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Document 61973CJ0004

    Acórdão do Tribunal de 14 de Maio de 1974.
    J. Nold, Kohlen- und Baustoffgroßhandlung contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Processo 4-73.

    Edição especial inglesa 1974 00283

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1974:51

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    14 de Maio de 1974 ( *1 )

    No processo 4/73,

    J. Nold Kohlen- und Baustoffgroßhandlung, sociedade em comandita de direito alemão, com sede em Darmstadt, representada por Manfred Lütkehaus, advogado no foro de Essen, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado André Elvinger, 84, Grand-Rue,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Dieter Oldekop, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Pierre Lamoureux, consultor jurídico, 4, boulevard Royai,

    recorrida,

    apoiada por

    Ruhrkohle Aktiengesellschaft, sociedade anónima, com sede em Essen,

    e

    Ruhrkohle Verkaufs-Gesellschaft mbH, sociedade de responsabilidade limitada, com sede em Essen, representadas por Otfried Lieberknecht, advogado no foro de Düsseldorf, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Alex Bonn, 22, Côte d'Eich,

    intervenientes,

    que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 21 de Dezembro de 1972, relativa à autorização de novas regras de venda da Ruhrkohle AO

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: R. Lecourt, presidente, A. M. Donner e M. Sørensen, presidentes de secção, P. Pescatore, H. Kutscher, C. O'Dálaigh e A. J. Mackenzie Stuart, juízes,

    advogado-geral: A. Trabucchi

    secretário: A. Van Houtte

    profere o presente

    Acórdão

    (A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por recurso apresentado em 31 de Janeiro de 1973, a empresa J. Nold, sociedade em comandita, com sede em Darmstadt, que explora um comércio por grosso de carvão e de materiais de construção, requereu — na última versão dos seus pedidos — a anulação da decisão da Comissão, de 21 de Dezembro de 1972, relativa à autorização de novas regras de venda da Ruhrkohle AG (JO 1973, L 120, p. 14) e, a título subsidiário, a declaração de nulidade e de não aplicabilidade da referida decisão na medida em que afecta a recorrente.

    A recorrente acusa, no essencial, a referida decisão de ter autorizado o armazém de venda da empresa mineira da bacia do Ruhr a subordinar o fornecimento directo de carvão à celebração de contratos bienais vinculativos, onde esteja prevista uma compra mínima de 6000 toneladas por ano para abastecimento dos lares domésticos e da pequena indústria, tonelagem esta que ultrapassa largamente as suas vendas anuais neste sector, e ainda de a ter excluído da sua posição de grossista em primeira mão.

    Quanto à admissibilidade

    2

    A Comissão não contestou a admissibilidade do recurso.

    Em contrapartida, a Ruhrkohle AG e a Ruhrkohle-Verkaufs GmbH, intervenientes, invocaram a inadmissibilidade do recurso por falta de interesse em agir por parte da recorrente.

    Consideram, com efeito, que, mesmo na hipótese de a recorrente vir a triunfar quanto à anulação da decisão de 21 de Dezembro de 1972, o acórdão do Tribunal teria como efeito o renascimento da regulamentação comercial anterior àquela que é objecto da decisão em causa.

    A recorrente também não satisfaz os requisitos da regulamentação anterior, daí resultando que viria sempre a perder a sua qualidade de grossista em primeira mão.

    3

    Esta excepção não pode proceder.

    Com efeito, na hipótese de a decisão impugnada ser anulada em virtude das alegações formuladas, a Comissão, ao que tudo indica, seria levada a actuar no sentido de a regulamentação comercial autorizada vir a ser substituída por novas disposições, mais conformes com a situação da recorrente.

    Não se pode assim negar que esta tenha interesse na anulação da decisão em causa.

    Quanto ao mérito

    4

    A recorrente não concretizou, em relação às causas de anulação enunciadas no artigo 33 o do Tratado CECA, os fundamentos que deduz contra a decisão controvertida.

    5

    Seja como for, uma parte considerável da sua argumentação deve ser desatendida liminarmente, na medida em que se refere a alegações atinentes não às disposições da decisão da Comissão que é impugnada, mas às suas relações com as intervenientes.

    6

    Nos limites das alegações relativas à decisão da Comissão, a argumentação escrita e oral da recorrente redunda em suscitar, no essencial, a questão dos fundamentos de violação de formas substanciais e de violação do Tratado ou das normas jurídicas relativas à sua aplicação.

    Estes fundamentos referem-se, mais particularmente, no que diz respeito às novas condições estabelecidas para o abastecimento directo pelas empresas mineiras de carvão, a uma insuficiência de fundamentação da decisão impugnada, a uma discriminação contra a recorrente, bem como a uma pretensa violação dos seus direitos fundamentais.

    1. Quanto às alegações de insuficiência de fundamentação e de discriminação

    7

    Por decisão de 27 de Novembro de 1969, a Comissão autorizou, nos termos do artigo 66.o, n. os 1 e 2, do Tratado CECA, a fusão da maior parte das sociedades mineiras do Ruhr no âmbito de uma única sociedade, a Ruhrkohle AG.

    O artigo 2.o, n.o 1, desta decisão obrigava a nova sociedade a submeter qualquer alteração das suas condições de venda à autorização da Comissão.

    Em 30 de Junho de 1972, a Ruhrkohle AG dirigia à Comissão um pedido nesse sentido.

    A autorização da Comissão foi concedida pela decisão de 21 de Dezembro de 1972, objecto do presente litígio.

    Com a regulamentação assim homologada, foram estabelecidas novas condições quanto às quantidades mínimas que os comerciantes se deviam comprometer a comprar para poderem gozar da vantagem de um abastecimento directo pelo produtor.

    Os fornecimentos directos, neste caso, estão subordinados à condição, para o comerciante, de celebrar contratos bienais que prevejam uma compra mínima de 6000 toneladas por ano, destinadas ao abastecimento dos lares domésticos e da pequena indústria.

    8

    A Comissão é acusada de ter permitido à Ruhrkohle AG fixar arbitrariamente este requisito de tal forma que, considerando o montante e a natureza das suas vendas anuais, a recorrente se encontra excluída do abastecimento directo e relegada para a categoria de comerciante em segunda mão, com todas as desvantagens comerciais daí decorrentes.

    Por um lado, a recorrente considera discriminatório o facto de, diferentemente de outras empresas, ser afastada do fornecimento directo pelo produtor, encontrando-se assim numa situação mais desfavorável que a dos comerciantes que continuam a gozar de tal vantagem.

    Por outro lado, invoca o artigo 65.o, n.o 2, que, numa situação análoga à que está prevista no artigo 66o, apenas autoriza acordos de venda comum se tais acordos contribuírem «para uma melhoria considerável da produção ou da distribuição dos referidos produtos».

    9

    A Comissão, na fundamentação da sua decisão, sublinhou que tinha consciência de que a introdução de novas regras de venda teria como efeito privar um determinado número de comerciantes da possibilidade de comprarem directamente ao produtor, devido a não poderem assumir os compromissos atrás referidos.

    Justifica tal medida pela necessidade de a Ruhrkohle AG, perante a forte diminuição das vendas de carvão, racionalizar a sua distribuição, limitando a colaboração directa com comerciantes que estejam em condições de lhe garantir um volume de vendas adequado.

    A exigência de um vínculo contratual relativo a uma tonelagem mínima anual deve efectivamente garantir às empresas mineiras de carvão um escoamento regular e em quantidades adaptadas ao ritmo da sua produção.

    10

    Resulta das explicações apresentadas pela Comissão e pelas intervenientes que a fixação dos critérios acima indicados pode ser justificada não apenas pelas condições técnicas da exploração das empresas mineiras de carvão, mas ainda pelas dificuldades económicas específicas criadas pela recessão da produção de carvão.

    Por conseguinte, é evidente que tais critérios, estabelecidos por um acto de alcance geral, não podem ser considerados discriminatórios e estão adequadamente fundamentados na decisão de 21 de Dezembro de 1972.

    No que diz respeito à aplicação dos referidos critérios, não foi alegado que a recorrente seja tratada de forma diferente em relação a outras empresas que, não respeitando os requisitos estabelecidos pela nova regulamentação, tenham perdido, tal como ela, a vantagem da admissão à compra directa ao produtor.

    11

    Estes argumentos devem assim ser considerados improcedentes.

    2. Quanto à alegação de uma pretensa violação dos direitos fundamentais

    12

    A recorrente alega, por fim, uma violação de alguns dos seus direitos fundamentais em razão de as restrições impostas pela nova regulamentação comercial autorizada pela Comissão terem como efeito, ao excluí-la do abastecimento directo, a lesão da rentabilidade da sua empresa e do livre desenvolvimento dos seus negócios, a ponto de comprometer a sua existência.

    Consequentemente, teria sido lesada num direito equiparável ao direito de propriedade, bem como no direito ao livre exercício das suas actividades profissionais, protegidos pela Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, bem como pelas constituições de outros Estados-membros e por diversos instrumentos internacionais, nomeadamente a Convenção Europeia para a protecção dos direitos do Homem, de 4 de Novembro de 1950, incluindo o protocolo adicional de 20 de Março de 1952.

    13

    Como este Tribunal já afirmou, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais do direito, cuja observância lhe incumbe garantir.

    O Tribunal, ao garantir a protecção destes direitos, deve inspirar-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros e não pode, assim, admitir medidas incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos e garantidos pelas constituições destes Estados.

    Os instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem, em que os Estados-membros colaboraram ou a que aderiram, podem igualmente dar indicações que é conveniente tomar em consideração no âmbito do direito comunitário.

    É à luz destes princípios que devem ser apreciadas as alegações apresentadas pela recorrente.

    14

    Embora o ordenamento constitucional de todos os Estados-membros proteja o direito de propriedade e garantias análogas sejam concedidas ao livre exercício do comércio, do trabalho e de outras actividades profissionais, os direitos assim garantidos, longe de constituírem prerrogativas absolutas, devem ser considerados à luz da função social dos bens e das actividades protegidas.

    Por esta razão, a garantia concedida a este tipo de direitos só é geralmente atribuída sob reserva de limitações estabelecidas em função do interesse público.

    Na ordem jurídica comunitária, é igualmente legítimo reservar em relação a estes direitos a aplicação de determinados limites justificados pelos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade, desde que não afectem a substância destes mesmos direitos.

    No que diz respeito às garantias conferidas de modo particular às empresas, não se pode em caso algum alargá-las à protecção de meros interesses ou possibilidades de índole comercial, cujo carácter aleatório é inerente à própria essência da actividade económica.

    15

    As desvantagens postas em evidência pela recorrente são, na verdade, consequência da evolução económica e não da decisão impugnada.

    Cabe à recorrente, em presença da alteração económica imposta pela recessão da produção de carvão, enfrentar a nova situação e proceder, ela própria, às reconversões indispensáveis.

    16

    Por todas estas razões, o fundamento apresentado deve ser considerado improcedente.

    17

    O recurso deve assim ser indeferido.

    Quanto às despesas

    18

    Nos termos do artigo 69o, n.o 2, do Regulamento Processual, a pane vencida deve ser condenada nas despesas. A recorrente foi considerada vencida.

    19

    Por decisão do presidente de 14 de Março de 1973 e por decisão do Tribunal de 21 de Novembro de 1973, foi reservada para final a decisão quanto às despesas relativas, respectivamente, ao pedido de suspensão da execução da decisão impugnada e ao pedido de intervenção no processo.

    20

    Por decisão de 21 de Junho de 1973, o Tribunal condenou a recorrente nas despesas efectuadas, nessa época, pelas sociedades Ruhrkohle AG e Ruhrkohle-Verkaufs GmbH, na causa principal e no processo de medidas provisórias.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    rejeitando quaisquer outras conclusões mais amplas ou contrárias, declara e decide:

     

    1)

    O recurso é indeferido por falta de fundamentos.

     

    2)

    A recorrente é condenada nas despesas de instância, incluindo as que tinham sido reservadas pelas decisões de 14 de Março e de 21 de Novembro de 1973 e as que constituíram objecto da decisão de 21 de Junho de 1973.

     

    Lecourt

    Donner

    Sørensen

    Pescatore

    Kutscher

    O'Dálaigh

    Mackenzie Stuart

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Maio de 1974.

    O secretário

    A. Van Houtte

    O presidente

    R. Lecourt


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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