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Document 61971CJ0022

    Acórdão do Tribunal de 25 de Novembro de 1971.
    Béguelin Import Co. contra SA G.L. Import Export.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de commerce de Nice - França.
    Processo 22-71.

    Edição especial inglesa 1971 00355

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1971:113

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    25 de Novembro de 1971 ( *1 )

    No processo 22/71,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo tribunal de commerce de Nice, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    1)

    Béguelin Import Co., Bruxelas,

    2)

    SA Béguelin Import Co. França, Paris,

    e

    1)

    SA G. L. Import Export, Nice,

    2)

    Karl Marbach, Hamburgo,

    3)

    Fritz Marbach, Hamburgo,

    4)

    Gebrüder Marbach GmbH, Hamburgo,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 85.o do Tratado CEE e do Regulamento n.o 67/67/CEE da Comissão, de 22 de Março de 1967, quanto à aplicação do n.o 3 do artigo 85.o do Tratado a certas categorias de acordos de exclusividade (JO L 67, p. 849; EE 08 F1 p. 94),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: R. Lecourt, presidente, J. Mertens de Wilmars e H. Kutscher, presidentes de secção, A. M. Donner, A. Trabucchi, R. Monaco e P. Pescatore, juízes,

    advogado-geral: A. Dutheillet de Lamothe

    secretário: A. Van Houtte

    profere o presente

    Acórdão

    (A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por decisão de 8 de Fevereiro de 1971, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de Abril de 1971, o tribunal de commerce de Nice apresentou ao Tribunal duas questões sobre a interpretação do artigo 85.o do Tratado CEE, bem como do Regulamento n.o 67/67/CEE da Comissão (JO L 67, p. 849; EE 08 F1 p. 94).

    Quanto à primeira questão

    2

    A primeira questão visa acordos não notificados à Comissão, nos termos dos quais um produtor estabelecido num país terceiro concede a uma empresa de um Estado-membro o direito exclusivo de distribuir os seus produtos no território deste Estado.

    3

    O Tribunal é nomeadamente solicitado a esclarecer se a validade e a oponibilidade a terceiros de tais acordos se encontram afectadas pelo facto de o titular da concessão, apesar de gozar de personalidade jurídica, ser apenas a filial, desprovida de autonomia económica, de uma empresa estabelecida num outro Estado-membro e que recebeu ela própria do mesmo produtor um direito exclusivo análogo para o território deste segundo Estado.

    4

    A questão visa ainda esclarecer quais as outras condições de que a norma comunitária faz depender a validade dos referidos acordos e a sua oponibilidade a terceiros.

    Quanto à aplicabilidade do artigo 85o, n.o 1, do Tratado

    5

    A —

    A primeira questão visa, em primeiro lugar, esclarecer se a proibição do n.o 1 do artigo 85.o é aplicável na hipótese de uma sociedade-mãe estabelecida num Estado-membro e titular de um direito de concessão de venda exclusiva que abrange dois Estados-membros ceder ou autorizar a sua filial a adquirir, no segundo Estado-membro, a concessão exclusiva na medida em que tal concessão diga respeito ao referido Estado.

    6

    A mesma questão visa em seguida esclarecer quais serão, na hipótese de resposta afirmativa, as consequências de tal violação quanto à validade do contrato de concessão celebrado pela referida filial.

    7

    O artigo 85.o, n.o 1, proíbe os acordos quando têm por objecto ou efeito impedir a concorrência.

    8

    Tratando-se de um contrato de concessão de venda exclusiva, a referida condição não é aplicável quando tal concessão é, com efeito, parcialmente transferida de uma sociedade-mãe para uma filial que, embora gozando de uma personalidade jurídica distinta, não tem qualquer autonomia económica.

    9

    Consequentemente, este tipo de relações não pode ser tomado em consideração na apreciação da validade de um acordo de concessão exclusiva entre a filial e um terceiro.

    10

    B —

    Para ser considerado incompatível com o mercado comum e proibido nos termos do artigo 85.o, um acordo tem de ser «susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros» e ter «por objectivo ou efeito» prejudicar «a concorrência no mercado comum».

    11

    A circunstância de uma das empresas signatárias do acordo estar estabelecida num país terceiro não impede a aplicação da referida disposição quando o acordo produz os seus efeitos no território do mercado comum.

    12

    Um acordo de exclusividade entre um produtor nacional de um país terceiro e um distribuidor estabelecido no mercado comum reúne os dois critérios acima indicados quando impede, de direito ou de facto, que o distribuidor reexporte os produtos em causa para outros Estados-membros, ou que estes produtos sejam importados de outros Estados-membros para a zona protegida e aí distribuídos por pessoas diferentes do concessionário ou dos seus clientes.

    13

    Com o objectivo de apreciar se esta hipótese se aplica, deve ter-se em consideração não só os direitos e obrigações decorrentes das cláusulas do acordo, mas igualmente o contexto económico e jurídico em que se integra e, nomeadamente, a eventual existência de acordos similares celebrados pelo mesmo produtor com concessionários estabelecidos noutros Estados-membros.

    14

    Mais especialmente, um acordo de exclusividade é susceptível de afectar o comércio entre Estados-membros e pode ter como efeito entravar a concorrência quando o concessionário pode impedir as importações paralelas provenientes de outros Estados-membros para o território concessionado graças à conjugação do acordo com os efeitos de uma legislação nacional em matéria de concorrência desleal.

    15

    Assim, o concessionário apenas pode invocar a referida legislação se o alegado carácter desleal do comportamento dos seus concorrentes resultar de elementos diferentes do facto de estes terem efectuado importações paralelas.

    16

    C —

    Finalmente, para lhe ser aplicável a proibição do artigo 85.o, o acordo deve afectar de forma notória o comércio entre Estados-membros e o jogo da concorrência.

    17

    Para esclarecer se esta hipótese se verifica, estes elementos devem ser enquadrados na situação em que se produziriam caso não existisse o acordo controvertido.

    18

    Consequentemente, para verificar se um contrato com uma cláusula que conceda um direito exclusivo de venda é abrangido pelo referido artigo, deve ter-se em consideração, nomeadamente, a natureza e a quantidade limitada ou não dos produtos objecto do acordo, a posição e a importância do autor da concessão e também do concessionário no mercado dos produtos em causa, o carácter isolado do acordo controvertido ou, pelo contrário, a sua relevância num conjunto de acordos, o rigor das cláusulas destinadas a proteger a exclusividade ou, pelo contrário, as possibilidades concedidas a outras correntes comerciais relativamente aos mesmos produtos, mediante reexportações ou importações paralelas.

    Quanto à aplicabilidade do Regulamento n.o 67/67

    19

    Nos termos do n.o 1 do artigo 1.o deste regulamento, «O disposto no n.o 1 do artigo 85.o do Tratado é declarado inaplicável até 31 de Dezembro de 1972 aos acordos nos quais participem apenas duas empresas» e que estabeleçam «para fins de revenda» obrigações exclusivas de entrega ou de compra, ou as duas simultaneamente.

    20

    Nos termos do n.o 1 do artigo 2.o do mesmo regulamento, não pode ser imposta ao concessionário qualquer outra restrição de concorrência a não ser as previstas no referido n.o 1 e que não compreendem a proibição de reexportar os produtos em causa para outros Estados-membros.

    21

    O n.o 2 do mesmo artigo enumera, igualmente, sem fazer referência à proibição de reexportar, determinadas obrigações do concessionário que «não constituem obstáculo à aplicabilidade do n.o 1 do artigo 1.o» do regulamento.

    22

    A isenção colectiva concedida pelo Regulamento n.o 67/67 não é aplicável quando um acordo proíbe o concessionário de reexportar os produtos em causa para outros Estados-membros.

    23

    Acrescente-se ainda que, nos casos em que o acordo não preveja uma proibição de reexportar, deve observar-se que, nos termos do artigo 3.o do referido regulamento, tal acordo não beneficia da referida isenção quando os contraentes «restrinjam, aos intermediários ou utilizadores, a possibilidade de ter acesso aos produtos referidos no contrato junto de outros revendedores no mercado comum», em especial quando os contraentes «exerçam outros direitos ou tomem medidas tendo em vista impedir os revendedores ou utilizadores de obter, em qualquer outro lugar do mercado comum, ou de vender, esses produtos no território concedido».

    24

    Consequentemente, tal exercício opõe-se igualmente a que o acordo celebrado entre o concessionário e o autor da concessão possa beneficiar da isenção prevista no n.o 1 do artigo 1.o do Regulamento n.o 67/67.

    Quanto à aplicabilidade do n.o 2 do artigo 85o do Tratado

    25

    Nos termos do n.o 2 do artigo 85o do Tratado, «são nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo».

    26

    Assim, um acordo abrangido pelo n.o 1 daquele artigo e que não tenha sido objecto de uma declaração de inaplicabilidade individual ou colectiva nos termos do n.o 3 deve ser considerado nulo na medida em que o seu objecto ou efeitos sejam incompatíveis com a proibição prevista por este número.

    27

    Quando tal acordo, não notificado à Comissão, mas isento de notificação por força do n.o 2 do artigo 4o do Regulamento n.o 17 do Conselho (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), produz plenamente os seus efeitos até à declaração da nulidade, tal isenção é unicamente aplicável aos acordos quando «neles participem apenas empresas de um único Estado-membro» ou aos acordos que tenham somente o objecto ou os efeitos definidos no n.o 2 do artigo 4.o acima mencionado.

    28

    Os acordos em causa não preenchem nenhuma destas condições quando uma das partes contraentes está estabelecida num Estado terceiro e o objecto ou efeitos destes acordos diferem dos visados pela referida disposição.

    29

    Tendo a nulidade prevista no n.o 2 do artigo 85.o carácter absoluto, um acordo considerado nulo por força desta disposição não produz efeitos nas relações entre os contraentes nem é oponível a terceiros.

    Quanto à segunda questão

    30

    Na segunda questão, o Tribunal é solicitado a esclarecer se um «processos de importação», tal como é descrito pelo órgão jurisdicional nacional, é incompatível com o artigo 85.o do Tratado ou se, em contrapartida, beneficia da isenção do Regulamento n.o 67/67.

    31

    Nos termos do n.o 1 do artigo 85.o do Tratado, a proibição prevista por esta disposição apenas se aplica a «acordos entre empresas», a «decisões de associações de empresas» e a «práticas concertadas» na medida em que estes acordos, decisões ou práticas concertadas afectem o comércio entre Estados-membros e tenham um objecto ou efeito anticoncorrencial.

    32

    Uma operação de importação ou de exportação não tem em si mesma por objecto ou efeito afectar o jogo da concorrência na acepção do artigo 85.o

    Quanto às despesas

    33

    As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o tribunal de commerce de Nice, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    vistos os autos,

    visto o relatório do juiz-relator,

    ouvidas as alegações da Comissão das Comunidades Europeias e das partes na causa principal,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral,

    visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os seus artigos 85.o e 177.o,

    visto o Regulamento n.o 17 do Conselho, relativo à aplicação dos artigos 85.o e 86.o do Tratado, nomeadamente o seu artigo 4.o,

    visto o Regulamento n.o 67/67 da Comissão, relativo à aplicação do n.o 3 do artigo 85.o do Tratado a certas categorias de acordos de exclusividade,

    visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia, nomeadamente o seu artigo 20.o,

    visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo tribunal de commerce de Nice, por decisão de 8 de Fevereiro de 1971, declara:

     

    Quanto à primeira questão

     

    1)

    As relações entre duas sociedades em que uma delas não goza de qualquer autonomia económica em relação à outra não podem ser tomadas em consideração na apreciação da validade de um acordo de concessão exclusiva celebrado entre a filial e um terceiro.

     

    2)

    Um acordo de exclusividade entre um produtor nacional de um país terceiro e um distribuidor estabelecido no mercado comum está abrangido pela proibição do artigo 85.o do Tratado quando impede, de direito ou de facto, que o distribuidor reexporte os produtos em causa para outros Estados-membros, ou que estes produtos sejam importados de outros Estados-membros para a zona protegida e ai sejam distribuídos por pessoas diferentes do concessionário ou dos seus clientes.

    Esta última condição encontra-se nomeadamente preenchida quando o concessionário pode impedir as importações paralelas provenientes de outros Estados-membros para o território concessionado graças à conjugação do acordo com os efeitos de uma legislação nacional em matéria de concorrência desleal.

     

    3)

    A isenção colectiva concedida pelo Regulamento n.o 67/67 a certas categorias de acordos não é aplicável quando um acordo proíbe o concessionário de reexportar os produtos em causa para outros Estados-membros.

     

    4)

    Revestindo a nulidade visada no n.o 2 do artigo 85.o um carácter absoluto, um acordo considerado nulo não produz efeitos nas relações entre os contraentes nem é oponível a terceiros.

     

    Quanto à segunda questão

     

    5)

    Uma operação de importação ou de exportação enquanto tal não é abrangida pela proibição do n.o 1 do artigo 85.o do Tratado.

     

    Lecourt

    Mertens de Wilmars

    Kutscher

    Donner

    Trabucchi

    Monaco

    Pescatore

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Novembro de 1971.

    O secretário

    A. Van Houtte

    O presidente

    R. Lecourt


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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