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Document 61992CC0275

    Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 16 de Dezembro de 1993.
    Her Majesty's Customs and Excise contra Gerhart Schindler e Jörg Schindler.
    Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice, Queen's Bench Division - Reino Unido.
    Lotarias.
    Processo C-275/92.

    Colectânea de Jurisprudência 1994 I-01039

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:944

    61992C0275

    Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 16 de Dezembro de 1993. - HER MAJESTY'S CUSTOMS AND EXCISE CONTRA GERHART SCHINDLER E JOERG SCHINDLER. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HIGH COURT OF JUSTICE, QUEEN'S BENCH DIVISION - REINO UNIDO. - LOTARIAS. - PROCESSO C-275/92.

    Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-01039
    Edição especial sueca página 00119
    Edição especial finlandesa página I-00079


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. Todos os ordenamentos jurídicos dos Estados-membros proíbem, em princípio, as lotarias e outras formas de jogos de azar. As razões para esta proibição são basicamente as mesmas. Lotarias e jogos de azar são actividades que, por razões éticas e sociais, não devem ser permitidas. Os cidadãos devem ser protegidos contra os perigos que comporta a paixão do jogo e existe, neste domínio, um risco significativo de criminalidade.

    Mas, ao mesmo tempo, todos os Estados-membros têm mais ou menos excepções a esta proibição. Isto deve-se ao facto de ser oportuno permitir, em certa medida, os jogos para, por um lado, preencher o desejo pelo jogo que manifestam os cidadãos e, por outro, prevenir o jogo ilícito. É possível fixar exigências relativamente às formas de jogo autorizadas, de modo a limitar o risco de criminalidade. Além disto, é possível, e este ponto reveste uma grande importância em todos os Estados-membros, subordinar as autorizações à condição de que os benefícios provenientes dos jogos sejam destinados a fins de interesse geral ou ao Tesouro público.

    2. O sector das lotarias, em questão no presente processo, caracteriza-se pelo facto de, na maior parte dos Estados-membros, existirem uma ou várias lotarias a nível nacional, exploradas directamente pelos poderes públicos ou submetidas a um controlo público estrito. Existem, ainda, normas que autorizam as lotarias locais, de menor importância, sob certas condições, nomeadamente no que se refere à afectação dos lucros. Paralelamente, e de acordo com as informações fornecidas, os Estados-membros proíbem ou, pelo menos, restringem em grande medida as actividades das lotarias estrangeiras (1).

    O mercado interno não é, portanto, uma realidade no domínio da lotaria. Foram atribuídos às grandes lotarias nacionais direitos exclusivos pelo que estas estão largamente protegidas contra a concorrência das lotarias estrangeiras.

    3. O presente processo dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar acerca da questão de saber se as normas do Tratado de Roma se aplicam neste domínio e, em caso afirmativo, se as restrições aplicáveis às actividades das empresas estrangeiras de lotaria são compatíveis com o Tratado.

    Deste modo, o processo reveste-se de um grande interesse tanto prático como de princípio, e todos os Estados-membros, com excepção da Itália, apresentaram observações.

    4. As questões prejudiciais que foram submetidas ao Tribunal de Justiça surgiram no âmbito de um processo no qual um órgão jurisdicional britânico deve decidir acerca da compatibilidade com o direito comunitário de uma confiscação de material publicitário de uma lotaria estrangeira, efectuada ao abrigo da legislação britânica que, na época, proibia a actividade de lotaria, com excepção de certas lotarias locais, isto é, numa época em que não existia uma grande lotaria a nível nacional no Reino Unido.

    A actividade do jogo nos Estados-membros e a sua regulamentação

    5. Pode ser oportuno completar estas observações liminares com quaisquer elementos de informação relativos às diferentes formas de jogo praticadas nos Estados-membros e respectiva regulamentação.

    6. Estas informações são, em grande medida, retiradas de um relatório publicado pela Comissão, relativo à actividade do jogo no mercado interno (2). O relatório, que salienta que os números utilizados se referem ao ano de 1989 e que devem ser considerados com reserva, divide o mercado dos jogos numa série de mercados parciais que, a nível comunitário, apresentaram as seguintes quotas:

    - lotarias nacionais e actividades equiparadas 36%

    - corridas de cavalos e actividades equiparadas31%

    - casinos17%

    - máquinas de moedas11%

    - bingo, etc.5%

    O volume de negócios total, isto é, o montante das somas apostadas no sector dos jogos lícitos, foi estimado em pouco mais de 45 mil milhões de ecus.

    7. O relatório demonstra que existem grandes diferenças entre os mercados nos diferentes Estados-membros.

    Resulta dessas diferenças nacionais, por exemplo, que o Reino Unido e a França detêm, no que se refere às apostas em corridas de cavalos, respectivamente 55% e 30% do mercado global a nível comunitário, enquanto o mercado das lotarias (3) - relativamente ao qual o relatório só inclui números sobre as grandes lotarias de carácter nacional, incluindo, em contrapartida, os números das apostas nos jogos de futebol e outros desportos (totobola, etc.) - se repartia nos mercados nacionais da seguinte forma:

    - Alemanha28,5%

    - Espanha26,0%

    - França16,0%

    - Itália11,0%

    - Reino Unido (presumivelmente só com 6,0%

    referência ao totobola)

    - outros Estados-membros12,5%

    8. O relatório sublinha, com efeito, que o mercado dos jogos é constituído por mercados nacionais grandemente diferenciados reflectindo diferentes tradições e preferências nacionais, bem como diferentes legislações nacionais (4).

    9. O relatório indica, também, que o mercado dos jogos deve actualmente ser considerado como uma importante fonte de rendimentos para os Estados.

    Isto é igualmente válido na área da lotaria. De acordo com o relatório e, de resto, com as observações apresentadas no caso em apreço, os Estados-membros ou conservam para si mesmos os lucros (estes são pagos ao Tesouro público), ou exigem que os lucros sejam afectados a fins de interesse geral (eventualmente, após se ter retirado uma parte dos lucros, em benefício do Tesouro). Em vários Estados-membros, os premiados devem pagar impostos relativamente às somas ganhas. Segundo as informações disponíveis, não existem lotarias autorizadas a nível nacional que sejam exploradas numa base comercial, isto é, sejam geridas por organizações privadas que possam dispor livremente dos lucros.

    A parte do volume de negócios global destinada, enquanto lucro, a ser paga ao Tesouro ou afectada a fins de interesse geral varia entre os Estados mas, em qualquer caso, trata-se de uma parte relativamente importante do volume de negócios total, geralmente entre 25% e 40%.

    10. Apesar de o princípio de base ser o mesmo em todos os Estados-membros - as lotarias são proibidas a menos que tenham tido uma autorização especial ou preencham as condições gerais de exercício de uma certa actividade, normalmente local - existem diferenças substanciais no que se refere ao beneficiário da autorização. Tal como já foi referido, em vários Estados-membros as grandes lotarias que abrangem o conjunto do território são geridas pelas próprias autoridades públicas ou por empresas públicas. As lotarias podem igualmente ser concedidas a empresas incumbidas de organizar a extracção em nome e por conta das autoridades públicas. Finalmente, em vários Estados-membros as lotarias podem ser organizadas, igualmente no plano nacional, por organizações de beneficência que financiam parte das suas actividades com os rendimentos provenientes das lotarias que organizam.

    11. Segundo o relatório da Comissão (5), assiste-se, se bem que numa medida bastante limitada mas em crescimento devido à evolução técnica, à venda de bilhetes de lotaria para além das fronteiras. Trata-se, sobretudo, da venda de bilhetes das Klassenlotterien (lotarias por fracções) alemãs para a Bélgica, a Dinamarca, os Países Baixos e o Luxemburgo. O relatório salienta que o mercado britânico é particularmente interessante para os operadores de lotarias estrangeiras, uma vez que as pessoas na Grã-Bretanha não têm tido a possibilidade de participar em grandes lotarias. Crê-se que as actividades transfronteiriças de jogos constituem "um fenómeno liderado pelo mercado", uma vez que os consumidores são essencialmente motivados pelo montante dos prémios.

    12. O mercado britânico da lotaria tem-se diferenciado, até ao presente, dos mercados de lotaria dos outros Estados-membros.

    A legislação britânica contém uma proibição geral de organização de lotarias. Esta proibição apenas tem como excepção certas lotarias locais organizadas pelas autarquias ou por organizações e outras pessoas colectivas, desde que os lucros se destinem a fins de interesse geral ("good causes").

    Consequentemente, não tem sido possível organizar lotarias a nível nacional, aplicando-se, igualmente, a proibição à venda de bilhetes de lotarias estrangeiras e à comercialização das referidas lotarias (6).

    13. O direito em vigor no momento dos factos do processo (Abril de 1990) foi alterado em aspectos fundamentais. Com base num "Livro Branco", de Março de 1992 (7), foi adoptada, em 21 de Outubro de 1993, uma lei que cria uma lotaria nacional (National Lottery etc. Act 1993) destinada a ser gerida por um concessionário, sob controlo público, e cujos lucros devem beneficiar fins de interesse geral. Além disto, a legislação foi alterada no sentido de autorizar a introdução de bilhetes de lotaria provenientes de outros Estados-membros, persistindo contudo uma proibição de, pelo menos, certas formas de comercialização (promoção) das lotarias estrangeiras.

    De acordo com o "Livro Branco", essas alterações devem ser vistas à luz do desenvolvimento tecnológico, que, por um lado, possibilita o exercício de uma actividade transfronteiriça de lotaria e, por outro, dificulta a manutenção de uma proibição de tais actividades (8).

    Os factos que deram origem ao litígio e o conteúdo das questões prejudiciais

    14. Gerhart Schindler, que exerce juntamente com o seu irmão Joerg, a título independente, actividades de agente da Sueddeutsche Klassenlotterie, expediu em 1990, sob a forma de cartas publicitárias, a partir dos Países Baixos, cerca de 20 000 cartas individuais endereçadas a particulares residentes no Reino Unido. Cada envelope continha uma carta convidando o destinatário a participar na 87.a edição da Sueddeutsche Klassenlotterie, formulários de adesão e um envelope de resposta no qual estava impresso um endereço nos Países Baixos (9).

    15. As autoridades aduaneiras britânicas confiscaram o conjunto das cartas e formulários de adesão, com o argumento de que esse material tinha sido introduzido no Reino Unido em violação das disposições em vigor. As autoridades britânicas intentaram uma acção contra Gerhart e Joerg Schindler para que a confiscação fosse declarada legal, uma vez que tinha sido impugnada pelos demandados no processo principal.

    16. A High Court of Justice, Queen' s Bench Division, remeteu ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 177. do Tratado, seis questões.

    Através das questões 1 e 4, pretende que o Tribunal de Justiça se debruce sobre a questão de saber se os bilhetes da lotaria ou o material publicitário relativo a uma lotaria cuja organização é autorizada pela lei num Estado-membro constituem mercadorias na acepção do artigo 30. do Tratado, ou se o fornecimento de bilhetes ou a expedição de material publicitário relativo a uma tal lotaria constituem uma prestação de serviços na acepção do artigo 59. do Tratado.

    Através das questões 2 e 5, pretende que o Tribunal de Justiça analise a questão de saber se o artigo 30. ou o artigo 59. "se aplica à proibição, pelo Reino Unido, da importação de bilhetes ou de publicidade para lotarias de grande dimensão, tendo em conta que as restrições impostas pela lei do Reino Unido quanto à actividade dessas lotarias no interior do Reino Unido se aplicam sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade independentemente do facto de a lotaria ser organizada no exterior ou no interior do Reino Unido".

    Através das questões 3 e 6, pretende que, em caso de resposta afirmativa, o Tribunal de Justiça analise a questão de saber se "as preocupações do Reino Unido em limitar as lotarias por razões de política social e de prevenção de fraudes constituem razões legítimas de ordem pública ou de moralidade pública que justifiquem as restrições controvertidas, nos termos do artigo 56. conjugado com o artigo 66. , ou por outro fundamento".

    17. As observações que foram apresentadas neste processo demonstram a necessidade de examinar as seguintes questões:

    - Em que medida a criação e a gestão de lotarias constitui uma "actividade económica" abrangida pelo âmbito de aplicação do Tratado?

    - Os bilhetes de lotaria e respectivo material publicitário constituem mercadorias na acepção do artigo 30. do Tratado ou serviços na acepção do artigo 59. ?

    - A proibição de importação é discriminatória?

    - Em caso negativo, constitui uma restrição à livre circulação de mercadorias ou de serviços que é, em princípio, incompatível com o Tratado?

    - As considerações invocadas podem no caso concreto justificar uma tal restrição?

    - A restrição é, no caso concreto, necessária e proporcional aos objectivos prosseguidos?

    A actividade de lotaria é abrangida pelo Tratado?

    18. Vários Estados-membros alegaram que a actividade de lotaria está totalmente fora do âmbito de aplicação do Tratado, ou, pelo menos, não é abrangida pelas normas do Tratado relativas aos serviços. Alguns desses Estados-membros limitaram, no entanto, o alcance desta tese apenas às lotarias que podem ser caracterizadas como empresas públicas fornecedoras de serviços.

    19. O argumento fundamental e constante desta tese reside no facto de o Tratado se aplicar unicamente às actividades económicas que visam realizar os objectivos definidos no artigo 2. do Tratado, e de a lotaria não constituir uma tal actividade económica. Nesta matéria, é feita referência, inter alia, à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as actividades não económicas não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do Tratado, mencionado-se, nomeadamente, os acórdãos nos processos Walrave e Dona (10), nos quais se decidiu que certas actividades desportivas não eram abrangidas pelo Tratado devido ao seu carácter não económico. Foi também feita uma referência ao artigo 58. do Tratado segundo o qual este só se aplica às empresas com fins lucrativos, e salienta-se que decorre da definição de serviços constante do artigo 60. do Tratado que se devem tratar de prestações realizadas normalmente mediante remuneração.

    Em defesa desta tese foi também invocado o facto de a actividade do jogo ser, em princípio, ilegal em todos os Estados-membros, não sendo as dívidas de jogo susceptíveis de execução coerciva dado serem ilegais os contratos subjacentes. Afirma-se que esses contratos constituem uma ameaça contra a ordem pública e que não prosseguem nenhum objectivo digno de protecção. Alega-se, igualmente, que em certos Estados-membros, pelo menos na Alemanha, os jogos são considerados como fazendo parte do direito público.

    20. Não creio que esta tese tenha fundamento. Os elementos avançados pelos Estados-membros demonstram que os jogos ocupam, na sociedade, uma posição diferente da da maior parte das actividades económicas normais. São elementos que são claramente pertinentes para apreciar o alcance das normas do Tratado nesta área, mas não implicam que o Tratado, enquanto tal, ou as normas do Tratado em matéria de prestação de serviços não se apliquem, por princípio, nesta área.

    21. As normas do Tratado, tal como foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça (11), não constituem base para delimitar restritamente o âmbito de aplicação do Tratado. Resulta claramente dos autos que a importância económica dos jogos, incluindo a actividade de lotaria, é grande em todos os Estados-membros. Trata-se de uma forma muito especial de actividade económica, nomeadamente pelo facto de, pelo menos no que se refere à lotaria, o lucro, após pagamento das despesas de exploração, muitas vezes elevadas, da lotaria e dos prémios ser afectado ao Tesouro público ou a fins de interesse geral. Isto não implica, no entanto, que a actividade não seja abrangida pelo Tratado. Mesmo este tipo de actividade é uma actividade económica na acepção do Tratado. As prestações em causa, isto é, a participação na lotaria e a oportunidade de ganho que daí resulta, são efectuadas contra remuneração e os lucros que se retiram dessa exploração têm um carácter económico, qualquer que seja a sua afectação. O artigo 90. do Tratado indica que este se aplica igualmente às empresas públicas e às empresas a que os Estados-membros concedam direitos especiais ou exclusivos, incluindo as empresas que tenham a natureza do monopólio fiscal.

    22. Nenhum elemento decisivo foi avançado em defesa da tese segundo a qual os jogos, entre os quais se encontra a lotaria, não devem, em princípio, ser abrangidos pelo Tratado (12). Parece-me, por exemplo, evidente que, na medida em que autorizam a actividade do jogo, os Estados-membros devem respeitar a proibição básica do Tratado de qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

    23. No contexto da questão relativa ao âmbito de aplicação do Tratado, foi feita referência à Directiva 75/368/CEE do Conselho, de 16 de Junho de 1975, relativa a medidas destinadas a favorecer o exercício efectivo da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços em várias actividades (ex classe 01 a classe 85 CITI) e contendo, nomeadamente, medidas transitórias para estas actividades (13). Esta directiva, uma das chamadas directivas transitórias, aplica-se, inter alia, às lotarias organizadas a título privado em alguns Estados-membros, apesar de não se alargar às lotarias exploradas por organismos públicos (serviços públicos) (14). Em qualquer caso, pode concluir-se desta directiva que as actividades de lotaria não estão, enquanto tais, excluídas do âmbito de aplicação do Tratado. No que diz respeito às lotarias exploradas por organismos públicos, a única conclusão que se pode retirar é que o Conselho não considerou oportuno aplicar a estas últimas as normas da directiva.

    Os factos no processo principal referem-se a mercadorias ou a serviços na acepção do Tratado (questões 1 e 4)?

    24. Tal como se referiu, foi expressamente solicitado ao Tribunal de Justiça que declarasse como devem ser qualificadas certas actividades no âmbito da organização de uma lotaria, relativamente às noções de mercadoria e de serviço constantes do Tratado.

    Uma tal qualificação é, em qualquer caso, necessária perante o Tratado, apesar de, pelo menos em certa medida, haver razão para afirmar, tal como alguns Estados-membros salientaram nas suas observações, que a questão de saber se as normas britânicas controvertidas devem ser avaliadas em função das normas do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias ou das normas do Tratado relativas à livre circulação de serviços não é determinante para decidir acerca da sua compatibilidade (v. também o n. 56).

    25. Em meu entender a classificação não levanta dificuldades de monta.

    26. O facto de as actividades de lotaria serem serviços na acepção do Tratado não foi contestado no presente caso. Aliás, este ponto é provavelmente incontestável e, de qualquer modo, está claramente subentendido na directiva mencionada no n. 23.

    Apenas Gerhart e Joerg Schindler defendem que os bilhetes de lotaria devem ser considerados como uma mercadoria na acepção do Tratado e que o material publicitário distribuído no âmbito da venda dos bilhetes da lotaria está abrangido pelas normas do Tratado relativas à livre circulação das mercadorias.

    Os Estados-membros que se pronunciaram sobre esta questão, bem como a Comissão, afirmam que as actividades em questão no caso em apreço, relacionadas com a lotaria, devem ser consideradas como fazendo parte dos serviços prestados a este título.

    27. Em meu entender esta posição é sem dúvida correcta. Não existem razões especiais para considerar os bilhetes de lotaria como mercadorias. Os bilhetes de lotaria são documentos que provam que o seu titular pagou pelo direito de participar nessa lotaria, isto é, pagou para poder ter a oportunidade de ser sorteado como vencedor de um dos prémios previstos na lotaria em questão. A compra de um bilhete de lotaria é, neste contexto, comparável com a subscrição de um seguro ou a compra de uma prestação de transporte de pessoas, sendo que a prova de compra do serviço - a apólice ou o bilhete - fornecida pelo prestador de serviços, não constitui uma mercadoria na acepção do Tratado. As diferenças factuais ou jurídicas que possam existir quanto à negociabilidade desses documentos não têm importância no contexto do presente processo.

    28. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o material publicitário relativo à venda de mercadorias está submetido às regras do Tratado em matéria de mercadorias (15). Parece-me indubitável que o material publicitário relativo a prestações de serviços deva ser submetido às normas do Tratado que se referem a prestações de serviços.

    29. Das considerações precedentes resulta que a organização de uma lotaria e respectivas actividades, nomeadamente a venda de bilhetes da lotaria e a publicidade efectuada nesse âmbito, constituem serviços na acepção do Tratado e que as normas nacionais que regem esta actividade estão abrangidas pelas normas do Tratado relativas à livre prestação de serviços.

    Quanto ao direito dos Estados-membros de regulamentarem as lotarias

    30. A nível comunitário, não foi adoptada nenhuma regulamentação relativa às lotarias e outras actividades de jogo que seja importante no contexto do presente processo. A Directiva 75/368/CEE, já referida, relativa a medidas transitórias, só prevê, relativamente aos Estados-membros, uma obrigação limitada de aceitarem das empresas estrangeiras algumas provas de honorabilidade e outras condições de qualificação, sendo estas obrigações dos Estados-membros ainda mais limitadas no que se refere às lotarias exploradas por entidades privadas.

    O Tribunal de Justiça foi informado, no decurso do processo, que a Comissão tinha comunicado ao Conselho Europeu que, atendendo ao princípio da subsidariedade, tal como consta do novo artigo 3. -B inserido pelo Tratado da União Europeia no Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, tinha decidido não apresentar propostas no sentido de estabelecer regras comunitárias neste domínio (16).

    31. É incontestável que os Estados-membros regulamentam o sector dos jogos de azar de forma intensiva e relativamente restrita.

    A questão não é de saber se os Estados-membros podem adoptar uma tal regulamentação. A competência de princípio dos Estados-membros para adoptarem regras relativas ao acesso a certas actividades e ao seu exercício não é afectada pelo Tratado. A questão é simplesmente de saber que limitações podem ser inferidas das normas do Tratado no que se refere à competência normativa dos Estados-membros neste sector.

    32. Tal como foi referido, o presente processo refere-se ao significado que neste contexto têm as normas do Tratado relativas à prestação de serviços. Pode no entanto ser útil, antes de examinar as normas em matéria de prestação de serviços, fazer algumas observações gerais a propósito da competência geral dos Estados-membros para regulamentarem o acesso às actividades de lotaria e o seu exercício.

    33. Foi também referido que o ponto de partida em todos os Estados-membros é de que as actividades de jogo são proibidas e esta posição jurídica não é, evidentemente, contrária ao Tratado. Na prática, algumas formas de jogo são todavia autorizadas, sob certas condições, em todos os Estados-membros. Existem diferenças bastante sensíveis entre os Estados-membros no que se refere aos tipos de jogos autorizados e às condições de tal autorização. Isto implica que uma forma de jogo pode ser proibida num Estado-membro e autorizada num outro.

    34. Em caso de autorização de uma ou de outra forma de jogo, os Estados-membros podem, indubitavelmente, adoptar normas relativamente às condições de qualificação que devem ser preenchidas para se poder aceder ao exercício dessa actividade e às modalidades de exercício dessa actividade, para garantir que não haja abusos em detrimento dos jogadores e da sociedade em geral.

    Podem existir diferenças na intensidade e na extensão da protecção contra os abusos previstas na legislação de cada Estado.

    35. Na prática, verifica-se também que os Estados-membros exigem frequentemente e, em matéria de lotaria, em todos os casos importantes (17), que os lucros sejam afectados ao Tesouro público ou a fins de interesse geral. Os Estados-membros devem poder determinar tais condições.

    36. A experiência demonstra igualmente que nos Estados-membros onde são autorizadas lotarias, as lotarias mais importantes a nível nacional são geralmente exploradas pelo próprio sector público ou confiadas a organismos por este supervisionados. Aparentemente, isto deve-se ao facto de estas modalidades serem adequadas para prevenir os abusos, sendo consideradas naturais, dado que o lucro se destina ao Tesouro público ou a fins de interesse geral.

    37. Finalmente, é possível verificar que, pelo menos em certa medida, os Estados-membros regulamentam as lotarias de maneira a limitar "a oferta". O objectivo declarado é proteger os consumidores contra os perigos que representa para o particular uma participação excessiva no jogo (a paixão do jogo) e, para tal, recorre-se, nomeadamente, a uma limitação do número de empresas que podem exercer as actividades de lotaria, a uma limitação do número de lotarias susceptíveis de serem propostas ao público, bem como a uma limitação do número das extracções.

    38. Desde que a exigência fundamental de igualdade de tratamento entre as empresas, prevista no artigo 52. , seja respeitada, considero possível que os Estados-membros possam, sem violar o Tratado, regulamentar as actividades de lotaria no sentido de:

    - uma proibição total ou parcial,

    - condições relativamente ao exercício responsável de uma actividade autorizada,

    - uma afectação exclusiva dos lucros para fins públicos ou de interesse geral, e

    - uma limitação, pelo menos em certa medida, da oferta de lotarias.

    39. Pode considerar-se uma pouco mais problemática a questão de saber se os Estados-membros, tal como o fazem na prática, podem limitar a oferta reservando as actividades em causa a uma ou várias empresas ou, em alguns casos, reservando essas actividades para os próprios poderes públicos.

    Esta questão é problemática tanto face às normas do Tratado relativas ao direito de estabelecimento, como às normas do Tratado relativas aos serviços.

    No que se refere às normas relativas ao direito de estabelecimento, entendidas à luz do Tratado e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, é certo que não se opõem, de forma absoluta, a que certas formas de actividades económicas sejam reservadas a uma ou várias empresas e, entre estas, eventualmente, empresas públicas ou empresas que funcionam sob controlo público. No entanto, o Tratado pressupõe motivos de ordem geral que sejam admissíveis no seu próprio sistema e que justifiquem as excepções ao princípio de igualdade de acesso ao exercício de uma actividade comercial e/ou profissional (v. infra n. 75).

    40. A questão é de saber se os Estados-membros podem limitar o acesso ao exercício de actividades de lotaria com base naquilo que se pode designar por avaliação das necessidades, isto é, uma apreciação das quantidades da oferta que devem existir no mercado relativamente à prestação considerada ou, noutros termos, se os Estados-membros podem, neste sector, afastar os mecanismos gerais do mercado.

    41. Deve haver uma boa razão para não permitir o funcionamento dos mecanismos gerais do mercado. Com efeito, numa economia de mercado aberto, são as forças do mercado, e não regulamentações de direito público, que devem à partida ser determinantes no que se refere à quantidade ideal de oferta relativamente a uma dada mercadorias ou a um dado serviço.

    42. Ora, precisamente no sector em causa, foram avançadas razões sérias para justificar tais restrições aos mecanismos de mercado. Todos os Estados-membros têm tido, no mínimo, duas intervenções decisivas: por um lado, não autorizam quaisquer lotarias a nível nacional ou só autorizam uma ou poucas lotarias e, por outro, nenhuma empresa comercial normal pode actuar neste sector.

    Não se justifica, é certo, no presente caso, tomar posição, do ponto de vista do direito de estabelecimento, quanto à legalidade das restrições relativas à faculdade de as empresas terem acesso às actividades de lotaria. Mas, tal como se verá de seguida, é indubitável que os Estados-membros podem legalmente regular o mercado no que se refere aos aspectos mencionados, desde que respeitem a obrigação de igualdade de tratamento prevista no artigo 52. do Tratado e desde que a Comunidade não tenha adoptado normas relativamente a este sector.

    43. Estas considerações não são decisivas mas são, no entanto, pertinentes para tomar posição acerca do problema efectivamente colocado no caso concreto, que é o dos limites que se impõem ao direito dos Estados de alargarem o alcance da sua legislação para a aplicarem a prestadores de serviços estrangeiros.

    44. Estas considerações não são decisivas porque decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, adiante referida no n. 54, que a proibição prevista no artigo 59. de restringir a livre circulação de serviços é mais extensiva do que a proibição prevista no artigo 52. relativamente à possibilidade de os Estados-membros regulamentarem o direito de estabelecimento das empresas.

    Estas considerações são importantes, porque os motivos que estão na base da regulamentação pelos Estados-membros do direito de estabelecimento são igualmente susceptíveis de justificar restrições à livre prestação de serviços e pode muito bem acontecer que o objectivo pretendido através da regulamentação do direito de estabelecimento só possa ser atingido se essas normas sobre estabelecimento, isto é, as regras relativas ao acesso e ao exercício da actividade em causa, forem respeitadas tanto por empresas nacionais como estrangeiras.

    45. Para se tomar posição acerca desta problemática fundamental no caso concreto importa discernir claramente as consequências que terão as diferentes respostas possíveis do Tribunal de Justiça.

    46. A consequência mais radical de uma aplicação às normas dos Estados-membros relativas às lotarias estrangeiras das regras do Tratado relativas aos serviços será que o Estado destinatário da prestação deverá admitir totalmente no seu território as prestações provenientes de empresas que exerçam licitamente uma actividade de lotaria ao abrigo da legislação do país de origem. Isto significa em princípio, nesta hipótese, um reconhecimento mútuo e completo pelos Estados-membros das respectivas normas que regem as actividades de lotaria.

    47. Será, obviamente, necessário perguntar em que medida o Estado destinatário da prestação poderá, em tal caso, exigir igualmente dos prestadores estrangeiros que as suas actividades sejam exercidas respeitando as normas que proporcionam uma garantia suficiente de gestão responsável, com o objectivo de proteger os interesses dos consumidores e da sociedade.

    48. Será também necessário considerar se o Estado destinatário da prestação pode exigir dos prestadores estrangeiros, como o faz relativamente às suas próprias empresas, que os lucros sejam, em qualquer caso, utilizados para fins públicos ou de interesse geral.

    49. Finalmente, o Tribunal de Justiça deve considerar, e isto constitui a questão mais importante do processo, se o Estado destinatário da prestação pode, além disso, restringir a oferta de lotarias.

    Se não lhe for dada tal possibilidade, existirá em cada Estado-membro uma situação de mercado na qual a lotaria ou as lotarias do próprio Estado oferecerão os seus serviços e, simultaneamente, todas as lotarias legalmente praticadas nos outros Estados-membros (e que, se necessário, satisfaçam as condições, nomeadamente, de boa gestão, já mencionadas) poderão fazer o mesmo.

    Numa tal situação seria verdadeiramente impossível para um Estado-membro limitar a oferta, uma vez que a oferta global no mercado dependeria da oferta permitida no outros Estados-membros, criando-se ao mesmo tempo uma situação de mercado no qual as grandes lotarias, sobretudo as que têm um grande mercado doméstico, teriam importantes vantagens em termos de concorrência, uma vez que estavam em posição de oferecer aos consumidores os maiores prémios (v. infra n. 113).

    Em resumo, criar-se-ia uma situação na qual não existiriam reais possibilidades de limitar a oferta, para proteger os consumidores contra os perigos inerentes a jogos excessivos e na qual se assistiria a uma concorrência não entre operadores privados, com o que isso pressupõe de vantagens em termos de distribuição dos recursos, mas entre fundos públicos e fins de interesse público nos diferentes Estados-membros.

    50. É este resultado que os Estados-membros consideram fundamentalmente errado e que, alegam, não pode derivar do Tratado.

    Quanto às questões 5 e 6

    51. Como se sabe, estas questões referem-se à importância das normas relativas aos serviços para fins de aplicação, às lotarias estrangeiras, das normas britânicas que proíbem, de forma geral, a organização de grandes lotarias no Reino Unido.

    52. Em princípio, considero que o Tribunal de Justiça deve limitar-se a examinar a compatibilidade dessas normas com o Tratado.

    Não obstante esta posição de princípio, considero adequado tecer algumas considerações acerca da importância do Tratado relativamente à situação que existe, de facto, na maior parte dos Estados-membros, isto é, uma situação na qual o mercado das grandes lotarias está reservado a uma ou várias empresas de lotarias do sector público ou sob controlo público. Ao interpretar as normas do Tratado, no contexto do presente processo, o Tribunal de Justiça deve, obviamente, ter em consideração a importância de que se reveste esta interpretação relativamente à situação jurídica nos outros Estados-membros. Ademais, o Governo britânico salientou, a justo título, que as normas que estavam em vigor na época dos factos do processo principal não podem ser avaliadas sem se atender ao facto de o Reino Unido ter decidido definitivamente criar uma situação jurídica que, em princípio, corresponde à existente nos outros Estados-membros. Além disso, os outros Estados-membros, nas suas observações, alargaram-se em pontos de vista que são importantes para apreciar o direito em vigor nesses Estados.

    Quanto à questão 5

    53. Como já foi referido, a questão 5 é a seguinte:

    "... o artigo 59. aplica-se à proibição, pelo Reino Unido, de importação de bilhetes ou de publicidade para lotarias de grande dimensão, tendo em conta que as restrições impostas pela lei do Reino Unido quanto à actividade dessas lotarias no interior do Reino Unido se aplicam sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade independentemente do facto de a lotaria ser organizada no exterior ou no interior do Reino Unido?"

    54. Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça sublinhou sempre que as normas relativas aos serviços, tal como constam do Tratado, proíbem, em primeiro lugar, qualquer discriminação directa ou indirecta em detrimento dos serviços estrangeiros, mas acrescentou ainda que esta proibição pode igualmente afectar outras restrições além das que decorrem de normas discriminatórias. Nos seus acórdãos de 1979 e 1981, nos processos Van Wesemael e Webb (18), o Tribunal de Justiça afirmou que as normas relativas aos serviços podem igualmente limitar a possibilidade de os Estados-membros aplicaram normas não discriminatórias no caso de prestações de serviços estrangeiras. Isto foi afirmado, de forma ainda mais clara, nos acórdãos proferidos em 1986, nos processos ditos "co-seguros", que se referiam a condições não discriminatórias relativas ao estabelecimento e à concessão no domínio dos seguros (19). O Tribunal de Justiça reiterou isto mais recentemente nos acórdãos de 1991 nos processos ditos "guias turísticos" (20), bem como no seu acórdão de 1991 no processo Saeger, relativo às prestações de serviços no âmbito da renovação de patentes (21). Neste último acórdão, o Tribunal de Justiça afirmou "que o artigo 59. do Tratado exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados-membros, quando seja susceptível de impedir ou entravar de alguma forma as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-membro, onde preste legalmente serviços análogos" (n. 12).

    55. A jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre este assunto não pode, evidentemente, ser entendida sem a reserva importante que decorre da possibilidade existente de se considerarem as restrições, provenientes ou não de normas discriminatórias, como justificadas e, portanto, legais.

    No que se refere às "regulamentações nacionais, não indistintamente aplicáveis às prestações de serviços independentemente da sua origem", estas "apenas estarão em conformidade com o direito comunitário se puderem ser abrangidas por uma disposição derrogatória expressa, como o artigo 56. do Tratado" (22). No que se refere a outras restrições, o Tribunal de Justiça afirmou: "Tendo em conta a natureza especial de certas prestações de serviços, não se poderiam considerar como incompatíveis com o Tratado exigências específicas impostas ao prestador motivadas pela aplicação de normas reguladoras desses tipos de actividades. Todavia, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, apenas pode ser limitada mediante disposições justificadas por razões imperiosas de interesse geral e aplicáveis a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado destinatário, na medida em que tal interesse não esteja salvaguardado por normas a que o prestador esteja sujeito no Estado-membro onde estiver estabelecido. Além disso, as referidas exigências devem ser objectivamente necessárias a fim de garantir o cumprimento das regras profissionais e garantir a protecção do destinatário dos serviços, não devendo ir além do necessário para alcançar esses objectivos" (23).

    56. Como se verá, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 30. e a relativa ao artigo 59. são, em larga medida, concordantes.

    Contudo, deve mencionar-se que relativamente ao artigo 59. , o Tribunal de Justiça, diversamente do que fez relativamente ao artigo 30. , não declarou que qualquer restrição que limite, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, a livre prestação de serviços é abrangida pela proibição do Tratado (24).

    O sector dos serviços distingue-se, pelo menos em certa medida, do sector das mercadorias, devido nomeadamente à importância do elemento intuitu personae e, por conseguinte, à importância da distinção entre as condições de acesso aplicáveis à actividade em questão (nomeadamente, as qualificações pessoais) e as condições aplicáveis ao exercício dessa actividade.

    57. Atendendo a estas considerações, é provavelmente correcto resumir a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 59. da seguinte forma:

    - todas as medidas discriminatórias são abrangidas pelo artigo 59. , e

    - algumas outras medidas, mas não necessariamente todas, que restringem as actividades dos prestadores de serviços estrangeiros num país destinatário, podem igualmente ser abrangidas pelo artigo 59. (25).

    58. A simples verificação de que as normas controvertidas constituem uma limitação não discriminatória da actividade do prestador de serviços estrangeiro no Reino Unido não permite, portanto, responder à quinta questão da High Court.

    Torna-se necessário tomar posição sobre a questão de saber se a limitação é uma restrição na acepção do artigo 59.

    59. A maior parte das observações apresentadas no presente processo, incluindo as observações do Governo britânico, manifestam-se a favor de uma resposta afirmativa a esta questão.

    60. Contudo, certos governos sustentam o ponto de vista contrário. Referem-se nomeadamente aos acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1978, Société générale alsacienne de banque (26), e de 18 de Março de 1980, Debauve (27), que podem, ambos, ser entendidos no sentido de que as normas nacionais não são abrangidas pela proibição do artigo 59. simplesmente porque não são discriminatórias (28).

    61. Parece-me que se podem apresentar argumentos bastante sólidos a favor da tese segundo a qual as normas nacionais que prevêem uma proibição geral de uma dada actividade, e que não constituem discriminações directas ou indirectas, não são contrárias ao artigo 59. do Tratado. Tais normas afectam tanto os prestadores de serviços nacionais como os estrangeiros e dificilmente se vê à primeira vista porque motivo os prestadores estrangeiros poderiam exercer uma actividade proibida aos prestadores nacionais, simplesmente pelo facto de a exercerem legalmente no seu país de origem.

    62. Mas, no presente processo, este ponto não é decisivo. Os dois acórdãos que acabei de mencionar só em certa medida podem ser invocados em apoio deste resultado. No acórdão Debauve, o Tribunal de Justiça analisou, de facto, a questão de saber se a proibição em causa era proporcional ao objectivo pretendido e não se deve ignorar que o Tribunal de Justiça precisou na sua jurisprudência posterior que mesmo restrições não discriminatórias podem ser abrangidas pelo artigo 59.

    63. No caso em apreço existe, concretamente, um argumento que sugere que normas tais como as actualmente em litígio, devem ser consideradas como restrições também na acepção do artigo 59. A proibição controvertida aplica-se numa situação relativamente à qual o Governo britânico deu a conhecer que seria abolida, uma vez que tinha considerado oportuno instituir uma lotaria nacional. Uma situação jurídica na qual os prestadores de serviços estrangeiros não podem operar nas mesmas condições que os prestadores de serviços nacionais é, em qualquer caso, uma restrição na acepção do artigo 59. , mesmo se no presente caso se devesse considerar como não discriminatória.

    64. Destas considerações decorre que a questão 5 deve ser respondida no sentido de que o artigo 59. do Tratado se aplica às normas controvertidas, apesar de estas não incluírem nenhuma discriminação baseada na nacionalidade e sem que seja necessário considerar se a lotaria é organizada fora ou no território do próprio Reino Unido.

    As normas britânicas são materialmente discriminatórias?

    65. Ninguém no presente processo parece ter contestado a realidade da premissa subjacente à quinta questão, isto é, que as normas britânicas controvertidas, atendendo ao seu conteúdo, se aplicam sem qualquer discriminação baseada na nacionalidade e sem que haja lugar a considerar se a lotaria é organizada dentro ou fora do território do Reino Unido.

    66. No entanto, a Comissão e Gerhart e Joerg Schindler alegam que as normas são materialmente discriminatórias. Com efeito, impedem uma lotaria como a Sueddeutsche Klassenlotterie de aceder a um mercado no qual actividades de jogo análogas foram autorizadas para empresas concorrentes.

    Remetem, em primeiro lugar, para as actividades que as lotarias locais podem exercer, bem como para as actividades levadas a cabo por empresas privadas que organizam apostas de jogos de futebol (football pools). A Comissão e Gerhard e Joerg Schindler consideram que estas actividades concorrentes estão indirectamente protegidas e que, portanto, as normas controvertidas são discriminatórias.

    67. Não considero esta posição correcta.

    68. Deve tomar-se como ponto de partida o facto de a legislação britânica prever uma proibição geral de organização de lotarias, que apenas é levantada relativamente a uma série de excepções precisamente delimitadas e, à primeira vista, objectivamente fundamentadas, em benefício de lotarias com carácter local, cujos objectivos estão bem definidos e cujo volume de negócios não pode exceder um certo montante (29).

    Não há nada no processo que indique que esta situação jurídica pretende, directa ou indirectamente, proteger as lotarias britânicas da concorrência de outras lotarias organizadas fora do Reino Unido. Trata-se de uma delimitação, baseada aparentemente em justificações objectivas, do mercado britânico da lotaria, com vista a abranger apenas as lotarias locais com um volume de negócios limitado. O facto de essa delimitação implicar que as grandes lotarias estrangeiras não podem exercer as suas actividades em concorrência com as lotarias locais autorizadas não faz com que as normas em questão sejam discriminatórias.

    69. A legislação britânica autoriza a actividade de jogo que consiste em fazer apostas sobre jogos de futebol. A autorização é concedida mesmo quando as empresas privadas exercem esta actividade com fins lucrativos, limitando-se a acção normativa do Estado a garantir que a gestão seja séria e que uma parte adequada dos lucros seja afectada ao tesouro público através da tributação (30).

    O Tribunal de Justiça não teve conhecimento de nenhuma informação que pudesse sugerir que as actuais regras britânicas em matéria de apostas sobre jogos de futebol, consideradas em si mesmas, são contrárias às normas do Tratado, não tendo igualmente sido fornecido nenhum elemento que leve a pensar que as normas britânicas com importância para o mercado aqui em causa tenham sido adoptadas para proteger o mercado britânico dos jogos da concorrência das empresas de lotarias estrangeiras.

    Esta regulamentação deve ser considerada como uma manifestação legítima da concepção do legislador britânico sobre a maneira de organizar o mercado dos jogos a dinheiro. Pode ser um resultado de experiências do passado e de reflexões sobre o que é considerado como mais aceitável socialmente (por exemplo, o facto de existir um elemento de perícia nas apostas de futebol que falta nas lotarias) e pode reflectir uma simples escolha entre duas possíveis formas de jogo, considerando o legislador que é desejável só autorizar uma delas porque a oferta global de jogos a dinheiro seria demasiado elevada.

    70. A legislação britânica trata diferentemente formas de jogo diferentes e o facto de se tratarem, em certa medida, de actividades concorrentes não significa, ipso facto, que exista uma discriminação oculta. De resto, se se aceitar o ponto de vista da Comissão e de Gerhart e Joerg Schindler, pode, efectivamente, defender-se que uma tal concepção assenta na premissa de que um Estado-membro, uma vez que admitiu uma forma de jogo deve, por esse motivo, ser obrigado a aceitar formas de jogo equivalentes exploradas por empresas estrangeiras.

    A existência de uma grande lotaria nacional é significativa para a questão da discriminação?

    71. Pode alegar-se que a decisão de criação duma lotaria nacional constitui um indício da existência efectiva de uma discriminação em detrimento de lotarias estrangeiras e equivalentes.

    72. Em meu entender, não será correcto, ao apreciar um efeito eventualmente discriminatório das normas em causa, atribuir importância ao facto de essas normas terem sido ulteriormente alteradas. As normas em causa no processo principal não se tornam discriminatórias pelo facto de, a dado momento, se ter pensado eventualmente em alterá-las, nem pelo facto de isso ter depois conduzido à sua efectiva alteração.

    73. Mas, além disso, considero também que não será justo qualificar de discriminatória uma situação jurídica como a que está em vigor no Reino Unido após a adopção do National Lottery etc. Act 1993 e que, segundo as informações disponíveis, está em vigor em outros Estados-membros.

    74. É possível que num país se apliquem normas que impeçam prestadores de serviços estrangeiros de fornecerem as suas prestações, mesmo que tal seja permitido a empresas nacionais, sem que essas normas sejam necessariamente classificadas como discriminatórias. O exemplo clássico é constituído pelas normas nacionais que reservam uma certa actividade a empresas estabelecidas no país. Tais regras constituem, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça no processo dos co-seguros (Comissão/Alemanha) (31), "de facto, a própria negação (da livre prestação de serviços)". Ora, o Tribunal de Justiça não qualificou essa situação jurídica de discriminatória, mas afirmou que "para que uma tal exigência seja aceite, importa verificar se constitui uma condição indispensável para atingir o objectivo procurado", aceitando assim que outros factores além dos referidos no artigo 56. do Tratado possam, eventualmente, justificar tal restrição significativa à livre prestação de serviços.

    75. A situação em causa difere de uma exigência geral relativa ao estabelecimento, uma vez que a actividade em questão, após análise das suas necessidades, só é autorizada a uma ou a poucas empresas. Esta situação, por si só, não faz com que as normas sejam discriminatórias. Continua a estar certa a afirmação de que as normas não são a expressão de uma discriminação baseada na nacionalidade ou na origem das empresas.

    Que os Estados-membros concedam direitos exclusivos a uma ou a poucas empresas não é, em si, contrário ao Tratado (v. quanto a isto, o artigo 90. do Tratado). Os Estados-membros têm, neste caso, uma obrigação de respeitar as regras gerais do Tratado, o que no contexto do presente processo significa, em particular, as regras relativas ao estabelecimento e aos serviços. Isto implica, nomeadamente, que deve ser possível justificar, de acordo com a jurisprudência geral do Tribunal de Justiça, as restrições que implicam os direitos exclusivos perante o direito à livre prestação de serviços.

    Se o simples facto de terem sido concedidos direitos exclusivos for considerado como constituindo uma discriminação, então os direitos exclusivos só são lícitos se forem justificados com base uma das considerações mencionadas no artigo 56. , isto é, a ordem pública, a segurança pública e a saúde pública.

    Em meu entender, tal resultado não seria correcto.

    76. Por um lado, considero que não é oportuno alargar o campo de aplicação do conceito de discriminação num contexto como o em análise e, por outro, não considero que, para efeitos de uma aplicação útil do artigo 59. do Tratado, seja de uma importância decisiva qualificar a situação de discriminatória ou não.

    77. O artigo 56. determina que as disposições dos capítulos relativos ao direito de estabelecimento e aos serviços não prejudicam a aplicabilidade das "disposições (nacionais) que prevejam um regime especial para os estrangeiros", justificado por uma das razões mencionadas neste artigo.

    A própria redacção do artigo 56. demonstra que se devem tratar de normas especiais para empresas estrangeiras, e não me parece razoável que, no caso de se concederam direitos exclusivos a certas empresas sem consideração da nacionalidade ou da origem das empresas, essas normas sejam caracterizadas como normas "especiais" para empresas "estrangeiras".

    Além disso, o Tribunal de Justiça tem interpretado o artigo 56. de forma restrita e salientado que os argumentos previstos nessa disposição só podem ser invocados se existir "uma ameaça real e suficientemente grave, que afecte o interesse fundamental da sociedade" (32). Uma tal interpretação restritiva é incontestavelmente apropriada quando se trata de normas nacionais que, de forma aberta ou oculta, concedem importância à nacionalidade ou à origem das empresas. Ao invés, será inapropriada se os efeitos eventualmente discriminatórios de medidas controvertidas forem uma consequência prática de critérios de delimitação que se podem justificar objectivamente.

    Considero arriscado aplicar um conceito lato de discriminação e, ao mesmo tempo, interpretar o artigo 56. restritivamente. Isto poderia ter por consequência a restrição, inopinada, da competência regulamentar que, no sistema do Tratado, deve necessariamente pertencer aos Estados-membros enquanto as instituições da Comunidade não tiverem adoptado uma harmonização das normas nacionais sobre o assunto.

    78. Não considero que a questão da classificação tenha uma grande importância prática neste caso. Qualquer que seja a qualificação que se der à situação relativamente ao conceito de discriminação, existe uma restrição significativa, uma exclusão efectiva do direito à livre prestação de serviços, que só pode ser justificada se as medidas em causa forem objectivamente necessárias para se atender aos interesses fundamentais da sociedade.

    79. Em meu entender, as questões fundamentais são, em qualquer caso, de saber se os interesses da sociedade tal como invocados pelos Estados são tão fundamentais que possam justificar, no sector em causa, as restrições existentes e se as normas em questão são objectivamente necessárias para atingir o objectivo prosseguido e são proporcionais a este.

    A restrição que decorre da proibição britânica de importar bilhetes de lotaria e material publicitário relativamente às grandes lotarias preenche as condições de legalidade nos termos do Tratado?

    80. A sexta questão tem a seguinte questão:

    "... as preocupações do Reino Unido em limitar as lotarias por razões de política social e de prevenção de fraudes constituem razões legítimas de ordem pública ou de moralidade pública que justifiquem as restrições controvertidas, nos termos do artigo 56. conjugado com o artigo 66. ou por outros fundamentos, nas circunstâncias do presente processo?"

    81. Os onze Estados-membros que apresentaram observações manifestaram todos a opinião segundo a qual esta questão exige uma resposta afirmativa. Gerhart e Joerg Schindler não partilham este ponto de vista.

    Que interesses se pretende proteger através das restrições existentes?

    82. Os Estados-membros alegam essencialmente que existem três interesses subjacentes à regulamentação rígida das lotarias e, por conseguinte, às restrições à livre prestação de serviços.

    83. Em primeiro lugar, a necessidade de proteger os consumidores, isto é, os que participam na lotaria, contra fraudes e outras formas ilícitas de organização de lotarias (33).

    84. Refere-se, além disso, à necessidade de prevenir, de maneira mais geral através da regulamentação do controlo, o risco - real - de que as lotarias sejam apanhadas por criminosos ou utilizadas para fins criminosos, nomeadamente o branqueamento de dinheiro.

    85. Alega-se que existem riscos especiais no âmbito de actividades de lotaria transfronteiriças (34). Certos Estados-membros referiram, neste contexto, o risco crescente de fraude fiscal. A Comissão admite que existe um risco mais elevado de abusos em caso de lotarias transfronteiriças, mas indicou que, segundo as informações disponíveis, os Estados-membros não enfrentaram, neste ponto, problemas inultrapassáveis.

    86. Em segundo lugar, todos os Estados-membros sustentam que é necessário, no interesse dos consumidores, limitar a oferta total do jogo e regulamentar as modalidades dessa oferta. Mencionam o perigo real de que certas pessoas possam exagerar no jogo, com o que isso implica de consequências sérias do ponto de vista social e de saúde, tanto para elas próprias como para as suas famílias e, portanto, para a sociedade.

    87. Em terceiro lugar, refere-se a necessidade de garantir que os lucros das lotarias sejam afectados a certos fins admitidos pela sociedade e que pode ser necessário, neste contexto, fixar a parte das apostas em matéria de lotaria que deve ser utilizada para cobrir as despesas de organização da mesma, a parte das apostas que deve ser afectada aos prémios, bem como a parte destinada a ser afectada a fins públicos ou outros de interesse geral.

    88. Em meu entender é inegável e, aliás, ninguém o contestou seriamente no caso concreto, que cada um destes objectivos constitui um objectivo que pode justificar, em circunstâncias adequadas, restrições à livre prestação de serviços. Aliás, são objectivos tão importantes que, em minha opinião, o Tribunal de Justiça pode, se considerar necessário, qualificá-los como estando abrangidos pelo artigo 56. do Tratado.

    89. As questões decisivas que se levantam, desde logo, são de saber se as restrições presentemente examinadas são necessárias para conseguir objectivos que poderiam ser atingidos por outros meios, menos restritivos, e se são proporcionais aos objectivos.

    Foi respeitado o princípio da proporcionalidade?

    90. Gerhart e Joerg Schindler e a Comissão respondem de forma claramente negativa, enquanto os Estados-membros são unânimes em dar uma resposta afirmativa.

    91. Foi alegado no decurso do processo que os interesses em causa não podiam ser vistos separadamente uns dos outros. Em certa medida concordo com isto. É no entanto necessário analisar esses interesses relativamente aos seus méritos próprios, apesar de não se poder excluir que, considerados conjuntamente, possam justificar restrições que, isoladamente, não o poderiam fazer.

    As restrições são necessárias para proteger os consumidores e a sociedade contra, nomeadamente, a fraude?

    92. No presente processo não foi contestado que a preocupação de proteger os consumidores do evidente perigo de abuso nas lotarias e também da utilização das lotarias para fins criminais pode justificar uma regulamentação e um controlo, mesmo particularmente restritivos, das actividades de lotaria.

    93. Alega-se, no entanto, que esta preocupação não pode, pelo menos no caso em apreço, justificar as restrições, porque só é possível invocá-las se não tiverem sido adoptadas e efectuadas no país de origem da prestação, relativamente às empresas de lotaria que fornecem os serviços em causa, normas de funcionamento e uma fiscalização que proporcione garantias suficientes, comparáveis às normas e à fiscalização em vigor no país destinatário da prestação.

    94. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o Estado destinatário da prestação não pode exigir o cumprimento das suas regras próprias pelos prestadores de serviços estrangeiros se as considerações subjacentes a estas regras já tiverem sido salvaguardadas através da própria legislação dos prestadores (princípio da equivalência) (35).

    95. No presente caso, pode certamente defender-se que o princípio de equivalência é difícil de aplicar uma vez que, na altura dos factos do processo principal, estavam proibidas no Reino Unido as grandes lotarias e, por esta razão, o nível de protecção que se pode comparar com o nível de protecção aplicado ao prestador estrangeiro de serviços não pode ser determinado.

    Porém, esta objecção é apenas formal. Por um lado, é possível fazer uma comparação com a protecção que o Reino Unido dá aos consumidores no âmbito das lotarias locais e outras actividades semelhantes de jogo, tais como as apostas de futebol e, agora, igualmente com a protecção que será dada aos consumidores no âmbito da nova lotaria nacional.

    Por outro lado, está assente que as normas que se aplicam à Sueddeutsche Klassenlotterie e o controlo operado sobre esta empresa, proporcionam um elevado grau de segurança contra os abusos (36). Ademais, não foi alegado no decurso do processo que exista um risco maior de abuso ligado à Sueddeutsche Klassenlotterie do que o que é considerado aceitável para actividades de jogo comparáveis no Reino Unido.

    96. Finalmente, não existem, creio, nas afirmações feitas em termos gerais pelos Estados-membros, a propósito do risco crescente das actividades de lotarias transfronteiriças, elementos concretos que permitam supor que o pretenso risco possa, por si só, justificar a aplicação pelas autoridades britânicas das normas controvertidas.

    97. O facto de isto não poder ser, nas circunstâncias concretas do presente processo, invocado para se opor às actividades da Sueddeutsche Klassenlotterie no Reino Unido, não significa, evidentemente, que em outros casos, os Estados-membros estejam impedidos de recusar às lotarias estrangeiras o acesso aos seus mercados se as normas que lhes são aplicáveis no seu país de origem e o controlo a que estão sujeitas não oferecerem todas as garantias, atendendo ao nível de protecção que se pretende manter no Estado-membro destinatário.

    As restrições são necessárias para limitar a oferta de jogos no Estado destinatário da prestação?

    98. Se se admitir, tal como o fazem todos os Estados-membros, que é preciso limitar a oferta total do jogo, pode, à primeira vista, parecer que é também necessário que os Estados-membros possam limitar o direito de os prestadores estrangeiros efectuarem as suas prestações de serviços.

    De facto, tal como foi indicado, os mercados do jogo diferem entre os Estados. O que é permitido num país pode ser proibido num outro. Se um Estado não pode proibir os serviços provenientes do país onde eles são autorizados, a sua capacidade de limitar a oferta total do jogo sofrerá uma limitação substancial.

    99. Quanto a esta problemática, Gerhart e Joerg Schindler e a Comissão indicam que tais pontos de vista não podem ser razoavelmente invocados no caso concreto pelo Reino Unido, atendendo que o conjunto do mercado do jogo se situava em 1990 no Reino Unido a um nível superior a 13 mil milhões de UKL de apostas, que existem possibilidades de jogo muito diversificadas, nomeadamente, as apostas de futebol (que constituem uma actividade comercial privada, cuja exploração está aberta a todos os que preencham todas as condições gerais para esse efeito), que o Reino Unido decidiu instituir uma grande lotaria nacional, e que o Reino Unido reconhece, de resto, que a lotaria é a forma menos perigosa de jogo (37).

    100. Esta argumentação, que à primeira vista parece bastante sólida, deve, contudo, ser rejeitada pelos seguintes motivos:

    101. Se se aceitar o ponto de vista de Gerhart e Joerg Schindler e da Comissão, isto terá, como já foi dito, por consequência que um Estado-membro que tenha uma legislação relativamente liberal em matéria de jogo, deixará de ter a possibilidade de manter as limitações ao nível da oferta dos jogos, pelo menos no que se refere à forma de jogo que as autoridades do país em causa considerarem como sendo a relativamente menos nociva.

    Admitir este ponto de vista, abstraindo do facto de tal implicar a necessidade de difíceis apreciações, conduz ao afastamento do ponto essencial da argumentação dos Estados-membros destinado a justificar o seu direito de regulamentar o jogo, isto é, a necessidade de poder limitar a oferta em termos absolutos.

    Tendo em conta aquilo que é actualmente conhecido quanto aos perigos que o jogo representa para certas pessoas, não me parece possível refutar o consenso dos Estados-membros de que existe uma necessidade real de limitar a oferta em matéria de jogos e que essa limitação, na falta de normas comunitárias sobre a matéria, deve necessariamente ser feita por cada um dos Estados-membros.

    102. Na hipótese de um Estado-membro ter de admitir lotarias organizadas legalmente e em condições que oferecem certas garantias em todos os outros Estados-membros, perde a possibilidade de controlar o número de lotarias organizadas, o número de extracções e o volume das apostas autorizado. A oferta nos Estados-membros será materialmente determinada pela oferta total disponível em todos os Estados-membros.

    103. Aliás, a Comissão indicou no decurso da audiência que é provavelmente necessário que os Estados-membros tenham a possibilidade de, através de um sistema de concessão não discriminatório, limitar a oferta.

    104. Esta concepção revela a dificuldade da abertura dos mercados nacionais aos serviços estrangeiros através da aplicação directa das normas do Tratado relativas a serviços.

    Não considero possível interpretar as normas do Tratado relativas aos serviços, aliás como as normas do Tratado relativas ao direito de estabelecimento, no sentido de que os Estados-membros estão impedidos, objectivamente, de proibir certas formas de jogo.

    Desta forma, não se pode inferir com base no Tratado uma obrigação para os Estados-membros de introduzirem um sistema de concessão num sector em que estes consideram que determinada forma de jogo deve ser proibida.

    Ao invés, pode, sem dúvida, impor-se aos Estados-membros, com base no Tratado, tal como foi indicado e na medida em que autorizem uma oferta limitada de uma dada forma de jogo, que o sistema seja gerido de forma não discriminatória.

    Por outro lado, parece-me de excluir que, com base nas normas do Tratado relativas aos serviços, se possam inferir obrigações directamente aplicáveis aos Estados-membros, de conceder uma autorização para um certo número de lotarias. Noutros termos, não é possível, com base no Tratado, deduzir critérios que permitam determinar o volume da oferta a autorizar para uma dada forma de jogo.

    Se se admitir que os Estados-membros podem limitar a oferta, a questão do volume da oferta deve ser deixada à apreciação dos Estados-membros, cujas decisões reflectirão escolhas que são largamente determinadas pelas circunstâncias sociais e culturais prevalencentes nesses países (38).

    105. Em resumo, creio que, com base nas regras do Tratado relativas aos serviços e na ausência de harmonização no plano comunitário, não é possível encontrar uma solução intermédia entre, por um lado, admitir a possibilidade de os Estados-membros, de forma não discriminatória, limitarem a oferta, mesmo através da proibição ou da limitação dos serviços prestados por empresas estrangeiras de lotarias e, por outro, admitir de forma global a possibilidade de as lotarias estrangeiras poderem prestar os seus serviços quando, nomeadamente, a gestão dessas lotarias apresenta certas garantias no seu país de origem.

    106. Se, portanto, se admitir que os Estados-membros devem poder regulamentar a oferta em matéria de jogo, e mais especialmente das lotarias, deve igualmente admitir-se que a limitação dos serviços das empresas estrangeiras constitui um meio necessário e proporcional.

    As restrições são necessárias para preservar a possibilidade de os Estados-membros estabelecerem normas em matéria de afectação dos lucros provenientes das lotarias?

    107. O último dos argumentos invocados pelos Estados-membros, isto é, a possibilidade de garantir que os lucros provenientes das lotarias são afectados a fins de interesse geral ou públicos, é igualmente pertinente para justificar o ponto de vista que consiste em admitir que os Estados-membros possam limitar as prestações de serviços das lotarias estrangeiras.

    108. Sem dúvida alguma, é correcto de um ponto de vista histórico, e ainda conforme com a actual realidade, alegar que a autorização do jogo assenta essencialmente no facto de os lucros provenientes dessa actividade poderem ser utilizados para "boas causas".

    109. Actualmente, existem razões para ser um pouco céptico quanto aos motivos subjacentes à regulamentação do mercado dos jogos pelos Estados-membros. Tal como já foi mencionado, a desaprovação do jogo enquanto tal e a preocupação em limitar o risco de jogo excessivo entre os cidadãos têm sido preteridas em alguns Estados-membros a favor de considerações destinadas a utilizar a paixão popular pelo jogo como fonte de receitas em benefício do tesouro (quer os lucros sejam directamente afectados ao Tesouro público, quer sejam submetidos a uma forte pressão fiscal), ou a fins de interesse geral. A liberalização dos mercados dos jogos em vários Estados-membros e a aceitação de uma publicidade relativamente a esses jogos, muitas vezes particularmente agressiva, constituem indícios desta evolução.

    110. Mesmo que isto seja assim, continua a ser verdade que os lucros são utilizados para fins não comerciais. Saber se os lucros são afectados ao Tesouro público ou a fins de interesse geral não reveste, creio eu, uma importância essencial. Os lucros afectados a fins de interesse geral dispensam, pelo menos em certa medida, os orçamentos públicos de consagrar despesas para esses mesmos fins.

    111. Neste contexto, uma série de factos assume uma importância essencial:

    É provavelmente exacto, tal como foi indicado em várias das observações, que os participantes das lotarias decidem, numa certa medida, jogar nesta ou naquela lotaria porque os lucros são destinados a uma causa que lhes é querida. No entanto, segundo as informações disponíveis, pode considerar-se que, no que se refere às grandes lotarias, a utilização dos lucros tem uma importância meramente limitada no que diz respeito à decisão de participar. Admite-se que, em boa medida, a importância dos prémios constitui o factor determinante (39).

    112. Pode portanto admitir-se razoavelmente que uma abertura dos mercados nacionais, tal como o alegam vários Estados-membros, provocará entre as grandes lotarias uma concorrência provavelmente intensa relativamente às partes de mercado no conjunto da Comunidade.

    Numa tal perspectiva, não é irrealista supor que as maiores lotarias, as que actualmente operam num mercado nacional muito amplo, poderão afastar do mercado não apenas as lotarias mais pequenas e as lotarias locais (que estão já em posição difícil), mas igualmente as lotarias nacionais dos pequenos Estados-membros (40).

    113. Tal como foi referido, é provável que a concorrência se exerça igualmente no que se refere ao valor dos prémios. O montante destes últimos é, em princípio, função do volume de negócios e do montante dos custos de gestão e da parte dos lucros que deve ser afectada a fins públicos ou de interesse geral. Deste modo, um parâmetro importante da concorrência residirá na parte que poderá ser utilizada para os prémios e na parte que deverá ser afectada a fins públicos ou de interesse geral. As lotarias que consagram aos prémios a parte mais importante terão uma vantagem concorrencial. Parece-me que os Estados-membros se devem poder opor a uma tal forma de concorrência neste mercado tão especial.

    114. Não há dúvida que é igualmente essencial que os Estados-membros possam impedir que se crie uma livre concorrência entre as lotarias, que teria por principal resultado prático que os Tesouros públicos e os fins de interesse geral dos diferentes países entrariam em concorrência para se apropriarem do dinheiro que os cidadãos europeus gastam nas lotarias.

    Não se pode, certamente, excluir, atendendo aos dados disponíveis, que uma das consequências possíveis da abertura dos mercados nacionais poderia ser que as grandes Klassenlotterien alemãs ocupassem partes de mercado tão dominantes que as lotarias nacionais, menores, dos países vizinhos deixariam de ser "rentáveis". Isto significaria que os fundos que até agora são destinados a fins de interesse geral nesses países passariam a ir para os Tesouros públicos dos Laender alemães que gerem essas lotarias.

    115. A Comissão contesta que se possa atribuir importância a este elemento no âmbito da aplicação de um dos princípios fundamentais do Tratado, que é, simultaneamente, um dos pilares de base da criação do mercado interno.

    Este ponto de vista é apoiado por uma jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os objectivos de natureza económica não podem justificar as excepções às regras do Tratado relativas à livre prestação de serviços (41).

    116. À primeira vista pode parecer contrário aos princípios que tais "objectivos de natureza económica" possam justificar limites à livre prestação de serviços.

    Uma análise mais aprofundada demonstra, no entanto, em meu entender, que tais objectivos podem ter a sua importância no contexto como o do presente processo. De facto, não se trata de objectivos económicos na acepção que a jurisprudência do Tribunal de Justiça dá a esta noção.

    117. O Tratado baseia-se no princípio de que a comercialização de bens económicos pode ser objecto de uma tributação no Estado em cujo território os bens foram consumidos (v., a este respeito, artigo 95. do Tratado).

    No decurso da audiência, a Comissão remeteu para o facto de um Estado-membro não poder proibir a venda de tabaco e de álcool proveniente de outros Estados-membros se tais vendas forem admitidas no Estado considerado. Esta afirmação é, evidentemente, exacta, mas não altera o facto de os Estados poderem tributar os produtos importados da mesma forma que tributam os produtos nacionais.

    Não me parece desrazoável considerar que, também no âmbito das lotarias, se está perante uma forma de imposição. Se se acolher a tese da Comissão segundo a qual decorre do Tratado uma obrigação para os Estados-membros de abrirem os seus mercados às lotarias estrangeiras, isto significa que o "imposto" sobre os bilhetes de lotaria, isto é, a parte do preço do bilhete de lotaria destinado a ser afectado ao Tesouro público (ou a ser afectado a fins de interesse geral), é pago ao "Estado do local de produção" e não ao "Estado do local de consumo".

    118. A ideia de que não é despropositado prever o presente caso de figura sob este ângulo é corroborada pelas informações relativas ao sistema praticado pelo Governo luxemburguês face a duas empresas de loto alemão, segundo o qual essas duas empresas obtiveram a autorização para exercer as suas actividades no Luxemburgo em contrapartida de uma percentagem, paga ao Estado luxemburguês, do volume de negócios realizado no Luxemburgo por essas duas sociedades.

    119. A ideia de que os objectivos em questão podem, nas circunstâncias adequadas, justificar restrições quanto às prestações de serviços transfronteiriças é corroborada, em meu entender, pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1992 no processo Bachmann. Neste acórdão, o Tribunal declarou que as graves restrições à livre circulação dos trabalhadores e dos serviços, objecto do litígio no processo principal, podiam ser justificadas pela preocupação de proteger as receitas fiscais dos Estados através da necessidade de garantir a coerência dos sistemas fiscais (42).

    120. Mais importante ainda, creio, é no entanto o facto de no caso em apreço o Tribunal de Justiça se ter confrontado com um mercado de uma natureza muito especial, a propósito do qual as regras em vigor em todos os Estados-membros demonstram que os mecanismos gerais do mercado não podem nem devem aplicar-se. Tanto quanto se sabe, nenhum Estado-membro considera correcto que exista, nesse sector, uma livre concorrência com as consequências acima referidas.

    121. Tratar-se-ia de uma concorrência que, quase inelutavelmente, teria profundas consequências para um certo número de lotarias, enraizadas em longas tradições e que representam uma fonte de financiamento importante em benefício de obras de beneficência e de outros organismos de interesse geral de considerável importância. Admitir esta consequência, enquanto corolário da abertura dos mercados, poderia ter por efeito limitar a riqueza da diversidade nacional, sem que isto possa, em meu entender, ser considerado como uma consequência necessária da realização do mercado interno.

    122. É difícil salientar efeitos "dignos de protecção" que seriam criados pela abertura dos mercados. Nenhum dos objectivos previstos no artigo 2. do Tratado, tanto quanto posso considerar, seria favorecido.

    123. Uma afectação adequada dos recursos, que constitui do ponto de vista económico a justificação mais importante das normas do Tratado relativas à livre prestação de serviços, não deve, em meu entender, desempenhar nenhum papel no sector da lotaria (43).

    124. A Comissão alega, é certo, que uma abertura dos mercados significaria que os consumidores teriam mais hipóteses de escolher entre os fins de interesse geral que desejariam apoiar e que teriam ganhos mais elevados. É possível que, a curto prazo, a Comissão tenha razão no que se refere ao primeiro ponto mas, tal como foi indicado, não se pode afastar a hipótese de uma abertura dos mercados poder provocar, a longo prazo, o afastamento de uma série de lotarias do mercado, o que se traduziria numa limitação das possibilidades de escolha dos consumidores.

    Quanto ao segundo ponto, como já se referiu, a Comissão tem provavelmente razão. Em contrapartida, não me parece que isso possa fazer parte dos objectivos que o Tratado visa realizar. Um aumento do montante dos ganhos é susceptível de, por um lado, aumentar a paixão do jogo e, por outro, implicar uma redução da parte relativa do volume de negócios da lotaria destinada, enquanto excedente, a ser afectada a fins públicos ou de interesse geral.

    125. Deve, portanto, concluir-se, em meu entender, que não há interesses ponderosos, que devam ser tidos em conta através dos objectivos do Tratado, que militem contra a tese de que os Estados-membros devem poder continuar a limitar a livre prestação de serviços, sendo que se deve, pelo contrário, atribuir uma certa importância às razões unanimemente invocadas pelos Estados-membros a favor da não abertura dos mercados. Este é um sector no qual existem boas razões para continuar a respeitar a competência regulamentar dos Estados-membros enquanto a Comunidade não entender exercer a sua competência regulamentar na matéria.

    126. Considero, também, que se deve concluir que não é possível, com as bases actualmente existentes, identificar meios susceptíveis de permitir, através de formas menos restritivas, a realização dos objectivos subjacentes às actuais limitações à livre prestação de serviços (44).

    127. Deste modo, considero que se deve responder às questões da High Court no sentido de que nada se opõe, com base nas normas do Tratado relativas aos serviços, à aplicação das normas nacionais que proíbam a importação de bilhetes de lotaria ou de material publicitário relativo às grandes lotarias quando as grandes lotarias nacionais são proibidas.

    Nesta matéria, não tem relevância o facto de ter sido adoptada uma decisão relativa à criação de uma grande lotaria nacional, quanto mais não seja porque, em meu entender, mesmo no caso da existência dessas lotarias, os Estados-membros podem manter limitações à livre prestação de serviços (45).

    Conclusão

    128. Atendendo às considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões da High Court da seguinte forma:

    As normas relativas à importação de bilhetes de lotaria e de material publicitário relativo às grandes lotarias são abrangidas pelo artigo 59. do Tratado de Roma que, contudo, não se opõe a que essas normas proíbam prestações de serviços provenientes de grandes lotarias estrangeiras, quando uma tal proibição se inscreva no âmbito de uma proibição geral de organização de tais lotarias.

    (*) Língua original: dinamarquês.

    (1) - V. quanto a isto o n. 41 do despacho de reenvio.

    (2) - Gambling in the Single Market - A Study of the Current Legal and Market Situation, volumes 1 a 3, Junho de 1991. Este relatório foi elaborado por conta da Comissão pelo gabinete de peritos Coopers & Lybrand e, segundo consta do próprio relatório, não representa necessariamente a posição oficial da Comissão .

    O relatório baseia-se numa distinção entre jogo e aposta. Uma aposta é aí definida como um jogo onde se arrisca uma soma monetária em função do resultado de um evento. Uma aposta pressupõe um certo conhecimento do domínio em causa. Ao invés, o jogo é definido como uma actividade na qual se arrisca uma soma monetária em função do resultado de um evento que depende, unicamente, da sorte. Eis porque este último tipo de jogo é denominado jogo de azar . As lotarias são jogos de azar.

    (3) - As lotarias caracterizam-se pelo facto de as apostas serem recolhidas num único fundo e de se tratar de um tipo de jogo com apostas pequenas para ganhos elevados . O mercado da lotaria está, actualmente, dominado pelo loto. As lotarias por fracções baseiam-se, tal como as lotarias em geral, na venda de bilhetes numerados, após o que um ou vários números premiados são tirados à sorte. Nas lotarias por fracções os jogadores participam em várias extracções ( classes ). Cada lotaria deste tipo adopta regras específicas relativas ao número de extracções em cada uma das classes. Existem também outras formas de lotarias, como, por exemplo, as lotarias instantâneas , onde a extracção é imediata, pelo que o jogador pode, nomeadamente raspando o bilhete, saber imediatamente se ganhou. Segundo este relatório, o mercado das lotarias e outras actividades deste género reparte-se da seguinte forma: lotarias clássicas : 25%, loto: 46%, totoloto : 22%, lotarias instantâneas : 6%.

    (4) - V. relatório, volume 1, p. 3.

    (5) - Volume 1, pp. 3 e 18.

    (6) - Na audiência, o Governo britânico informou o Tribunal de Justiça de que os particulares podiam comprar, para seu próprio uso, bilhetes de lotaria e importá-los para o Reino Unido.

    (7) - A National Lottery - Raising Money for Good Causes, Cm 1861, Londres, Março de 1992.

    (8) - Pode ler-se o seguinte no Livro Branco :

    8. Recentemente, certas preocupações relativas ao impacto potencial das lotarias de outros Estados da Comunidade Europeia, após a realização do mercado único em 1 de Janeiro de 1993, deram um novo estímulo ao debate acerca de uma lotaria nacional...

    9. No entanto, apesar de a nossa proibição relativa às lotarias estrangeiras ser mantida na legislação, o governo reconhece que será cada vez mais difícil aplicá-la na prática. Sem uma lotaria nacional própria, o mercado do Reino Unido continuará a ser atractivo para as lotarias dos outros países da Comunidade Europeia ou não.

    10. Sem dúvida alguma, vai ser cada vez mais difícil, com a tecnologia moderna, impedir os nossos concidadãos de verem a publicidade das lotarias estrangeiras e de nelas participarem... Os satélites permitem já captar numerosas cadeias de televisão estrangeiras. Com a diminuição das taxas de telecomunicações e o desenvolvimento dos novos meios de pagamento, em breve será tão fácil participar numa lotaria estrangeira como fazer uma chamada telefónica. A população britânica terá então a possibilidade de participar em lotarias que beneficiam os habitantes de outros países, mas não do seu próprio.

    (9) - A Sueddeutsche Klassenlotterie é um organismo público que foi criado por quatro Laender, isto é, a Baviera, o Hessen, o Baden Wuerttemberg e a Renânia-Palatinado, sendo o seu volume de negócios anual de cerca de 700 milhões de DM. A exploração da lotaria é controlada por um comité estatal da lotaria que deve aprovar o orçamento e as contas anuais. Os agentes, que devem preencher condições específicas de qualificação profissional e pessoal, são contratados para comercializar a lotaria mas, segundo as normas da Sueddeutshe Klassenlotterie, devem abster-se de comercializar a lotaria nos Estados em que isso seja proibido. Os agentes recebem uma comissão por bilhete de lotaria vendido.

    A Sueddeutsche Klassenlotterie é uma lotaria na qual os jogadores compram bilhetes inteiros ou facções de bilhetes, que participam em várias extracções na mesma classe. São organizadas duas lotarias por ano. Cada lotaria é válida por 26 semanas. As extracções são repartidas em seis classes sendo que as classes um a cinco têm quatro extracções cada e a classe seis têm seis extracções. Na prática, há uma extracção por semana durante todo o ano. Os bilhetes são individualizados em função da classe. A última classe contém o prémio mais elevado (na lotaria em causa no processo principal o prémio mais elevado é de 4 milhões de DM). O atractivo desta lotaria vem, por um lado, do montante muito elevado do prémio e, por outro, da relativamente grande oportunidade de reaver a sua aposta. V. também os n.os 34 a 38 do despacho de reenvio, bem como o relatório da Comissão, volume 2, p. 93.

    (10) - Acórdão de 12 de Dezembro de 1974, Walrave (36/74, Recueil, p. 1405) e acórdão de 14 de Julho de 1876, Dona (13/76, Recueil, p. 1333).

    (11) - Quanto a isto pode citar-se o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1988, Steymann (196/87, Colect., p. 6159), a propósito da aplicação das normas do Tratado às actividades económicas de uma congregação religiosa, o acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Cowan (186/87, Colect., p. 195), a propósito da aplicação do Tratado a uma legislação nacional relativa à indemnização das vítimas da violência, e o acórdão de 4 de Outubro de 1991, Grogan (C-159/90, Colect., p. I-4685), a propósito da aplicação do Tratado a normas relativas à informação em matéria de interrupção voluntária da gravidez.

    Neste contexto, pode igualmente mencionar-se o processo C-272/91, Comissão/Itália, no qual o Tribunal de Justiça deve decidir da compatibilidade com o Tratado e com a Directiva 77/62/CEE do Conselho, relativa aos contratos públicos de fornecimentos, de um anúncio italiano referente a um concurso para a concessão do sistema de automatização do jogo italiano do loto. O Governo italiano alega que o concurso implica a transferência do poder de organizar o jogo do loto pelo que é abrangido pelos artigos 55. e 66. do Tratado. É interessante verificar, no contexto do presente processo, que nem o governo nem a Comissão consideraram oportuno analisar se a organização do jogo do loto é abrangida pelas normas do Tratado. Nas minhas conclusões de 14 de Julho de 1993 nesse processo, considerei que o concurso não dizia respeito aos poderes de organização do jogo do loto, dado que se trata, em meu entender, de um mercado de fornecimento de serviços e de bens à administração pública para que esta organize o jogo do loto. Se o Tribunal aceitar as minhas conclusões, a questão de saber se o jogo do loto, enquanto tal, é abrangido pelas normas do Tratado não é directamente relevante neste processo.

    (12) - Não se deve aceitar a perspectiva de que a actividade em questão não é considerada, em um ou mais Estados-membros, como uma actividade económica de direito privado. A delimitação do âmbito de aplicação do Tratado deve necessariamente ser feita com base numa sua interpretação autónoma, que não deve ser determinada por uma certa noção de um ou vários Estados-membros.

    (13) - JO L 167, p. 22; EE 06 F1 p. 205.

    (14) - De acordo com o preâmbulo, as actividades de lotaria e as actividades análogas relativas ao grupo 859 CITI pertencem frequentemente ao domínio dos serviços públicos, quer directamente, quer por intermédio de organismos públicos, ou são proibidas e... um certo número destas actividades não se incluem, por conseguinte, no âmbito de aplicação da presente directiva; porém, estas actividades podem ser exercidas a título privado em alguns Estados-membros e... convém incluí-las nesta directiva .

    (15) - V. o acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1990, GB-INNO (C-362/88, Colect., p. I-667).

    (16) - V. as conclusões da presidência do Conselho Europeu reunido em Edimburgo em 11 e 12 de Dezembro de 1992, anexo 2 à parte A: Subsidariedade - Exemplos da reapreciação de propostas em curso e de legislação existente , publicadas no Boletim das Comunidades Europeias n. 12, 1992.

    (17) - No entanto, existem em legislações nacionais casos em que os lucros de certas lotarias podem ser atribuídos a particulares. Em geral, exige-se para tal que os montantes sejam limitados (tanto no que se refere ao preço de um bilhete de lotaria como ao volume de negócios global e aos prémios oferecidos, que muitas vezes não são prémios pecuniários) e que esta actividade se desenvolva no âmbito de outras actividades lúdicas, por exemplo feiras populares ambulantes, etc.

    (18) - Acórdão de 18 de Janeiro de 1979 (110/78, Recueil, p. 35), e acórdão de 17 de Dezembro de 1981 (279/80, Recueil, p. 3305).

    (19) - V. nomeadamente o acórdão de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha (205/84, Colect., p. 3755).

    (20) - Acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Comissão/França (C-154/89, Colect., p. I-659), Comissão/Itália (C-180/89, Colect., p. I-709), e Comissão/Grécia (C-198/89, Colect., p. I-727).

    (21) - Acórdão de 25 de Julho de 1991 (C-76/90, Colect., p. I-4221).

    (22) - V., por exemplo, o acórdão de 25 de Julho de 1991, Comissão/Países Baixos (C-353/89, Colect., p. I-4069, n. 15).

    (23) - V. acórdão Saeger, já referido na nota 21, n. 15.

    (24) - V. acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville (8/74, Recueil, p. 837).

    (25) - Tal como o Tribunal de Justiça afirmou no seu acórdão de 24 de Novembro de 1993 (processos apensos C-267 e C-268/91, Keck, ainda não publicado na Colectânea), podem igualmente existir, no contexto do artigo 30. , limitações à livre circulação de mercadorias que não constituem restrições na acepção do artigo 30. do Tratado.

    (26) - Processo 15/78, Recueil, p. 1971.

    (27) - Processo 52/79, Recueil, p. 833.

    (28) - O processo citado em primeiro lugar refere-se a uma prestação de serviços, no caso concreto operações da Bolsa a prazo relativas à diferença dos câmbios dos valores mobiliários efectuados por um banco por ordem de um cliente, que segundo o direito alemão não era susceptível de criar uma obrigação. O Tribunal considerou neste processo que o facto de exceptuar a execução judicial de dívidas de jogo ou outras dívidas equiparadas não deve ser considerado como um tratamento discriminatório, relativamente a um prestador de serviços estabelecido no outro Estado-membro, se a mesma limitação se aplicar a qualquer prestador estabelecido no território de um mesmo Estado, sempre que esse prestador solicitar o pagamento de uma dívida da mesma natureza, o que não é contestado no caso em apreço (n. 5). O segundo processo refere-se a uma proibição belga de difundir por cabo as mensagens publicitárias estrangeiras com que se debate uma sociedade de teledistribuição. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça afirma: os artigos 59. e 60. do Tratado não proíbem uma regulamentação nacional que se oponha à transmissão de mensagens publicitárias por teledistribuição, tal como à emissão de mensagens publicitárias por televisão, se essa regulamentação se aplicar sem distinção em razão da origem, nacional ou estrangeira, dessas mensagens, ou da nacionalidade do prestador, ou do local do seu estabelecimento (n. 16).

    (29) - Nos termos do Lottery and amusement Act 1976, as excepções referem-se apenas a lotarias organizadas no âmbito de certas formas de divertimento (Section 3), lotarias privadas reservadas a um grupo restrito de pessoas (Section 4), lotarias organizadas em benefício de certas sociedades (Section 5), das lotarias organizadas por autarquias locais (Section 6) e lotarias organizadas e geridas de acordo com a Art Unions Act 1846 (sociedades artísticas).

    Na prática, são as lotarias previstas nas Sections 5 e 6 do Act de 1976 que são mais importantes. No anexo A do Livro Branco relativo à criação de uma lotaria nacional, indica-se que existem três tipos de lotarias que podem ser organizadas por uma sociedade ou uma autarquia local: uma lotaria a curto prazo pode ser organizada no mês seguinte ao de uma lotaria precedente. O volume de negócios máximo (isto é, o valor dos bilhetes vendidos) é de 45 000 e o prémio mais elevado é de 6 000 . Uma lotaria a médio prazo pode ser organizada entre um e três meses após uma precedente lotaria. O volume de negócios máximo é de 90 000 e o prémio mais elevado é de 9 000 . As maiores lotarias públicas são organizadas quatro vezes por ano com um volume de negócios de 180 000 e um prémio único máximo de 12 000 . Em qualquer caso, o preço máximo de um bilhete é de uma libra esterlina .

    O Governo britânico indicou que os limites relativos aos montantes foram aumentados após a criação da lotaria nacional.

    (30) - Segundo as informações recolhidas, existem actualmente três empresas deste tipo, a Littlewoods que detém cerca de 76% do mercado, a Vernons, que detém cerca de 20% e a Zetters com cerca de 3%. Segundo um estudo do Mintel, Special Report, Gambling 1991, pp. 32 e segs., estas empresas pagam mais de 40% do volume de negócios ao Estado, enquanto que o rendimento líquido próprio destas empresas é da ordem de 4,4% do volume de negócios.

    No Livro Branco de 1992, o Governo britânico declarou, a propósito dos efeitos que teria a criação de uma lotaria nacional sobre as outras formas de jogos, o seguinte:

    29. As apostas sobre jogos de futebol são, de entre os jogos, os mais susceptíveis de serem afectados pela criação de uma lotaria nacional. Trata-se de um tipo de jogo com pequenas apostas/ganhos elevados e os seus organizadores manifestaram a sua preocupação perante a perspectiva de serem completamente afastados do mercado pela lotaria nacional. Em alguns países, a lotaria nacional foi prejudicial aos jogos de prognóstico, mas noutros países eles coexistem. Será necessário efectuar outros estudos para avaliar o efeito de uma lotaria nacional nos jogos de prognóstico neste país.

    30. Outros tipos de jogos serão provavelmente menos afectados do que os jogos de prognóstico. Oferecem um produto que difere substancialmente de uma lotaria nacional, seja pela natureza do jogo proposto, seja pelas circunstâncias nas quais o jogo se desenrola, seja pelas duas simultaneamente. Por exemplo, os que apostam nas corridas de cavalos ou de galgos são provavelmente menos atraídos pelo tipo de jogo que oferece uma lotaria nacional, caracterizada por uma fraca probabilidade de ganho e pela ausência de competição. O bingo é uma actividade social insubstituível com a compra de um bilhete de lotaria. De igual modo, os casinos proporcionam um tipo de jogo e outras facilidades que diferem da participação numa lotaria. As máquinas de moedas mais correntes são mais utilizadas para distracção do que devido a uma oportunidade de ganhar uma soma elevada.

    ...

    33. Uma das preocupações mais frequentemente manifestadas a propósito do impacto de uma lotaria nacional reside no facto de as obras de beneficência poderem perder uma parte dos rendimentos provenientes das pequenas lotarias e, mais geralmente, das doações filantrópicas. O nível de rendimento que as obras de beneficência podem retirar das pequenas lotarias é incerto uma vez que os dados referentes ao conjunto das lotarias não são objecto de nenhuma recolha centralizada. ... As obras de beneficência são especialmente designadas como uma das categorias que irá beneficiar da lotaria nacional...

    (31) - Acórdão de 4 de Dezembro de 1986 (205/84, Colect., p. 3755, n. 52).

    (32) - Acórdão de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau (30/77, Recueil, p. 1999, n. 35).

    (33) - Salienta-se que as lotarias são uma forma de jogo especialmente vulnerável no que respeita à fraude. Isto porque o participante não tem meios eficazes e independentes de se certificar do montante total pago ou de que os prémios prometidos foram pagos. Sem controlo adequado, seria possível ao organizador da lotaria retirar parte das receitas ou, no caso de lotarias instantâneas, retirar, eventualmente para seu próprio uso, os bilhetes premiados. (v. n. 30 do despacho de reenvio).

    (34) - Nas observações do Governo belga são citados exemplos de queixas que denunciam tais abusos.

    (35) - V. nomeadamente o acórdão no processo de co-seguros, Comissão/Alemanha (205/84, Colect. 1986, p. 3755, n.os 34 e segs.).

    (36) - V., quanto a isto, a nota 9.

    (37) - V. o Livro Branco de 1992, que afirma o seguinte:

    14. A Rothschild Royal Commission reconheceu dois princípios destinados a serem aplicados no âmbito de uma política em matéria de jogo. Primeiramente, o jogo deve ser adequadamente regulamentado para permitir uma gestão honesta e equitativa. Em seguida, a procura do público nesta matéria não deve ser incentivada dado que, quando as apostas se tornam excessivas, pode conduzir a uma situação de miséria tanto para o indivíduo como para a sua família, o que poderá ter consequências dramáticas para a sociedade no seu conjunto. Apesar de estes princípios gerais estarem subjacentes a toda a fiscalização dos jogos, foram aplicados a níveis diferentes às diferentes formas de jogo.

    15. Por exemplo, os jogos de casino são mais vulneráveis aos abusos de origem criminal, sendo que é possível perder rapidamente grandes somas de dinheiro. Os jogos de casino representam a forma mais dura (no sentido da vulnerabilidade aos abusos e aos perigos que correm os particulares) dos jogos de azar, pelo que esta actividade deve ser regulamentada de forma bastante rígida... Pelo contrário, as lotarias têm sido consideradas como a forma doce dos jogos de azar. As apostas são geralmente modestas e não há a mesma incitação em tentar recuperar as perdas. São objecto de um regime regulamentar mais ligeiro porque as somas em causa são mais modestas. Atendendo aos prémios limitados e ao facto de apoiarem justas causas, podem ser publicitadas livremente. Em particular, podem ser objecto de mensagens publicitárias na televisão e na rádio, apesar da publicidade por radiodifusão relativa às apostas ser proibida através da acção conjugada de instrumentos legislativos de controlo e dos códigos que regem a publicidade, definidos pelas autoridades de radiodifusão e de radiotelevisão.

    (38) - V. acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Council of the City of Stoke-on-Trent (169/91, Colect., p. I-6635, n. 11).

    (39) - No relatório da Comissão, Gambling in the Single Market, volume I, p. 44, pode ler-se o seguinte: O principal interesse do jogador é de participar num jogo atractivo. Este atractivo reflecte-se na importância dos prémios, nas oportunidades de ganhar e no facto de esses ganhos serem submetidos a um imposto pequeno ou mesmo a nenhum imposto. Quando uma lotaria estrangeira parece mais atraente do que o jogo nacional, alguns jogadores vão participar quer encomendando os bilhetes por correio, quer atravessando a fronteira para os comprar junto de um agente do outro lado da fronteira. As encomendas pelo correio são particularmente adequadas às Klassenlotterie, uma vez que as datas-limite de aceitação dos bilhetes podem situar-se várias semanas mais tarde.

    (40) - No relatório da Comissão, volume I, p. 18, indica-se o seguinte:

    As apostas transfronteiriças constituem um fenómeno dirigido pelo mercado. Os agentes de certas Klassenlotterien são os promotores mais activos das apostas transfronteiriças ilegais.

    Foram organizadas nos doze Estados-membros campanhas de venda por correio. Os mercados nos quais operam lotarias relativamente menores, cujos prémios são correlativamente menos elevados, são, claramente, os mais vulneráveis.

    ...

    Os grandes prémios das Klassenlotterien alemãs são muito atraentes para os consumidores que jogam normalmente em lotarias nacionais mais pequenas e que oferecem prémios mais pequenos. Quanto a isto, a figura 8 demonstra a vulnerabilidade da Dinamarca, da Bélgica e dos Países Baixos.

    ...

    As apostas transfronteiriças, que se devem à conveniência que resulta da proximidade de um Estado-membro limítrofe, ou de uma língua e uma cultura semelhantes, são osmóticas por natureza. As apostas transfronteiriças têm mais oportunidades de se verificar quando a dimensão das respectivas populações é desproporcional e, consequentemente, quando as lotarias mais importantes e os prémios mais elevados são vizinhas das lotarias ou de lotos nacionais menos importantes .

    (41) - V., por exemplo, o acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders (352/85, Colect., p. 2085), no qual o Tribunal de Justiça declarou: Importa sublinhar que objectivos de natureza económica tais como os de assegurar a uma fundação pública nacional a totalidade das receitas provenientes de mensagens publicitárias destinadas especialmente ao público do Estado em causa não podem constituir razões de ordem pública no sentido do artigo 56. do Tratado (n. 34).

    (42) - C-204/90, Colect., p. I-249.

    (43) - V., quanto a isto, o artigo 102. -A do Tratado que institui a Comunidade Europeia, com a redacção que lhe foi dada pelo Tratado da União Europeia, cuja segunda frase prevê que: Os Estados-membros e a Comunidade actuarão de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, favorecendo uma repartição eficaz dos recursos, e em conformidade com os princípios estabelecidos no artigo 3. -A.

    (44) - Fundamentando-se na commerce clause da constituição federal, o congresso americano adoptou uma proibição de princípio contra a livre prestação de serviços entre os Estados no domínio da lotaria. A constitucionalidade desta legislação foi consagrada por um acórdão proferido em 1903 pelo Tribunal Supremo dos Estados Unidos; v. The Lottery Case [Champion/Ames, 186 US 321 (1903)].

    (45) - Considerei a questão de saber se no âmbito da interpretação do artigo 59. do Tratado, se podia conceder importância, no contexto do presente processo, ao artigo 55. , segundo parágrafo, do Tratado. Lido em conjunto com o artigo 66. , este artigo prevê que o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, possa determinar que as disposições do presente capítulo não são aplicáveis a certas actividades. Nada no presente processo me permite concluir pela existência de eventuais análises do Conselho e da Comissão relativamente a uma aplicação desta disposição no sentido de isentar as actividades de lotaria das normas do Tratado relativas aos serviços. É evidente que, em qualquer caso, esta disposição não se pode aplicar sem que a Comissão tenha submetido uma proposta com vista à sua aplicação. Cheguei à conclusão que, no contexto do caso em apreço, esta disposição não é relevante.

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