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Document 62013CC0539

    Conclusões do advogado-geral N. Jääskinen apresentadas em 23 de outubro de 2014.
    Merck Canada Inc. e Merck Sharp & Dohme Ltd contra Sigma Pharmaceuticals plc.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division).
    Reenvio prejudicial ― Ato de Adesão à União Europeia de 2003 ― Anexo IV ― Capítulo 2 ― Mecanismo Específico ― Importação de produto farmacêutico patenteado ― Obrigação de notificação prévia.
    Processo C-539/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2322

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NIILO JÄÄSKINEN

    apresentadas em 23 de outubro de 2014 ( 1 )

    Processo C‑539/13

    Merck Canada Inc.

    Merck Sharp & Dohme Ltd

    contra

    Sigma Pharmaceuticals PLC

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England and Wales) (Civil Division) (Reino Unido)]

    «Propriedade Intelectual — Marcas — Importações paralelas de um produto farmacêutico da Polónia para o Reino Unido — Interpretação do Mecanismo Específico previsto no capítulo 2 do Anexo IV do Ato de Adesão de 2003 — Exigência de notificação dos titulares e beneficiários de patentes ou certificados complementares de proteção da intenção de importar determinados medicamentos de um novo Estado‑Membro no qual não era possível obter a proteção através de patente — Consequências do facto de o titular da patente não responder à notificação — Entidade obrigada a proceder à notificação e entidade à qual a notificação deve ser dirigida»

    I — Introdução

    1.

    No presente pedido de decisão prejudicial, a Court of Appeal of England and Wales pretende obter orientações sobre a interpretação do Mecanismo Específico previsto no capítulo 2 do Anexo IV do Ato de Adesão de 2003 (a seguir «Mecanismo Específico») ( 2 ). Esta disposição estabelece uma derrogação ao princípio da livre circulação de mercadorias e está concebida para proteger os interesses dos titulares e beneficiários de patentes e de certificados complementares de proteção (a seguir «titular da patente») nos antigos Estados‑Membros, em relação a determinados produtos farmacêuticos, nos casos em que o produto em causa não poderia ter sido eficazmente protegido no novo Estado‑Membro antes da adesão deste à União Europeia.

    2.

    Resumidamente, o Mecanismo Específico permite que os titulares de patentes invoquem os seus direitos em relação a importações dos novos Estados‑Membros, mesmo após a adesão destes e mesmo que o produto em causa tenha sido colocado no mercado pela primeira vez nesse novo Estado‑Membro pelo titular da patente ou com o seu consentimento. Contudo, tal só pode acontecer em circunstâncias bem delimitadas. Concretamente, quando à data da apresentação do pedido de patente ou de certificado complementar de proteção em questão no antigo Estado‑Membro (Estado‑Membro A) não fosse possível obter tal proteção no novo Estado‑Membro pertinente (Estado‑Membro B) e se pretenda importar o produto farmacêutico em causa do Estado‑Membro B para o Estado‑Membro A.

    3.

    Foi precisamente esta situação que se verificou no processo principal. A Merck Canada Inc, uma sociedade constituída ao abrigo do direito canadiano, e a Merck Sharp & Dohme Limited, uma sociedade constituída ao abrigo do direito do Reino Unido (a seguir, conjuntamente, «Merck») instauraram uma ação no Reino Unido invocando o Mecanismo Específico. A Merck pede, inter alia, uma indemnização e a destruição do stock, em consequência da alegada importação paralela ilícita, da Polónia para o Reino Unido, pela Sigma Pharmaceuticals PLC (a seguir «Sigma»), de quantidades de um medicamento do grupo Merck chamado «Singulair», cujo nome genérico é «montelucaste», ainda que a Sigma alegue que efetuou a notificação prévia exigida pelo Mecanismo Específico.

    4.

    Após a United Kingdom Patents County Court ter decidido a favor da Merck, a Sigma recorreu para a Court of Appeal. Esta submeteu um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça para que este se pronuncie sobre a questão de saber quais as consequências do facto de o titular da patente não responder a uma notificação feita nos termos do Mecanismo Específico, que entidades podem proceder à notificação e a quem esta deve ser feita.

    II — Quadro jurídico, factos e questões prejudiciais

    A — Disposições aplicáveis

    5.

    O Mecanismo Específico previsto no capítulo 2 do Anexo IV do Ato de Adesão de 2003 tem a seguinte redação:

    «No que se refere à República Checa, à Estónia, à Letónia, à Lituânia, à Hungria, à Polónia, à Eslovénia ou à Eslováquia, o titular — ou o beneficiário — de uma patente ou de um certificado complementar de proteção de um produto farmacêutico registado num Estado‑Membro, numa data em que não era possível obter essa proteção num dos novos Estados‑Membros acima referidos para esse produto, pode invocar os direitos conferidos por essa patente ou certificado complementar de proteção para impedir a importação e a comercialização ( 3 ) desse produto no Estado ou Estados‑Membros em que o produto em questão goza da proteção conferida pela patente ou pelo certificado complementar de proteção, mesmo que o referido produto tenha sido colocado no mercado pela primeira vez nesse novo Estado‑Membro por ele próprio ou com o seu consentimento.

    Qualquer pessoa que tencione importar ou comercializar um produto farmacêutico abrangido pelo parágrafo anterior para um Estado‑Membro onde o produto goze de proteção conferida pela patente ou de proteção suplementar, deve provar às autoridades competentes, no pedido relativo a essa importação, que o titular ou o beneficiário dessa produção foi previamente notificado com o prazo de um mês».

    B — Factos e questões prejudiciais

    6.

    Em 25 de agosto de 1997, uma versão comercial do montelucaste, designadamente o Singulair, protegida pelo certificado complementar de proteção concedido à Merck ( 4 ), foi colocada no mercado da União Europeia, na Finlândia, ao abrigo de uma primeira autorização comunitária de medicamentos. Em 15 de janeiro de 1998, recebeu as respetivas autorizações como medicamento no Reino Unido.

    7.

    Em 22 de junho de 2009, a Pharma XL Limited, uma empresa associada da Sigma, enviou uma carta ao «Diretor dos assuntos regulamentares» da Merck Sharp & Dohme Limited, na qual comunicava a sua intenção de importar Singulair da Polónia para o Reino Unido, e de aí solicitar a necessária autorização. Na carta, não era feita qualquer referência à Sigma, nem a qualquer potencial importador para além da Pharma XL ( 5 ).

    8.

    A carta foi recebida pela Merck Sharp & Dohme Limited mas, devido a um lapso administrativo, não foi enviada qualquer resposta, ainda que fosse política do grupo Merck responder a essas cartas para se opor a importações deste género. Além disso, posteriormente, a Pharma XL Ltd enviou quatro cartas ao diretor dos assuntos regulamentares da Merck, Sharpe & Dome Limited, nas quais declarava a sua intenção de importar Singulair da Polónia, juntava cópias da apresentação que pretendia dar à nova embalagem do produto e perguntava à Merck se tinha alguma objeção. Nenhuma dessas cartas obteve resposta.

    9.

    Em 14 de setembro de 2009, a Pharma XL Ltd apresentou 2 pedidos de licença de importação paralela de Singulair à autoridade competente do Reino Unido. Em maio e em setembro de 2010, foram concedidas licenças de importação paralela para diferentes dosagens de Singulair. A partir desse momento, a Sigma começou a importar Singulair da Polónia, o qual era reacondicionado pela Pharma XL Ltd e vendido no mercado do Reino Unido pela Sigma.

    10.

    Contudo, em 14 de dezembro de 2010, a Merck informou a Pharma XL Ltd, por carta, de que se opunha à importação de Singulair da Polónia, nos termos do Mecanismo Específico. Em 16 de dezembro de 2010, a carta foi recebida na sede da Pharma XL Ltd e a Sigma cessou imediatamente as vendas de Singulair importado da Polónia. Contudo, antes da receção dessa carta, a Sigma já havia importado e vendido mais de 2 milhões de libras de Singulair, restando‑lhe um stock de valor superior a 2 milhões de libras, tendo a maior parte das embalagens sido reacondicionada de forma irreversível com destino ao mercado do Reino Unido.

    11.

    A Merck instaurou a presente ação na Patents County Court, tendo obtido uma sentença favorável. A Sigma recorreu dessa sentença para a Court of Appeal, que decidiu submeter ao Tribunal de Justiça um pedido, datado de 18 de abril de 2013 e recebido em 14 de outubro de 2013, para que este se pronuncie sobre as questões prejudiciais:

    «1.

    Pode o titular ou o beneficiário de uma patente ou de um certificado complementar de proteção invocar os seus direitos nos termos do primeiro parágrafo do Mecanismo Específico apenas se tiver manifestado anteriormente a sua intenção de o fazer?

    2.

    Em caso de resposta afirmativa à questão 1:

    a)

    Como deve ser manifestada essa intenção?

    b)

    Pode o titular ou o beneficiário ser impedido de invocar os seus direitos em relação a qualquer importação ou comercialização de um produto farmacêutico num Estado‑Membro anterior à manifestação da sua intenção de invocar esses direitos?

    3.

    Quem deve proceder à notificação prévia do titular ou do beneficiário de uma patente ou de um certificado complementar de proteção, nos termos do segundo parágrafo do Mecanismo Específico? Em especial:

    a)

    A notificação prévia deve ser feita pela pessoa que pretende importar ou comercializar o produto farmacêutico?

    ou

    b)

    Quando, ao abrigo da regulamentação nacional, um pedido de aprovação regulamentar é feito por uma pessoa diferente do importador previsto, a notificação prévia feita pelo requerente da aprovação regulamentar pode ser eficaz se este não tiver intenção de importar ou comercializar, ele próprio, o produto farmacêutico, mas a importação e a comercialização previstas forem realizadas ao abrigo da aprovação regulamentar do requerente? e

    i)

    O facto de a notificação prévia identificar a pessoa que importará ou comercializará o produto farmacêutico conduz a uma resposta diferente?

    ii)

    O facto de a notificação prévia e o pedido de aprovação regulamentar serem feitos por uma pessoa coletiva pertencente a um grupo de empresas que forma uma unidade económica e de os atos de importação e de comercialização deverem ser realizados por outra pessoa coletiva do mesmo grupo, ao abrigo da licença da primeira pessoa coletiva, mas a notificação prévia não identificar a pessoa coletiva que importará ou comercializará o produto farmacêutico conduz a uma resposta diferente?

    4.

    A quem deve ser feita a notificação prévia nos termos do segundo parágrafo do Mecanismo Específico? Em especial:

    a)

    Os beneficiários de uma patente ou de um certificado complementar de proteção são apenas as pessoas que têm um direito legal, nos termos do direito nacional, de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo certificado complementar de proteção?

    ou

    b)

    No caso de um grupo de empresas formar uma unidade económica que inclui uma série de entidades jurídicas, basta que a notificação seja dirigida a uma entidade jurídica que é a subsidiária operacional e a titular da autorização de introdução no mercado no Estado‑Membro de importação, e não a entidade dentro do grupo que, nos termos do direito nacional, tem o direito de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo certificado complementar de proteção, com o fundamento de que essa entidade jurídica pode ser considerada beneficiária da patente ou do CCP ou de que é de esperar que, no curso normal dos acontecimentos, essa notificação seja levada ao conhecimento das pessoas que tomam decisões em nome do titular da patente ou do CCP?

    c)

    Em caso de resposta afirmativa à questão 4, alínea b), uma notificação considerada válida deixa de o ser se for dirigida ao ‘Diretor dos assuntos regulamentares’ de uma sociedade que não é a entidade dentro do grupo que, nos termos do direito nacional, tem o direito de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo certificado complementar de proteção, mas a subsidiária operacional ou a titular da autorização de introdução no mercado no Estado‑Membro de importação, e se, na prática, esse departamento dos assuntos regulamentares recebe regularmente notificações de importadores paralelos relativas ao Mecanismo Específico e a outros assuntos?»

    12.

    A Merck, a Sigma, a República Checa e a Comissão apresentaram observações escritas. A Merck, a Sigma, e a Comissão participaram na audiência realizada em 4 de setembro de 2014.

    III — Análise

    A — Considerações preliminares

    13.

    O objeto da patente consiste no direito exclusivo do titular da patente de explorar economicamente a invenção protegida durante o período de validade da patente ( 6 ). Este direito resulta de uma decisão administrativa da autoridade competente em matéria de patentes e pressupõe que a invenção e a identidade do titular da patente sejam reveladas, habitualmente através de publicação oficial e de inscrição num registo público.

    14.

    Os direitos conferidos pela patente, incluindo os direitos protegidos por um certificado complementar de proteção, constituem propriedade intelectual, e esta é uma forma de propriedade que, por sua vez, é protegida pelo artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») ( 7 ). Assim, o Mecanismo Específico deve ser interpretado em conformidade com o artigo 17.o da Carta.

    15.

    De acordo com a jurisprudência clássica do Tribunal de Justiça, as normas sobre livre circulação de mercadorias do Tratado não afetam a existência dos direitos de propriedade intelectual nem o seu conteúdo ( 8 ). Contudo, deste princípio, e de outras normas fundamentais do mercado interno, resultam restrições à capacidade do titular para exercer os seus direitos de forma a impedir a importação de produtos protegidos que já tenham sido introduzidos no mercado de outro Estado‑Membro por ele próprio ou com o seu consentimento. Este princípio do esgotamento possibilita a importação paralela de produtos protegidos de outros Estados‑Membros, sem o consentimento do titular, nas situações acima descritas.

    16.

    Este princípio não afeta o conteúdo dos direitos conferidos pela patente na medida em que, em princípio, o titular da patente foi adequadamente compensado no Estado‑Membro do qual a importação paralela é originária, ou, pelo menos, podia ter sido compensado se tivesse diligentemente procurado obter proteção nesse Estado‑Membro.

    17.

    Contudo, muitas vezes, o nível de proteção conferido pela patente nos novos Estados‑Membros antes da adesão tem sido mais baixo do que o nível de proteção exigido pelo direito da UE, especialmente no que respeita a patentes de produtos farmacêuticos ( 9 ). Neste cenário, a aplicação plena dos princípios do mercado interno após a adesão levaria a que o titular da patente ficasse exposto a importações paralelas a partir dos novos Estados‑Membros em causa sem ter tido possibilidade de aí proteger a sua invenção e, consequentemente, sem ter obtido a compensação adequada. Além disso, como o representante da Merck salientou na audiência, nesse caso, o titular da patente sentir‑se‑ia desincentivado a comercializar o seu produto nos novos Estados‑Membros na medida em que tal geraria uma reimportação do produto.

    18.

    Para alcançar um equilíbrio entre a proteção eficaz dos direitos conferidos pela patente e a livre circulação de mercadorias, o Ato de Adesão de 2003, à semelhança do Ato de Adesão de 1985, adotou um Mecanismo Específico. No essencial, o mecanismo permite ao titular da patente invocar os seus direitos exclusivos contra os importadores em situações nas quais, de outra forma, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tais direitos estariam esgotados. Contudo, o Mecanismo Específico previsto no Ato de Adesão de 2003 introduziu, no seu segundo parágrafo, a obrigação de o potencial importador paralelo notificar previamente o titular da patente. As questões 1 e 2 dizem respeito, no essencial, aos efeitos desta obrigação sobre a posição jurídica do titular da patente que pretenda invocar o Mecanismo Específico.

    19.

    Além disso, o segundo parágrafo do Mecanismo Específico estabelece a formalidade essencial de os importadores provarem às autoridades competentes do Estado‑Membro onde o produto goze de proteção conferida pela patente ou de proteção complementar que o titular da patente foi notificado do pedido relativo a essa importação com um mês de antecedência.

    B — Resposta à primeira e segunda questões

    20.

    Antes de mais, saliento que é um facto assente entre as partes no processo principal que, à data da apresentação do pedido de patente em causa no Reino Unido, concretamente em 10 de outubro de 1991, a Polónia não tinha introduzido a proteção através de patente dos produtos farmacêuticos no seu ordenamento jurídico. É igualmente um facto assente que, à data do pedido de certificado complementar de proteção no Reino Unido, concretamente em 8 de julho de 1998, não era possível pedir tal certificado ao abrigo do ordenamento jurídico polaco. Assim, o pedido de decisão prejudicial incide na interpretação do Mecanismo Específico e não na questão de saber se este é ou não aplicável.

    21.

    De acordo com a primeira e segunda questões submetidas pela Court of Appeal, é pedido ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre as consequências jurídicas decorrentes do silêncio por parte do titular da patente, e por um período superior a um mês, após ter sido feita a notificação prevista no segundo parágrafo do Mecanismo Específico. Na minha opinião, as questões 1 e 2 submetidas pela Court of Appeal devem ser entendidas como um pedido para determinar em que medida o silêncio por parte de titulares de patentes afeta as suas posições jurídicas em caso de falta de resposta a uma notificação feita de acordo com o segundo parágrafo do Mecanismo Específico. É esta abordagem que adotarei na análise que se segue.

    22.

    No caso em apreço, é possível esboçar duas posições antagónicas. Uma delas é defendida essencialmente pela Merck. De acordo com este ponto de vista, o primeiro parágrafo do Mecanismo Específico afasta a aplicação do princípio do esgotamento no que respeita aos produtos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação e, desse modo, restabelece a posição de que o titular da patente normalmente gozaria se o mercado interno da UE não existisse. Por outras palavras, o seu direito de invocar a patente ou o certificado complementar de proteção de que é titular para impedir as importações da Polónia, e a comercialização no Reino Unido, é plenamente aplicável não obstante as normas do mercado interno. Como a Merck reconheceu na audiência, tal coloca as importações da Polónia e de outros Estados‑Membros que aderiram à União Europeia em 2004 em pé de igualdade com as importações de países terceiros.

    23.

    Na prática, esta interpretação do Mecanismo Específico permite que o titular de uma patente instaure uma ação de indemnização, mesmo com efeitos retroativos à data do início da importação, sem que sobre ele recaia qualquer obrigação de avisar os importadores da sua intenção de exercer os direitos que lhe são conferidos pela patente. Em regra, o titular de uma patente pode procurar obter uma indemnização por quaisquer violações dos seus direitos que tenham ocorrido antes de o infrator ter tomado conhecimento da intenção do titular de exercer os seus direitos. Além do mais, o titular da patente não tem qualquer obrigação de informar o infrator da sua intenção de exercer os seus direitos antes de instaurar a ação judicial pertinente.

    24.

    Assim, de acordo com a tese apresentada pela Merck, o único complemento da posição jurídica do titular da patente introduzido pelo segundo parágrafo do Mecanismo Específico consiste na obrigação de notificação prévia que recai sobre o potencial importador. Neste aspeto, o Mecanismo Específico confere uma proteção reforçada ao titular da patente, porquanto habitualmente os putativos infratores não têm um dever especial de informar o titular da patente antes de iniciarem a importação do produto patenteado sem o seu consentimento.

    25.

    Na minha opinião, este último ponto demonstra que a posição avançada pela Merck não pode ser acolhida. Não pode presumir‑se que os negociadores do Ato de Adesão de 2003 pretendiam, no contexto do Mecanismo Específico, dar ao titular da patente mais proteção do que é normal e, na verdade, fazer recair sobre os potenciais infratores uma espécie de dever de «autoincriminação». Por outro lado, como a Comissão salientou na audiência, o Mecanismo Específico não cria um duplo privilégio para os titulares de patentes.

    26.

    A outra posição antagónica é a seguinte: o Mecanismo Específico proporciona apenas uma oportunidade para o titular da patente ativar a proteção contra um potencial importador específico. Se não o fizer, o importador paralelo pode invocar os princípios do mercado interno normalmente aplicáveis e, devido aos princípios da livre circulação de mercadorias e do esgotamento dos direitos conferidos pela patente, nenhum direito conferido pela patente pode ser exercido contra ele mais tarde, uma vez que o produto protegido foi colocado no mercado do novo Estado‑Membro pelo titular da patente ou com o seu consentimento.

    27.

    Na audiência, ficou claro que esta última posição não era defendida por nenhuma das partes no processo. A Sigma, juntamente com a Comissão, reconheceu que qualquer incumprimento das formalidades essenciais que resultam do segundo parágrafo do Mecanismo Específico apenas impede o titular da patente de exercer os direitos que lhe são conferidos pela patente em relação à importação de um produto farmacêutico anterior à manifestação, por parte do titular da patente, da sua intenção de invocar esses direitos. Por outras palavras, a Sigma reconheceu que não podia invocar o Mecanismo Específico para continuar a importar Singulair após a receção da carta da Merck de 14 de dezembro de 2010, na qual esta se opunha a essa importação. De acordo com esta interpretação do Mecanismo Específico, o titular da patente pode utilizar o seu direito para impedir importações paralelas mas apenas em relação a atividades desenvolvidas após ter comunicado ao importador a sua intenção de exercer os seus direitos.

    28.

    Portanto, a interpretação correta do Mecanismo Específico deve ser procurada entre as duas posições antagónicas acima descritas. Tal exige a determinação do papel que o princípio da livre circulação de mercadorias desempenha, se for o caso, no contexto do Mecanismo Específico, uma vez que este dá claramente preponderância à proteção dos direitos conferidos por patentes através do direito fundamental de propriedade, nos termos do artigo 17.o da Carta.

    1. Redação do Mecanismo Específico

    29.

    Na minha opinião, a redação do primeiro parágrafo do Mecanismo Específico não é de grande utilidade nesta matéria. A questão fundamental é a de saber qual o significado a atribuir à afirmação de que o titular da patente «pode invocar» os direitos conferidos por essa patente ou certificado complementar de proteção.

    30.

    De acordo com a Merck, esta expressão significa apenas que, nos termos do Mecanismo Específico, o titular da patente, como qualquer titular de uma patente, pode exercer os direitos que lhe são conferidos pela patente se assim o entender. De acordo com a Comissão, resulta claramente da redação do Mecanismo Específico de 2003 que o direito de impedir a importação de produtos abrangidos por esse mecanismo não é automático e depende do facto de o titular dos direitos utilizar a faculdade de impedir a importação paralela ou a comercialização do produto farmacêutico em questão. Concordo com esta perspetiva.

    31.

    De facto, no acórdão Generics e Harris Pharmaceuticals, o Tribunal de Justiça, ao interpretar a redação idêntica do Mecanismo Específico do Ato de Adesão de 1985, de acordo com a qual «o titular, ou o seu substituto legal, de uma patente […] pode invocar o direito que lhe confere tal patente para impedir a importação e a comercialização desse produto» ( 10 ), chegou à mesma conclusão. O Tribunal de Justiça deduziu do caráter facultativo da derrogação que estas disposições «só são, em consequência, aplicáveis quando o titular da patente manifesta a sua vontade de utilizar esta faculdade» ( 11 ).

    32.

    Na minha opinião, esta interpretação aplica‑se igualmente ao Mecanismo Específico do Ato de Adesão de 2003. Este não se refere apenas ao direito habitual do titular da patente de exercer os direitos conferidos pela patente. Pelo contrário, refere‑se a uma questão diferente, designadamente à expressão da vontade do titular da patente de manter a proteção em vigor em relação a potenciais importações paralelas de um novo Estado‑Membro. Se essa oposição for manifestada, qualquer importação sem licença torna‑se ilegal. Trata‑se de uma questão completamente diferente da questão de saber se, e por que meios, o titular da patente decide exercer os direitos que lhe são conferidos pela patente, desde que a importação tenha tido lugar apesar de ter manifestado a sua intenção de utilizar essa faculdade. Por outras palavras, o primeiro aspeto diz respeito à questão de saber se os direitos conferidos pela patente podem ser exercidos e o segundo diz respeito à questão de saber se são, de facto, exercidos.

    33.

    Por conseguinte, o Mecanismo Específico só é aplicável se o titular da patente manifestar a sua intenção de utilizar a faculdade de se opor às importações paralelas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação. Se não o fizer, os produtos protegidos podem ser legalmente importados sem o seu consentimento do novo Estado‑Membro para o antigo Estado‑Membro.

    2. Interpretação teleológica e sistemática

    34.

    Esta interpretação é confirmada pela interpretação teleológica e sistemática do Mecanismo Específico. Como a Comissão salienta nas suas observações escritas, a exigência de notificação prevista no Mecanismo Específico visa assegurar que os titulares de patentes sejam devidamente informados, com antecedência suficiente, da intenção de importar produtos protegidos, de forma a poderem invocar o Mecanismo Específico para impedir a importação paralela proposta de produtos farmacêuticos que gozem da proteção conferida pela patente ou pelo certificado complementar de proteção no Estado‑Membro pertinente. À semelhança da obrigação de notificação que existe no direito das marcas, da qual pode resultar a imposição aos comerciantes paralelos de limites no reacondicionamento dos produtos nos quais seja aposta a marca, o Mecanismo Específico visa assegurar que os interesses legítimos do titular da patente sejam salvaguardados.

    35.

    Com efeito, no acórdão Boehringer ( 12 ), o Tribunal de Justiça considerou, em matéria de direito das marcas, que o funcionamento adequado de um tal sistema de informação «pressupõe que cada uma das partes interessadas se esforce lealmente por respeitar os interesses legítimos da outra» ( 13 ). O Tribunal de Justiça reconheceu ainda o direito do proprietário da marca a um «prazo razoável» para reagir à notificação do reacondicionamento e que «há também que ter em consideração o interesse do importador paralelo em proceder o mais rapidamente possível à comercialização do medicamento depois de ter obtido da autoridade competente a autorização necessária para este fim» ( 14 ). Nesse caso, o Tribunal de Justiça indicou que seria razoável um prazo de quinze dias ( 15 ).

    36.

    Tal como a Comissão, saliento igualmente que a proteção através de patente prevista no Mecanismo Específico é mais ampla do que a conferida pelo direito das marcas da UE. No direito das marcas, o titular da marca só pode opor‑se à importação paralela de produtos colocados no mercado da União (EEE) por ele próprio ou com o seu consentimento quando «existam motivos legítimos […], nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado» ( 16 ), em especial através do reacondicionamento.

    37.

    O Mecanismo Específico, pelo contrário, não impõe ao titular de uma patente qualquer obrigação de justificar a recusa em permitir a importação de produtos abrangidos pelo âmbito de aplicação desse mecanismo. Contudo, tal não significa que o titular de uma patente nunca possa ter a obrigação, baseada no princípio fundamental da livre circulação de mercadorias, de ter devidamente em conta os interesses legítimos de um potencial importador paralelo.

    38.

    Tendo em conta a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual as disposições de um ato de adesão que permitem exceções ou derrogações às regras dos Tratados devem ser objeto de interpretação restritiva face às disposições em causa do Tratado e a sua aplicação deve ser limitada ao absolutamente necessário para atingir o seu objetivo ( 17 ), o potencial importador paralelo tem, de acordo com o Mecanismo Específico, um interesse legítimo, protegido pelo direito da UE, em saber claramente qual é a sua posição jurídica em relação ao titular da patente. Por conseguinte, o direito que assiste ao titular da patente de invocar e exercer os direitos previstos no Mecanismo Específico deve ser entendido como estando subordinado ao facto de o titular da patente ter reagido à notificação recebida e ter informado o notificante de que se opõe à importação e à comercialização propostas do produto farmacêutico em causa.

    39.

    Esta conclusão é reforçada pelo facto de o Mecanismo Específico previsto no Ato de Adesão de 2003 determinar expressamente que os importadores devem «provar às autoridades competentes, no pedido relativo a essa importação, que o titular ou o beneficiário dessa produção foi previamente notificado com o prazo de um mês». Esta exigência não constava do Ato de Adesão de 1985.

    40.

    Assim, a previsão de um prazo de notificação de um mês implica, no contexto do mercado interno, no qual a livre circulação de mercadorias é fundamental, a exigência correspondente de que o titular da patente responda à notificação se pretender proibir a importação e a comercialização propostas do produto farmacêutico em causa. A inclusão do prazo serve para assegurar que o titular da patente responda com brevidade e, por sua vez, respeita os interesses legítimos e as expetativas do potencial importador de receber uma resposta à notificação, de forma a poder tomar decisões de investimento informadas.

    41.

    Em consequência, na falta de resposta por parte do titular da patente no prazo de um mês, um potencial importador que tenha cumprido a obrigação de notificação fica autorizado a iniciar a importação. Outra interpretação retiraria ao prazo de um mês o efeito pretendido.

    42.

    Além disso, uma interpretação de acordo com a qual o titular da patente pudesse invocar os direitos previstos no Mecanismo Específico sem ter respondido à notificação retiraria ao importador previsto qualquer segurança jurídica. Este não teria forma de saber se podia importar ou colocar no mercado, de forma lícita, o produto farmacêutico protegido. Deve recordar‑se que o princípio da segurança jurídica constitui um princípio geral do direito da UE e que as disposições do direito primário da UE, como o Mecanismo Específico, devem ser interpretadas em conformidade com os princípios gerais ( 18 ).

    43.

    Dito isto, tal como já referi, é necessário observar que o Mecanismo Específico apenas impede a invocação retroativa dos direitos conferidos pela patente contra os importadores paralelos. Por outras palavras, qualquer falta de resposta a uma notificação apenas impede que se obtenha uma compensação pela importação sob a forma de indemnização por danos, ou outra forma de ressarcimento, no que respeita ao período anterior à data em que o importador tenha sido informado da intenção do titular da patente de invocar os direitos que lhe são conferidos pela patente. Por outras palavras, o titular da patente pode, dentro dos limites da boa‑fé, retirar o seu consentimento às importações paralelas mas apenas no que se refere aos períodos posteriores à data em que o importador tenha sido devidamente informado. O Mecanismo Específico protege os direitos conferidos pela patente, em determinadas circunstâncias, não obstante o princípio do esgotamento inerente ao mercado interno. Não pode considerar‑se que tal direito de propriedade, protegido pelo artigo 17.o da Carta, fique completamente comprometido apenas porque o titular da patente não se opôs às importações paralelas em tempo útil.

    44.

    No processo principal, a Sigma aceitou que não podia e não iria prosseguir com as importações paralelas após ter tomado conhecimento da oposição da Merck. Este comportamento é consistente com a interpretação que proponho. Em contrapartida, qualquer compensação pretendida pela Merck relativa às importações efetuadas antes desse momento é, na minha opinião, incompatível com o Mecanismo Específico.

    45.

    A título de conclusão intermédia, considero que a resposta às questões 1 e 2 deve ser no sentido de que, para que o titular de uma patente, devidamente notificado da intenção de importar ou comercializar produtos farmacêuticos abrangidos pelo Mecanismo Específico previsto no capítulo 2 do Anexo IV do Ato de Adesão de 2003, possa impor qualquer restrição à importação ou comercialização dos produtos em causa, deve responder à notificação e manifestar a intenção de se opor à importação e à comercialização propostas no prazo previsto no segundo parágrafo do Mecanismo Específico. O titular da patente não pode invocar os seus direitos em relação a qualquer importação de um produto farmacêutico num Estado‑Membro anterior à manifestação da sua intenção de invocar esses direitos.

    C — Terceira questão: quem está obrigado a notificar?

    46.

    O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a notificação da intenção de importar produtos farmacêuticos prevista no segundo parágrafo do Mecanismo Específico apenas pode ser feita pela própria pessoa que pretende importar os produtos em causa. Se a resposta a esta questão for negativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter orientações quanto à categoria de pessoas que podem proceder a essa notificação.

    47.

    O segundo parágrafo do Mecanismo Específico de 2003 dispõe que «[q]ualquer pessoa que tencione importar ou comercializar […] deve provar […] que […] foi previamente notificado com o prazo de um mês». Por um lado, esta disposição dá a entender que a pessoa que pretende importar o produto em questão é que tem de provar que a exigência de notificação foi cumprida. Por outro lado, a disposição não especifica que é essa pessoa que tem de proceder, efetivamente, à notificação. Por isso, uma interpretação literal do Mecanismo Específico não fornece uma resposta conclusiva.

    48.

    Quanto à interpretação teleológica e sistemática da disposição, a Comissão salienta nas suas observações escritas, como já referi, que o objetivo da exigência de notificação é assegurar que o titular da patente seja informado da intenção do importador, de forma a poder dirigir‑se eficazmente à entidade notificante se pretender invocar os direitos que o Mecanismo Específico lhe confere para impedir a importação e a comercialização do produto. Assim, permite assegurar a proteção dos seus interesses legítimos.

    49.

    No domínio do comércio paralelo de produtos de marca, o Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão Orifarm ( 19 ), que a pessoa que notifica o proprietário da marca do reacondicionamento do produto não tem de ser o próprio reacondicionador, desde que sejam respeitadas determinadas condições. Considerou que:

    «[…] [o] interesse do titular é inteiramente preservado quando, na embalagem do produto reacondicionado, figure claramente o nome da empresa contratada, sob cujas instruções o reacondicionamento foi feito e que assume a responsabilidade pelo mesmo. […] Além disso, pelo facto de essa empresa assumir a total responsabilidade pelas operações relacionadas com o reacondicionamento, o titular pode invocar os seus direitos e, eventualmente, obter uma indemnização […]» ( 20 ).

    50.

    Os titulares de patentes e os titulares de marcas têm em comum o interesse económico na exploração dos seus direitos exclusivos. Nos respetivos contextos, ambos necessitam de poder exercer os seus direitos e, se for o caso, obter uma indemnização quando esses direitos tenham sido violados. Contudo, devido às diferenças entre marcas e patentes, não considero que os critérios do acórdão Orifarm devam guiar a interpretação da exigência de notificação prevista no Mecanismo Específico. Ao contrário dos titulares de marcas, os titulares de patentes, nas situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do Mecanismo Específico, não são obrigados a tolerar quaisquer importações paralelas às quais se oponham.

    51.

    A República Checa observa, corretamente, que o objetivo da exigência de notificação prevista no Mecanismo Específico é conceder ao titular da patente a faculdade de instaurar uma ação judicial para impedir a importação e a comercialização antes de estas terem início. Acrescento que, na prática, tal significa, muitas vezes, requerer uma providência cautelar.

    52.

    Daqui decorre que, o que é importante para o titular da patente é que o potencial infrator, designadamente a pessoa que pretenda importar e colocar o produto farmacêutico no mercado, seja identificado na notificação prévia. Contudo, é irrelevante, do ponto de vista jurídico, saber com precisão quem procede à notificação. Esta é a resposta que daria à terceira questão.

    D — Quarta questão: a quem deve ser feita a notificação?

    53.

    Através da sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quem deve ser o destinatário da notificação prevista no segundo parágrafo do Mecanismo Específico. No essencial, aquele órgão jurisdicional pergunta que pessoas são abrangidas pelo termo «beneficiário» e, em especial, se o «beneficiário» de uma patente ou de um certificado complementar de proteção é apenas a pessoa que, nos termos da legislação nacional, tem o direito de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo certificado complementar de proteção, ou se inclui o titular da autorização de introdução no mercado do produto farmacêutico em causa, quando esse titular da autorização de introdução no mercado integra o mesmo grupo de empresas que o próprio titular (ou beneficiário) da patente ou do certificado complementar de proteção. O órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda saber se o titular da autorização de introdução no mercado, apesar de não ser considerado beneficiário, pode, por outras razões, ser um destinatário válido da notificação.

    54.

    Como a Comissão salienta nas suas observações escritas, ao contrário da entidade que procede à notificação, a pessoa a quem deve ser feita a notificação prévia está claramente identificada no segundo parágrafo do Mecanismo Específico como «o titular ou o beneficiário dessa [proteção conferida pela patente ou CCP]». Enquanto o termo «titular» parece referir‑se ao proprietário da patente ou do certificado complementar de proteção, o significado do termo «beneficiário» é menos preciso e não se trata de um termo geralmente utilizado no acquis da propriedade intelectual. Outras versões linguísticas do Mecanismo Específico que não a versão inglesa, designadamente a versão francesa («ayant‑droit») e a versão alemã («der von ihm Begünstigte»), parecem indicar, de forma mais clara, que a pessoa referida é a pessoa que recebe do titular direitos invocáveis.

    55.

    Esta conclusão é confirmada pela interpretação do segundo parágrafo do Mecanismo Específico, lido à luz do seu primeiro parágrafo, que refere «o titular — ou o beneficiário — de uma patente ou de um certificado complementar de proteção» que «pode invocar os direitos conferidos por essa patente ou CCP».

    56.

    Por conseguinte, afigura‑se que, numa interpretação literal, a notificação deve ser enviada para uma das pessoas ou entidades que podem invocar os referidos direitos e agir judicialmente, nos termos do direito nacional, para garantir o seu cumprimento.

    57.

    No presente processo, tendo em conta o pedido de decisão prejudicial, essas pessoas parecem estar circunscritas ao proprietário da patente ou do certificado complementar de proteção, ou ao titular de uma licença exclusiva ( 21 ).

    58.

    De acordo com a Comissão, uma interpretação literal do segundo parágrafo do Mecanismo Específico seria demasiado restritiva, se se tiver em consideração os objetivos e o contexto da disposição. Não partilho desta opinião.

    59.

    A República Checa afirma, corretamente, nas suas observações escritas que, uma vez que o próprio objetivo da notificação é permitir ao titular da patente invocar os direitos que lhe são conferidos pela patente, a notificação deve ser dirigida diretamente a esse titular ou à pessoa que, nos termos da legislação nacional, possa exercer esses direitos.

    60.

    Ao contrário do que a Sigma afirmou nas suas alegações orais, tal não pode ser considerado uma exigência exageradamente difícil. Decorre da redação do segundo parágrafo do Mecanismo Específico que o potencial importador deverá apurar a identidade do titular ou do beneficiário dos direitos. Além disso, tal como a Merck salientou, as suas identidades estão facilmente acessíveis nos registos públicos de patentes.

    61.

    As alíneas b) e c) da quarta questão refletem o facto de, no Reino Unido, as notificações prévias previstas no segundo parágrafo do Mecanismo Específico serem feitas, e consideradas feitas, às empresas do grupo responsáveis pelas autorizações de introdução no mercado ou pelas questões regulamentares. Na minha opinião, tal situação, no contexto do direito da UE, não afeta a interpretação do segundo parágrafo do Mecanismo Específico ( 22 ).

    62.

    Pode acontecer que, nalguns Estados‑Membros, os princípios gerais de direito civil relativos à representação legal e ao contrato de agência impliquem que a notificação seja validamente feita quando o seu destinatário seja uma pessoa relacionada com o titular ou com o beneficiário e estes tenham, pelo seu próprio comportamento, criado a expectativa de que a pessoa em causa está legalmente autorizada a representá‑los. Contudo, nenhuma legislação nacional deste tipo pode afetar a interpretação do segundo parágrafo do Mecanismo Específico.

    63.

    Por estas razões, considero que a resposta a dar à quarta questão deve ser no sentido de que a notificação prévia prevista no Mecanismo Específico seja feita ao titular da patente ou do certificado complementar de proteção ou à pessoa que, nos termos do direito nacional, pode exercer esses direitos.

    IV — Conclusão

    64.

    Pelos motivos expostos, proponho que as questões submetidas pela Court of Appeal of England and Wales sejam respondidas da seguinte forma:

    «Primeira e segunda questões

    Para que o titular ou o beneficiário de uma patente ou de um certificado complementar de proteção, devidamente notificado da intenção de importar e comercializar produtos farmacêuticos abrangidos pelo Mecanismo Específico previsto no capítulo 2 do Anexo IV do Ato relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca, possa impor qualquer restrição à importação ou comercialização dos produtos em causa, deve responder à notificação, de forma a manifestar a sua intenção de se opor à importação e à colocação no mercado propostas no prazo previsto no segundo parágrafo do Mecanismo Específico. O titular ou o beneficiário de uma patente ou de um certificado complementar de proteção está impedido de invocar os seus direitos em relação a qualquer importação e comercialização de um produto farmacêutico num Estado‑Membro anterior à manifestação da sua intenção de invocar esses direitos.

    Terceira questão

    A notificação exigida nos termos do segundo parágrafo do Mecanismo Específico suprarreferido pode ser feita por uma pessoa diferente da que pretende importar ou comercializar o produto desde que esta última seja claramente identificada pela entidade notificadora.

    Quarta questão

    A notificação prévia prevista no segundo parágrafo do Mecanismo Específico suprarreferido deve ser feita à pessoa que tenha o direito, nos termos da legislação nacional, de agir judicialmente para garantir o cumprimento dos direitos conferidos pela patente ou pelo certificado complementar de proteção.»


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Anexo IV, capítulo 2, do «Ato relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia» de 2003 (JO L 236, p. 797).

    ( 3 ) Quando, nas presentes conclusões, for feita referência à importação de um produto abrangido pelo Mecanismo Específico, tal inclui igualmente a sua comercialização. De igual modo, a referência aos importadores desses produtos abrange igualmente aqueles que os comercializam.

    ( 4 ) Na sequência de um pedido efetuado em 10 de outubro de 1991, foi concedido à Merck Canada Inc. um certificado complementar de proteção que expirava a 24 de agosto de 2012. Posteriormente, foi concedida uma extensão pediátrica de 6 meses, prorrogando a validade até 24 de fevereiro de 2013.

    ( 5 ) De acordo com o pedido de decisão prejudicial, a Sigma e a Pharma XL fazem parte do mesmo grupo de empresas e, no âmbito da respetiva organização, a Sigma desenvolve as atividades de importação e comercialização e a Pharma XL trata das necessárias questões regulamentares.

    ( 6 ) Na União Europeia, o direito de patentes não está harmonizado mas o artigo 28.o, n.o 1, alínea a), do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «Acordo TRIPS»), fornece um quadro comum de proteção que vincula quer a União quer os Estados‑Membros. De acordo com esta disposição, uma patente confere ao seu titular, no caso de o objeto da patente ser um produto, o direito exclusivo de impedir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, pratique os seguintes atos: fabricar, utilizar, pôr à venda, vender ou importar para esses efeitos esse produto. O Acordo TRIPS constitui o Anexo 1C do acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, assinado em Marraquexe em 15 de abril de 1994 e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1).

    ( 7 ) Laserdisken (C‑479/04, EU:C:2006:549); Promusicae (C‑275/06, EU:C:2008:54); Metronome Musik (C‑200/96, EU:C:1998:172).

    ( 8 ) Por exemplo, Deutsche Grammophon Gesellschaft (78/70, EU:C:1971:59); Centrafarm e de Peijper (15/74, EU:C:1974:114); Donner (C‑5/11, EU:C:2012:370).

    ( 9 ) Embora a União Europeia não tenha legislação substantiva em matéria de patentes, com exceção dos certificados complementares de proteção, existe uma harmonização indireta de alguns elementos fundamentais do direito das patentes através da exigência de que os Estados‑Membros tenham aderido à Convenção sobre a Patente Europeia e através do disposto no Acordo TRIPS, que vincula os Estados‑Membros nos termos do direito da UE. Recordo que, de acordo com o artigo 207.o TFUE, os «aspetos comerciais da propriedade intelectual» integram a Política Comercial Comum. A competência externa da UE nesta matéria é uma competência exclusiva, cf. artigo 3.o, n.o 1, alínea e), TFUE, e Daiichi Sankyo e Sanofi‑Aventis Deutschland (C‑414/11, EU:C:2013:520, n.o 52), mas a competência interna não, v. Espanha/Conselho (C‑274/11 e C‑295/11, EU:C:2013:240, n.o 25). V., igualmente, Parecer 1/94 (EU:C:1994:384, n.os 57, 58, 60, 65, 68 e 71).

    ( 10 ) Generics e Harris Pharmaceuticals (C‑191/90, EU:C:1992:407, n.o 33).

    ( 11 ) Ibidem (n.o 42).

    ( 12 ) Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246).

    ( 13 ) Ibidem (n.o 62).

    ( 14 ) N.o 66.

    ( 15 ) Ibidem (n.o 67).

    ( 16 ) V. artigo 7.o da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (Versão codificada) (JO L 299, p. 25).

    ( 17 ) Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 35 e jurisprudência referida).

    ( 18 ) Acórdãos Skoma‑Lux (C‑161/06, EU:C:2007:773, n.os 38 e 51); Ordre des barreaux francofones et germanophones e o. (C‑305/05, EU:C:2007:383, n.o 28); e UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.o 46).

    ( 19 ) Orifarm e o. (C‑400/09 e C‑207/10, EU:C:2011:519).

    ( 20 ) Ibidem (n.os 29 e 30).

    ( 21 ) A Section 67, n.o 1, da Lei sobre as patentes de 1977, dispõe que «[s]ujeito às disposições desta secção, o titular de uma licença exclusiva ao abrigo de uma patente terá o mesmo direito que o titular da patente de agir judicialmente em relação a qualquer violação da patente cometida após a data da licença [...]».

    ( 22 ) Na audiência, a Comissão alegou que, se o importador paralelo dirigiu a sua notificação a uma entidade da esfera do titular da patente e não se verifica nenhum erro óbvio, as exigências de notificação previstas no Mecanismo Específico foram cumpridas. Para esse efeito, a Comissão baseou‑se num acórdão proferido no domínio da responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, designadamente o acórdão Aventis Pasteur (C‑358/08, EU:C:2009:744, n.o 59). Contudo, uma vez que esse processo decorreu antes do estabelecimento do Mecanismo Específico e diz respeito a um contexto jurídico totalmente diferente, não constitui um auxílio para a sua interpretação.

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