir se as instalações, atividades e medidas da ASA Abfall na localidade de Wiener Neustadt cumpriam, separada ou conjuntamente, os requisitos estipulados na UVP‑G 2000 e se existia, assim, uma obrigação de realizar uma avaliação do impacto ambiental.

    15.

    Por decisão de 27 de junho de 2014, o Governo do Land da Baixa Áustria declarou que nomeadamente a instalação de tratamento do combustível de substituição não estava sujeita à obrigação de realizar uma avaliação do impacto ambiental. Esta decisão baseava‑se, nomeadamente, no § 46, n.o 20, ponto 4, da UVP‑G 2000, nos termos da qual as antigas instalações eram consideradas autorizadas com base na UVP‑G 2000 após a expiração do prazo de três anos previsto no § 3, n.o 6, da mesma lei.

    16.

    A cidade de Wiener Neustadt interpôs recurso desta decisão. Após este recurso ter sido julgado improcedente em primeira instância, o recurso interposto pela cidade de Wiener Neustadt está atualmente pendente no Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo). O referido órgão jurisdicional submeteu a seguinte questão ao Tribunal de Justiça:

    «Opõe‑se o direito da União, em particular, a [nova redação da] Diretiva […] [AIA], em particular, o seu artigo 1.o, n.o 4, e a [anterior redação desta] diretiva […], em particular, o seu artigo 1.o, n.o 5, a uma disposição nacional, nos termos da qual os projetos sujeitos a uma obrigação de avaliação do impacto ambiental que não possuíam uma autorização nos termos da lei nacional sobre a avaliação do impacto ambiental de 2000 […], mas apenas autorizações concedidas com base em leis setoriais (como a lei austríaca sobre a gestão de resíduos, a Abfallwirtschaftsgesetz) que a partir de 19 de agosto de 2009 (data da entrada em vigor da versão alterada da UVP‑G de 2009) já não podem ser declaradas nulas em razão da expiração do prazo de três anos previsto pelo direito nacional (§ 3, n.o 6 da UVP‑G 2000), são considerados autorizados de acordo com a UVP‑G 2000 ou essa disposição está conforme aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima consagrados pelo direito da União?»

    17.

    A Stadt Wiener Neustadt, a A.S.A. Abfall Service AG, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

    IV – Apreciação jurídica

    18.

    O pedido de decisão prejudicial diz respeito à questão de saber em que medida é compatível com a Diretiva AIA que a inexistência de uma avaliação de impacto ambiental possa ser sanada por uma ficção legal, nos termos da qual o projeto foi autorizado em conformidade com as normas relativas à transposição da Diretiva AIA.

    19.

    As questões de saber se a unidade de tratamento de resíduos controvertida teria necessitado de uma avaliação do impacto ambiental ( 6 ) ou se todos os requisitos de uma avaliação deste tipo já tinham sido cumpridos noutro processo ( 7 ) não são, porém, objeto do pedido de decisão prejudicial.

    20.

    Para responder a esta questão importa começar por identificar a versão da Diretiva AIA aplicável (v., infra, o ponto A), depois analisar a obrigação fundamental de avaliar os efeitos no ambiente (v., infra, o ponto B) e de seguida a disposição, expressamente referida na questão, relativa à autorização de projetos por atos legislativos, anteriormente o artigo 1.o, n.o 4 ou 5 e atualmente o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva AIA (v., infra, o ponto C) e, por fim, o princípio da efetividade que rege a aplicação prática das obrigações decorrentes do direito da União (v., infra, o ponto D).

    A – Quanto à versão pertinente da Diretiva AIA

    21.

    Apesar de o pedido de declaração em causa ter sido apresentado em 2014 e de a decisão definitiva não poder ser adotada antes de 2017, a obrigação de realizar uma avaliação do impacto ambiental deve, no entanto, ser apreciada de acordo com as disposições aplicáveis à respetiva autorização. Neste âmbito, apenas pode ser tida em consideração a autorização da extensão da capacidade de 10 de dezembro de 2002, na medida em que as restantes autorizações foram concedidas antes de a Áustria ter aderido à União.

    22.

    Em 10 de dezembro de 2002 aplicava‑se a Diretiva 85/337 na redação que lhe foi dada pela Diretiva 97/11. Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, desta última diretiva, as suas alterações eram aplicáveis a pedidos de aprovação apresentados a partir de 14 de março de 1999.

    23.

    Na medida em que a ASA Abfall requereu a autorização de 10 de dezembro de 2002 em 17 de junho de 2002 ( 8 ), deve, por conseguinte, aplicar‑se a Diretiva 85/337 na redação que lhe foi dada pela Diretiva 97/11.

    B – Quanto à obrigação de proceder à avaliação

    24.

    O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva AIA deve constituir o ponto de partida para a resposta à questão prejudicial. Nos termos do mesmo, os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a uma avaliação dos seus efeitos.

    25.

    Assim, o Tribunal de Justiça já concluiu que compete às autoridades do Estado‑Membro, no âmbito das suas competências, adotar todas as medidas necessárias, gerais ou especiais, para que os projetos sejam examinados a fim de determinar se os mesmos são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente e, na afirmativa, para que sejam submetidos a um estudo do impacto ambiental. Constituem, designadamente, medidas particulares deste tipo, por exemplo, dentro dos limites do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, a revogação ou suspensão de uma aprovação já concedida a fim de efetuar uma avaliação dos efeitos do projeto em questão no ambiente conforme prevista na Diretiva AIA ( 9 ).

    26.

    A ficção de autorização prevista no direito austríaco poderia levar a que os projetos autorizados em violação da Diretiva AIA já não possam ser avaliados. Por conseguinte, importa analisar se a ficção legal pode ser fundamentada em derrogações à obrigação de avaliação.

    C – Quanto às derrogações à obrigação de avaliação

    27.

    Tal como é sugerido desde logo pelo pedido de decisão prejudicial e sublinhado tanto pela Stadt Wiener Neustadt como pela Comissão, a ficção legal da autorização de um número desconhecido de projetos sujeitos a uma avaliação do impacto ambiental não pode ser fundamentada na derrogação aplicável à autorização de determinados projetos por um ato legislativo, anteriormente consagrada no artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva AIA (posteriormente no artigo 1.o, n.o 4 e atualmente, após as alterações, no artigo 2.o, n.o 5).

    28.

    A aplicação desta derrogação exige, por um lado, que o projeto seja adotado em pormenor por um ato legislativo específico; por outro, o Tribunal de Justiça concluiu que os objetivos desta diretiva, incluindo o de fornecer informações, devem ser atingidos através do processo legislativo ( 10 ). Esta última condição já tinha sido prevista no artigo 1.o, n.os 4 ou 5 das versões da diretiva anteriormente aplicáveis, tendo sido expressa de uma forma mais clara na versão mais recente da disposição pertinente, o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva AIA atualmente aplicável.

    29.

    A ficção da autorização de projetos legalmente prevista na Áustria foi, no entanto, adotada sem que os projetos em causa ou os seus impactos ambientais fossem conhecidos em pormenor, e muito menos analisados. Por conseguinte, não está em causa nem um ato legislativo específico que autorizou determinados projetos, nem os objetivos da Diretiva AIA foram atingidos através do processo legislativo.

    30.

    Tal não pode, no entanto, ser entendido no sentido de que a derrogação à autorização de projetos por atos legislativos se opõe a uma ficção legal de autorização. Pelo contrário, esta disposição apenas não contém qualquer regulamentação relativa a uma ficção legal de autorização de projetos que teriam necessitado de uma avaliação do impacto ambiental.

    31.

    Por uma questão de exaustividade, importa remeter para o facto de se aplicar o mesmo em relação às restantes derrogações previstas na Diretiva AIA: estas não são pertinentes, mas também não contêm qualquer regulamentação relativa a uma ficção legal de autorizações.

    D – Quanto ao princípio da efetividade

    32.

    Importa, no entanto, recordar que a já referida ( 11 ) obrigação de revogar ou suspender autorizações já concedidas sem que tenha sido efetuada uma avaliação dos efeitos no ambiente é restringida pelo princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros ( 12 ).

    33.

    Nos termos deste princípio, as modalidades processuais aplicáveis dependem da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, desde que não sejam reguladas pelo direito da União. Não podem, no entanto, ser menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade) ( 13 ).

    34.

    No presente caso não é evidente uma violação do princípio da equivalência.

    1. Quanto à regularização posterior (sanação) de violações

    35.

    No que respeita ao princípio da efetividade, o direito da União não se pode opor a que regras nacionais aplicáveis permitam, em certos casos, regularizar operações ou atos irregulares na perspetiva do direito da União. Esta possibilidade deve ser subordinada à condição de não oferecer aos interessados a oportunidade de contornarem as regras do direito da União ou de não as aplicarem, e de ser excecional ( 14 ).

    36.

    Sem que se torne necessário analisar de forma mais pormenorizada que «determinados casos» poderiam justificar uma regularização ou se se verifica um risco de as normas serem contornadas, é possível constatar que a ficção de autorização prevista no direito austríaco não representa, em todo o caso, uma exceção.

    37.

    A ficção diz respeito a um círculo por princípio delimitado de projetos, designadamente projetos que foram aprovados há mais de três anos antes da entrada em vigor da regulamentação relativa à ficção. No entanto, não é claro quais os projetos que podem efetivamente beneficiar desta regulamentação devido ao facto de terem sido autorizados sem a avaliação do impacto ambiental, apesar de esta avaliação ser necessária. De forma a esclarecer esta situação seria necessário analisar todos os projetos que foram autorizados na Áustria durante o período em causa e que poderiam ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva AIA, mas que não foram sujeitos a qualquer avaliação dos seus efeitos no ambiente.

    38.

    Além disso, o Tribunal de Justiça sublinhou recentemente, em relação à diretiva relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente ( 15 ), que apresenta várias semelhanças com a Diretiva AIA, que mesmo a manutenção provisória de planos e projetos adotados em violação da Primeira Diretiva pressupõe sempre uma análise casuística e está sujeita a outras condições mais estritas ( 16 ). Tendo em consideração a estrutura regulamentar da ficção legal de autorização no direito austríaco não se pode, no entanto, presumir que ela implique uma análise casuística.

    2. Quanto à admissibilidade de prazos de preclusão

    39.

    No entanto, daqui não decorre que as autorizações concedidas sem uma avaliação dos efeitos no ambiente e que teriam necessitado de uma avaliação devam ser todas revogadas ou suspensas de forma a possibilitar a realização da avaliação. Pelo contrário, segundo jurisprudência constante, a fixação de prazos razoáveis de recurso sob pena de preclusão, por razões de segurança jurídica, que protege tanto os particulares como a autoridade, é compatível com o direito da União. Com efeito, tais prazos não são suscetíveis de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União ( 17 ); são, por conseguinte, compatíveis com o princípio da efetividade.

    40.

    O prazo de três anos para a anulação de uma autorização concedida sem a necessária avaliação do impacto ambiental parece razoável, pode mesmo dizer‑se generoso, caso os interessados — tal como sucede no processo principal com a Stadt Wiener Neustadt — tiveram, ou devessem ter tido, conhecimento da autorização ( 18 ).

    41.

    Neste sentido, a Diretiva AIA e o princípio da efetividade não se opõem, por razões de segurança jurídica, a uma legislação nacional que exclui que as autoridades competentes declarem nula a autorização de um projeto concedido em violação da referida diretiva caso tenham passado três anos desde a data dessa autorização.

    3. Quanto às obrigações da Diretiva AIA ainda existentes

    42.

    Um prazo de preclusão razoável para impugnar uma autorização não significa, no entanto, que se possa presumir que esta autorização tenha sido concedida em conformidade com as exigências da Diretiva AIA. Isto é evidenciado, desde logo, pelo facto de o Tribunal de Justiça diferenciar entre a regularização de uma autorização, apenas excecionalmente admitida, e prazos de preclusão razoáveis sem caráter excecional. Esta diferenciação tem também efeitos práticos, na medida em que, apesar do prazo de preclusão, continuam a subsistir em relação ao projeto em causa outras obrigações nos termos da Diretiva AIA.

    43.

    O Tribunal já constatou a existência deste tipo de obrigações na hipótese de, após a entrada em vigor da Diretiva AIA, se verificar que foram realizadas obras ou intervenções físicas que devessem ser consideradas como um projeto na aceção desta diretiva, sem que os seus efeitos no ambiente tivessem sido objeto de uma avaliação numa fase anterior do processo de licenciamento. Nesse caso, incumbe às autoridades competentes ter esta situação em conta na fase de concessão de uma posterior autorização e assegurar o efeito útil da dita diretiva, salvaguardando a realização de tal avaliação, pelo menos, nessa fase do processo ( 19 ).

    44.

    No caso da instalação controvertida não se pode, por exemplo, excluir que a construção da segunda linha de tratamento já autorizada ainda necessite de uma licença de construção. Num processo de licenciamento deste tipo seria necessário proceder posteriormente à avaliação do impacto ambiental caso esta tivesse sido originariamente imposta.

    45.

    Nem a segurança jurídica nem a confiança na existência da autorização se opõem à obrigação de proceder posteriormente a uma avaliação do impacto ambiental não realizada.

    46.

    Isto porque a avaliação enquanto tal não está associada a consequências jurídicas materiais relativas a uma ponderação do impacto ambiental com outros fatores nem seria proibida a realização dos projetos que são suscetíveis de ter incidências negativas no ambiente ( 20 ). É de esperar que a identificação de danos ambientais significativos conduza à adoção de medidas de prevenção ou à desistência do projeto. Caso tal não se verifique, a avaliação dos efeitos no ambiente continua a ter a função de reunir, documentar e difundir informações sobre o impacto ambiental ( 21 ).

    47.

    As desvantagens para o promotor do projeto estão essencialmente relacionadas com as dificuldades associadas à avaliação, mas o mesmo também teria de aceitar este encargo caso a avaliação tivesse sido efetuada no período devido. A eventual confiança no facto de esta desvantagem poder ser evitada não se sobrepõe, em todo o caso, ao interesse do público afetado de obter informações abrangentes sobre o seu impacto ambiental e de se expressar a este respeito.

    48.

    A declaração de que o projeto deve ser objeto de uma avaliação do impacto ambiental, requerida no processo principal, seria adequada à promoção da realização posterior de uma avaliação do impacto ambiental não efetuada. Isto porque após uma declaração deste tipo já não se torna necessário analisar, no contexto de um processo de licenciamento posterior, se os trabalhos realizados no passado necessitariam de uma avaliação que ainda teria de ser efetuada.

    49.

    Em contrapartida, é de recear que a ficção legal de uma autorização em conformidade com a Diretiva AIA seja entendida no sentido de que a autorização em causa não é apenas definitiva, mas também cumpre todos os requisitos da diretiva.

    50.

    Por conseguinte, uma ficção legal, nos termos da qual um projeto é considerado autorizado em conformidade com a Diretiva AIA caso tenham decorridos três anos desde a autorização concedida em violação destas disposições, não é compatível com a diretiva e o princípio da efetividade.

    V – Conclusão

    51.

    Proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo:

    1.

    A Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, na redação dada pela Diretiva 97/11/CE, e o princípio da efetividade não se opõem, por razões de segurança jurídica, a uma legislação nacional que exclui que as autoridades competentes declarem nula a autorização de um projeto concedido em violação da referida diretiva caso tenham passado três anos desde a data dessa autorização.

    2.

    Uma ficção legal, nos termos da qual um projeto é considerado autorizado em conformidade com a Diretiva 85/337, na redação dada pela Diretiva 97/11/CE, caso tenham decorridos três anos desde a autorização concedida em violação destas disposições, não é compatível com a diretiva e o princípio da efetividade.


    ( 1 ) Língua original: alemão.

    ( 2 ) Atual Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2011, L 26, p. 1), com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 (JO 2014, L 124, p. 1).

    ( 3 ) V., designadamente, os acórdãos de 14 de março de 2013, Leth (C‑420/11, EU:C:2013:166), de 21 de março de 2013, Salzburger Flughafen (C‑244/12, EU:C:2013:203), de 11 de fevereiro de 2015, Marktgemeinde Straßwalchen e o. (C‑531/13, EU:C:2015:79), e de 16 de abril de 2015, Gruber (C‑570/13, EU:C:2015:231).

    ( 4 ) Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 1985, L 175, p. 40, EE 15 F6 p. 9) na redação dada pela Diretiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de março de 1997 (JO 1997, L 73, p. 5).

    ( 5 ) Versão original da Diretiva 2011/92.

    ( 6 ) V., a este respeito, o acórdão de 23 de novembro de 2006, Comissão/Itália (C‑486/04 [Massafra], EU:C:2006:732, n.os 40 e segs.)

    ( 7 ) V. as minhas conclusões no processo Gruber (C‑570/13, EU:C:2014:2374, n.os 55 a 59).

    ( 8 ) P. 12 da decisão de 10 de dezembro de 2002 (anexo ao articulado da ASA Abfall).

    ( 9 ) Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 65).

    ( 10 ) Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Solvay e o. (C‑182/10, EU:C:2012:82, n.o 31 e a jurisprudência aí referida).

    ( 11 ) V. supra, n.o 25.

    ( 12 ) Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 65).

    ( 13 ) V., por exemplo, os acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 67) e de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.os 26 e 27).

    ( 14 ) Acórdãos de 3 de julho de 2008, Comissão/Irlanda (C‑215/06, EU:C:2008:380, n.o 57) e de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 87).

    ( 15 ) Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001 (JO 2001, L 197, p. 30).

    ( 16 ) Acórdão de 28 de julho de 2016, Association France Nature Environnement (C‑379/15, EU:C:2016:603, em particular o n.o 43).

    ( 17 ) Acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral (33/76, EU:C:1976:188, n.o 5), de 17 de novembro de 1998, Aprile (C‑228/96, EU:C:1998:544, n.o 19), de 30 de junho de 2011, Meilicke e o. (C‑262/09, EU:C:2011:438, n.o 56) e de 29 de outubro de 2015, BBVA (C‑8/14, EU:C:2015:731, n.o 28).

    ( 18 ) V. as minhas conclusões no processo Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:491, n.o 108).

    ( 19 ) Acórdão de 17 de março de 2011, Brussels Hoofdstedelijk Gewest e o. (C‑275/09, EU:C:2011:154, n.o 37).

    ( 20 ) Acórdão de 14 de março de 2013, Leth (C‑420/11, EU:C:2013:166, n.o 46).

    ( 21 ) V. as minhas conclusões no processo Leth (C‑420/11, EU:C:2012:701, n.os 49 e segs.).

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