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Document 61990CC0006

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 28 de Maio de 1991.
    Andrea Francovich e Danila Bonifaci e outros contra República Italiana.
    Pedidos de decisão prejudicial: Pretura di Vicenza e Pretura di Bassano del Grappa - Itália.
    Não transposição de uma directiva - Responsabilidade do Estado-membro.
    Processos apensos C-6/90 e C-9/90.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-05357

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:221

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    JEAN MISCHO

    apresentadas em 28 de Maio de 1991 ( *1 )

    Sumário

     

    Introdução

     

    Quanto à primeira questão

     

    I — Quanto ao efeito directo da Directiva 80/987

     

    A — Quanto à identidade dos beneficiários

     

    B — Quanto à extensão dos direitos

     

    C — Quanto à identidade do devedor dos direitos

     

    II — Quanto à reparação dos prejuízos sofridos pelos particulares em virtude da falta de transposição da Directiva 80/987

     

    A — Resumo

     

    B — Argumentação

     

    A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às disposições directamente aplicáveis ou de efeito directo

     

    Ensinamentos recolhidos dos acórdãos Factortame I e Zuckerfabrik

     

    A responsabilidade do Estado no caso das disposições sem efeito directo

     

    Condições materiais e formais da acção de responsabilidade

     

    As consequências possíveis de um acórdão no sentido proposto

     

    Quanto às segunda e terceira questões

     

    Conclusão

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    Introdução

    1.

    Raramente o Tribunal de Justiça teve de julgar um litígio no qual as consequências negativas da falta de transposição de uma directiva fossem, para os particulares atingidos, tão chocantes como neste. Ao mesmo tempo, a situação está longe de ser simples do ponto de vista jurídico. Com efeito, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre os eventuais efeitos directos de uma directiva que contém disposições particularmente complicadas. A título subsidiário, é todo o problema da responsabilidade dos Estados-membros em virtude da falta de transposição de uma directiva, ou seja, mais geralmente, por violação do direito comunitário, que é submetido ao Tribunal.

    2.

    A Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2, p. 219), prevê que «Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia (a criar ou a designar por eles)... o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objecto a remuneração referente ao periodo situado antes de determinada data» (artigo 3.°, n.° 1). A directiva permite aos Estados-membros optar entre três datas relacionadas com a insolvabilidade ou com a cessação da relação de trabalho. Além disso, confere-lhes a faculdade de limitar a obrigação de pagamento pelas instituições de garantia.

    3.

    Através de um acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Itália (22/87, Colect., p. 143), o Tribunal declarou que a Itália não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, em virtude de não ter transposto a directiva na data fixada, ou seja, 23 de Outubro de 1983. Essa transposição parece não ter ainda ocorrido neste momento.

    4.

    Os factos na origem do litígio do processo principal são os seguintes.

    A. Francovich, demandante no processo principal a que se refere o processo C-6/90, havia trabalhado para a empresa «CDN Elettronica SnC» em Vicenza, de 16 de Janeiro de 1983 a 7 de Abril de 1984, recebendo apenas pagamentos parciais esporádicos por conta do seu salário. Por esse motivo, intentou uma acção perante a pretura, que condenou a empresa demandada no pagamento do montante de cerca de 6 milhões de LIT. Como A. Francovich não pôde receber esse montante da empresa, reclamou ao Estado italiano as garantias previstas pela Directiva 80/987 ou, a título subsidiário, uma indemnização por perdas e danos.

    No processo C-9/90, Danila Bonifaci e trinta e três outras assalariadas da empresa «Gaia Confezioni SrL», declarada falida em 5 de Abril de 1985, eram credoras do montante de mais de 253 milhões de LIT que tinha sido admitido como passivo da empresa. Mais de quatro anos após a falência, não lhes havia sido paga qualquer importância e o administrador de falências tinha-as informado de que era absolutamente improvável qualquer pagamento, ainda que parcial, a seu favor. Por consequência, intentaram uma acção contra a República Italiana, pedindo, tendo em conta a obrigação que lhe incumbia de aplicar a Directiva 80/987, que a mesma fosse condenada a pagar-lhes os créditos devidos a salários em atraso, pelo menos relativamente aos três últimos meses ou, a título subsidiário, uma indemnização por perdas e danos.

    A pretura circundariale di Vicenza (no processo C-6/90) e a pretura circundariale di Bassano del Grappa (no processo C-9/90) colocam ao Tribunal três questões prejudiciais redigidas em termos idênticos. Proponho que as examine sucessivamente.

    Quanto à primeira questão

    5.

    A primeira questão está redigida como segue :

    «Nos termos do direito comunitário em vigor, o particular que tenha sido lesado pela falta de execução pelo Estado da Directiva 80/987 — falta de execução declarada por acórdão do Tribunal de Justiça — pode reclamar o cumprimento por esse Estado das disposições que a mesma contém, que são suficientemente precisas e incondicionais, invocando directamente contra o Estado-membro faltoso a regulamentação comunitária, a fim de obter as garantias que esse Estado deveria assegurar e, em todo o caso, reclamar a reparação dos prejuízos sofridos no que respeita às disposições que não gozam dessa prerrogativa?»

    6.

    Através desta questão, os órgãos jurisdicionais a quo suscitam manifestamente dois problemas diferentes, que interessa distinguir bem, ou seja, os seguintes:

    a Directiva 80/987 pode criar efeitos directos a favor dos particulares?

    em caso contrário, os particulares podem reclamar uma indemnização por perdas e danos ao Estado que ignorou a transposição correda da directiva no prazo previsto?

    I — Quanto ao efeito directo da Directiva 80/987

    7.

    No acórdão Busseni ( 1 ), o Tribunal resumiu nos termos seguintes os elementos essenciais da sua jurisprudência relativa ao efeito directo das directivas:

    «Segundo a jurisprudência do Tribunal, quando as autoridades comunitárias, por directiva, obriguem os Estados-membros a adoptar um comportamento determinado, o efeito útil de tal acto ficaria enfraquecido se os particulares e os órgãos jurisdicionais nacionais estivessem impedidos de tomá-lo em consideração enquanto elemento de direito comunitário. Em consequência, o Estado-membro que não tenha tomado, no prazo previsto, as medidas de execução impostas pela directiva não pode opor aos particulares o não cumprimento, por ele próprio, das obrigações que ela comporta. Assim, em todos os casos em que as disposições de uma directiva apareçam como sendo, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, podem ser invocadas, na falta de medidas de aplicação tomadas nos devidos prazos, contra qualquer disposição nacional não conforme com a directiva, ou ainda se delas decorrerem direitos que os particulares possam defender face ao Estado (ver, nomeadamente, acórdão de 19 de Janeiro de 1982, Ursula Becker, 8/81, Recueil, p. 53).»

    8.

    Para que os direitos, que a Directiva 80/987 tem por objectivo estabelecer, possam ser invocados por um trabalhador antes da transposição da directiva, é necessário que sejam incondicionais e suficientemente precisas as disposições que se relacionam com:

    a identidade dos beneficiários;

    a extensão dos direitos;

    a identidade do devedor dos mesmos.

    A — Quanto à identidade dos beneficiários

    9.

    Na directiva, várias disposições contribuem para definir os trabalhadores beneficiários.

    Assim, diz-se no artigo 1.°, n.° 1, que

    «a presente directiva aplica-se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontram em estado de insolvência na acepção do n.° 1 do artigo 2.°».

    O artigo 2.°, n.° 2, por seu lado, remete para o direito nacional no que respeita à definição dos termos «trabalhadores assalariados» e «empregadores», que o Tribunal de Justiça aliás confirmou no acórdão 22/87, já citado, n.os 17, 18 e 19.

    10.

    É certo que, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, os Estados-membros podem, a título excepcional, excluir do âmbito de aplicação da directiva os créditos de certas categorias de trabalhadores. Nos termos do anexo da directiva, ponto II. C, trata-se, no que respeita à Itália,

    dos trabalhadores assalariados que beneficiem das prestações previstas pela legislação em matéria de garantia dos rendimentos em caso de crise económica da empresa;

    das tripulações de navios.

    No acórdão Comissão/Itália, 22/87, já citado, o Tribunal teve a ocasião de esclarecer que a primeira categoria só se referia aos trabalhadores que beneficiassem efectivamente das prestações em questão.

    Mesmo que, dum ponto de vista formal, a disposição em questão apenas criasse uma faculdade para os Estados-membros, é possível admitir, nomeadamente à luz do que foi dito no decurso do processo 22/87, que, relativamente à Itália, a menção destas duas categorias precisas no anexo da directiva correspondia a uma vontade firme de as excluir. Os juízes nacionais apenas têm, por isso, de verificar se os recorrentes fazem ou não parte de uma dessas duas categorias.

    11.

    Quanto às dúvidas expressas pelo Governo italiano e pela Comissão sobre se a directiva pode realmente ser invocada por A. Francovich dado que não é claro se o antigo empregador deste se encontra formalmente em estado de insolvência, há que observar que o artigo 2.°, n.° 1, define muito claramente o que se deve entender por «estado de insolvencia». E ao órgão jurisdicional nacional que compete verificar se, no caso dos autos, esta condição se verifica.

    12.

    Decorre do exposto que as disposições da directiva que definem os respectivos beneficiários são incondicionais e suficientemente precisas para permitir aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se podem aplicar-se a uma determinada pessoa.

    B — Quanto à extensão dos direitos

    13.

    Nos termos do artigo 3.° da directiva, as instituições de garantia asseguram o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados relativos à remuneração respeitante ao período que se situa antes de uma determinada data. Essa data é, à escolha dos Estados-membros,

    «—

    ou a da superveniencia de insolvencia do empregador,

    ou a do aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador em causa, por força da insolvência do empregador,

    ou a da superveniencia da insolvencia do empregador où a da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador assalariado em causa, ocorrida por força da insolvencia do empregador».

    14.

    Não é, pois, possível saber qual destas três soluções as autoridades italianas teriam considerado se tivessem transposto a directiva. Pode, pois, ser-se tentado a concluir que esta disposição não é incondicional, visto que necessita de uma escolha por parte de cada Estado-membro.

    15.

    Os demandantes no processo principal e a Comissão convidam-nos, contudo, a não nos deixar paralisar por esta consideração, mas a basear-nos no facto de as autoridades italianas deverem, pelo menos, considerar a hipótese que imponha o encargo menos pesado à instituição de garantia.

    Ora, na opinião dos demandantes, como a data da «superveniencia da insolvabilidade» se situa logicamente antes da data do «aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador em causa, por força de insolvência do empregador» e antes da data «da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador assalariado em questão, ocorrida em virtude da insolvência do empregador», é, portanto, a primeira data que confere a garantia mínima ao trabalhador. Neste caso, o crédito diz respeito, com efeito, a um período menos longo que rias duas outras hipóteses.

    16.

    Verifica-se, todavia, que outras disposições da directiva conferem aos Estados-membros a faculdade de reduzir as garantias dadas aos trabalhadores.

    Assim, nos termos do artigo 4.°, n.° 1,

    «os Estados-membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia previstas no artigo 3.°,»

    segundo as modalidades previstas no n.° 2 do artigo 4.° Se o Estado-membro tiver escolhido a primeira hipótese, que qualificámos anteriormente de garantia mínima, e fizer uso da faculdade de limitar a obrigação de pagamento da instituição de garantia, esta deve assegurar o pagamento dos créditos em dívida respeitantes à remuneração relativa aos três últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho que se situam dentro de um período de seis meses que precede a data da superveniencia da insolvencia do empregador.

    17.

    Em segundo lugar, o n.° 3 do mesmo artigo permite aos Estados-membros,

    «fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da presente directiva. Quando os Estados-membros fizerem uso dessa faculdade, devem comunicar à Comissão os métodos pelos quais fixaram o limite».

    18.

    Finalmente, o artigo 10.° permite aos Estados-membros tomar as medidas necessárias com vista a evitar abusos e recusar ou reduzir a obrigação de pagamento em função da existência de relações particulares entre o trabalhador assalariado e o empregador e de interesses comuns concretizados através de um conluio entre estes.

    19.

    A Comissão sublinha que se trata apenas, no caso de todas estas disposições, de faculdades conferidas aos Estados-membros e que parece incompatível com a noção de efeito directo das directivas que, se uma directiva define de forma precisa os direitos dos particulares, o Estado-membro possa invocar o seu próprio incumprimento afirmando que se tivesse procedido à transposição da directiva, teria podido legitimamente fixar os direitos do particular a um nível inferior.

    20.

    O que pensar deste raciocínio? É forçoso concluir, antes de mais, que a Comissão não faz qualquer alusão à segunda condição estabelecida pelo Tribunal, ou seja, a do caracter incondicional das disposições invocadas. Coloca-se a questão de saber se, em face de um conjunto de disposições que comportam simultaneamente uma regra e várias possibilidades de restringir o respectivo alcance, se tem o direito de separar a regra do resto e de concluir que a regra é precisa e incondicional. Ou antes se se quer deixar entender que o princípio segundo o qual o Estado-membro não pode invocar o seu próprio incumprimento teria por efeito tornar «incondicional pelo seu conteúdo» uma norma a propósito da qual o texto confere expressamente uma margem de apreciação ao Estado-membro? No que me diz respeito, não poderia aceitar esse raciocínio.

    21.

    Em apoio da sua tese, os demandantes no processo principal invocam o acórdão Marshall e a Comissão os acórdãos Becker e McDermott e Cotter.

    Ora, no n.° 55 do acórdão Marshall ( 2 ), o Tribunal concluiu precisamente que

    «o artigo 5.° da Directiva 76/207 não confere de maneira nenhuma aos Estados-membros a faculdade de condicionarem ou de restringirem a aplicação do princípio da igualdade de tratamento no seu próprio campo de aplicação».

    O Tribunal já tinha chegado a uma conclusão do mesmo tipo no n.° 39 do acórdão Becker ( 3 ).

    Pelo contrário, é certo que, no caso que nos ocupa, o artigo 4.° confere precisamente aos Estados-membros o direito de restringir as obrigações de pagamento das instituições de garantia.

    22.

    Quanto ao n.° 15 do acórdão McDermott e Cotter ( 4 ), citado pela Comissão, pode ler-se que

    «... o facto de as directivas deixarem às autoridades nacionais a escolha da forma e dos meios para atingir o resultado pretendido não pode ser invocado para negar qualquer efeito às disposições da directiva que são susceptíveis de ser invocadas em juízo».

    No acórdão McDermott e Cotter, o Tribunal concluiu, em substância, que havia duas possibilidades para atingir a igualdade de tratamento entre as mulheres e os homens: elevar o nível das prestações sociais concedidas às mulheres ao nível das concedidas aos homens ou baixar as destes. Não tendo a Irlanda transposto a directiva e não tendo, por isso, feito a opção em questão, o Tribunal declarou que se deveria aplicar a primeira solução. Mas o resultado final, ou seja, a igualdade, era previsto de forma clara e incondicional pela directiva.

    23.

    No caso presente, pelo contrário, estamos ainda numa fase em que é necessário averiguar se as disposições da directiva que definem os direitos dos particulares são suficientemente precisas e incondicionais para poderem ser invocadas em juízo. Não se trata, portanto, neste caso, da escolha da forma e dos meios para atingir o resultado estabelecido, mas, em larga medida, da definição do próprio resultado.

    Ora, no acórdão de 12 de Dezembro de 1990, Kaefer e Procacci ( 5 ), o Tribunal declarou

    «que uma disposição é incondicional quando não deixa aos Estados-membros qualquer margem de apreciação».

    Por isso, se, apesar desse acórdão, se quisesse seguir a via que nos sugerem os recorrentes e a Comissão e tentar extrair das disposições dessa directiva uma «obrigação mínima» (ideia em si mesma interessante), que se imporia, em todo o caso, aos Estados-membros, seria necessário, mesmo assim, ter em conta a faculdade prevista pelo artigo 4.°, n.° 2.

    24.

    Todavia, mesmo isso não é possível, por que se ignoraria dessa forma a margem de apreciação extremamente ampla que o n.° 3 do mesmo artigo deixa aos Estados-membros (fixação de um limite para evitar o pagamento de somas que ultrapassem a finalidade social da directiva). Considero por isso que não é possível concluir por uma tal «obrigação mínima».

    25.

    Pelo contrário, no que respeita ao artigo 10.° da Directiva 80/987, reconheço a validade do argumento que a Comissão baseia no n.° 32 do acórdão Becker. Tratava-se de interpretar o alcance do artigo 13.°, parte B, alínea d), n.° 1, da Sexta Directiva em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, que prevê que

    «os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso... d) as seguintes operações: 1. a concessão e a negociação de créditos».

    O Tribunal considerou que as «condições» mencionadas por essa disposição

    «não se referem de forma nenhuma à definição do conteúdo da exoneração prevista» (n.° 32 do acórdão).

    Pode dizer-se que o artigo 10.° da Directiva 80/987 visa também, essencialmente, evitar fraudes e abusos.

    26.

    Mas não é menos verdade que a ampla margem de apreciação que o artigo 4.° deixa aos Estados-membros não permite concluir que as disposições da directiva que definem a extensão dos direitos dos beneficiários são incondicionais e suficientemente precisas.

    C — Quanto à identidade do devedor dos direitos

    27.

    Vejamos, antes de mais, o que prevê a directiva: O artigo 3.° dispõe que:

    «Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia ... o pagamento dos créditos em dívida...»

    Nos termos do artigo 5.°

    «Os Estados-membros estabelecem as modalidades da organização, do financiamento e do funcionamento das instituições de garantia observando, nomeadamente, os seguintes princípios:

    a)

    o patrimônio das instituições deve ser independente do capital de exploração dos empregadores e ser constituído por forma que não possa ser apreendido no decurso de um processo de insolvência;

    b)

    os empregadores devem contribuir para o financiamento, a menos que este seja assegurado integralmente pelos poderes públicos;

    c)

    a obrigação de pagamento das instituições existirá independentemente da execução das obrigações de contribuir para o seu financiamento».

    28.

    Na minha opinião, resulta destas disposições que a aplicação concreta da directiva está, em todo o caso, sujeita a duas condições, a saber:

    a criação de uma instituição de garantia ou a designação de uma instituição existente como devedora das prestações previstas pela directiva;

    a determinação do seu modo de financiamento, designadamente o papel que o Estado entende assumir a esse respeito.

    29.

    A Comissão, que aprofundou especialmente este problema, não contesta que o Estado tenha a obrigação de tomar estas medidas, mas nem por isso tira daí a conclusão de que as disposições da directiva não sejam aplicáveis enquanto tais.

    Segundo a Comissão, mesmo que seja difícil fazer a demonstração de que a responsabilidade financeira pelas prestações previstas pela directiva incumbe em última análise ao Estado, podem equiparar-se as instituições de garantia ao Estado. Por isso, o órgão jurisdicional nacional poderia condenar o Estado a pagar as compensações mínimas previstas pela directiva.

    A Comissão considera que essa possibilidade de equiparação das instituições ao Estado decorre do artigo 5.°, alínea b), da directiva, segundo o qual «os empregadores devem contribuir para o financiamento (da instituição de garantia), a menos que este seja assegurado integralmente pelos poderes públicos». Assim, a directiva prevê como faculdade alternativa o financiamento integral das instituições pelo Estado.

    Ora, prossegue a Comissão, quando a directiva prevê a possibilidade duma aplicação segundo o princípio da responsabilidade financeira do Estado, este não pode subtrair-se a essa responsabilidade alegando que, se tivesse respeitado a obrigação de aplicar a directiva, teria podido fazer suportar uma parte, ou talvez a totalidade do encargo financeiro, a outras pessoas.

    30.

    Este raciocínio não é, porém, convincente na minha opinião. De duas uma, com efeito. Ou o financiamento da instituição de garantia pelos empregadores constitui a regra e o financiamento pelos poderes públicos a faculdade alternativa, e então a Comissão não pode sustentar, contrariamente ao que declarou a propósito dos artigos 3.° e 4.°, que, na ausência de uma decisão do Estado-membro de utilizar a faculdade alternativa, é apesar disso esta última que deve aplicar-se. Ou o Estado-membro deve necessariamente fazer uma opção quanto à escolha do financiamento da instituição de garantia e, neste caso, a disposição em questão não é incondicional. É esta última hipótese que, do meu ponto de vista, é válida. A questão de saber se a instituição de garantia é equiparável ou não ao Estado depende duma decisão que deve ser tomada, previamente, por este último.

    31.

    Proponho, por isso, que este Tribunal responda à primeira parte da primeira questão que as disposições da Directiva 80/987 não são suficientemente precisas e incondicionais para poderem criar direitos que os particulares podem invocar em juízo.

    II — Quanto à reparação dos prejuízos sofridos pelos particulares em virtude da falta de transposição da Directiva 80/987

    32.

    As primeiras questões colocadas pelos dois órgãos jurisdicionais de reenvio visam, em segundo lugar, expressamente a hipótese de as disposições pertinentes da Directiva 80/987 não serem suficientemente precisas e incondicionais para poderem ser invocadas directamente perante o órgão jurisdicional nacional: põe-se a questão de saber se, nesse caso, o particular lesado pela falta de execução da directiva por um Estado-membro pode reclamar a reparação dos prejuízos que eventualmente tenha sofrido por esse facto.

    33.

    Dada a extensão dos desenvolvimentos que é necessário consagrar aos múltiplos aspectos que este problema comporta, apresento, antes de mais, numa primeira parte, um resumo das conclusões a que cheguei e, em seguida, numa segunda parte, os pormenores do raciocínio seguido, que se baseia no essencial na jurisprudência do Tribunal.

    A — Resumo

    1.

    Apesar de, no actual estado do direito comunitário, caber em princípio à ordem jurídica de cada Estado-membro determinar o processo jurídico que permite atingir a plena eficácia do direito comunitário, essa competência estatal tem, todavia, uma limitação inequívoca na própria obrigação dos Estados-membros, que decorre do direito comunitário, de assegurarem essa eficácia.

    2.

    Isso não é válido apenas para as disposições de direito comunitário que têm efeito directo, mas para todas as que têm por objectivo conferir direitos aos particulares. Na verdade, a inexistência de efeito directo não significa que o efeito prosseguido pelo direito comunitário não seja conferir direitos aos particulares, mas apenas que estes não são suficientemente precisos e incondicionais para poderem ser invocados e aplicados como tais.

    3.

    No caso de falta de transposição ou de transposição incorrecta duma directiva, um Estado-membro priva o direito comunitário do efeito pretendido. Comete ao mesmo tempo uma infracção aos artigos 5.° e 189.°, terceiro parágrafo, do Tratado, que afirmam o caracter obrigatório da directiva e obrigam a tomar todas as medidas necessárias para a sua aplicação.

    4.

    No caso de a violação dessa obrigação ser declarada num acórdão do Tribunal proferido nos termos dos artigos 169.° a 171.° do Tratado, a força do caso julgado, bem como o referido artigo 171.°, impõem ao Estado-membro a obrigação de tomar todas as medidas próprias para eliminar o incumprimento e restaurar o efeito pretendido do direito comunitário, sem possibilidade de oposição de qualquer natureza. Nos mesmos termos, pode também ser obrigado a reparar os prejuízos que tenha causado aos particulares em virtude do seu comportamento ilegal.

    5.

    Nos termos do direito comunitário, a responsabilidade do Estado-membro deve ser susceptível de ser posta em causa pelo menos nos casos em que as condições que implicariam a responsabilidade da Comunidade em virtude da violação do direito comunitário por uma das suas instituições estejam preenchidas. No caso de uma directiva, que tivesse de ser transposta através de um acto normativo, basta, por isso, que as suas disposições pertinentes tenham por objectivo proteger os interesses dos particulares. A condição de violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito deve, com efeito, considerar-se verificada na hipótese de o Tribunal ter declarado o incumprimento do Estado-membro num acórdão proferido nos termos dos artigos 169.° a 171.°

    6.

    No actual estado do direito comunitário, a acção fundada na responsabilidade intentada dessa forma perante o órgão jurisdicional nacional contra um Estado-membro é apreciada, no que respeita aos outros aspectos e designadamente à avaliação do prejuízo sofrido e às modalidades de processo, à luz das regras do direito nacional, com a dupla reserva de que estas não podem ser menos favoráveis do que as que dizem respeito às reclamações semelhantes de natureza interna e organizadas de forma a tornar praticamente impossível a reparação do prejuízo sofrido. Isso implica pelo menos que as vias de direito mais adequadas existentes na ordem jurídica interna devem ser interpretadas de forma a respeitar estas exigências, ou mesmo que uma via de direito apropriada seja criada se não existir.

    7.

    A acção fundada na responsabilidade é de natureza diferente da acção para pagamento nos termos das disposições de uma directiva que tenha um efeito directo. Não se trata de atingir, por via travessa, o mesmo resultado a que se chegaria se as disposições da directiva tivessem efeito directo. O prejuízo pode ser avaliado pelo órgão jurisdicional nacional «ex aequo et bono». As disposições da directiva podem contudo servir-lhe de ponto de referência.

    8.

    Tendo em conta a incerteza que reinou até ao presente no que diz respeito à responsabilidade dos Estados-membros em caso de incumprimento do direito comunitário e as consequências financeiras que o acórdão do Tribunal poderia acarretar para os incumprimentos ocorridos no passado, devem ser limitados no tempo os seus efeitos.

    B — Argumentação

    34.

    Os demandantes no processo principal e a Comissão pedem ao Tribunal, a título subsidiário, que declare que o Estado italiano deve pagar indemnização por perdas e danos.

    A Comissão fez questão de sublinhar durante a audiência que não propõe de forma nenhuma que o Tribunal decida, no presente litígio, a questão geral de saber se a falta de transposição duma directiva que não tem efeito directo pode dar lugar a uma acção fundada na responsabilidade. A tese da Comissão baseia-se, pelo contrário, numa análise detalhada e minuciosa da directiva em questão. Baseia-se nas particularidades desta última.

    A Comissão propõe que se estabeleça uma distinção entre acção em matéria de pagamento e acção em matéria de responsabilidade por perdas e danos. Na sua opinião, uma acção para pagamento, para poder ter sucesso, exige a prova de que três grupos de normas têm um «efeito directo», a saber:

    as que identificam os beneficiários dos direitos previstos pela directiva;

    as que definem a extensão desses direitos;

    e as que identificam o devedor dos direitos.

    Pelo contrario, sempre na opinião da Comissão, no àmbito da acção para reparação de danos dirigida contra o Estado, não é necessário demonstrar que a terceira série de normas tenha um «efeito directo», dado que o devedor neste caso é, por definição, o Estado.

    35.

    Deixando de parte o facto de me parecer inadequado falar de «efeito directo» a propósito de cada uma destas três séries de normas consideradas isoladamente e que seria mais exacto utilizar a expressão «disposição incondicional e suficientemente precisa», não chego a entender o raciocínio da Comissão. Com efeito, mesmo se se aceitasse a sua hipótese, ou seja, que, no âmbito desta directiva, a extensão dos direitos dos credores é definida de forma incondicional e suficientemente precisa, não se evitaria contudo a necessidade de decidir de uma vez para sempre, ou seja, abstraindo do caso concreto, se a responsabilidade dos Estados-membros pode ser posta em causa em virtude da falta de transposição duma directiva.

    Na minha opinião, o problema aqui colocado é portanto o de saber se, de forma geral, um órgão jurisdicional nacional pode ser obrigado, nos termos do direito comunitário, a declarar o Estado responsável no caso de a não transposição de uma directiva, que não comporta efeito directo, ter causado um prejuízo a um particular.

    36.

    Nas suas intervenções perante o Tribunal de Justiça, os governos alemão, do Reino Unido, italiano e neerlandês excluíram a reparação obrigatória, nos termos do direito comunitário, dos prejuízos causados não apenas pela falta de execução de uma directiva como a que está em causa aqui, mas também pela violação das disposições de direito comunitário directamente aplicáveis ou com efeito directo. Como basearam toda a sua tese na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a tais disposições, é esta jurisprudência que importa analisar em primeiro lugar.

    — A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às disposições directamente aplicáveis ou de efeito directo

    37.

    No que diz respeito a estas disposições, está assente que,

    «em conformidade com o princípio de cooperação estabelecido no artigo 5.° do Tratado, é aos órgãos jurisdicionais nacionais que está confiada a missão de assegurar a protecção jurídica que decorre do efeito directo das disposições do direito comunitário para os cidadãos»

    e que,

    «na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e organizar as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos que o efeito directo do direito comunitário confere aos cidadãos...» ( 6 ).

    38.

    Esta protecção deve, todavia, ser «efectiva», como recordou o Tribunal no seu acórdão de 9 de Julho de 1985, Bozzetti, n.° 17 (179/84, Recueil, p. 2301), remetendo para o seu acórdão de 19 de Dezembro de 1968, Salgoil (13/68, Recueil, p. 661 e 675), onde falou de protecção «directa e imediata». Trata-se de assegurar a «plena eficácia» do direito comunitário e qualquer disposição de uma ordem jurídica nacional ou qualquer prática, legislativa, administrativa ou judiciária, que tenha por efeito diminuir a eficácia do direito comunitário e, a fortiori, impedi-la de produzir o seu pleno efeito, é incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito comunitário ( 7 ).

    39.

    Os órgãos jurisdicionais nacionais devem cumprir a sua obrigação de assegurar uma protecção efectiva dos direitos que o direito comunitario confere aos cidadãos

    «não aplicando qualquer disposição eventualmente contrária da lei nacional, quer esta seja anterior ou posterior à norma comunitária» ( 8 ).

    Isto não é válido apenas para as leis nacionais, mas para qualquer disposição da ordem jurídica interna, tendo o Tribunal de Justiça esclarecido no seu acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa (6/64, Recueil, p. 1141, 1160),

    «que, derivado de uma fonte autónoma, o direito nascido do Tratado não pode, por isso, em virtude da sua natureza específica original, permitir a oposição judicial de qualquer texto interno, sem perder a sua natureza comunitária e sem ser posta em causa a base jurídica da própria Comunidade».

    40.

    No caso de a aplicação de normas nacionais contrárias ao direito comunitário directamente aplicável ter dado lugar à cobrança de certos montantes aos particulares, incumbe ao Estado-membro, segundo a jurisprudência do Tribunal em matéria de repetição do indevido, assegurar o reembolso destes montantes e esta obrigação decorre do efeito directo da disposição comunitária violada ( 9 ). Noutros termos,

    «o direito de obter o reembolso das importâncias cobradas pelo Estado-membro em violação das disposições do direito comunitário é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos respectivos titulares pelas disposições comunitárias...» ( 10 ).

    41.

    Ora, não vejo diferença fundamental entre uma acção para reembolso e uma acção para indemnização por perdas e danos, porque, em ambos os casos, se trata de reparar um prejuízo causado pela violação do direito comunitário. O Tribunal, aliás, já declarou que o efeito directo duma disposição do direito comunitário pode servir de fundamento para uma acção de indemnização por perdas e danos: a título de exemplo, remeto para o acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1990, Foster (C-188/89, Colect., p. I-3313).

    42.

    Decorre do que precede que a eventual indemnização a um particular pelo prejuízo sofrido em virtude duma violação da disposição do direito comunitário com efeito directo tem o seu fundamento na própria ordem jurídica comunitária. Naturalmente, se outras vias, susceptíveis de assegurar a plena eficácia do direito comunitário, estiverem disponíveis na ordem jurídica interna, podem ser utilizadas. Mas, tal como o Tribunal recordou no seu acórdão de 9 de Julho de 1985, Bozzetti, n.° 17 (179/84, Recueil, p. 2301), se

    «compete à ordem jurídica de cada Estado-membro designar o órgão jurisdicional competente para decidir os litígios que ponham em causa os direitos individuais, derivados da ordem jurídica comunitária... os Estados-membros têm a responsabilidade de assegurar, em todos os casos, tima protecção efectiva destes direitos».

    Se, por conseguinte, a indemnização é o único meio que pode, sendo caso disso, assegurar essa protecção efectiva, o Estado-membro tem a obrigação, nos termos do direito comunitário, de pôr à disposição dos cidadãos a via de direito adequada que permita reclamá-la.

    43.

    Os quatro governos que apresentaram observações sustentaram todavia que na sua jurisprudência o Tribunal de Justiça não remeteu apenas para o direito nacional no que respeita às modalidades a que devem estar sujeitas eventuais acções para reparação contra o Estado, mas que mesmo a questão de princípio de saber se essas acções podem ser instauradas é decidida em função do direito nacional. Ainda na opinião desses governos, se a ordem jurídica nacional é determinante quando se trata de uma disposição que produz efeitos directos, sê-lo-á, por maioria de razão, no que respeita às disposições que não produzem esse efeito.

    Desta forma, no decorrer da audiência, os agentes dos governos do Reino Unido e alemão tentaram inicialmente refutar os argumentos que a Comissão baseava, em apoio da sua tese, no acórdão de 22 de Janeiro de 1976, Russo (60/75, Recueil, p. 45). Nesse acórdão, o Tribunal declarou que,

    «no caso de ter sido causado um prejuízo em virtude da violação do direito comunitário, incumbe ao Estado assumir, em relação à pessoa lesada, as respectivas consequências no âmbito das disposições do direito nacional relativas à responsabilidade do Estado» (n.° 9).

    Nesse caso estava em causa uma violação dum regulamento relativo à organização comum dos mercados agrícolas.

    44.

    Naturalmente, o Tribunal remeteu para as «disposições do direito nacional relativas à responsabilidade do Estado». Mas não deixa de ser verdade que o Tribunal declarou que incumbe ao Estado assumir, em relação à pessoa lesada, as consequências que para ela resultaram da violação do direito comunitário. Parece-me assim que o Tribunal instituiu o princípio de uma obrigação do Estado de reparar o prejuízo causado, deixando ao direito nacional a missão de regular as respectivas modalidades. Se tivesse querido remeter para o direito nacional também no que respeita ao princípio, tê-lo-ia certamente declarado em termos claros, dado que, por um lado, uma das questões prejudiciais visava expressamente saber se existe em direito comunitário um tal princípio (ver a quinta questão, Recueil 1976, p.47) e, por outro, quer o recorrente no processo principal ( 11 )quer a Comissão ( 12 ) tinham claramente tomado posição nesse sentido.

    45.

    Quanto aos outros acórdãos referidos pelos governos, nomeadamente ainda no decurso da audiência, não creio também que devam necessariamente ser interpretados no sentido preconizado por eles. É aliás significativo verificar que, nas suas observações escritas, os demandantes no processo principal e a Comissão, por um lado, e os governos do Reino Unido e neerlandês, por outro, citaram esses mesmos artigos em apoio de teses divergentes, se não opostas ( 13 ).

    46.

    Tomemos como exemplo o processo 33/76, Rewe. No seu acórdão de 16 de Dezembro de 1976, n.° 5 (Recueil, p. 1989), o Tribunal fez, certamente, a declaração atrás citada, que, para alguns, prova que no estado actual do direito comunitário, a responsabilidade do Estado pela falta de execução das obrigações comunitárias apenas releva do seu direito nacional. Salta, toda-viaį à vista que o Tribunal de Justiça apenas remeteu para a ordem jurídica interna dos Estados-membros no que respeita à designação dos órgãos jurisdicionais competentes e à regulamentação das modalidades de processo, o que implica necessariamente que existe, para os Estados-membros e designadamente para os seus órgãos jurisdicionais, o princípio de uma obrigação prévia de assegurar a protecção jurídica dos direitos que o direito comunitário confere aos particulares.

    Que o direito nacional não pode chegar a pôr em causa o próprio princípio da obrigação do Estado-membro de assegurar a protecção dos direitos que o direito comunitário confere aos particulares é corroborado, por um lado, pelo facto de o Tribunal ter precisado que as modalidades de processo, tais como são fixadas no direito nacional, não devem levar

    «a tornar na prática impossível o exercício dos direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de proteger».

    Por outro lado, ao remeter para os artigos 100.° a 102.° e 235.° do Tratado para tomar, sendo caso disso, as medidas necessárias para remediar as disparidades das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados-membros na matéria, o Tribunal parece haver implicitamente reconhecido que o princípio da responsabilidade do Estado releva do direito comunitário. Ao fazer isto, admitiu, em todo o caso, que o direito comunitário pode servir de base se não para a criação de novas vias do direito diferentes das previstas pelo direito nacional, pelo menos para a organização ou interpretação das vias de direito nacionais existentes de modo que possam ser utilizadas com vista à protecção dos direitos que o direito comunitario confere aos particulares.

    47.

    Não creio que esta conclusão deva ser alterada à face do acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1981 noutro processo Rewe (158/80, Recueil, p. 1805). É verdade que o Tribunal declarou nesse processo que o Tratado

    «não entendeu criar perante os órgãos jurisdicionais nacionais, com vista à manutenção do direito comunitário, vias de direito diferente das estabelecidas pelo direito nacional» (n.° 44).

    Todavia acrescentou que,

    «pelo contrário, o sistema da protecção jurídica instituído pelo Tratado... implica que qualquer tipo de acção previsto pelo direito nacional deve poder ser utilizado para assegurar o respeito das normas comunitárias de efeito directo nas mesmas condições de admissibilidade e de processo como se se tratasse de assegurar o respeito do direito nacional».

    Considero, por isso, que um Estado-membro não pode contestar a propositura de uma acção fundada em responsabilidade contra o Estado baseada na violação de um direito conferido directamente pelo direito comunitário aos particulares, com o argumento de que na sua ordem jurídica nacional vigora o princípio da irresponsabilidade da autoridade pública e nomeadamente do poder legislativo: uma vez que o tipo de acção que constitui a acção por responsabilidade existe, um Estado-membro não pode invocar excepções baseadas na qualidade daquele cuja responsabilidade está pretensamente em causa para privar dela os particulares e dessa forma por em causa a eficácia do direito comunitário com efeito directo.

    Neste caso, encontramo-nos aliás num contexto totalmente diferente daquele em que foi desenvolvida, em certos Estados-membros, a teoria da irresponsabilidade do Estado legislador. E com razão que a Comissão observou no decurso da audiência que em direito nacional não existe qualquer situação em que não apenas o legislador tenha a obrigação de adoptar uma lei, em que não apenas seja possível estabelecer com suficiente precisão o que deve fazer, mas também, além disso, deva agir dentro dum determinado prazo. Na minha opinião, não é exagero dizer que, no que respeita à transposição das directivas, o legislador encontra-se numa situação próxima da da administração encarregada da execução duma lei.

    48.

    Não se pode argumentar também com a referência feita pelo Tribunal de Justiça às condições de admissibilidade e de processo a preencher quando se trata de assegurar o respeito do direito nacional. Por um lado, problemas de admissibilidade e de processo não se colocam relativamente a uma via de direito existente. Por outro lado, essa referência foi feita no contexto particular do processo Rewe (158/80) e, nomeadamente, depois de ter expressamente observado que, no caso em questão, o direito nacional, nesse caso o alemão, reconhecia a qualquer interessado um direito de acção (n.° 40 do acórdão). O Tribunal podia assim limitar-se a decidir que, numa hipótese semelhante, este direito de acção deve poder ser exercido em condições análogas no âmbito da ordem jurídica comunitária.

    Da mesma forma, no caso dos autos, não parece existir qualquer dúvida no que respeita à existência de uma via de direito adequada.

    49.

    Decorre do exposto que não se pode deduzir do acórdão atrás citado que o di-reito comunitário não pode em caso algum impor ao Estado-membro a obrigação de pôr à disposição dos cidadãos vias de direito que lhes permitam fazer valer eficazmente os seus direitos derivados do direito comunitário quando vias similares ou não existem, ou não são acessíveis nas mesmas condições ao nível nacional. O artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado pressupõe, aliás, a existência dessas vias de direito.

    50.

    Objecções convincentes também não poderiam recolher-se dos dois outros acórdãos citados em particular pelo Governo alemão. No acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Granaria (101/78, Recueil, p. 623), o Tribunal declarou, na verdade, que

    «a questão da reparação por um organismo nacional dos prejuízos causados aos particulares pelos organismos e agentes dos Esta-dos-membros, em virtude da violação do direito comunitário ou por um acto ou uma omissão contrária ao direito nacional, no momento da aplicação do direito comunitário, não é abrangida pelo artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, e deve ser apreciada pelos órgãos jurisdicionais nacionais em função do direito nacional do Estado em questão».

    O caso Granaria apresentava, todavia, várias particularidades que era necessário ter em conta no momento de avaliar o respectivo alcance exacto. Antes de mais, referia-se, na realidade, à responsabilidade pelo prejuízo causado por actos normativos comunitários declarados inválidos. A questão da reparação por um organismo nacional só se colocava porque este tinha praticado actos em aplicação dum regulamento comunitário que se verificaria ser ilegal. Seguidamente, o Tribunal declarou sem equívoco que, enquanto este regulamento não tivesse sido declarado ilegal, o organismo nacional não podia fazer outra coisa senão aplicá-lo. Esta mesma consideração tinha, aliás, levado o advogado-geral Capotorti a declarar que

    «na realidade não há qualquer violação do direito comunitário por um Estado-membro neste caso»

    e a concluir que,

    «por isso, não há que supor que se verifica a responsabilidade do Estado-membro» (Recueil 1979, p. 644, coluna da esquerda).

    Finalmente, o Tribunal recordou que a invalidade do regulamento em questão não era suficiente para implicar a responsabilidade da Comunidade nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado. Neste contexto, é absolutamente normal que, na hipótese de a questão da responsabilidade eventual do organismo nacional dever colocar-se perante um órgão jurisdicional nacional, este deveria apreciá-la em função do direito nacional, e isso tanto mais que a aplicação do artigo 215.°, segundo parágrafo, é da competência exclusiva do Tribunal de Justiça. Aliás, está estabelecido desde o acórdão de 27 de Setembro de 1988, Asteris e o., n. os 18, 19 e 20 (106/87 a 120/87, Colect., p. 5515), que, uma vez que a ilegalidade do acto comunitário não foi julgada suficiente para implicar a responsabilidade da Comunidade, a responsabilidade duma autoridade nacional, que se limitou a executar esse acto e à qual não é imputável a ilegalidade de que o mesmo está viciado, não pode também ser posta em causa por esse mesmo motivo, mas pode, quando muito, sê-lo por um fundamento diferente da ilegalidade do acto comunitário. Esse acórdão parece-me igualmente interessante na medida em que constitui um exemplo de quanto o direito comunitário pode influenciar as vias de direito internas: um acórdão do Tribunal de Justiça negando a responsabilidade da Comunidade nos termos do artigo 215.° do Tratado obsta a uma acção de reparação contra o Estado com fundamento na mesma causa que serviu de base ao recurso a que o Tribunal negou provimento (ver também o n.° 29 do acórdão).

    51.

    Quanto ao acórdão de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595), é verdade que o Tribunal nele recordou a sua jurisprudência tradicional nos termos da qual as condições de fundo e de forma que regem o reembolso dos impostos nacionais cobrados em violação das prescrições do direito comunitário relevam do direito nacional, apenas com a reserva de que as mesmas não podem ser menos favoráveis do que as que dizem respeito às reclamações semelhantes de natureza interna e organizadas de forma a tornar praticamente impossível o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. O que, todavia, me parece mais importante no contexto que nos ocupa, é que o Tribunal tenha inicialmente observado que

    «o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados por um Estado-membro em violação das regras do direito comunitário é a consequência e o complemento dos direitos aplicáveis aos cidadãos pelas disposições comunitárias que proíbem encargos de efeito equivalente aos direitos aduaneiros ou, consoante o caso, a aplicação discriminatória de imposições internas» (n.° 12).

    Parece-me claro que decorre desta declaração que um Estado-membro tem a obrigação de prever os meios jurídicos necessários para permitir aos cidadãos reclamar o reembolso das imposições pagas em violação do direito comunitário e, por isso, gozar plenamente dos direitos que confere o direito comunitário. Isso é também confirmado pelo facto de o Tribunal ter finalmente declarado nesse acórdão que um Estado-membro não pode condicionar o reembolso de tais imposições a regras que o tornem praticamente impossível,

    «isso mesmo nos casos em que o reembolso doutros impostos, direitos ou imposições recebidas em violação do direito nacional esteja sujeita às mesmas condições restritivas».

    Segundo o Tribunal de Justiça, mesmo o facto de essas condições restritivas se aplicarem a todos os impostos, direitos e imposições nacionais, não é uma razão para recusar o reembolso de imposições recebidas em violação do direito comunitário (ver o n.° 17 do acórdão).

    52.

    Nenhum dos acórdãos invocados pelos governos que apresentaram observações ao Tribunal fundamenta a sua tese segundo a qual compete apenas ao direito nacional de cada Estado-membro determinar não apenas em que condições, mas também se um Estado-membro pode ser considerado responsável e obrigado a reparar os prejuízos causados a particulares em virtude da violação por si dos direitos que o direito comunitário lhes confere.

    — Ensinamentos recolhidos dos acórdãos Factortame I e Zuckerfabrick

    53.

    Depois do acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1990, Factortame I (C-213/89, Colect., 2433), não parecem, aliás, subsistir dúvidas de que, nalguns casos, o direito comunitário pode ele próprio investir directamente as autoridades judiciais nacionais das competências necessárias para assegurar a protecção jurídica efectiva desses direitos, mesmo que não existam competências análogas no direito nacional ( 14 ). Decorre, com efeito, desse acórdão que o direito comunitário impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais a obrigação de suspenderem a aplicação duma norma nacional pretensamente contrária ao direito comunitário mesmo que, à face do direito nacional, não tenham o poder de ordenar medidas provisórias que conduzam à suspensão das normas internas.

    54.

    Acrescento que resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest (C-143/88 e C-92/89, Colect., p. I-415), que o direito comunitario pode mesmo estabelecer as condições para o exercício das competências que assim atribui aos órgãos jurisdicionais nacionais. Nesse acórdão, com efeito, o Tribunal declarou primeiramente que

    «a tutela provisória assegurada perante os órgãos jurisdicionais nacionais pelo direito comunitário não pode variar consoante se discuta a compatibilidade de disposições do direito nacional com o direito comunitário (o que era o caso tratado no processo Factortame I) ou a validade de actos comunitários de direito derivado (o que era o caso nos processos Zuckerfabrik), desde que, em ambos os casos, a impugnação se baseie no próprio direito comunitário» (n.° 20).

    O Tribunal interrogou-se em seguida quanto às condições em que os órgãos jurisdicionais nacionais podem assegurar essa tutela provisória, ou seja, no caso dos autos, ordenar a suspensão da aplicação dum acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário em virtude das dúvidas que existiam quanto à validade deste regulamento, e teve de declarar que os direitos nacionais apresentam divergências quanto às condições de concessão da suspensão da execução dos actos administrativos,

    «divergências essas que podem comprometer a aplicação uniforme do direito comunitário» (n.° 25).

    Ora, segundo o Tribunal de Justiça,

    «essa aplicação uniforme é uma exigência fundamental da ordem jurídica comunitária»

    e

    «implica, portanto, que a suspensão da execução de actos administrativos baseados num regulamento comunitário, embora sujeita às regras processuais nacionais, no que respeita, designadamente, à apresentação e à instrução do pedido, dependa em todos os Estados-membros, pelo menos, de requisitos de concessão uniformes» (n.° 26).

    Finalmente, o Tribunal determinou essas condições de concessão uniformes inspirando-se nas aplicáveis quando lhe é apresentado um pedido de suspensão da execução com base no artigo 185.° do Tratado CEE.

    55.

    E certo que nos processos Zuckerfabrik tratava-se de suspender a aplicação dum acto administrativo nacional praticado em aplicação dum regulamento comunitário em virtude da existência de dúvidas quanto à validade desse regulamento. Mas o Tribunal de Justiça, no n.° 20, já citado, do seu acórdão, estabeleceu expressamente um paralelo entre essa situação e a do processo Factortame I, onde se tratava de suspender a aplicação duma lei nacional em virtude da existência de dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito comunitário. Ora, como já vimos, a competência ou a obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais suspenderem a lei nacional em semelhante hipótese existe em virtude das exigências do direito comunitário, mesmo que essa competência ou obrigação semelhante não exista em direito nacional em situações semelhantes que não ponham em causa o direito comunitário. Não se exclui por isso que as condições de concessão da suspensão de execução do acto administrativo nacional estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Zuckerfabrik sejam também aplicáveis à suspensão da aplicação duma lei nacional que viole o direito comunitário ( 15 ). Aplicando-se o princípio da primazia do direito comunitário qualquer que seja o nível que a regulamentação nacional ocupa na hierarquia das normas, considero, em todo o caso, que, em princípio, não se deviam tratar as medidas legislativas nacionais de forma diferente das medidas nacionais de categoria inferior. Parece-me de tal forma dever ser assim que o Tribunal, tal como vimos, se baseou, para determinar as condições de concessão da suspensão de execução, na sua própria jurisprudência relativa ao artigo 185.° do Tratado CEE, que encara a suspensão da execução de qualquer acto impugnado num recurso que lhe seja submetido, incluindo um regulamento na acepção do artigo 189.°

    56.

    Também é verdade que a jurisprudência que acabei de examinar longamente é, repito, relativa a normas de direito comunitário directamente aplicáveis e não pode por isso ser transposta como tal para situações em que os cidadãos não podem invocar, perante os órgãos jurisdicionais nacionais, direitos que lhes advêm directamente dum acto de direito comunitário. A sua análise foi, contudo, necessária porque os governos que apresentaram observações ao Tribunal se basearam nessa jurisprudência para sustentar — sem razão na minha opinião — que o direito comunitário não pode servir de fundamento a uma eventual acção intentada por um particular perante um órgão jurisdicional nacional com vista a obter reparação dos prejuízos que lhe causou a violação, por um Estado-membro, das suas obrigações comunitárias e, em particular, a falta de transposição duma directiva. Estando no entanto o efeito directo na base dessa jurisprudência, permanece a questão de saber se, no direito comunitário, existem outras razões fundamentais que possam exigir que os órgãos jurisdicionais nacionais sejam investidos da competência para dedicir, no que respeita a disposições que não têm esse efeito, sobre um pedido de reparação.

    — A responsabilidade do Estado no caso das disposições sem efeito directo

    57.

    A esse propósito, pode antes de mais recordar-se, como fizeram os demandantes no processo principal e a Comissão, a jurisprudência do Tribunal segundo a qual o prosseguimento da acção por incumprimento, mesmo no caso de o incumprimento ter sido eliminado posteriormente ao prazo fixado no parecer fundamentado emitido nos termos do segundo parágrafo do artigo 169.° do Tratado, conserva um interesse que

    «pode, nomeadamente, ser o de determinar as responsabilidades em que um Estado-membro pode, por motivo do seu incumprimento, incorrer para com outros Esta-dos-membros, a Comunidade ou particulares» ( 16 ).

    Embora esta declaração do Tribunal seja muito geral, indica claramente que um acórdão por incumprimento pode servir de fundamento a uma acção de responsabilidade intentada por um particular contra o Ēs-tado-membro faltoso. Em todo o caso, o facto de o Tribunal de Justiça apenas falar da possibilidade de o Estado incorrer em responsabilidade não me parece determinante quanto ao princípio da responsabilidade do Estado; o Tribunal de Justiça pode ter querido indicar dessa forma que a ilegalidade do comportamento do Estado não chega, mas que outras condições devem ser preenchidas antes de essa responsabilidade poder ser efectivamente invocada. Ora, como vimos no início, no que respeita à falta de transposição da Directiva 80/987, a Itália foi condenada nos termos do artigo 169.° do Tratado por um acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1989 (22/87, Colect., p. 143).

    58.

    Além disso, o Tribunal já decidiu, como recordou no seu despacho de 28 de Março de 1980, Comissão/França, n.° 16 (24/80 e 95/80 R, Recueil, p. 1319), que

    «a declaração, num acórdão com força de caso julgado, em relação ao Estado-membro em questão, de um incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário implica para as autoridades nacionais competentes a proibição de pleno direito de aplicar uma disposição nacional reconhecida como incompatível com o Tratado e, sendo caso disso, a obrigação de tomar todas as disposições para facilitar a realização de todos os efeitos do direito comunitário» ( 17 ).

    Do que fica exposto, há que reter os dois pontos seguintes: por um lado, a força de caso julgado dum acórdão por incumprimento abrange todos os órgãos do Estado em questão e impõe-se, por isso, não apenas ao poder executivo, mas também ao legislador e aos órgãos jurisdicionais; por outro lado, todas estas autoridades devem, na hipótese de o facto de deixar sem aplicação a disposição nacional contrária ao direito comunitário não ser adequado ou suficiente para assegurar o pleno efeito do direito comunitário, tomar quaisquer outras disposições adequadas para esse efeito.

    59.

    Não se vê porque não devessem figurar entre essas disposições medidas destinadas a reparar o prejuízo causado em virtude da infracção, pelo Estado, das obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário. A esse respeito, é interessante, antes de mais, notar que, quando o Tribunal, pela primeira vez, declarou que um acórdão proferido nos termos do artigo 169.° ou do artigo 171.° do Tratado pode conter um interesse material com vista a estabelecer a base da responsabilidade do Estado, fê-lo para afastar uma excepção suscitada pelo Estado demandado, segundo o qual a prossecução da acção por incumprimento já não tinha objecto dado que

    «já não era possível materialmente satisfazer o efeito retroactivo das obrigações que deveriam ser executadas no período visado pelas disposições comunitárias em questão» (ver o acórdão de 7 de Fevereiro de 1973, Comissão/Itália, n.° 8, 39/72, Recueil, p. 101).

    A responsabilidade do Estado podia, pois, eventualmente remediar a impossibilidade de atribuir efeito retroactivo às medidas através das quais o Estado-membro faltoso entendia cumprir as suas obrigações.

    60.

    Em segundo lugar, ao omitir a execução das suas obrigações e, designadamente, de transpor uma directiva, um Estado-membro priva o direito comunitário do efeito pretendido. Parece-me que isso deve ser igualmente válido para o direito comunitário que não é directamente aplicável e nomeadamente para as disposições duma directiva que não têm efeito directo. A inexistência de efeito directo não significa com efeito que o efeito procurado pela directiva não seja conferir direitos aos particulares, mas apenas que estes direitos não são suficientemente precisos e incondicionais para poderem ser invocados e aplicados como tais sem intervenção do Estado-membro destinatário. Neste contexto, é preciso também não esquecer que uma directiva é obrigatória quanto ao resultado a atingir, que pode ser precisamente o de conferir direitos aos particulares.

    61.

    Além disso, a aplicação do direito comunitário difere conforme os Estados-membros respeitem ou não respeitem os seus compromissos e transponham ou não transponham as directivas de que são destinatários. Na ausência de efeito directo, a exigência fundamental da aplicação uniforme do direito comunitário encontrar-se-ia pelo menos em parte respeitado se aos particulares, privados dos seus direitos por falta de transposição duma directiva, se atribuísse uma compensação aproximadamente equivalente.

    62.

    Finalmente, o Tribunal de Justiça teve já ocasião de esclarecer que o objectivo dos artigos 169.° a 171.° do Tratado é conseguir a eliminação efectiva dos incumprimentos e_ das suas consequências passadas e futuras. E certo que o Tribunal acrescentou, no seu acórdão de 12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha, n.° 13 (70/72, Recueil, p. 813), que

    «compete às autoridades comunitárias que têm a missão de assegurar o respeito do Tratado determinar em que medida a obrigação que incumbe ao Estado-membro em questão pode eventualmente ser concretizada nos pareceres fundamentados... emitidos nos termos... (do artigo) 169.° ... bem como nos pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça».

    Este esclarecimento não altera, porém, nada ao princípio: explica-se pelo facto de o Tribunal o ter feito para rejeitar uma excepção de inadmissibilidade baseada no facto de,

    «no âmbito duma acção intentada contra o Estado-membro, o Tribunal de Justiça dever limitar-se a verificar o incumprimento sem poder condenar o Estado-membro a tomar disposições determinadas»

    e

    «que compete... apenas ao Estado-membro em questão decidir as medidas que a execução do acórdão do Tribunal de Justiça implica com vista a eliminar as consequências do seu incumprimento» (n.° 10).

    O facto de um acórdão do Tribunal proferido numa acção por incumprimento ter um efeito meramente declarativo não libera o Estado-membro da obrigação que lhe incumbe nos termos do artigo 171.° do Tratado,

    «de tomar as medidas que a execução do acórdão implica»,

    e, por isso, reparar eventualmente as consequências lesivas do seu incumprimento.

    63.

    Em todo o caso, é o que se depreende do acórdão de 16 de Dezembro de 1960, Humblet (6/60, Recueil, p. 1125, 1145 e 1146), no qual o Tribunal de Justiça sublinhou a natureza declaratória dos seus acordaos proferidos em acções por incumprimento, acrescentando que

    «se o Tribunal declara num acórdão que um acto legislativo ou administrativo emanado das autoridades do Estado-membro é contrário ao direito comunitário, esse Estado é obrigado, nos termos do artigo 86.° do Tratado CECA (que é o equivalente do artigo 171.° do Tratado CEE), quer a adiar o acto de que se trata quer a reparar os efeitos ilícitos que o mesmo tenha podido produzir».

    64.

    Não me parece poder extrair-se qualquer argumento em sentido contrário do acórdão posterior do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1982, Waterkeyn (314/81 a 316/81 e 83/82, Recueil p. 4337). Nesse acórdão, o Tribunal sublinhou

    «que os acórdãos proferidos nos termos dos artigos 169.° a 171.° têm por objecto, em primeiro lugar, definir os deveres dos Esta-dos-membros em caso de incumprimento das suas obrigações»

    e que

    «das próprias disposições do direito comunitário que têm um efeito directo na ordem jurídica interna dos Estados-membros decorrem direitos para os particulares» (n.° 15).

    E certo que, à primeira vista, podia decorrer do exposto que um acórdão proferido numa acção por incumprimento não pode servir de base a reivindicações por parte dos particulares. Se se observar mais atentamente, todavia, torna-se claro que o Tribunal de Justiça, interrogado quanto aos efeitos dum acórdão numa acção de incumprimento anteriormente proferido, apenas entendeu esclarecer que, em face de disposições do di-, reito comunitário directamente aplicáveis, os particulares não têm necessidade de esperar um acórdão declarando o incumprimento para fazer valer os seus direitos, mas podem apoiar-se directamente, para esse efeito, nas referidas disposições. Isso parece-me confirmado pelo facto de em resposta à questão colocada o Tribunal ter inicialmente declarado que

    «os órgãos jurisdicionais desse Estado (cujo incumprimento foi declarado) são obrigados, nos termos do artigo 171.°, a tirar as consequências do acórdão do Tribunal»,

    esclarecendo que

    «todavia... os direitos dos particulares decorrem não desse acórdão, mas das próprias disposições do direito comunitário que têm efeito directo na ordem jurídica interna».

    Além disso, os direitos que um particular poderia ser levado a reivindicar através duma acção de responsabilidade não são os próprios direitos previstos nas disposição do direito comunitário violado, mas quando muito os direitos que servem de compensação daqueles de que foi privado de forma ilegal.

    65.

    Os dois últimos acórdãos citados são também importantes por outras razões. No acórdão Waterkeyn, o Tribunal não deixou de esclarecer que, nos termos do artigo 171.° do Tratado,

    «todos os órgãos do Estado-membro em questão têm obrigação de assegurar, no domínio das respectivas competências, a execução do acórdão do Tribunal» (n.° 14).

    Isso é a pura consequência de que,

    «por força do artigo 169.° do Tratado, os Estados-membros estão vinculados qualquer que seja o órgão do Estado cuja acção está na origem do incumprimento, e que um Estado-membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem interna para justificar o não respeito das obrigações e prazos que resultam das directivas comunitárias» ( 18 ),

    e do direito comunitário em geral. Por outro lado, no seu acórdão Humblet, o Tribunal declarou expressamente que a obrigação de revogar o acto nacional contrário ao direito comunitário e reparar os efeitos que o mesmo tenha produzido resulta do Tratado que tem força de lei nos Estados-membros na sequência da sua rectificação e que prevalece sobre o direito interno (Recueil 1960, p. 1146). Um Estado-membro não pode, por isso, defender-se com o princípio da irresponsabilidade do legislador, mesmo que este tenha valor duma norma constitucional ( 19 ), para se subtrair à sua obrigação, que decorre do Tratado, de tomar todas as disposições necessárias para facilitar a realização do pleno efeito do direito comunitário, se necessário através da reparação dos prejuízos sofridos pelos particulares na sequência da violação, por si, das obrigações comunitárias ( 20 ). Pelo contrário, como o Tribunal exigiu num contexto diferente, o das normas orçamentais nacionais,

    «compete-lhe... em conformidade com as obrigações gerais impostas aos Estados-membros pelo artigo 5.° do Tratado, tirar, na sua ordem interna, todas as consequências da sua qualidade de membro da Comunidade e adaptar, se necessário for, os seus métodos de previsão orçamental de forma que os mesmos não constituam um obstáculo à execução... das obrigações que lhe incumbem no âmbito do Tratado» ( 21 ).

    Considero que isso se impõe tanto mais quanto a transposição das directivas nem sempre compete, nem em todos os Estados-membros, ao poder legislativo e que invocar o princípio da irresponsabilidade do legislador seria gerador, por isso, de disparidades não apenas de um Estado-membro para outro, conforme nos mesmos vigore este princípio ou a transposição das directivas compita ao legislador, mas ainda no interior dos Estados-membros, consoante o legislador seja competente para transpor certas directivas mas não a totalidade. Acrescento que no seu despacho, atrás citado, de 28 de Março de 1980, n.° 16 (Recueil, p. 1333), o Tribunal tinha já firmemente declarado que,

    «apenas por força do acórdão que declara o incumprimento, o Estado-membro em questão é obrigado a tomar, sem poder invocar qualquer obstáculo de qualquer natureza, todas as medidas adequadas para eliminar o incumprimento».

    66.

    Creio que se pode concluir de tudo o que fica exposto que, no caso de o Tribunal ter declarado que um Estadomembro não cumpriu as suas obrigações ao omitir a transposição para o direito interno de disposições, mesmo desprovidas de efeito directo, duma directiva, esse Estado-membro está vinculado a pôr à disposição dos cidadãos, aos quais essa directiva se destinava a conferir direitos, os meios jurisdicionais adequados para fazer valer esses direitos, se necessário pela via de uma acção de responsabilidade intentada contra o Estado.

    67.

    Todavia, poderíamos ainda interrogar-nos se, no interior da categoria das directivas que não têm efeito directo, não seria necessário fazer uma distinção entre as que têm por objecto impor obrigações ao Estado, e as que têm por objecto impor obrigações às empresas privadas, afastando qualquer responsabilidade do Estado nesta última hipótese. No fim de contas, neste caso, o Estado apenas é responsável pela falta de transposição da directiva e não pelos factos que são a causa directa do prejuízo sofrido pelo cidadão, como a falta de pagamento do salário, a retribuição insuficiente duma pessoa do sexo feminino, o carácter defeituoso dum produto.

    Pelo contrário, quando a directiva impõe obrigações ao próprio Estado (ou a um organismo que deve necessariamente ser-lhe equiparado), comete uma dupla falta: a de não ter transposto a directiva e a de não ter respeitado as obrigações que a mesma lhe impõe.

    68.

    Todavia não me parece possível fazer essa distinção porque todo o raciocínio anteriormente desenvolvido assenta no princípio de que qualquer falta de transposição duma directiva constitui ipso facto uma violação dos artigos 5.° e 189.° do Tratado, ou seja, uma ilegalidade, equivalente a uma falta, que deve ser reparada pelo Estado quando causou um prejuízo a um particular.

    69.

    Tendo, por isso, o próprio princípio da acção de responsabilidade instaurada contra o Estado por falta de execução das suas obrigações comunitárias a sua origem ou. o seu fundamento no direito comunitário, falta ainda analisar o problema de saber a que condições materiais e formais essa acção deve obedecer.

    — Condições materiais e formais da acção de responsabilidade

    70.

    A esse propósito, proponho que o Tribunal adopte uma solução semelhante à que adoptou no acórdão Zuckerfabrik, já citado, de 21 de Fevereiro de 1991. Recordemos que nesse acórdão o Tribunal, face à exigência fundamental que constitui a aplicação uniforme do direito comunitário, determinou, pela sua própria autoridade, certas condições que os órgãos jurisdicionais nacionais devem respeitar quando pretendem conceder a suspensão da execução de um acto nacional praticado em execução dum regulamento comunitário e que para esse fim se inspirou nas condições prevalecentes quando ele próprio é chamado a decidir sobre a suspensão da execução dum acto comunitário nos termos do artigo 185.° do Tratado CEE. O Tribunal fê-lo baseando-se na necessária «coerência do sistema de protecção provisória» dos direitos atribuídos aos cidadãos pelo direito comunitário, em virtude da qual os órgãos jurisdicionais nacionais devem poder ordenar a suspensão da execução dum acto administrativo nacional baseado num acto comunitário cuja legalidade é contestada nas mesmas condições que aquelas em que o Tribunal pode ordenar a suspensão do acto comunitário (ver os n. os 18 e 27 do acórdão Zuckerfabrik). O Tribunal limitou-se, todavia, a determinar as condições uniformes da concessão da suspensão da execução, ao mesmo tempo que remetia para os direitos nacionais quanto ao restante, ou seja, quanto às regras de processo (ver o n.° 26 do acórdão).

    71.

    No caso dos autos, seria apropriado que a concessão de indemnização por perdas e danos por um órgão jurisdicional nacional por violação do direito comunitário por um Estado-membro estivesse submetida às mesmas condições que a concessão de indemnização pelo Tribunal de Justiça por uma violação do mesmo direito comunitário por uma instituição da Comunidade. Isso permitiria evitar que, com base no direito comunitário, a responsabilidade dos Estados-membros por violação do direito comunitário por um dos seus órgãos fosse invocada em casos em que a responsabilidade não contratuai da Comunidade por violação do direito comunitário por uma das suas instituições o não seria. Isto parece-me ser tanto mais válido quanto se considera que as regras estabelecidas a este propósito pelo Tribunal, com base no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, decorrem dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-membros. Parece-me, aliás, legítimo considerar que já constitui uma expressão dessa solução a declaração que o Tribunal fez no n.° 18 do seu acórdão de 27 de Setembro de 1988, Asteris e o., já citado, segundo a qual um acórdão do Tribunal, através do qual este se recusou a reconhecer que a responsabilidade da Comunidade por ilegalidade dum acto das suas instituições estivesse em causa nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado,

    «obsta a que a responsabilidade de uma autoridade nacional, que se tenha limitado a executar a regulamentação comunitária e à qual a ilegalidade de que esta última padece não seja imputável, possa ser originada pela mesma causa».

    72.

    Esclareço que, embora, segundo a solução perconizada, o órgão jurisdicional nacional não pudesse ser obrigado a declarar a responsabilidade do Estado por violação do direito comunitário nos casos em que a responsabilidade contratual da Comunidade por violação do direito comunitário por uma das suas instituições não o seria, poderia todavia admitir a responsabilidade do Estado em condições mais liberais se, apesar de tudo, o seu direito nacional o permitisse. Noutros termos, o órgão jurisdicional nacional deve reconhecer a responsabilidade do Estado pelo menos nas condições que implicariam a responsabilidade da Comunidade.

    73.

    A esse respeito, o Tribunal esclareceu no acórdão de 28 de Abril de 1971, Lütticke, n.° 10 (4/69, Recueil, p. 325), repetidamente confirmado posteriormente (ver, designadamente, o acórdão de 14 de Janeiro de 1987, Zuckerfabrik Bedburg, n.° 17, 281/84, Colect., p. 49), que,

    «em virtude do artigo 215.°, segundo parágrafo, e dos princípios gerais para que aquela disposição remete, a responsabilidade da Comunidade pressupõe que esteja reunido um conjunto de condições no respeitante à ilegalidade do comportamento censurado às instituições, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo invocado».

    Não sendo as duas primeiras condições aplicáveis exclusivamente à responsabilidade da Comunidade ( 22 ) e não estando directamente em questão no caso dos autos, em que se trata de determinar em que condições a acção ou antes a omissão dos Estados-membros pode acarretar a sua responsabilidade, apenas a condição relativa à ilegalidade do comportamento na origem do prejuízo me parece dever necessitar de esclarecimentos no presente contexto. Além disso, deve fazer-se particularmente referência à hipótese de o acto que esteja na origem do alegado prejuízo ser um acto normativo, porque a transposição de directivas para o direito interno deve normalmente fazer-se através de tais actos, quer sejam praticados pelo poder administrativo quer pelo poder legislativo. As disposições pertinentes, no caso dos autos, da Directiva 80/987 do Conselho, em todo o caso, exigiriam uma transposição para o direito italiano através de actos normativos.

    74.

    Um comportamento ilegal do Estado é suficiente para implicar a responsabilidade deste? No que se refere ao recurso às noções de «ilegalidade» e de «falta», a jurisprudência do Tribunal de Justiça conheceu uma certa evolução a propósito da qual me permito remeter para o estudo do juiz Schockweiler. ( 23 ). O último exemplo dessa jurisprudência encontra-se manifestamente no acórdão de 18 de Abril de 1991, Les assurances du crédit e Compagnie belge d'assurance crédit SA/Conselho e Comissão (C-63/89, Cole., p. I-1799), nos n.os 12 e 13 do quai se pode 1er o seguinte:

    «Por conseguinte, como decide o Tribunal de Justiça no domínio da responsabilidade das Comunidades devido a actos normativos que traduzem opções de política económica para cuja elaboração as instituições comunitarias dispõem igualmente de ampio poder de apreciação, a ilegalidade de urna directiva de coordenação não será, por si só, suficiente para envolver a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Essa responsabilidade só poderá ser envolvida se se estiver perante uma violação suficientemente caracterizada de uma norma superior de direito que proteja os particulares e se as instituições em causa tiverem ignorado, de forma manifesta e grave, os limites que se impõem ao exercício dos seus poderes.

    Há, por conseguinte, que investigar se as directivas objecto de reparos estão afectadas de ilegalidade e, em caso afirmativo, se o acto ilícito daí resultante reúne as condições acima definidas e é assim susceptível de envolver a responsabilidade da Comunidade.»

    75.

    Creio poder deduzir desta última passagem que, do ponto de vista do Tribunal, as noções de ilegalidade e de falta são sinónimas quando se trata de actos normativos. Daí decorre que, mesmo que o direito de um Estado-membro exija, além da ilegalidade, a prova duma falta, o órgão jurisdicional nacional poderá dispensar-se (no que diz respeito aos actos normativos) de averiguar se essa falta existe e contentar-se em analisar se as outras condições estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal se encontram preenchidas.

    76.

    No caso de falta de transposição ou de transposição incorrecta de uma directiva declarada por um acórdão do Tribunal de Justiça em acção de incumprimento, a verificação do respeito dessas condições não deve colocar problemas inultrapassáveis aos órgãos jurisdicionais nacionais. Tal acórdão deveria ser suficiente para lhes permitir declarar a violação suficientemente caracterizada duma norma superior de direito, já que qualquer transposição incorrecta duma directiva constitui uma violação das normas fundamentais do Tratado que são os seus artigos 5.° e 189.°, terceiro parágrafo, do Tratado, que obrigam os Estados-membros a tomar todas as medidas necessárias para a transposição correcta das directivas para o direito nacional. (Se se tratar de uma directiva que impõe prestações aos Estados-membros, a sua falta de transposição constitui, além disso, uma violação dessas obrigações.)

    Pode, aliás, até questionar-se se essa condição deve aplicar-se. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal apenas menciona o critério da violação suficientemente caracterizada duma regra superior de direito em relação às opções de política económica a fazer pelas instituições da Comunidade. Da mesma forma, só quando a instituição disponha dum amplo poder discricionário ( 24 ) é que a Jurisprudência do Tribunal coloca como condição que a instituição tenha ignorado, de forma manifesta e grave, os limites deste poder. Ora, em matéria de transposição das directivas, que vinculam os Estados-membros quanto ao resultado a atingir, deixando-lhe apenas a escolha da forma e dos meios, não se trata de «escolha de política econômica» nem de «amplo poder discricionário».

    Em todo o caso, o Tribunal pode considerar que a falta de transposição ou a transposição incorretta duma direttiva constitui uma ilegalidade que pode desencadear a responsabilidade do Estado se todas as outras condições estiverem preenchidas.

    77.

    Voltemos agora à condição segundo a qual a regra de direito comunitário violada deve ser uma regra «que proteja os particulares». Esta deve, pela natureza das coisas, ser apreciada à luz das disposições pertinentes da direttiva que não tenham sido correttamente transpostas. Ora, de um modo geral, é difícil imaginar situações nas quais üm particular possa invocar um prejuízo resultante da violação duma norma de direito se ela não tiver por finalidade proteger os seus interesses ( 25 ). Além disso, no caso dos autos, não pode haver dúvida de que as disposições pertinentes da Direttiva 80/987 têm por finalidade proteger os interesses dos particulares, ou seja, tal como o seu título e o primeiro considerando indicam, os dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.

    78.

    No que respeita às condições deforma ou de processo, são, como vimos, as regras fixadas pelas diversas legislações nacionais que se devem respeitar. E certo que uma tal remissão para o direito nacional, de que já se tratou no acórdão Russo, conduzirá por vezes a condições divergentes, em matéria de prazo de prescrição por exemplo. Mas, na ausência de uma regulamentação comunitária na matéria que estabeleça as condições uniformemente aplicáveis, que poderia eventualmente ser adoptada com base nos artigos 100.° a 102.° e 235.° do Tratado ( 26 ), estes inconvenientes devem ser tolerados da mesma forma que os que resultam da aplicação do direito nacional no que respeita aos processos em matéria de repetição do indevido. Para os limitar ao mínimo aceitável, seria, aliás, necessário submeter a aplicação das regras de forma e de processo do direito nacional às mesmas duas reservas que o Tribunal desenvolveu a propósito das regras materiais e de forma no contexto da restituição de imposições nacionais indevidamente cobradas, ou seja, que as mesmas

    «não podem ser menos favoráveis que as que dizem respeito às reclamações semelhantes de natureza interna e não podem ser organizadas de forma a tornar praticamente impossível o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária» (ver o n.° 12 do acórdão San Giorgio, já citado, Recueil 1983, p. 3595) ( 27 ).

    79.

    No que respeita aos litígios dos processos principais, pode concluir-se do exposto que o Estado italiano é obrigado, por força do direito comunitário, a reparar, no âmbito das regras de processo nacionais, o prejuízo que os particulares sofreram em virtude da falta de transposição da directiva para o direito italiano.

    80.

    Haverá uma contradição entre esta conclusão e o facto de se ter considerado, por outro lado, que as disposições da directiva que definem os direitos dos trabalhadores, deixam uma margem de apreciação aos Es-tados-membros e não são, por isso, incondicionais nem suficientemente precisas?

    Na minha opinião, não é esse o caso, visto que, no âmbito da acção para indemnização, o órgão jurisdicional nacional dispõe duma margem de apreciação que não tem quando a directiva tem efeitos directos. A partir do momento em que seja claro que o recorrente é abrangido pela categoria de pessoas cujos interesses a directiva visa proteger, o órgão jurisdicional nacional poderá fixar a indemnização «ex aequo et bono», inspirando-se tanto quanto possível nas disposições da directiva. Analisará as opções que o artigo 3.° prevê e as faculdades de derrogação mencionadas no artigo 4.°, e es-forçar-se-á por fixar uma indemnização dum montante que lhe pareça justo.

    81.

    No caso concreto, este trabalho estará facilitado pelo facto de, entretanto, o legislador italiano ter indicado qual das opções previstas pela directiva entendia adoptar. No decurso da audiência perante o Tribunal de Justiça, o agente do Governo italiano, com efeito, declarou que a Lei n.° 428, de 29 de Dezembro de 1990, chamada «lei comunitária 1990», dá ao Governo italiano autorização legislatiwa para adoptar, no ano que segue a entrada em vigor dessa lei, um decreto-lei para a transposição completa da Directiva 80/987. O artigo 48.° dessa lei fixa os critérios a que o Governo italiano deve ater-se. Se bem entendemos, prevê que as intervenções da instituição de garantia, que será encarregada de executar as obrigações que decorrem da directiva (e que será financiada exclusivamente pelos empregadores sem qualquer intervenção do Estado), cobrirão os créditos em dívida respeitantes à remuneração referente aos três últimos meses da relação de trabalho que se situem no interior dum período de seis meses precedendo a data da superveniencia da insolvência do empregador.

    — As consequências possíveis de um acórdão no sentido proposto

    82.

    Resta analisar se um acórdão proferido no sentido proposto teria consequências de tal alcance que seja necessário limitá-las no tempo.

    83.

    Observemos, antes de mais, que é lamentável que o legislador comunitário não tenha, ele próprio, instituído um sistema de responsabilidade dos Estados-membros pelo incumprimento do direito comunitário, como o Tribunal lhe havia proposto já em 1975, no âmbito das sugestões que havia submetido a L. Tindemans ( 28 ). Em todo o caso, nunca é tarde para o fazer.

    Mas, enquanto se espera, o problema foi submetido ao Tribunal de Justiça por iniciativa dos órgãos jurisdicionais nacionais, e, pelas razões a seguir indicadas, creio que o Tribunal não pode proceder doutra forma que não seja declarar que se encontra no direito comunitário o fundamento da obrigação do Estado italiano de reparar o prejuízo.

    84.

    Formalmente, o Tribunal apenas é chamado a decidir o caso de uma directiva precisa, a propósito da qual foi proferido por ele contra o Estado-membro um acórdão por incumprimento em que o problema foi suscitado. A primeira vista, podia, pois, ter-se tendência a pensar que, se o Tribunal de Justiça responder no sentido proposto à questão concreta que lhe foi colocada, isso implicará quando muito consequências financeiras para o Estado italiano; estas não se reportando, contudo, a uma data anterior a 23 de Outubro de 1983, data em que a directiva deveria ter sido transposta. Além disso, será fácil para todos os Estados-membros evitarem, no futuro, encontrar-se em semelhante situação; bastar-lhes-á transpor as directivas nos prazos prescritos.

    85.

    Todavia, o raciocínio que acabo de propor para decidir esta questão tem um alcance que ultrapassa as particularidades do caso concreto.

    Com efeito, pode aplicar-se a todas as infracções ao direito comunitário cometidas no passado pelos Estados-membros, quer se trate de incumprimento de disposições do Tratado, de regulamentos ou de directivas e quer tenham efeitos directos ou não.

    Por outro lado, os princípios de solução propostos eram, até agora, contestados. O Tribunal ouviu os representantes de quatro Estados-membros atribuir aos acórdãos do Tribunal, que foram citados, um alcance bem mais restrito do que o que proponho se lhe reconheça.

    86.

    É por isso que creio ser necessário dar provimento ao pedido subsidiário do Governo italiano e limitar no tempo os efeitos do vosso acórdão ( 29 ). Os Estados-membros, com efeito, puderam razoavelmente considerar que a sua responsabilidade por violação duma regra de direito comunitário não poderia ser posta em causa com base nas disposições do direito nacional, e que essa responsabilidade não poderia ser invocada a propósito da falta de transposição duma directiva que não tivesse efeito directo. Nestas condições, considerações imperiosas de segurança jurídica opõem-se a que situações jurídicas que esgotaram os seus efeitos no passado sejam postas de novo em causa, quando, em tal caso, consequências financeiras extremamente importantes poderiam daí decorrer para os Estados-membros. Noutros termos, proponho que o Tribunal declare que os princípios que (eventualmente) afirmará no acórdão não poderão aplicar-se a um prejuízo sofrido numa data anterior a esse acórdão. Todavia, conviria prever uma excepção a favor das pessoas que tivessem, antes da data do acórdão, instaurado uma acção judicial ou apresentado reclamação equivalente.

    87.

    Com base em todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal responda da forma seguinte à segunda parte da primeira questão colocada pelos dois órgãos jurisdicionais italianos:

    «O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que os particulares devem ter a possibilidade de reclamar perante um órgão jurisdicional nacional, contra um Estado-membro, a reparação do prejuízo que lhes tenha causado a não transposição, declarada pelo Tribunal de Justiça num acórdão proferido em acção por incumprimento, das disposições da Directiva 80/987.

    O princípio segundo o qual o presente acórdão é fundamentado e, nos termos do direito comunitário, a responsabilidade dum Estado-membro pode ser invocada em virtude do incumprimento desse direito, não pode ser invocado pelas pessoas que tenham sofrido prejuízo numa data anterior ao presente acórdão, com excepção daquelas que, antes dessa data, intentaram uma acção judicial ou apresentaram reclamação equivalente.»

    Quanto às segunda e terceira questões

    88.

    A segunda e terceira questões estão redigidas de forma seguinte:

    «2)

    As disposições conjugadas dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 80/987 do Conselho devem ser interpretadas no sentido de que, no caso de o Estado-membro não ter feito uso da faculdade de instituir os limites referidos no artigo 4.°, esse Estado está vinculado a pagar os direitos dos trabalhadores assalariados na medida estabelecida pelo artigo 3.°?

    3)

    Em caso de resposta negativa à questão n.° 2, solicita-se ao Tribunal de Justiça que se digne estabelecer qual é a garantia mínima que o Estado deve assegurar, nos termos da Directiva 80/987, ao trabalhador titular do direito, de forma que a parte de salário devida a este último possa ser considerada como execução da própria directiva.»

    89.

    Como já concluí que as disposições da directiva não são de natureza a criar efeitos directos, estas duas questões ficaram, na minha opinião, sem objecto.

    A título subsidiário, permito-me recordar que, na minha opinião, as disposições dos artigos 3.° e 4.° devem ser consideradas como formando um conjunto.

    90.

    Antes de concluir, permita-me o Tribunal fazer ainda uma observação de ordem geral a propósito das directivas não transpostas no prazo fixado. Alguns considerarão talvez que toda a construção jurídica proposta anteriormente é demasiado complicada e que seria preferível admitir que uma directiva não transposta pode sempre ser invocada pelos particulares perante o órgão jurisdicional nacional, mesmo que as suas disposições não sejam suficientemente precisas e incondicionais, e mesmo que a directiva vise impor encargos a empresas privadas ou a outros particulares (efeito horizontal).

    91.

    No que respeita a este último ponto, considero contudo que não seria compatível com os termos do artigo 189.° declarar, em substância, que, a partir da data em que a mesma deveria ter sido transposta, a directiva vincula qualquer pessoa singular ou colectiva à qual obriga os Estados-membros a impor deveres ou encargos.

    Isso parece-me ainda menos possível quando o Estado dispõe de uma margem de apreciação quanto aos encargos a impor a estas pessoas, ou seja, quando as disposições da directiva não são incondicionais e precisas quanto ao alcance dos direitos que visam conferir.

    92.

    O poder que proponho se reconheça ao órgão jurisdicional nacional de avaliar «ex aequo et bono» a indemnização que concede inspirando-se o mais possível nas disposições da directiva, mesmo quando estas deixam uma margem de apreciação, permite atenuar o rigor da condição do efeito directo. Por outro lado, o facto de esta indemnização dever ser paga pelo Estado permite dar uma satisfação, pelo menos aproximada, aos destinatários dos direitos sem infringir o princípio de que uma directiva não transposta não pode vincular as pessoas singulares ou colectivas privadas. Finalmente, a via proposta tem como vantagem incitar fortemente os Estados-membros a transpor as directivas nos prazos estabelecidos.

    Conclusão

    93.

    Com base em todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal responda da forma seguinte às três questões colocadas:

    «1)

    As disposições da Directiva 80/987/CEE não são suficientemente precisas e incondicionais para poder criar direitos que os particulares possam invocar em , juízo.

    2)

    O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que os particulares devem ter a possibilidade de reclamar perante um órgão jurisdicional nacional, contra o Estado-membro, a reparação do prejuízo que lhes tenha causado a falta de transposição, declarada pelo Tribunal de Justiça em acórdão proferido em acção por incumprimento, das disposições da Directiva 80/987/CEE.

    3)

    O princípio que serve de fundamento ao presente acórdão e segundo o qual, nos termos do direito comunitário, a responsabilidade de um Estado-membro pode ser invocada em virtude do incumprimento desse direito, não pode ser invocado por pessoas que tenham sofrido prejuízo numa data anterior ao presente acórdão, com excepção daquelas que, antes dessa data, intentaram uma acção judicial ou apresentaram uma reclamação equivalente.

    4)

    Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, as segunda e terceira questões ficaram sem objecto.»


    ( *1 ) Língua original: francês.

    ( 1 ) Acórdão de 22 de Fevereiro de 1990, Busseni, n.° 22 (C-221/88, Colea., p. I-495).

    ( 2 ) Acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Cole., p. 723).

    ( 3 ) Acórdão de 19 de Janeiro de 1982, Becker (8/81, Recueil, p. 53).

    ( 4 ) Acórdão de 24 de Março de 1987, McDermott e Cotter (286/85, Colect., p. 1453).

    ( 5 ) Acórdão de 12 de Dezembro de 1990, Peter Kaefer e Andrea Procacci, n.° 26 (C-100/89 e 101/89, Colect., p. I-4647).

    ( 6 ) Ver, designadamente, os acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe, n.° 5 (33/76, Recueil, p. 1989) e Comet, n.°' 12 e 13 (45/76, Recueil, p. 2043).

    ( 7 ) Ver acórdão de 19 de Junho de 1990, Factortame I, n. os 20 e 21 (C-213/89, Colect., p. I-2433), bem como o acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal, n.° 22 (106/77, Recueil, p. 629).

    ( 8 ) Ver acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal, n.° 21 (106/77, Recueil, p. 629).

    ( 9 ) Ver, designadamente, o acórdão de 29 de Junho de 1988, Deville, n.o 11 (240/87, Colect., p. 3513).

    ( 10 ) Ver, designadamente, o acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Barra, n.° 17 (309/85, Colect., p. 355).

    ( 11 ) Segundo M. Russo,«o princípio da obrigação de indemnização está provado no caso concreto», enquanto que «as modalidades segundo as quais a reparação deve ser efectuada devem continuar a ser abrangidas pela competência do órgão jurisdicional nacionai» (Recueil 1976, p. 50, último parágrafo da coluna da esquerda).

    ( 12 ) Segundo a Comissâo,«o direito interno deve prever os processos que permitam proteger os direitos que decorrem das normas comunitárias» e «o princípio do efeito útil bem como o da aplicação uniforme do direito comunitário exigem que essa protecção, sem prejudicar a neutralidade do direito comunitário no que respeita ao processo escolhido, seja adequada e eficaz» (Recueil 1976 p. 52, respectivamente, terceiro e último parágrafos da coluna da esquerda).

    ( 13 ) Ver o acórdão de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recuei!, p. 3595), no que respeita aos demandantes no processo principal; ver o acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Granaria (101/78, Recueil, p. 623), no que respeita à Comissão e ao Governo neerlandês;.ver o acór-. dão de 7 de Julho de 1981, Rewe (158/80, Recueil, p. 1805), no que respeita ao Governo do Reino Unido.

    ( 14 ) Ver, neste sentido, Simon, D., e Barav, A.: «Le droit communautaire et la suspension provisoire des mesures nationales — Les enjeux de l'affaire Factortame», Revue au marché commun, n.° 340, Outubro de 1990, p. 591 e 596. Ver também Curtin, D.: «Directives: the effectiveness of judicial protection of individual rights», Common Market Law Review 27, 1990, p. 709, 735.

    ( 15 ) Esta forma de ver seria, em todo o caso, capaz de encontrar problemas deixados em aberto pelo silêncio observado pelo Tribunal de Justiça, no acórdão Factortame I, quanto às condições para o exercido da competência que no mesmo se estabelece. Ver, a este propósito, o artigo atrás citado de Simon, D., e Barav, A., nomeadamente p. 597.

    ( 16 ) Ver, em último lugar, o acórdão de 19 de Março de 1991, Comissão/Bélgica, n.° 41 (C-249/88, Colea., p. I-1275).

    ( 17 ) Ver também o acőrdlo de 13 de Julho de 1972, Comissão//Italia, n.° 7 (48/71, Recueil, p. 529). Note-se que nesse acórdão o Tribunal de Justiça anotou expressamente que a Itália tinha posto termo, com efeitos a partir do início da infracção, ao seu incumprimento (ver o n.° 11 dos fundamentos e o n.o 1 da parte decisoria).

    ( 18 ) Acórdão de 26 de Fevereiro de 1976, Comissão/Itália, n.° 14 (52/75, Recueil, p. 277).

    ( 19 ) Ver, para além do acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa (6/64, Recueil, p. 1141, 1160), nomeadamente o acórdão de 17 de Dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft, n.° 3 (11/70, Recueil, p. 1125): «o direito derivado do Tratado, proveniente de uma fonte autónoma, näo pode, em virtude da sua natureza, ser contrariado em jufzo por regras do direito nacional, quaisquer que elas sejam, sem perder a sua natureza comunitária e sem que seja posta em causa a base jurídica da própria Comunidade; por isso, a invocação de ofensas ou aos direitos fundamentais tal como cstJo formulados pela Constituição dum Estado-mcmbro, ou aos principios de uma estrutura constitucional nacional, nao pode afectar a validade do acto da Comunidade ou o seu efeito num território desse Estado».

    ( 20 ) Segundo R. Kovar, «a responsabilidade do Estado legislador impõe-se em virtude do primado do direito comunitário. Os direitos nacionais devem por isso ser adaptados a fim de assegurar plenamente a protecção dos direitos reconhecidos aos nacionais comunitários» (ver «Voies de droit ouvertes aux individus devant les instances nationales em cas de violation ¿es normes et décisions du droit communautaire», em Le recours des individus devant les instances nationales em cas de violation du droit européen, Bruxelas, Larcier, 1978, p. 245, 274).

    O autor aplica as mesmas considerações å responsabilidade fundada na função jurisdicional e considera que, quando o Tribunal tiver declarado que um acórdão nacional transitado em julgado está em contradição com o direito comunitário, «o prejuízo que daí tiver resultado deve poder ser reparado» (p. 275).

    ( 21 ) Acórdão de 8 de Fevereiro de 1973, Comissão/Itália, n.o 11 (30/72, Recueil, p. 161).

    ( 22 ) Ver, neste sentido, Joliét R., Le droit institutionnel des Communautés européennes — Le contentieux, Liège, 1981, p. 259.

    ( 23 ) «Le régime de la responsabilità extracontractuelle du fait d'actes juridiques dans la Communauté européenne», por F. Schockwcilcr, com a colaboração de G. Wivenes c J. M. Godan, Revue trimestrielle de droit européen, Janciro-Março de 1990, p. 27, 54 e seguintes.

    ( 24 ) Ver, no que respeita ao «contexco normativo caracterizado pelo exercício dum amplo poder discricionário», nomeadamente, o acórdão de 30 de Maio de 1989, Roquette, n.° 23 (20/88, Colect., p. 1553).

    ( 25 ) Segundo o direito comunitário, basta que estejam em causa simples «interesses» e não direitos subjectivos da pessoa lesada. Ver, além dos acórdãos Vloeberghs e Kampffmeyer citados pela Comissão (ver página I-5367), Joiiet, R.: Le droit institutionnel del Communautés européennes — le contentieux, Liège, 1981, p. 268, e M. Waelbroeck em J. Mégret, Le droit de la Communauté économique européenne, volume 10, tomo 1, Bruxelas, 1983, p. 292.

    ( 26 ) Ver, neste sentido, no que respeita às acções de restituição de imposições nacionais cobradas em violação do direito comunitário, os acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe, n.° 5 (33/76, Recueil, p. 1989) e Comet, n.° 14 (45/76, Recueil, p. 2043).

    ( 27 ) Ţ1 como o juiz Schockweiler notou, com razão, num artigo recente («Le dommage causé par suite d'une violation du droit communautaire par l'autorité publique et sa réparation em droit luxembourgeois», em Paiicniie luxembourgeoise, 1990, n.° 2, p. 35, 40),«csta última condição poderia levar os Estados-membros, sendo caso disso, a alterar ou a adequar o seu regime da responsabilidade da autoridade pública».

    ( 28 ) Boletim das Comunidades Europeias, Suplemento 9/75, p. 19.

    ( 29 ) Ver, em último lugar, o acórdão de 17 de Maio de 1990, Barber (C-262/88, Colect., p. I-1889, I-1955).

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