Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62011CJ0545

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 14 de março de 2013.
    Agrargenossenschaft Neuzelle eG contra Landrat des Landkreises Oder‑Spree.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Frankfurt (Oder).
    Política agrícola comum — Regulamento (CE) n.° 73/2009 — Artigo 7.°, n.os 1 e 2 — Modulação dos pagamentos diretos concedidos aos agricultores — Redução adicional dos montantes dos pagamentos diretos — Validade — Princípio da proteção da confiança legítima — Princípio da não discriminação.
    Processo C‑545/11.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:169

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    14 de março de 2013 ( *1 )

    «Política agrícola comum — Regulamento (CE) n.o 73/2009 — Artigo 7.o, n.os 1 e 2 — Modulação dos pagamentos diretos concedidos aos agricultores — Redução adicional dos montantes dos pagamentos diretos — Validade — Princípio da proteção da confiança legítima — Princípio da não discriminação»

    No processo C-545/11,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgericht Frankfurt (Oder) (Alemanha), por decisão de 28 de setembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 24 de outubro de 2011, no processo

    Agrargenossenschaft Neuzelle eG

    contra

    Landrat des Landkreises Oder-Spree,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, U. Lõhmus, M. Safjan (relator) e A. Prechal, juízes,

    advogado-geral: M. Wathelet,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 28 de novembro de 2012,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Agrargenossenschaft Neuzelle eG, por U. Karpenstein e C. Johann, Rechtsanwälte,

    em representação do Governo helénico, por E. Leftheriotou e A. Vasilopoulou, na qualidade de agentes,

    em representação do Conselho da União Europeia, por E. Sitbon e Z. Kupčová, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Rossi e B. Schima, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005, (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO L 30, p. 16).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Agrargenossenschaft Neuzelle eG (a seguir «Agrargenossenschaft Neuzelle») ao Landrat des Landkreises Oder-Spree (a seguir «Landrat») a respeito da redução, a título da modulação, dos pagamentos diretos que lhe foram concedidos durante o ano de 2009.

    Quadro jurídico

    Regulamento (CE) n.o 1782/2003

    3

    Os considerandos 5, 21 e 22 do Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.o 2019/93, (CE) n.o 1452/2001, (CE) n.o 1453/2001, (CE) n.o 1454/2001, (CE) n.o 1868/94, (CE) n.o 1251/1999, (CE) n.o 1254/1999, (CE) n.o 1673/2000, (CEE) n.o 2358/71 e (CE) n.o 2529/2001 (JO L 270, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1009/2008 do Conselho, de 9 de outubro de 2008 (JO L 276, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1782/2003»), têm a seguinte redação:

    «(5)

    A fim de se conseguir um melhor equilíbrio entre os instrumentos de política agrícola destinados a promover uma agricultura sustentável e os que visam fomentar o desenvolvimento rural, deve ser instituído, à escala comunitária e com caráter obrigatório, um sistema de redução progressiva dos pagamentos diretos no período de 2005 a 2012. Todos os pagamentos diretos, para além de determinados montantes, devem ser reduzidos anualmente numa certa percentagem. As poupanças daí resultantes devem ser utilizadas para financiar medidas de desenvolvimento rural e repartidas pelos Estados-Membros de acordo com critérios objetivos a definir. Todavia, é conveniente estabelecer que uma determinada percentagem desses montantes permaneça nos Estados-Membros onde foram gerados. Até 2005, os Estados-Membros podem continuar a aplicar a modulação prevista, a título facultativo, no Regulamento (CE) n.o 1259/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum [...].

    [...]

    (21)

    Os regimes de apoio existentes no âmbito da política agrícola comum preveem um apoio direto ao rendimento, nomeadamente para assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola. Esse objetivo está intimamente relacionado com a manutenção das zonas rurais. Para evitar a atribuição incorreta dos fundos comunitários, não devem ser efetuados quaisquer pagamentos aos agricultores que tenham criado artificialmente as condições necessárias à obtenção desses pagamentos.

    (22)

    Os regimes comuns de apoio deverão ser adaptados à evolução da situação, se necessário rapidamente. Por conseguinte, os beneficiários não podem esperar que as condições de apoio permaneçam inalteradas, devendo estar preparados para o eventual reexame dos regimes em função da evolução dos mercados.»

    4

    O artigo 10.o do Regulamento n.o 1782/2003, sob a epígrafe «Modulação», previa, nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   Todos os montantes dos pagamentos diretos a conceder em determinado ano civil a um agricultor de um determinado Estado-Membro são reduzidos, em cada ano até 2012, nas seguintes percentagens:

    [...]

    2009: 5%,

    2010: 5%,

    2011: 5%,

    2012: 5%.

    2.   Os montantes resultantes da aplicação das reduções previstas no n.o 1, após dedução dos montantes totais referidos no Anexo II, ficarão disponíveis, a título de apoio comunitário suplementar, para medidas incluídas na programação em matéria de desenvolvimento rural e financiadas pelo FEOGA [Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola], [S]ecção ‘Garantia’ nos termos do Regulamento (CE) n.o 1257/1999.»

    5

    O artigo 30.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Reexame», dispunha:

    «Os regimes de apoio referidos no Anexo I são aplicados sem prejuízo da possibilidade de, a qualquer momento, serem reexaminados em função da evolução dos mercados e da situação orçamental.»

    6

    A este respeito, o Anexo I do referido regulamento continha a «[l]ista dos regimes de apoio que preenchem os critérios estabelecidos no artigo 1.o».

    Regulamento n.o 73/2009

    7

    O Regulamento n.o 73/2009, aplicável a partir de 1 de janeiro de 2009 por força do seu artigo 149.o, revogou o Regulamento n.o 1782/2003 nas condições previstas no seu artigo 146.o e estabeleceu um novo sistema de modulação obrigatória.

    8

    A este respeito, os considerandos 8 a 11 deste regulamento enunciam:

    «(8)

    A fim de alcançar um melhor equilíbrio entre os instrumentos de política agrícola destinados a promover uma agricultura sustentável e os que visam fomentar o desenvolvimento rural, foi instituído pelo Regulamento (CE) n.o 1782/2003 um sistema de redução obrigatória e progressiva dos pagamentos diretos (a ‘modulação’). Esse sistema deverá ser mantido e incluir a isenção dos pagamentos diretos de montante inferior ou igual a 5 000 [euros].

    (9)

    As poupanças feitas através da modulação são utilizadas para financiar medidas no âmbito da política de desenvolvimento rural. Desde a aprovação do Regulamento (CE) n.o 1782/2003, o setor agrícola tem-se deparado com novos e exigentes desafios, tais como as alterações climáticas e a importância crescente da bioenergia, bem como a necessidade de uma melhor gestão da água e de uma proteção mais eficaz da biodiversidade. A Comunidade, como parte no Protocolo de Quioto […], foi chamada a adaptar as suas políticas em função de considerações ligadas às alterações climáticas. Além disso, na sequência de graves problemas relacionados com a escassez de água e as secas, o Conselho, nas suas conclusões de 30 de outubro de 2007 sobre ‘Escassez de água e secas’, considerou que deverá ser dada maior atenção às questões de gestão da água na agricultura. Além disso, o Conselho salientou, nas suas conclusões de 18 de dezembro de 2006 intituladas ‘Travar a perda de biodiversidade’[,] que a proteção da biodiversidade continua a ser um desafio importante e que, apesar dos significativos progressos registados, a consecução do objetivo de biodiversidade da Comunidade até 2010 exigirá esforços adicionais. Além disso, uma vez que a inovação pode contribuir sobretudo para o desenvolvimento de novas tecnologias, bem como de novos produtos e processos, apoiará os esforços para fazer face a estes novos desafios. A expiração do regime de quotas leiteiras em 2015 nos termos do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas […], exigirá esforços específicos por parte dos agricultores do setor leiteiro para se adaptarem à mudança das condições, sobretudo nas regiões desfavorecidas. Por isso, também é oportuno encarar esta situação específica como um novo desafio que os Estados-Membros deverão ser capazes de enfrentar para assegurar uma ‘aterragem suave’ dos respetivos setores leiteiros.

    (10)

    A Comunidade reconhece a necessidade de abordar estes novos desafios no quadro das suas políticas. Na área da agricultura, os programas de desenvolvimento rural aprovados ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER)[,] constituem uma ferramenta adequada para o efeito. A fim de permitir aos Estados-Membros rever os seus programas de desenvolvimento rural em conformidade, sem os forçar a reduzir as suas atuais atividades de desenvolvimento rural noutras áreas, há que disponibilizar fundos suplementares. Contudo, as perspetivas financeiras para o período 2007-2013 não preveem os meios financeiros necessários para reforçar a política de desenvolvimento rural da Comunidade. Nestas circunstâncias, uma grande parte dos recursos financeiros necessários deverá ser mobilizada através do incremento gradual da redução dos pagamentos diretos ao abrigo da modulação.

    (11)

    A distribuição de apoio direto ao rendimento pelos agricultores caracteriza-se pela atribuição de uma grande quantidade de pagamentos a um número bastante reduzido de grandes beneficiários. É evidente que, para que o objetivo de apoio ao rendimento seja eficientemente alcançado, os grandes beneficiários não necessitam do mesmo nível unitário de ajuda. Além disso, o seu potencial de adaptação permite-lhes mais facilmente operar com níveis unitários de ajuda inferiores. É, pois, legítimo esperar que os agricultores com elevados montantes de apoio deem um contributo especial para o financiamento de medidas de desenvolvimento rural destinadas a enfrentar novos desafios. É, por conseguinte, conveniente estabelecer um mecanismo que preveja uma maior redução dos pagamentos mais elevados, e as receitas daí resultantes deverão ser utilizadas para enfrentar novos desafios no âmbito do desenvolvimento rural.»

    9

    Nos termos do seu artigo 1.o, o Regulamento n.o 73/2009 estabelece, nomeadamente, «Regras comuns relativas aos pagamentos diretos».

    10

    O artigo 2.o do mesmo regulamento dispõe:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

    a)

    ‘Agricultor’: a pessoa singular ou coletiva ou o grupo de pessoas singulares ou coletivas, qualquer que seja o estatuto jurídico que o direito nacional confira ao grupo e aos seus membros, cuja exploração se situe no território da Comunidade, tal como definido no artigo [299.° CE], e que exerça uma atividade agrícola;

    [...]

    d)

    ‘Pagamento direto’: um pagamento concedido diretamente aos agricultores a título de um dos regimes de apoio enumerados no Anexo I;

    [...]

    h)

    ‘Superfície agrícola’: qualquer superfície de terras aráveis, pastagens permanentes ou culturas permanentes.»

    11

    O artigo 7.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Modulação», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   Qualquer montante do pagamento direto a conceder em determinado ano civil a um agricultor que exceda 5000 [euros] é reduzido, em cada ano até 2012, nas seguintes percentagens:

    a)

    Em 2009: 7%,

    b)

    Em 2010: 8%,

    c)

    Em 2011: 9%,

    d)

    Em 2012: 10%.

    2.   As reduções previstas no n.o 1 são aumentadas 4 pontos percentuais relativamente aos montantes superiores a 300 000 [euros].»

    12

    O artigo 9.o do Regulamento n.o 73/2009, sob a epígrafe «Montantes resultantes da modulação», prevê o seguinte, no seu n.o 1:

    «Os montantes resultantes da aplicação das reduções previstas no artigo 7.o do presente regulamento, em todos os Estados-Membros que não os novos Estados-Membros, ficam disponíveis, a título de apoio comunitário suplementar, para medidas incluídas na programação do desenvolvimento rural financiadas pelo FEADER, como estabelecido no Regulamento (CE) n.o 1698/2005, de acordo com as condições definidas no presente artigo.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    13

    Decorre da decisão de reenvio que a Agrargenossenschaft Neuzelle, segundo as suas próprias indicações, é uma cooperativa agrícola de direito alemão, ativa nos domínios da agricultura e da pecuária. Tem 119 membros e emprega 123 trabalhadores.

    14

    Na sequência de um pedido apresentado por esta cooperativa em 12 de maio de 2009, o Landrat, por decisão de 26 de novembro de 2009, concedeu-lhe a quantia de 1461037,51 euros a título do regime de pagamento único para o ano de 2009, na sua qualidade de agricultor na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009. Segundo a decisão de reenvio, o Landrat, tendo em conta a superfície tomada em consideração e o valor médio dos direitos ao pagamento como decorre do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento, reduziu 166701,26 euros ao montante que tinha sido provisoriamente atribuído de 1627738,77 euros.

    15

    Por decisão de 25 de fevereiro de 2010, o Landrat indeferiu a reclamação apresentada pela Agrargenossenschaft Neuzelle contra a referida decisão de redução dos seus direitos, dado que essa reclamação foi dirigida unicamente contra a aplicação do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 73/2009.

    16

    Em 22 de março de 2010, a Agrargenossenschaft Neuzelle interpôs um recurso no Verwaltungsgericht Frankfurt (Oder), solicitando o pagamento de um montante adicional de 85564,33 euros a título do regime de pagamento único para o ano de 2009.

    17

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a solução no processo principal depende, em primeiro lugar, da resposta à questão de saber se o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009 é válido à luz do princípio da proteção da confiança legítima, na medida em que prevê, para os anos de 2009 a 2012, percentagens de redução dos pagamentos diretos mais elevadas do que as que tinham sido previstas no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003.

    18

    Esta solução depende, em segundo lugar, da validade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009 à luz do princípio da não discriminação enunciado no artigo 40.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE, segundo o qual a organização comum dos mercados agrícolas deve excluir toda e qualquer discriminação entre produtores ou consumidores da União Europeia.

    19

    Com efeito, por um lado, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009 pode instaurar uma diferença de tratamento injustificada entre os agricultores que exploram uma grande superfície agrícola e os que exploram uma pequena superfície. Por outro lado, essa disposição penaliza os agricultores que exercem a sua atividade em cooperação com outros agricultores, como ocorre nas cooperativas agrícolas de direito alemão, que constituem «grupos», na aceção do artigo 2.o, alínea a), do mesmo regulamento, contrariamente aos agricultores que se organizam sem recorrer a estruturas societárias, com base em acordos de menor alcance, beneficiando também de sinergias comparáveis no plano económico. Com efeito, essas cooperativas alcançam mais facilmente o montante dos pagamentos diretos previstos no referido artigo 7.o, n.o 2, a partir do qual são aumentadas as percentagens das reduções.

    20

    Além disso, o legislador da União excluiu os grupos agrícolas de exploração comum de direito francês (a seguir «GAEC») da aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009. A este respeito, como salienta a Agrargenossenschaft Neuzelle nas suas observações escritas, quando da adoção deste regulamento, foi incluída na ata do Conselho uma «[d]eclaração da Comissão relativa à aplicação da modulação e da disciplina financeira aos [GAEC] (artigo 12.o‘Montante suplementar de ajuda’ do Regulamento [...] n.o 1782/2003») (documento do Conselho 5263/09 ADD 1, de 15 de janeiro de 2009), que tem a seguinte redação:

    «A Comissão recorda os princípios em que se baseia a declaração que efetuou quando da adoção do Regulamento (CE) n.o 1782/2003, segundo os quais considera que cada uma das explorações que faz parte de um GAEC [...], tal como está previsto no Código Rural francês, é considerada, no quadro do mecanismo de disciplina financeira, como um único agricultor tanto para efeitos de aplicação do montante adicional de ajuda previsto em caso de modulação como das franquias.»

    21

    Foi nestas circunstâncias que o Verwaltungsgericht Frankfurt (Oder) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    É válido o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento [...] n.o 73/2009 [...] na medida em que prevê para os anos de 2009 a 2012 uma redução dos pagamentos diretos numa percentagem superior a 5%?

    2)

    É válido o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento [...] n.o 73/2009 [...]?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    22

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009 é válido à luz do princípio da proteção da confiança legítima na medida em que, para os anos de 2009 a 2012, prevê uma redução adicional dos pagamentos diretos em relação aos montantes fixados no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003.

    23

    A título liminar, há que recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o princípio da proteção da confiança legítima faz parte dos princípios fundamentais da União (v. acórdãos de 5 de maio de 1981, Dürbeck, 112/80, Recueil, p. 1095, n.o 48; de 24 de março de 2011, ISD Polska e o./Comissão, C-369/09 P, Colet., p. I-2011, n.o 122; e de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão, C-335/09 P, n.o 180).

    24

    O direito de invocar este princípio estende-se a todo o particular a quem uma instituição da União tenha feito surgir esperanças fundadas [v., neste sentido, acórdãos de 11 de março de 1987, Van den Bergh en Jurgens e Van Dijk Food Products (Lopik)/CEE, 265/85, Colet., p. I-1155, n.o 44; ISD Polska e o./Comissão, já referido, n.o 123; e de 22 de setembro de 2011, Bell & Ross/IHMI, C-426/10 P, Colet., p. I-8849, n.o 56].

    25

    Constituem garantias suscetíveis de fazer surgir tais esperanças, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, não se pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas que lhe tenham sido fornecidas pela Administração (acórdão de 17 de março de 2011, AJD Tuna, C-221/09, Colet., p. I-1655, n.o 72 e jurisprudência referida).

    26

    Do mesmo modo, quando um operador económico prudente e avisado estiver em condições de prever a adoção de uma medida da União suscetível de afetar os seus interesses, não pode, quando essa medida for adotada, invocar o princípio da proteção da confiança legítima [v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Van den Bergh en Jurgens e Van Dijk Food Products (Lopik)/CEE, n.o 44, e AJD Tuna, n.o 73].

    27

    No caso em apreço, há que declarar que o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 previa que, a título da modulação, os montantes dos pagamentos diretos a conceder durante um dado ano civil a um agricultor num determinado Estado-Membro deviam ser reduzidos anualmente 5% no que diz respeito aos anos de 2009 a 2012.

    28

    Como previa o n.o 2 do mesmo artigo 10.o, os montantes resultantes da aplicação dessas reduções deviam ser afetados, a título de apoio comunitário suplementar, a medidas incluídas na programação em matéria de desenvolvimento rural.

    29

    Ora, em aplicação do Regulamento n.o 73/2009, que revogou e substituiu o Regulamento n.o 1782/2003, os montantes dos pagamentos diretos superiores a 5 000 euros a conceder a um agricultor num determinado ano civil sofreram uma redução adicional em relação às percentagens previstas no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003. Com efeito, por força do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009, os montantes deviam no futuro ser reduzidos em 7% em 2009, 8% em 2010, 9% em 2011 e 10% em 2012.

    30

    Embora o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 contivesse percentagens de redução dos pagamentos diretos para os anos de 2009 a 2012 menos elevadas do que as previstas no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009, os agricultores da União não podem, contudo, invocar a violação do princípio da proteção da confiança legítima.

    31

    Com efeito, o artigo 30.o do Regulamento n.o 1782/2003 previa que os regimes de apoio referidos no Anexo I deste regulamento eram «aplicados sem prejuízo da possibilidade de, a qualquer momento, serem reexaminados em função da evolução dos mercados e da situação orçamental».

    32

    Do mesmo modo, o considerando 22 do referido regulamento enunciava que «[o]s regimes comuns de apoio deverão ser adaptados à evolução da situação, se necessário rapidamente», e que «[o]s beneficiários não podem esperar que as condições de apoio permaneçam inalteradas, devendo estar preparados para o eventual reexame dos regimes em função da evolução dos mercados».

    33

    Por conseguinte, um operador económico prudente e avisado estava em condições de prever que os pagamentos diretos a título dos regimes de apoio aos rendimentos podiam ser reduzidos após o reexame, em função da evolução dos mercados e da situação orçamental.

    34

    A este respeito, o Regulamento n.o 73/2009 estabeleceu uma redução adicional dos pagamentos diretos pelas razões enunciadas nos considerandos 9 e 10 deste regulamento, em especial em razão do facto de, nos termos desse último considerando, «as perspetivas financeiras para o período 2007-2013 não [preverem] os meios financeiros necessários para reforçar a política de desenvolvimento rural da Comunidade» e de, «[n]estas circunstâncias, uma grande parte dos recursos financeiros necessários [dever] ser mobilizada através do incremento gradual da redução dos pagamentos diretos ao abrigo da modulação».

    35

    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência aos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 1782/2003. Recorda que a Proposta de regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio para os agricultores de determinadas culturas, apresentada pela Comissão em 21 de janeiro de 2003 [COM(2003) 23 final, a seguir «proposta de regulamento»], continha um artigo 10.o, n.o 2, nos termos do qual as percentagens referidas no n.o 1 do mesmo artigo podiam ser «alteradas em conformidade com o procedimento previsto no artigo 82.o, n.o 2».

    36

    No entanto, decorre desse artigo 82.o, n.o 2, da proposta de regulamento que o exercício das competências de execução para alterar as percentagens de redução dos montantes dos pagamentos diretos foi atribuído à Comissão.

    37

    Ora, como salientou a Comissão nas suas observações escritas, a não inserção do artigo 10.o, n.o 2, da proposta de regulamento no Regulamento n.o 1782/2003 pode ser interpretada no sentido de que o Conselho reservou para si o direito, nos termos do artigo 30.o desse regulamento, de alterar ele próprio as referidas percentagens, sem conceder uma delegação de competência à Comissão para proceder a essa alteração.

    38

    Por conseguinte, como salientam acertadamente o Governo grego, o Conselho e a Comissão nas suas observações escritas, os agricultores da União não podiam invocar a confiança legítima quanto à manutenção, para os anos de 2009 a 2012, das percentagens de redução dos pagamentos diretos tais como fixadas no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003.

    39

    Por consequência, há que responder à primeira questão que o seu exame não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009 à luz do princípio da proteção da confiança legítima.

    Quanto à segunda questão

    40

    Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009, que enuncia que as reduções previstas no n.o 1 do mesmo artigo são aumentadas quatro pontos percentuais relativamente aos montantes superiores a 300 000 euros, é válido à luz do princípio da não discriminação, dado que a existência da discriminação deve ser apreciada em função, por um lado, da dimensão das explorações e, por outro, da forma jurídica em que a atividade agrícola é exercida.

    41

    A este respeito, há que recordar antes de mais que o princípio da não discriminação faz parte dos princípios gerais do direito da União e tem a sua expressão no domínio da agricultura no artigo 40.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE (v., neste sentido, acórdãos de 23 de março de 2006, Unitymark e North Sea Fishermen’s Organisation, C-535/03, Colet., p. I-2689, n.o 53, e de 2 de setembro de 2010, Karanikolas e o., C-453/08, Colet., p. I-7895, n.o 49).

    42

    Este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (acórdão de 11 de julho de 2006, Franz Egenberger, C-313/04, Colet., p. I-6331, n.o 33 e jurisprudência referida).

    43

    No que diz respeito ao âmbito da fiscalização do respeito deste princípio, há que recordar que o legislador da União dispõe no domínio da agricultura de um amplo poder de apreciação correspondente às responsabilidades políticas que lhe são atribuídas pelos artigos 40.° TFUE a 43.° TFUE. Por conseguinte, a fiscalização jurisdicional deve limitar-se a examinar se a medida em causa não padece de um erro manifesto ou de desvio de poder ou se a autoridade em questão não excedeu manifestamente os limites do seu poder de apreciação (v., designadamente, acórdão AJD Tuna, já referido, n.o 80).

    44

    Por conseguinte, compete ao Tribunal de Justiça verificar, em primeiro lugar, se a diferença de tratamento entre os agricultores consoante a importância da superfície agrícola explorada, como prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009, pode ser justificada por razões objetivas que não são manifestamente inapropriadas (v., neste sentido, acórdão Polónia/Comissão, já referido, n.o 128).

    45

    A este respeito, há que salientar que, no considerando 11 do Regulamento n.o 73/2009, o Conselho justificou as reduções adicionais previstas no referido artigo 7.o, n.o 2, alegando que os grandes beneficiários não necessitam, para efeitos do objetivo de apoio ao rendimento, do mesmo nível de apoio e que o seu potencial de adaptação lhes permite mais facilmente operar com níveis unitários de ajuda inferiores. Segundo essa instituição, é, pois, legítimo esperar que os agricultores com elevados montantes de apoio deem um contributo especial para o financiamento de medidas de desenvolvimento rural destinadas a enfrentar novos desafios.

    46

    No quadro da fiscalização efetuada pelo Tribunal de Justiça nas condições recordadas nos n.os 43 e 44 do presente acórdão, tais considerações não parecem manifestamente inapropriadas. Com efeito, o Conselho podia considerar que, devido às características específicas dos grandes beneficiários, estes estão numa situação diferente da dos outros agricultores, o que permite tratá-los diferentemente no que diz respeito à modulação dos pagamentos diretos.

    47

    Por outro lado, não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito dessa fiscalização, examinar em pormenor os argumentos contidos na decisão de reenvio e relativos, nomeadamente, ao número de trabalhadores mais significativo por hectare sujeitos ao seguro obrigatório que são contratados regularmente pelos grandes beneficiários, ao facto de estes últimos recorrerem a maior parte das vezes a pessoal permanente assim como aos limites das economias de escala das explorações agrícolas de grande dimensão ou ainda à especificidade da estrutura das explorações agrícolas nos Länder da antiga República Democrática Alemã. Mesmo pressupondo que estes elementos sejam exatos, só constituem alguns dos elementos que o Conselho devia ter em conta na apreciação global que lhe competia efetuar na sua qualidade de legislador da União, tendo presente que o Tribunal de Justiça não pode substituir a apreciação do Conselho pela sua própria apreciação de tais elementos.

    48

    Em segundo lugar, quanto à forma jurídica em que a atividade agrícola é exercida, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que as cooperativas agrícolas de direito alemão constituem «grupos», na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, contrariamente aos agricultores que se organizam com base em acordos juridicamente menos vinculativos. Além disso, o legislador da União excluiu os GAEC da aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009.

    49

    A este respeito, há que salientar que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009 não estabelece nenhuma distinção em função da forma jurídica adotada para exercer a atividade agrícola.

    50

    Quanto ao artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 73/2009, visa qualquer «grupo de pessoas singulares ou coletivas, qualquer que seja o estatuto jurídico que o direito nacional confira ao grupo e aos seus membros». Por conseguinte, uma vez que os agricultores exercem a sua atividade no quadro de um tal «grupo», devem ser considerados como um único «agricultor» na aceção do Regulamento n.o 73/2009.

    51

    No que diz respeito mais concretamente aos GAEC, basta assinalar que nem o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009 nem nenhuma outra disposição deste regulamento menciona esses grupos de direito francês. A situação destes últimos é unicamente evocada na declaração da Comissão incluída na ata do Conselho quando da adoção do Regulamento n.o 73/2009, citada no n.o 20 do presente acórdão. Nessa declaração, a Comissão recordou que, em seu entender, cada uma das explorações que faz parte de um GAEC deve ser considerada, no quadro do mecanismo de disciplina financeira, um agricultor único, especialmente para efeitos de aplicação do montante adicional de ajuda previsto em caso de modulação.

    52

    Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, essa declaração não pode ser tida em consideração para a interpretação de uma disposição de direito derivado quando, como no caso em apreço, o seu conteúdo não tem nenhuma expressão no texto da disposição em causa, não tendo, por conseguinte, nenhum conteúdo jurídico (v., designadamente, acórdãos de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen, C-292/89, Colet., p. I-745, n.o 18, e de 19 de dezembro de 2012, Leno Merken, C-149/11, n.o 46).

    53

    Tendo em conta o exposto, há que responder à segunda questão que o seu exame não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009 à luz do princípio da não discriminação.

    Quanto às despesas

    54

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    O exame da primeira questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005, (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003, à luz do princípio da proteção da confiança legítima.

     

    2)

    O exame da segunda questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 73/2009 à luz do princípio da não discriminação.

     

    Assinaturas


    ( *1 )   Língua do processo: alemão.

    Top