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Document 61991TJ0020

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) de 17 de Dezembro de 1992.
    Helmut Holtbecker contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Funcionários - Regime comum de seguro de doença - Cônjuge segurado em função do inscrito.
    Processo T-20/91.

    Colectânea de Jurisprudência 1992 II-02599

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1992:119

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

    17 de Dezembro de 1992 ( *1 )

    No processo T-20/91,

    Helmut Holtbecker, funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Ispra (Itália), representado por Giuseppe Marchesini, advogado na Corte di cassazione da República Italiana, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10, rue Mathias Hardt,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Enrico Traversa, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alberto Dal Ferro, advogado no foro de Vicenza, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da decisão do serviço de liquidação de Ispra, de 10 de Julho de 1990, que recusou o reembolso das despesas médicas efectuadas pela mulher do recorrente, a declaração de ilegalidade do disposto no artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, da regulamentação relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias e a condenação da Comissão das Comunidades Europeias a reembolsar ao recorrente as despesas médicas efectuadas pela sua mulher ou, a título subsidiário, a reparar, no montante das despesas apresentadas, o prejuízo que o recorrente considera ter sofrido,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

    composto por: R. García-Valdecasas, presidente, R. Schintgen e C. P. Briët, juízes,

    secretário: J. C. Wiwinius, referendário

    vistos os autos e após a audiência de 21 de Maio de 1992,

    profere o presente

    Acórdão

    Os factos na origem do recurso

    1

    O recorrente, Helmut Holtbecker, é funcionário da Comissão das Comunidades Europeias (a seguir «Comissão») e está colocado no Centro Comum de Investigação de Ispra (a seguir «CCII»), cidade onde reside. A mulher do recorrente, Ur sula Holtbecker, fixou residência, em Zurique desde 1 de Maio de 1987 e começou a exercer aí uma actividade profissional. Não se encontra inscrita em qualquer regime de seguro de doença.

    2

    Em 11 de Maio de 1988, o chefe da divisão «Administração e Pessoal» do CCII passou ao recorrente, a seu pedido, um atestado que certificava que a Sr. a Holtbecker estava inscrita («angeschlossen») no regime comum de seguro de doença das instituições das Comunidades Europeias (a seguir «regime, comum») aplicável ao marido.

    3

    Por várias vezes, entre 1987 e 1990, o recorrente pediu o reembolso de despesas médicas de montante relativamente modesto, efectuadas por sua mulher. Tais reembolsos foram concedidos pela administração sem qualquer contestação.

    4

    Em contrapartida, em 1990 o serviço de liquidação do CCII rejeitou dois pedidos apresentados pelo recorrente para reembolso de despesas médicas já efectuadas ou a efectuar pela Sr. a Holtbecker. O primeiro pedido, apresentado em 28 de Março de 1990, era para autorização prévia para um tratamento, receitado em 26 de Março de 1990 e a efectuar de 28 de Março a 18 de Abril de 1990 numa clínica de Leukerbad (Suíça). A autorização foi recusada em 8 de Maio de 1990 com o seguinte fundamento: «Pedido não apresentado a tempo. Falta também a documentação justificativa da caixa primária de seguro de doença».

    5

    O segundo pedido, apresentado em 26 de Maio de 1990, referia-se às despesas relativas à hospitalização da Sr. a Holtbecker, de 8 a 17 de Maio de 1990, numa clínica de Varese (Italia). Em nota de 10 de Julho de 1990, o responsável do serviço de liquidação do CCII informou o recorrente de que o pedido tinha sido indeferido pelo seguinte motivo: «Segundo o disposto nos artigos 3.° e 6.° da regulamentação relativa ao artigo 72.° do Estatuto, antes de poder solicitar o reembolso de qualquer despesa médica, mesmo no regime de complementaridade (a Sr. a Holtbecker), deveria estar inscrita noutro regime público e, além disso, deveria ter solicitado primeiro ao seu regime o reembolso das despesas médicas ou das prestações por ele cobertas».

    6

    Em nota registada pela administração em 22 de Agosto de 1990, o recorrente reclamou da decisão de 10 de Julho de 1990. Após ter sublinhado que, desde que a sua mulher trabalhava na Suíça, ele sempre tinha fornecido à administração os documentos justificativos solicitados, observava que nunca ninguém o tinha informado da necessidade de a sua mulher estar inscrita noutro regime público de seguro de doença, e que os anteriores pedidos de reembolso das despesas médicas efectuadas pela mulher tinham sido liquidados nos últimos anos sem qualquer contestação, o que não lhe tinha deixado qualquer dúvida sobre a regularidade da situação. Alegava, além disso, que as disposições invocadas pelo responsável do serviço de liquidação não tomavam em consideração a situação em vigor na Suíça, onde a sua mulher não podia inscrever-se num regime público de seguro de doença, uma vez que nesse país apenas existem caixas privadas de seguro de doença que, aliás, oferecem apenas uma cobertura parcial. Pedia, por isso, a anulação da decisão que lhe foi comunicada por nota de 10 de Julho de 1990 pelo responsável do serviço de liquidação (a seguir «decisão de 10 de Julho de 1990»).

    7

    Tal reclamação não recebeu qualquer resposta expressa da administração.

    Tramitação

    8

    Nestas condições, por petição entregue em 25 de Março de 1991 na Secretaria do Tribunal, o recorrente interpôs o presente recurso, que visa obter a anulação da decisão de 10 de Julho de 1990, a declaração de ilegalidade do disposto no artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, da regulamentação relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «regulamentação de cobertura»), a condenação da Comissão no reembolso das despesas médicas em causa e, a título subsidiário, a condenação da Comissão a reparar o prejuízo que considera ter sofrido.

    9

    Com base no relatório do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Todavia, por carta do secretário de 1 de Abril de 1992, o Tribunal convidou a recorrida a apresentar vários documentos, designadamente o texto das disposições legais ao abrigo das quais a Sr. a Holtbecker teria a possibilidade de se inscrever numa caixa de seguro de doença, e a responder a uma pergunta destinada a precisar os pedidos de reembolso visados pela decisão de 10 de Julho de 1990.

    10

    A audiência realizou-se em 21 de Maio de 1992. Os representantes das partes foram ouvidos em alegações e em resposta às perguntas formuladas pelo Tribunal. O Tribunal convidou a recorrida a apresentar documentos que provassem a possibilidade de a Sr. a Holtbecker se inscrever numa caixa de seguro de doença no cantão de Zurique.

    11

    Em 15 e 19 de Julho de 1992, a recorrida apresentou diversos documentos, entre os quais duas notas das caixas de doença Helvetia e Winterthur, em que estas declaram que qualquer pessoa residente na Suíça e que não tenha ainda 65 anos de idade pode inscrever-se em qualquer delas.

    12

    Nas observações apresentadas, com outros documentos, em 30 de Junho de 1992, o recorrente alegou, quanto às referidas notas, que as caixas de doença Helvetia e Winterthur apenas podem cobrir a título de seguro voluntário de direito privado os riscos de doença de pessoas não sujeitas a seguro obrigatório.

    13

    Por decisão de 17 de Setembro de 1992, o presidente da Quarta Secção declarou encerrada a fase oral.

    14

    O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    1)

    anular a decisão impugnada, por ser contrária, tendo em conta o contexto específico do caso vertente, ao dever de cobertura social previsto no artigo 72.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), e declarar a ilegalidade do disposto no artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, da regulamentação de cobertura;

    2)

    anular a decisão devido também ao seu caracter manifestamente injusto, por ser contrária nos seus efeitos ao princípio da não discriminação e por violar o direito à protecção da confiança legítima;

    3)

    condenar a Comissão a reembolsar, em conformidade com o artigo 72.° do Estatuto, as despesas médicas visadas na decisão impugnada, acrescidas de juros de mora a partir da data do pedido de reembolso e até à data do pagamento;

    4)

    a título muito subsidiário, condenar a Comissão a reparar o prejuízo sofrido pelo recorrente por culpa e obra da administração, no. montante das despesas mencionadas no n.° 3;

    5)

    em qualquer caso, condenar a recorrida nas despesas.

    15

    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    1)

    negar provimento ao recurso por improcedente;

    2)

    decidir quanto às despesas nos termos legais.

    16

    Na audiência de 21 de Maio de 1992, o recorrente esclareceu que o recurso apenas visa a anulação da decisão de 10 de Julho de 1990 na parte em que esta indefere o pedido de reembolso de 26 de Maio de 1990 quanto às despesas de hospitalização de sua mulher na clínica «La Quiete» de Varese.

    Quanto ao mérito

    Quanto ao pedido de anulação

    17

    O recorrente baseia o seu recurso em três fundamentos: violação do artigo 72.° do Estatuto, existência de uma injustiça manifesta que constitui violação do princípio da não discriminação e violação do princípio da protecção da confiança legítima.

    18

    Importa lembrar, antes de mais, as disposições que constituem o quadro normativo do presente litígio.

    19

    O artigo 72.°, n.° 1 do Estatuto dispõe:

    «Até ao limite de 80 % das despesas efectuadas e com base numa regulamentação estabelecida de comum acordo pelas instituições das Comunidades após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário, o seu cônjuge, quando este não puder beneficiar de prestações da mesma natureza e do mesmo nível em aplicação de quaisquer outras disposições legais ou regulamentares, os seus filhos e as outras pessoas a seu cargo na acepção do artigo 2° do Anexo VII são cobertos contra os riscos de doença.»

    20

    O artigo 3.°, n.° 1 da regulamentação de cobertura, na versão vigente na época dos factos dispunha:

    «Consideram-se segurados em função do inscrito:

    1.

    O cônjuge do inscrito, desde que não esteja já inscrito no presente regime e desde que

    não exerça actividade profissional lucrativa, ou

    caso exerça tal actividade, esteja coberto contra os mesmos riscos em aplicação de quaisquer outras disposições legais ou regulamentares e não aufira, no exercício da sua actividade profissional, rendimentos anuais superiores ao vencimento de base anual de um funcionário do terceiro escalão do grau B 4, afectado do coeficiente corrector estabelecido para o país onde o cônjuge exerce a sua actividade profissional, antes da dedução do imposto.»

    21

    O artigo 6.°, n.° 1 da regulamentação de cobertura dispõe:

    «1.

    Sempre que um inscrito ou uma pessoa segurada em função do inscrito esteja habilitado a exigir reembolso de despesas ao abrigo de um outro seguro de doença obrigatório, deve:

    a)

    declarar tais despesas junto do serviço de liquidação;

    b)

    requerer, ou se for caso disso solicitar que seja requerido prioritariamente, o reembolso garantido pelo outro regime;

    c)

    anexar, a cada pedido de reembolso apresentado ao abrigo do presente regime, uma lista e documentação comprovativa dos reembolsos que o inscrito ou a pessoa segurada através do mesmo obtiveram ao abrigo do outro regime.»

    — Quanto ao primeiro fundamento baseado na violação do artigo 72° do Estatuto

    Argumentos das partes

    22

    O recorrente afirma que, em conformidade com as disposições imperativas do artigo 72.° do Estatuto, a sua mulher — por não poder gozar de «prestações da mesma natureza e do mesmo nível em aplicação de quaisquer outras disposições legais ou regulamentares» — está coberta contra os riscos de doença nos termos do regime comum. Entende que esta noção faz referência aos regimes públicos de seguro de doença em que a inscrição é obrigatória por força de disposições legais ou regulamentares, tal como existem na maior parte dos Estados-membros da Comunidade. Segundo o recorrente, o único critério da existência de disposições legais não seria per se concludente, pois todos os regimes de seguro — públicos ou privados — retiram das legislações nacionais não apenas as suas regras, mas também um sistema público de controlo e de garantia a favor do inscrito. Esta interpretação seria corroborada pelas «Disposições de interpretação da regulamentação relativa à cobertura dos riscos de doença» (v. Informações administrativas, número especial interinstituições de 31.12.1990), que, a propósito do artigo 3.°, n.° 1, dispõem na alínea d): «Os serviços de liquidação possuem uma lista dos regimes públicos de seguro de doença existentes nos diversos países da Comunidade. O elemento determinante que caracteriza tais regimes é a obrigação de seguro».

    23

    Para provar que a sua mulher não estava sujeita a nenhum regime de seguro obrigatório na Suíça, o recorrente apresenta um atestado emitido pelo chefe do «Amt für Sozialversicherung der Stadt Zürich» (serviço de segurança social da cidade de Zurique), de 15 de Outubro de 1990, certificando que, de acordo com as disposições da «Verordnung über die obligatorische Krankenpflegeversicherung» da cidade de Zurique (decreto relativo ao seguro de doença obrigatório), a Sr. a Holtbecker não está sujeita a nenhuma obrigação de seguro, e, portanto, não está obrigada a inscrever-se num regime obrigatório de seguro de doença. O recorrente precisa que a sua mulher não podia sequer inscrever-se, a seu pedido, em tal regime de seguro, por essa faculdade estar reservada apenas às pessoas que tenham atingido respectivamente a idade de 60 ou 65 anos e se encontrem em determinadas situações.

    24

    Acrescenta que a sua mulher, cidadã alemã, também não pode inscrever-se num regime de seguro de doença na Alemanha, porque trabalha na Suíça.

    25

    O recorrente sustenta além disso que o artigo 72.° do Estatuto não pode ser interpretado no sentido de obrigar o cônjuge do funcionário a contratar um seguro privado voluntário. Remete, a tal propósito, pára o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1989, Olbrechts/Comissão (58/88, Colect., p. 2661), no qual foi decidido que, para poder beneficiar da cobertura do regime comum em função de um funcionário inscrito, o cônjuge não está obrigado a procurar em todas as circunstâncias uma cobertura social por força de outras disposições legais.

    26

    O recorrente entende que, tendo em conta o alcance que se deve dar ao artigo 72.° do Estatuto, o artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, da regulamentação de cobertura está ferido de ilegalidade na medida em que, tomado à letra, tem como efeito excluir da cobertura do regime comum o cônjuge de um inscrito que não pode invocar o direito a prestações correspondentes ao abrigo de outro regime obrigatório. Ora, o artigo 3.° da regulamentação de cobertura, sendo apenas uma disposição de aplicação do artigo 72.° do Estatuto, não pode ser interpretado em sentido contrario a este.

    27

    A recorrida expõe que os artigos 72.°, n.° 1, do Estatuto e 3.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura visam oferecer, por um lado, ao cônjuge do funcionário que não exerce uma actividade lucrativa e, por outro, em determinadas condições, ao cônjuge que exerce tal actividade uma cobertura contra os riscos de doença equivalente à garantida ao funcionário. Essas condições são — precisa a recorrida — que a actividade em causa não produza um rendimento superior a um determinado montante e que o cônjuge esteja coberto contra os mesmos riscos «em aplicação de quaisquer outras disposições legais ou regulamentares». As disposições visadas seriam as da legislação do Estado onde o interessado exerce a sua actividade profissional. A Comissão interpreta o conceito de «disposições legais ou regulamentares» como implicando, lato sensu, a existência de disposições emanadas de uma autoridade pública, logo não contratuais. O interessado deveria, portanto, ter a possibilidade de se segurar contra os riscos de doença com base num regime de seguro que tenha a sua fonte primária em disposições legislativas ou regulamentares, e não unicamente num contrato de direito privado. Essa norma teria a finalidade de evitar que um cônjuge que tenha a faculdade de beneficiar de um regime de seguro de doença, na acepção das disposições legislativas ou regulamentares de um Estado, não faça uso dessa possibilidade e fique exclusivamente a cargo do regime comunitário.

    28

    Invocando o acórdão Olbreclus/Comissão, já referido, a recorrida sublinha que, ao declarar que a cobertura do cônjuge, em função do inscrito, pelo regime comum não depende da impossibilidade absoluta de este último beneficiar, em aplicação de outras disposições, de prestações da mesma natureza e do mesmo nível, o Tribunal de Justiça não pretendeu eliminar a obrigação para o interessado de se segurar contra os riscos de doença em aplicação de «todas as outras disposições legais ou regulamentares», mas apenas delimitar o alcance dessa obrigação, dentro de limites razoáveis.

    29

    Quanto ao argumento do recorrente baseado nas disposições de interpretação da regulamentação de cobertura, em especial daquela segundo a qual o elemento característico de um regime público de seguro de doença seria a obrigatoriedade do seguro, a recorrida salienta que a referida disposição respeita apenas aos regimes públicos de seguro de doença existentes nos Estados-membros da Comunidade, e não seria, pois, pertinente no caso vertente, dado que a Sr. a Holtbecker trabalha na Suíça.

    30

    Neste contexto, a recorrida entende que, nos termos da regulamentação vigente em Zurique, a Sr. a Holtbecker teria facilmente podido inscrever-se num dos numerosos regimes de seguro de doença reconhecidos pelas autoridades helvéticas, embora, com base nessas mesmas disposições, não estivesse obrigada a fazê-lo. A inscrição numa dessas caixas, que não são simples companhias de seguros de direito privado, e sim organismos controlados e subvencionados pelo Estado e obrigados a respeitar obrigações legais precisas, não teria exigido qualquer esforço especial de informação ao cônjuge do recorrente, e teria constituído um caso absolutamente normal.

    31

    A recorrida esclarece que, à luz do que vem exposto, não exige à mulher do inscrito — para que possa beneficiar da cobertura complementar do regime comum — que subscreva um contrato de seguro de direito privado, mas que se inscreva num regime de seguro de doença, facultativo ou obrigatório, baseado em disposições legislativas ou regulamentares, isto é, regido no todo ou em parte por normas de direito público.

    32

    Por conseguinte, a recorrida entende que a Sr. a Holtbecker não cumpriu as condições exigidas para poder beneficiar da cobertura do regime comum, pelas disposições conjugadas do artigos 72.°, n.° 1, do Estatuto e 3.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura, que está, em sua opinião, conforme com o disposto no artigo 72.°, n.° 1, do Estatuto, tal como este deve ser interpretado.

    Apreciação do Tribunal

    33

    Deve antes de mais recordar-se que, nos termos do artigo 72.°, n.° 1, o cônjuge de um funcionário, que não pode beneficiar, em aplicação de outras disposições legislativas ou regulamentares, de prestações da mesma natureza e de nível análogo àquelas a que pode pretender um funcionário, está coberto contra os riscos de doença pelo regime comum de seguro de doença, em condições a precisar por uma regulamentação comum.

    34

    O artigo 3.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura precisa que o benefício do regime comum de seguro de doença só é concedido ao cônjuge do inscrito, quando exerça uma actividade profissional, na condição de estar coberto, por força de outras disposições legais ou regulamentares, contra os mesmos riscos e que não retire da sua actividade profissional rendimentos anuais que ultrapassem determinado limite.

    35

    Tanto o artigo 72.° do Estatuto como o artigo 3.° da regulamentação de cobertura partem da ideia de que, na medida do possível, o cônjuge de um funcionário que exerce uma actividade profissional remunerada deve pedir o reembolso das suas despesas médicas no âmbito do regime de seguro de doença que lhe garante, em razão da sua própria actividade profissional, uma cobertura contra os riscos de doença, sendo a do regime comum apenas assegurada a título complementar.

    36

    Nem o artigo 72.°, n.° 1, do Estatuto, nem o artigo 3.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura fazem depender a cobertura do cônjuge pelo regime comum, no caso de este exercer uma actividade profissional, da condição de lhe ser assegurada uma cobertura obrigatória contra os mesmos riscos, em aplicação de outras disposições legislativas ou regulamentares, devido à actividade em causa. Pelo contrário, o artigo 3.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura deve ser interpretado como visando tanto o caso em que a actividade profissional exercida pelo cônjuge comporta, para ele, por força de disposições legislativas ou regulamentares, uma obrigação de seguro contra os riscos de doença, como o caso em que a actividade profissional lhe confere o direito de beneficiar, por força de disposições legislativas ou regulamentares, de um seguro voluntário contra esses mesmos riscos.

    37

    Decorre destas constatações que os artigos 72.° do Estatuto e 3.° da regulamentação de cobertura não apenas não se contradizem mas prosseguem um mesmo objectivo, completando-se reciprocamente.

    38

    Decorre do que vem dito que compete ao Tribunal verificar se, no caso vertente, a actividade profissional exercida pela Sr. a Holtbecker em Zurique criou para ela, por força das disposições legislativas ou regulamentares vigentes no local do seu emprego, uma obrigação de seguro contra os riscos de doença ou o direito de beneficiar de um seguro voluntário contra esses mesmos riscos.

    39

    A este respeito, o Tribunal constata, antes de mais, que resulta do atestado emitido em 15 de Outubro de 1990 pelo chefe do serviço de segurança social da cidade de Zurique, apresentado pelo recorrente e cujo conteúdo não foi contestado pela recorrida, que a Sr. a Holtbecker, no respeitante à actividade profissional remunerada que exerce em Zurique, não está por esse facto sujeita a um regime obrigatório de seguro de doença.

    40

    Dos documentos apresentados pela recorrida a pedido do Tribunal, e designadamente do fascículo n.° 2 de Abril de 1970, que tem por título «Seguro de Doença, Jurisprudência e Prática Administrativa», editado pelo Serviço Federal da Previdência Social de Berna, o Tribunal verifica que o artigo 5.°, primeiro parágrafo, da lei federal sobre o seguro de doença (LAMA) de 13 de Junho de 1911, que atribui a qualquer cidadão suíço o direito de se inscrever numa caixa cujas condições estatutárias de admissão preencha, é igualmente aplicado aos estrangeiros, por analogia, segundo prática constante.

    41

    O Tribunal constata ainda que as caixas de doença Helvetia e Winterthur, reconhecidas pelas autoridades helvéticas e sujeitas às disposições da legislação federal sobre seguro de doença, confirmaram nas suas cartas, datadas respectivamente de 4 e 9 de Junho de 1992, enviadas à Comissão e por esta apresentadas, que quem resida ou permaneça por tempo prolongado na Suíça e não tenha atingido a idade de 65 anos se pode inscrever nelas. Resulta destas atestações que quem se encontre numa situação idêntica à da Sr. a Holtbecker preenche as condições estatutárias de admissão exigidas por estas caixas e, se ela solicitar a inscrição, o seu pedido não pode ser recusado.

    42

    O Tribunal conclui daí que a Sr. a Holtbecker tinha, por força da sua actividade profissional e em virtude das disposições legislativas e regulamentares em vigor no local do seu emprego, o direito de beneficiar, sem precisar de especial diligência, de uma cobertura social contra os riscos de doença.

    43

    De quanto vem dito decorre que o argumento deve ser rejeitado por improcedente.

    — Quanto ao segundo argumento baseado em injustiça manifesta que constitui violação do princípio da não discriminação

    Argumentos das partes

    44

    O recorrente sustenta que a interpretação do artigo 3.° da regulamentação de cobertura proposta pelo serviço de liquidação leva a uma iniquidade manifesta. Com efeito, o cônjuge de um funcionário comunitário que exerce uma actividade profissional e não pode estar inscrito num regime nacional obrigatório por força de disposições legislativas ou regulamentares ficaria privado de qualquer cobertura social, ao abrigo da legislação nacional ou da regulamentação comunitária, enquanto o cônjuge inscrito num regime de seguro nacional obrigatório beneficiaria, além disso, da cobertura complementar do regime comum para a parte das despesas não reembolsada no regime nacional.

    45

    Segundo o recorrente, tal interpretação é além disso discriminatória por fazer depender o benefício do regime comum da existência, nas legislações nacionais, de um regime de seguro obrigatório. A mulher do recorrente sofreria assim grave discriminação relativamente ao cônjuge de outro funcionário que, exercendo por-exemplo uma actividade em Itália, estaria inscrito automaticamente num regime legal nesse Estado e beneficiaria portanto dos dois sistemas de protecção social,

    46

    A recorrida, que repete que a Sr. a Holtbecker, para beneficiar do regime comum, deveria ter-se inscrito num dos regimes previstos pela legislação suíça, sustenta que, se a Sr. a Holtbecker tivesse trabalhado em Itália, deveria também inscrever-se no regime de seguro de doença previsto na legislação italiana. Em ambos os casos, nenhuma obrigação de inscrição teria sido imposta à Sr. a Holtbecker pela legislação vigente nos dois Estados, pois os regimes italiano e suíço prevêem para os estrangeiros residentes apenas a faculdade, e não a obrigação, de se inscreverem numa caixa de doença, pelo que não pode falar-se em discriminação. Pelo contrário, haveria discriminação na hipótese de um cônjuge na situação da Sr. a Holtbecker não ser obrigado a inscrever-se num regime nacional de seguro de doença. Com efeito, nesta hipótese, ficaria beneficiado no plano econômico em relação, por exemplo, a um cônjuge de nacionalidade italiana que exercesse a sua actividade em Itália. Com efeito, este último seria, pela lei, obrigado a inscrever-se no regime nacional de seguro de doença e a pagar as suas contribuições.

    Apreciação do Tribunal

    47

    O Tribunal salienta que os argumentos aduzidos pelo recorrente em apoio do segundo fundamento se baseiam no princípio, em que já assentava o primeiro fundamento, de que o cônjuge de um funcionário comunitário que exerça uma actividade profissional só pode beneficiar da cobertura do regime comum de seguro de doença se existir, no local onde exerce essa actividade, um regime obrigatório de seguro. Ora, o Tribunal decidiu, na resposta ao primeiro fundamento, que a extensão, ao cônjuge que exerça uma actividade profissional, da cobertura do regime comum de seguro de doença não pressupõe necessariamente que este esteja inscrito num regime obrigatório, mas apenas que, por força de disposições legislativas ou regulamentares, tenha o direito de se inscrever num regime de seguro que o proteja contra os riscos de doença. Daí decorre que o cônjuge de um funcionário, que tem o direito de se inscrever num regime desse tipo, beneficia ao mesmo tempo da cobertura do regime de seguro previsto pela regulamentação nacional e, além disso, a título complementar, da do regime comum. Nessas condições não pode existir injustiça manifesta que constitua violação do princípio da não discriminação: também este fundamento deve ser rejeitado.

    — Quanto ao terceiro argumento baseado na violação do princípio da protecção da confiança legítima

    Argumentos das partes

    48

    O recorrente afirma, em primeiro lugar, que até à decisão de recusa do reembolso que foi objecto do presente recurso, a administração tinha reembolsado todas as despesas médicas apresentadas por sua mulher, e isso com pleno conhecimento de que ela exercia uma actividade profissional remunerada, como resultava das declarações anuais que tinha feito a esse respeito à administração. Esta atitude da administração teria reforçado a convicção do recorrente de que sua mulher beneficiava da cobertura do regime comum, tanto mais que todos os reembolsos anteriores tinham sido concedidos a título de seguro primário e não complementar. Nessas condições, ele poderia legitimamente considerar que a administração, face ao caso-limite de sua mulher, pretendera fazer prevalecer a norma estatutária do artigo 72.°, que, em sua opinião, impõe a cobertura do regime comunitário ao cônjuge que não possa beneficiar de outro regime obrigatório. O recorrente afirma que, em qualquer caso, a administração deveria tê-lo informado atempadamente da sua posição, para lhe permitir subscrever um seguro privado e evitar assim o prejuízo resultante da recusa de reembolso.

    49

    O recorrente invoca, em segundo lugar, o atestado passado a seu pedido pelo chefe da divisão «Administração e Pessoal» do CCII de 11 de Maio de 1988, certificando que a sua mulher estava inscrita no regime comum. O atestado teria sido assinado com pleno conhecimento de causa e sem qualquer reserva pelo chefe da administração, de modo que ele podia afirmar ter sido convencido da sua veracidade.

    50

    Quanto ao primeiro argumento, relativo ao reembolso das despesas médicas apresentadas antes das que são objecto do presente recurso, a recorrida responde que o serviço de liquidação o efectuou erradamente, na convicção de que a Sr. a Holtbecker estava coberta por um regime nacional de seguro de doença. Só quando o pedido de reembolso atingiu montantes mais elevados a administração teria considerado oportuno exigir a apresentação dos documentos justificativos requeridos pelo Estatuto, e apenas então se teria dado conta de que a Sr. a Holtbecker não integrava um regime nacional de seguro.

    51

    A recorrida contesta que a sua atitude tenha podido criar confiança para o recorrente, tendo em conta a posição que este ocupa. Como funcionário de grau A 2, chefe de uma unidade de 350 pessoas, ele deveria, em sua opinião, ter um certo conhecimento das disposições aplicáveis na matéria.

    52

    Quanto ao segundo argumento, relativo ao atestado do chefe de divisão «Administração e Pessoal» de Ispra, a recorrida alega que essa declaração não traz qualquer precisão sobre a situação concreta da Sr. a Holtbecker. Nessas condições, caberia ao próprio recorrente agir com diligência e pedir à caixa de doença informações mais detalhadas e uma declaração mais explícita. A recorrida observa além disso que, segundo jurisprudência do Tribunal (v. acórdão de 27 de Março de 1990, Chomel/Comissão, n.os 26 a 30, T-123/89, Colect., p. II-131), mesmo supondo que um funcionário tenha obtido da administração uma confirmação errada dos direitos que reivindica, tal compromisso não pode criar, em si, uma situação de confiança legítima.

    Apreciação do Tribunal

    53

    No que respeita ao primeiro argumento, baseado no reembolso das despesas médicas apresentadas anteriormente às que são objecto do presente litígio, importa notar que, conforme jurisprudência constante (v. designadamente o acórdão do Tribunal de 27 de Março de 1990, Chomel/Comissão, já referido), o direito de solicitar a protecção da confiança legítima estende-se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulta que a administração comunitária lhe criou expectativas fundadas. Pelo contrário, nenhum funcionário pode invocar uma violação do princípio da confiança legítima na falta de garantias precisas fornecidas pela administração. Ora, no caso vertente, o simples facto de, no passado, determinadas despesas médicas de montante relativamente modesto terem sido reembolsadas sem reservas não pode ser considerado suficiente para poder ter criado ao recorrente uma certeza quanto à inscrição efectiva da sua mulher no regime comum de seguro de doença, nem constitui uma falta da administração.

    54

    No que respeita ao segundo argumento, relativo ao atestado de 11 de Maio de 1988 do chefe da divisão «Administração e Pessoal» do CCII — admitindo que este estivesse ao corrente da situação exacta da Sr. a Holtbecker no momento em que o atestado foi passado —, convirá notar que, mesmo que o recorrente tenha obtido dos serviços da Comissão uma confirmação dos direitos que reivindicava, tal compromisso não pode ter criado uma situação de confiança legítima, uma vez que nenhum funcionário de uma instituição comunitária se pode validamente comprometer a não aplicar o direito comunitário. Com efeito, promessas que não tenham em conta as disposições estatutárias não podem criar confiança legítima àquele a quem se dirigem (v. acórdão de 7 de Março de 1990, Chomel/Comissão, já referido).

    55

    O argumento baseado na violação do princípio da protecção da confiança legítima deve, pois, ser rejeitado.

    56

    Daqui decorre que ao pedido de anulação da decisão da Comissão de 10 de Julho de 1990 deve ser negado provimento, por improcedente.

    Quanto aos pedidos de carácter pecuniário

    57

    Uma vez que foi negado provimento ao pedido de anulação apresentado pelo recorrente, também o pedido de reembolso das despesas efectuadas pela mulher do recorrente deve ser desatendido.

    58

    Do exame dos factos efectuado pelo Tribunal não resultou existir qualquer culpa imputável à Comissão, pelo que o pedido subsidiário de ressarcimento do prejuízo deve ser rejeitado.

    Quanto às despesas

    59

    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Todavia, nos termos do artigo 88.° do mesmo regulamento, as despesas das instituições nos recursos dos agentes das Comunidades ficam a seu cargo.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

    decide:

     

    1)

    E negado provimento ao recurso.

     

    2)

    Cada uma das partes suportará as suas despesas.

     

    Garcia-Valdecasas

    Schintgen

    Briët

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Dezembro de 1992.

    O secretário

    H. Jung

    O presidente da Quarta Secção

    R. García-Valdecasas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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