COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 15.12.2020
COM(2020) 731 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
NOS TERMOS DO ARTIGO 25 .º DO TFUE
sobre os progressos rumo a uma efetiva cidadania da UE 2016-2020
1.INTRODUÇÃO
O artigo 25.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) exige que a Comissão apresente ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social, de três em três anos, um relatório sobre a aplicação das disposições (Parte II do Tratado) sobre a não discriminação e a cidadania na União. O nono relatório apresentado nos termos do artigo 25.º do TFUE abrange o período de 1 de julho de 2016 a 30 de junho de 2020.
O presente relatório analisa as disposições da Parte II do TFUE no que respeita: i) à cidadania da UE; ii) à não discriminação; iii) à liberdade de circulação e de residência no território dos Estados-Membros; iv) ao direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de residência; v) ao direito à proteção consular; vi) ao direito de dirigir petições ao Parlamento Europeu; e vii) ao direito de recorrer ao Provedor de Justiça Europeu. Acompanha o relatório sobre a cidadania da UE – «Empowering citizens and protecting their rights in challenging times» (Capacitar os cidadãos e proteger os seus direitos em tempos difíceis).
2.NÃO DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA NACIONALIDADE (ARTIGO 18.º DO TFUE)
O artigo 18.º do TFUE proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos Tratados.
Durante o período abrangido pelo presente relatório, o Tribunal de Justiça da União Europeia (a seguir designado por «Tribunal de Justiça») proferiu quatro acórdãos fundamentais relacionados com a não discriminação dos cidadãos da UE em razão da nacionalidade, no domínio da extradição e do desporto.
2.1. Não discriminação em razão da nacionalidade e extradição de cidadãos móveis da UE
Os três acórdãos do Tribunal de Justiça sobre a não discriminação em razão da nacionalidade e a extradição para um país terceiro de cidadãos da UE residentes num Estado-Membro que não o Estado-Membro da sua nacionalidade foram Petruhhin, Pisciotti, e Raugevicius. Em cada um destes processos, a questão em causa era a interação entre as regras nacionais que se opõem à extradição dos nacionais do Estado-Membro de acolhimento e o princípio da não discriminação dos cidadãos da UE em razão da nacionalidade (artigo 18.º do TFUE).
Os processos Petruhhin e Pisciotti diziam respeito à extradição de cidadãos móveis da UE para efeitos de procedimento penal, enquanto o processo Raugevicius estava relacionado com a extradição de cidadãos móveis da UE com vista à execução de uma pena proferida por um tribunal de um país terceiro.
As principais conclusões do Tribunal de Justiça nestes processos podem ser resumidas como se segue. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou que, embora as regras em matéria de extradição sejam da competência dos Estados‑Membros, na falta de uma convenção internacional entre a UE e um país terceiro, os Estados-Membros devem exercer as suas regras nacionais de extradição no respeito pelo direito da UE em situações abrangidas pelo mesmo. Tal aplica-se, de acordo com o Tribunal de Justiça, quando um cidadão da UE fez uso dos seus direitos de livre circulação (nos termos do artigo 21.º do TFUE) e as regras nacionais em matéria de extradição podem levar a que os cidadãos da UE sejam discriminados em razão da nacionalidade (nos termos do artigo 18.º do TFUE).
Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou se as regras (inter)nacionais dos Estados‑Membros que se opõem apenas à não extradição dos seus próprios nacionais seriam incompatíveis com o princípio da não discriminação consagrado no artigo 18.º do TFUE. O Tribunal de Justiça declarou que tais regras de extradição introduzem uma diferença de tratamento em função da nacionalidade do cidadão da UE, traduzindo‑se assim numa restrição à liberdade de circulação. Em consonância com a sua jurisprudência, tal restrição só pode ser justificada «se se basear em considerações objetivas e se for proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional». Embora o Tribunal de Justiça reconheça que o(s) objetivo(s) da «cooperação penal internacional» e da prevenção do risco de impunidade são legítimos, estas disposições nacionais também devem satisfazer o requisito da proporcionalidade.
A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Petruhhin, que o Estado-Membro que pondere a aceitação de um pedido de extradição deve verificar se não existem medidas alternativas menos atentatórias do exercício das liberdades fundamentais. Com base no princípio da cooperação leal da UE (artigo 4.º, n.º 3, do TUE) e no direito derivado da UE no domínio da cooperação em matéria penal (mais especificamente, o mandado de detenção europeu), o Tribunal de Justiça concluiu o seguinte: antes de extraditar um cidadão móvel da UE, os Estados-Membros devem trocar informações com o Estado-Membro da nacionalidade do interessado, a fim de dar às autoridades desse Estado‑Membro, «desde que sejam competentes, ao abrigo do respetivo direito nacional» a oportunidade de proceder criminalmente contra esse cidadão por infrações penais praticadas no estrangeiro. No acórdão Pisciotti, o Tribunal de Justiça clarificou, contudo, que, se o Estado-Membro da nacionalidade tiver sido adequadamente informado, mas ainda assim decidir não proceder criminalmente contra o seu próprio nacional por infrações penais cometidas fora do seu território, o direito da UE não se opõe à sua extradição pelo Estado-Membro «de acolhimento» para um país terceiro.
Em terceiro lugar, segundo o Tribunal de Justiça no acórdão Raugevicius, a tensão entre o objetivo de evitar o risco de impunidade pelas infrações penais cometidas e as restrições de uma liberdade fundamental, e a correspondente necessidade de analisar medidas alternativas, também se aplicam no que respeita a um pedido de extradição com vista à execução de uma pena (estrangeira). Embora o princípio ne bis in idem se oponha a que o Estado-Membro da nacionalidade instaure ações penais contra o cidadão móvel da UE em causa, os instrumentos internacionais e a legislação de alguns Estados-Membros preveem medidas alternativas (por exemplo, o cumprimento de penas impostas por tribunais estrangeiros no Estado-Membro da nacionalidade). De acordo com o Tribunal de Justiça, tais disposições alternativas poderão, por conseguinte, ser consideradas aplicáveis ao cidadão móvel da UE em causa (não obstante as restrições com base na nacionalidade).
2.2. Não discriminação em razão da nacionalidade no desporto amador
A outra decisão importante do Tribunal de Justiça no período abrangido pelo presente relatório, o acórdão TopFit, considerou a questão da não discriminação de cidadãos (móveis) da UE em razão da nacionalidade no domínio do desporto amador.
D. Biffi é um nacional italiano que vive na Alemanha e pratica, na qualidade de amador, corridas de competição na categoria de seniores. É membro da TopFit, um clube desportivo que é membro da Associação de Atletismo de Berlim (Deutscher Leichtathletikverband, DLV). Em 2015, uma alteração do regulamento da DLV levou a que os cidadãos móveis da UE na Alemanha, como D. Biffi, não tivessem a oportunidade de ser selecionados para participar nos campeonatos nacionais ou fossem apenas autorizados a participar nesses campeonatos «à margem» ou «sem classificação». Tal impediu-os de ter acesso à final e de serem elegíveis para o título de campeão nacional, apesar de cumprirem todas as outras condições para participarem em campeonatos de atletismo.
O Tribunal de Justiça baseou-se em quatro observações para responder ao reenvio prejudicial. Em primeiro lugar, fazendo referência ao seu recente acórdão no processo Raugevicius, observou que «a situação de um cidadão da União que fez uso da sua liberdade de circulação está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 18.º TFUE», incluindo no domínio do desporto amador. Em segundo lugar, a liberdade fundamental da circulação de pessoas, conforme enunciada no artigo 21.º do TFUE, tende, designadamente, a favorecer «a integração progressiva do cidadão da União em causa na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento», e a participação no desporto amador é uma parte importante desse processo de inclusão. Em terceiro lugar, fazendo referência à jurisprudência constante da UE, o Tribunal de Justiça observou que as regras das associações nacionais (desportivas) estão igualmente sujeitas ao direito da UE, incluindo os Tratados. Em quarto lugar, a aplicabilidade dos artigos 18.º e 21.º do TFUE às regras das associações desportivas nacionais implica, nomeadamente, que a regulamentação dessas associações, que possa constituir uma restrição a uma liberdade fundamental, seja incompatível com o direito da UE, a menos que seja «justificada por considerações objetivas e proporcionadas ao objetivo legitimamente prosseguido».
3.COMBATER A DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DO SEXO, RAÇA OU ORIGEM ÉTNICA, RELIGIÃO OU CRENÇA, DEFICIÊNCIA, IDADE OU ORIENTAÇÃO SEXUAL (ARTIGO 19.º DO TFUE)
3.1.Introdução
O artigo 19.º do TFUE estabelece que a UE pode tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.
Em março de 2019, a Comissão Europeia publicou o relatório anual sobre a igualdade entre mulheres e homens, concluindo que mesmo na UE, onde a igualdade inequívoca de género é garantida por lei, a igualdade entre mulheres e homens ainda não é uma realidade concreta.
Na sequência da publicação da lista de ações para promover a igualdade das pessoas LGBTI, em dezembro de 2015, que incluía atividades previstas pela Comissão em diferentes domínios de intervenção para o período de 2016-2019, em fevereiro de 2017, a Comissão publicou o primeiro relatório anual sobre a lista, abrangendo o ano de 2016. O segundo e terceiro relatórios foram publicados em 2018 e 2019, respetivamente, e, em maio de 2020, foi publicado o relatório final, que abrange as medidas adotadas durante o ano de 2019.
Em novembro de 2018, a Comissão elaborou documentos de conclusões com base nos debates das sessões centradas no anticiganismo e na afrofobia realizadas pelo Grupo de Alto Nível da UE sobre a luta contra o racismo, a xenofobia e outras formas de intolerância, na sua quarta reunião, em 5 de dezembro de 2017. Elaborou também uma nota de orientação sobre a aplicação prática da Decisão-Quadro 2008/913/JAI do Conselho relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia.
Em dezembro de 2018, a Comissão Europeia publicou uma avaliação do quadro europeu para as estratégias nacionais de integração dos ciganos até 2020. A avaliação incidiu sobre o quadro da UE e a forma como mobilizou outros instrumentos estratégicos, jurídicos e de financiamento europeus para promover a inclusão dos ciganos. Em setembro 2019, publicou também um relatório que analisa a aplicação das medidas de inclusão dos ciganos a nível nacional.
Em maio de 2019, a Comissão lançou a
campanha #EuvsDiscrimination
, a decorrer até dezembro de 2020, que visa combater a discriminação no local de trabalho em razão da idade, sexo, deficiência, origem étnica ou racial, religião ou crença, ou orientação sexual, proibida pela legislação contra a discriminação da UE.
3.2.Evolução da jurisprudência
No que respeita à liberdade de religião, deve salientar-se o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de janeiro de 2019 no processo Cresco Investigation (C-193/17, EU:C:2019:43). O Tribunal de Justiça considerou que a legislação nacional nos termos da qual, por um lado, a Sexta‑Feira Santa só é feriado para os trabalhadores que são membros de determinadas igrejas cristãs e, por outro, apenas esses trabalhadores têm direito, se tiverem de trabalhar durante esse feriado, a um pagamento adicional, institui uma discriminação direta em razão da religião.
4.CIDADANIA DA UNIÃO (ARTIGO 20.º, N.º 1, DO TFUE)
4.1.Introdução
O artigo 20.º do TFUE prevê que é cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui. Se bem que seja da competência de cada Estado-Membro definir as condições de aquisição e perda da nacionalidade, no respeito pelo direito da UE, a concessão da cidadania de um Estado-Membro implica igualmente a concessão da cidadania da UE e os direitos que lhe são inerentes, que podem ser exercidos em toda a UE. Por conseguinte, a Comissão considera que os Estados-Membros devem fazer uso das suas prerrogativas de conceder a cidadania num espírito de cooperação leal, que os tratados exigem.
A Comissão Europeia empreendeu várias ações relativas à aquisição e perda da cidadania da UE, mais especificamente sobre a questão dos regimes de concessão da cidadania a investidores na UE, que concedem direitos de cidadania a nacionais de países terceiros em troca de investimento.
Em janeiro de 2019, a Comissão publicou um relatório sobre os «Regimes dos Estados‑Membros para a concessão de cidadania ou de residência a investidores», que analisa os regimes existentes para a obtenção da nacionalidade e residência nos Estados-Membros da UE por motivos de investimento, e salienta várias preocupações e riscos que tais regimes apresentam para a UE.
Na sequência deste relatório, a Comissão criou um grupo de peritos dos Estados-Membros em regimes de concessão da cidadania e de residência para investidores para i) analisar os riscos específicos decorrentes dos regimes de concessão da cidadania a investidores; ii) desenvolver um conjunto comum de controlos de segurança até ao final de 2019; e iii) abordar os aspetos da transparência e boa governação no que respeita à aplicação dos regimes de concessão da cidadania e de residência para investidores.
Durante o período de referência, a Comissão analisou 98 queixas, quase 1 400 cartas/pedidos individuais, 48 perguntas e 10 petições do Parlamento Europeu no domínio da cidadania da UE e dos direitos conexos, principalmente relacionados com informações sobre as implicações do Brexit para os direitos de cidadania da UE.
4.2.Evolução da jurisprudência
De 2016 a 2019, o Tribunal de Justiça tratou 29 processos relativos à cidadania da UE, incluindo casos de discriminação em razão da nacionalidade, perda da cidadania da UE devido à perda da nacionalidade de um Estado-Membro ou direitos de residência derivados de nacionais de países terceiros, membros da família de cidadãos da UE.
No acórdão Tjebbes e o., o Tribunal de Justiça confirmou a legitimidade, em geral, do objetivo dos Estados-Membros de assegurarem a existência de um vínculo genuíno entre o Estado e os seus nacionais. No entanto, tal legitimidade não isenta os Estados-Membros de assegurarem (em casos individuais) que a perda ex lege da nacionalidade dos Estados‑Membros, quando implica a perda do estatuto de cidadão da UE e dos direitos que daí resultam, respeita o princípio da proporcionalidade.
Por conseguinte, o Tribunal de Justiça considerou que o princípio da proporcionalidade exige que a legislação dos Estados-Membros que regula a perda da nacionalidade preveja a possibilidade de «uma apreciação individual das consequências que esta perda implica para [a pessoa interessada e para os membros da sua família] à luz do direito da União». Além disso, quando, na sequência dessa apreciação, a perda da cidadania da UE (como consequência da perda automática da nacionalidade de um Estado-Membro) for considerada incompatível com o direito da UE, deve ser possível recuperar a nacionalidade ex tunc.
5.DIREITO DE CIRCULAR E PERMANECER LIVREMENTE NO TERRITÓRIO DOS ESTADOS-MEMBROS [ARTIGOS 20.º, N.º 2, ALÍNEA A), E 21.º DO TFUE]
5.1.Introdução
Nos termos dos artigos 20.º, n.º 2, alínea a), e 21.º do TFUE, qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação.
Uma maioria dos cidadãos apoia este direito e considera-o uma das principais vantagens da adesão à UE. Além disso, mais de metade dos cidadãos da UE referem ter beneficiado do facto de haver menos ou nenhum controlo fronteiriço quando viajam para o estrangeiro. A maioria dos europeus refere que a livre circulação de pessoas, bens e serviços na União Europeia é o resultado mais positivo da UE. Num inquérito realizado na primavera de 2020, 83 % dos cidadãos da UE concordaram que a livre circulação dos cidadãos da UE dentro da UE trouxe benefícios gerais para a economia do seu país.
Em 2018, mais de 16 milhões de cidadãos da UE viviam ou trabalhavam num país da UE diferente do seu país de origem. Um número muito superior de cidadãos da UE efetuou visitas temporárias a outros países da UE para férias, visitas a amigos e família e a trabalho.
Os cidadãos móveis da UE e os seus familiares podem encontrar informações sobre o seu direito de residir noutro Estado-Membro no portal «A sua Europa»
, que também dá acesso a informações específicas de cada país, cumprindo o seu papel de «plataforma digital única» da UE
.
No período de referência, a Comissão analisou 950 queixas de cidadãos, 6 128 perguntas e 140 petições do Parlamento Europeu sobre o exercício do direito à livre circulação. Muitas diziam respeito ao direito de entrada e residência de familiares de cidadãos da UE que são nacionais de países terceiros (condições de emissão de vistos e cartões de residência, formalidades adicionais) e às condições em que os cidadãos da União podem exercer o direito à livre circulação.
Os cidadãos móveis da UE que sejam negativamente afetados pela aplicação incorreta do direito da UE por parte das autoridades públicas podem obter ajuda do serviço SOLVIT, que foi criado para reagir rapidamente e encontrar soluções a nível nacional. De 2016 a 2018, o SOLVIT tratou cerca de 1 930 casos em matéria de livre circulação de pessoas.
Os cidadãos também podem colocar perguntas sobre os seus direitos pessoais na UE ao serviço «A sua Europa – Aconselhamento», que fornece aconselhamento jurídico personalizado e gratuito. O serviço «A sua Europa – Aconselhamento» é gerido pela Comissão e é prestado pelo contratante externo Serviço de Ação dos Cidadãos Europeus (ECAS). Entre 2016 e 2020, recebeu mais de 42 000 pedidos de informação sobre procedimentos de entrada e direitos de residência e mais de 2 300 pedidos de informação sobre direitos políticos e judiciais.
Os cidadãos da UE podem ainda dirigir-se ao Centro de Contacto Europe Direct (CCED) da Comissão, que presta informações gerais sobre a UE e aconselhamento sobre os direitos dos cidadãos da UE. Entre 2016 e 2019, o CCED recebeu um total de 5 251 pedidos de informação sobre a livre circulação de pessoas.
Além disso, os trabalhadores móveis da UE podem solicitar a assistência dos organismos nacionais estabelecidos em conformidade com a Diretiva 2014/54
.
Com o objetivo de contribuir para a livre circulação de pessoas com deficiência, a Comissão implementou um projeto-piloto sobre o Cartão Europeu de Deficiente em 2016-2018
.
A Comissão desenvolveu um instrumento de aprendizagem eletrónica sobre o direito à livre circulação, destinado às administrações locais, a fim de aprofundar o seu conhecimento da Diretiva 2004/38 (Diretiva Livre Circulação) e dos direitos dela decorrentes. O instrumento de aprendizagem eletrónica está disponível em 23 línguas e inclui um teste de autoavaliação, e um curso em linha para principiantes e utilizadores avançados.
5.2.Evolução da jurisprudência
5.2.1.Evolução da jurisprudência do TJUE sobre direitos de livre circulação e direitos de residência (derivados)
O Tribunal de Justiça proferiu múltiplos acórdãos em relação ao artigo 21.º do TFUE (incluindo a sua aplicação através da Diretiva Livre Circulação), bem como aos direitos de residência derivados da cidadania da UE com base no artigo 20.º do TFUE
.
O primeiro conjunto de processos diz respeito à questão de os cidadãos da UE e os membros das suas famílias poderem invocar a Diretiva 2004/38 para obter direitos de residência.
No acórdão Lounes
, o Tribunal de Justiça considerou que um cidadão da UE que tenha feito uso dos seus direitos de livre circulação para residir noutro Estado-Membro da UE e que, desde então, tenha obtido a nacionalidade do Estado-Membro de acolhimento, mantendo a nacionalidade do Estado-Membro de origem, pode, embora já não seja beneficiário ao abrigo da Diretiva 2004/38, continuar a invocar os direitos derivados do artigo 21.º do TFUE
. Os direitos de residência dos membros da família do referido cidadão (com dupla nacionalidade) da UE podem também derivar diretamente do artigo 21.º do TFUE, em condições que não devem ser mais rigorosas do que as previstas pela Diretiva 2004/38
. O Tribunal de Justiça esclareceu que o direito de livre circulação inclui o direito de ter uma vida familiar normal
.
No acórdão Gusa
, o Tribunal de Justiça considerou que o direito de manter o estatuto de «trabalhador assalariado ou não assalariado» após a cessação das atividades económicas nos casos previstos no artigo 7.º, n.º 3, da Diretiva 2004/38 (mais especificamente, na sua alínea b), por «est[ar] em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e est[ar] inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego») se aplica igualmente aos cidadãos móveis da UE que exerciam uma atividade não assalariada antes de cessarem involuntariamente as atividades económicas
.
No acórdão Coman
, o Tribunal de Justiça interpretou o conceito de «cônjuge» de um cidadão da UE do artigo 2.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2004/38
e considerou que se trata de uma definição autónoma do direito da UE, independente da legislação dos Estados-Membros. O Tribunal de Justiça declarou que, quando um cidadão da UE que regressa ao Estado‑Membro de que é nacional tiver exercido (anteriormente) direitos de livre circulação para residir de forma efetiva noutro Estado-Membro da UE e tiver desenvolvido ou consolidado, no Estado‑Membro de acolhimento, uma vida familiar com um nacional (de um país terceiro) do mesmo sexo através de um casamento legalmente celebrado no Estado-Membro de acolhimento, o direito da UE se opõe a que a legislação nacional se recuse a conceder os direitos derivados de entrada e residência ao cônjuge do mesmo sexo do cidadão da UE que regressa pelo facto de o direito do Estado‑Membro (de que é nacional) em causa não prever o casamento entre pessoas do mesmo sexo
. O Estado-Membro em causa deve considerar essa pessoa cônjuge para efeitos de lhe permitir exercer os direitos que lhe são conferidos pela legislação da UE. Ao mesmo tempo, tal não exige que o Estado-Membro preveja, no seu direito nacional, a instituição do casamento entre pessoas do mesmo sexo
.
No acórdão Altiner e Ravn
, o Tribunal de Justiça considerou que o direito da UE não se opõe a uma legislação nacional que não preveja a concessão de um direito derivado de residência a um membro da família de um cidadão da UE que regressa ao Estado‑Membro de que é nacional, quando o referido membro da família não tiver entrado no território do Estado‑Membro de origem do cidadão da UE como uma «extensão natural» do regresso a esse Estado-Membro do cidadão da UE em questão
, desde que essa legislação nacional exija, no âmbito de uma apreciação global, que sejam tidos em conta outros elementos pertinentes, suscetíveis de demonstrar que, apesar do lapso de tempo decorrido entre o regresso do cidadão da União a esse Estado‑Membro e a entrada do membro da sua família, nacional de um Estado terceiro, a vida de família desenvolvida e consolidada no Estado‑Membro de acolhimento não terminou
.
O processo Tarola
dizia respeito ao caso de um cidadão da UE que tinha exercido o seu direito à livre circulação ao estar empregado no Estado-Membro de acolhimento por um período de duas semanas, por força de um contrato diferente de um contrato de trabalho de duração determinada, antes de se encontrar em situação de desemprego involuntário. O Tribunal de Justiça interpretou o artigo 7.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, alínea c), da Diretiva 2004/38/CE e considerou que um cidadão em tal situação mantém o estatuto de trabalhador (e, por conseguinte, o direito de residir no Estado-Membro de acolhimento) por um período de, pelo menos, seis meses se, previamente ao seu período de desemprego involuntário, o indivíduo em causa tiver efetivamente tido a qualidade de trabalhador e estiver registado como candidato a emprego junto do serviço de emprego competente
. Além disso, o Tribunal de Justiça observou que qualquer direito a prestações de segurança social ou assistência social ao abrigo da legislação nacional pode depender de um período de emprego específico, desde que, em aplicação do princípio da igualdade de tratamento, a mesma condição seja aplicada aos nacionais do Estado-Membro em causa
.
O acórdão Bajratari está relacionado com a interpretação do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE - residência com base em recursos suficientes e numa cobertura extensa de seguro de doença. O processo dizia respeito a um progenitor nacional de um país terceiro de um cidadão da UE menor de idade que pretendia invocar o seu direito de residência derivado no Estado-Membro de acolhimento como pessoa que tem a guarda efetiva do seu filho menor, um cidadão da UE residente, com base no artigo 7.º, n.º 1, alínea b). O Tribunal de Justiça declarou que um cidadão da União menor de idade dispõe de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, mesmo quando esses recursos provêm de rendimentos resultantes do emprego exercido ilegalmente pelo seu pai, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho nesse Estado‑Membro. Declarou também que não estavam preenchidas as condições exigidas para justificar, por razões de ordem pública, a restrição ao direito de residência do cidadão da UE menor de idade.
Um segundo conjunto de decisões do TJUE diz respeito à restrição dos direitos de residência e aos afastamentos ao abrigo da Diretiva 2004/38.
No acórdão E/Subdelegación del Gobierno en Álava
, o Tribunal de Justiça reiterou que as decisões de afastamento nos termos da Diretiva 2004/38 devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa (cidadão da UE) em questão. A circunstância de essa pessoa estar presa no momento da adoção da decisão de afastamento, sem perspetiva de sair em liberdade num futuro próximo, não «exclui que o seu comportamento possa eventualmente representar uma ameaça real e atual para um interesse fundamental da sociedade do Estado‑Membro de acolhimento»
para efeitos da adoção de tal decisão.
No acórdão Petrea
, o Tribunal de Justiça determinou, nomeadamente, que um Estado‑Membro pode revogar um certificado de registo emitido erradamente a um cidadão da UE que tenha sido objeto de uma decisão de afastamento e que tenha voltado ao território enquanto ainda continuava sujeito a uma proibição de entrada no território (conforme previsto na Diretiva 2004/38)
. Nos termos do artigo 32.º da mesma, o cidadão da UE em causa tem direito a apresentar um pedido de levantamento da referida proibição de entrada no território; no entanto, não tem direito de residência (ao abrigo da Diretiva 2004/38) durante o período de apreciação do seu pedido
.
No acórdão B e Vomero
, o Tribunal de Justiça clarificou várias questões relativas às disposições da Diretiva 2004/38 no que respeita à proteção reforçada contra o afastamento, ao abrigo do artigo 28.º, n.º 3, alínea a), da diretiva, e às suas condições, especialmente no contexto da prisão. O Tribunal de Justiça declarou que um cidadão da UE deve dispor de um direito de residência permanente para poder beneficiar da proteção reforçada contra o afastamento
. Além disso, clarificou que o período acumulado de residência anterior (ininterrupta) exigido para a concessão da proteção reforçada contra o afastamento deve ser calculado, recuando no tempo a partir da data em que foi adotada a decisão de afastamento inicial
. A questão sobre se o período de residência exigido para a proteção reforçada foi interrompido por um período de privação de liberdade anterior à decisão de afastamento deve ser determinada por uma apreciação global que determine se, apesar dessa privação de liberdade, os vínculos de integração que unem o cidadão da UE e o Estado-Membro de acolhimento não foram quebrados
. Os fatores pertinentes nessa apreciação global incluem «a força dos vínculos de integração criados com o Estado‑Membro de acolhimento antes da privação de liberdade do interessado, a natureza da infração que justificou o período de privação de liberdade incorrido, as circunstâncias em que foi cometida e a conduta do interessado durante esse período»
.
No acórdão K e HF
, o Tribunal de Justiça considerou que o facto de o pedido de asilo de (um membro da família de) um cidadão da UE ter sido anteriormente indeferido com base no artigo 1.º, secção F, da Convenção de Genebra não pode levar automaticamente a concluir que a sua simples presença representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, conforme exigido pelo artigo 27.º da Diretiva 2004/38
. A necessidade de restringir a livre circulação e residência de um cidadão da UE, ou dos membros da sua família, deve ser apreciada caso a caso
e com base nas regras relativas à livre circulação. As autoridades nacionais competentes devem ainda considerar i) se a adoção de tais medidas de ordem pública ou de segurança pública respeita o princípio da proporcionalidade, tendo em conta os direitos dos cidadãos da UE e dos membros da sua família, e ii) a possibilidade de adotar outras medidas menos ofensivas da liberdade de circulação
.
Um terceiro conjunto de decisões do Tribunal de Justiça no período de referência diz respeito à livre circulação e aos direitos de residência derivados ao abrigo dos artigos 20.º e 21.º do TFUE.
No acórdão Rendón Marín
, o Tribunal de Justiça declarou que o direito da UE se opõe à recusa automática de um direito de residência derivado a um nacional de um país terceiro que tenha a guarda exclusiva de um cidadão da UE menor «móvel» e de um cidadão da UE menor «residente» pelo simples motivo de ter antecedentes penais
. Esta oposição à recusa automática de um direito de residência derivado a um progenitor nacional de um país terceiro que tenha um cidadão menor da UE a cargo, apenas com base nos antecedentes penais do progenitor, é igualmente confirmada pelo Tribunal de Justiça no acórdão CS
. No entanto, tanto no acórdão Rendón Marín como no CS, o Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de os Estados-Membros restringirem os direitos de residência derivados dos artigos 20.º e 21.º do TFUE, desde que tal restrição se baseie numa apreciação caso a caso e que qualquer afastamento ou restrição do direito de residência seja fundada na «existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou segurança pública»
.
No processo Chavez-Vilchez e o.
, foi pedido ao Tribunal de Justiça que clarificasse até que ponto um direito de residência derivado do artigo 20.º do TFUE (seguindo a sua linha de decisões desde o acórdão Ruiz Zambrano) está dependente da possibilidade de o progenitor do cidadão da UE menor «residente», que não possui a guarda efetiva desse menor, assegurar a sua guarda. O Tribunal de Justiça considerou que as autoridades competentes devem determinar, nomeadamente à luz dos artigos 7.º (proteção da vida privada e familiar) e 24.º (consideração do interesse superior da criança) da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, qual é o progenitor que assume a guarda efetiva do menor e se existe uma relação de dependência efetiva entre este e o progenitor nacional de um país terceiro que obrigue o menor a abandonar, na prática, o território da UE após a recusa de um direito de residência a esse progenitor
. Considerou também que, para efeitos dessa apreciação, a circunstância de o outro progenitor, cidadão da União, ser realmente capaz e estar pronto para assumir sozinho a guarda efetiva e quotidiana do filho constitui um elemento pertinente. No entanto, tal não é, por si só, suficiente para se poder concluir que não existe, entre o progenitor nacional de um país terceiro e o menor, uma relação de dependência tal que este último seria obrigado a abandonar o território da União se um direito de residência fosse recusado a esse nacional de um país terceiro
. O Tribunal de Justiça reiterou que os elementos pertinentes na apreciação das autoridades competentes incluem «a questão da guarda do menor e a questão de saber se o encargo legal, financeiro ou afetivo deste menor é assumido pelo progenitor nacional de um país terceiro»
. Acrescentou ainda que, para efeitos dessa apreciação, é necessária a «tomada em consideração, no interesse superior do menor em causa, de todas as circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente, da sua idade, do seu desenvolvimento físico e emocional, do grau da sua relação afetiva tanto com o progenitor cidadão da União como com o progenitor nacional de um país terceiro e do risco que a separação deste último acarretaria para o equilíbrio desse menor»
.
O processo Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real dizia respeito ao artigo 20.º do TFUE. O Tribunal de Justiça considerou que o artigo 20.º se opõe a que um Estado‑Membro indefira um pedido de reagrupamento familiar, apresentado pelo cônjuge, nacional de um país terceiro, de um cidadão da UE que possui a nacionalidade desse Estado‑Membro e que nunca exerceu a sua liberdade de circulação, apenas pelo facto de esse cidadão da UE não dispor, para si próprio e para o seu cônjuge, de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social nacional, sem que tenha sido examinado se existe uma relação de dependência entre o referido cidadão da UE e o seu cônjuge de tal forma que, caso seja recusada a concessão de um direito de residência derivado a este último, o mesmo cidadão da UE se veria obrigado a abandonar o território da UE, ficando assim privado dos direitos que o estatuto de cidadão da UE lhe confere. Por conseguinte, quando o nacional de um país terceiro apresenta à autoridade nacional competente um pedido de concessão de um direito de residência para efeitos de reagrupamento familiar com um cidadão da UE, nacional do Estado‑Membro em causa, essa autoridade deve apreciar, com base nos elementos que o nacional de um país terceiro e o cidadão da UE em causa devem apresentar e procedendo, se necessário, às investigações necessárias, se existe, entre essas duas pessoas, uma relação de dependência tal que, em princípio, deva ser concedido a esse nacional um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.º do TFUE.
5.2.2.Evolução da jurisprudência do TJUE sobre direitos de entrada e residência de «outros membros da família» de cidadãos da UE
No que respeita ao direito de entrada, no acórdão Ryanair Designated Activity Company, o Tribunal de Justiça clarificou que os nacionais de um país terceiro, membros da família de cidadãos da UE, que possuam um cartão de residência permanente emitido ao abrigo do artigo 20.º da Diretiva 2004/38/CE por um Estado-Membro também estão isentos, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2, da obrigação de possuir um visto para entrar noutro Estado-Membro. A dispensa de visto também se aplica quando esse cartão foi emitido por um Estado-Membro que não faz parte do espaço Schengen. O acórdão conclui que o titular do cartão tem o direito, sem necessidade de uma verificação ou de uma justificação suplementar, de entrar no território de um Estado‑Membro sem visto mediante a apresentação do cartão.
Além disso, no período de referência, o Tribunal de Justiça proferiu dois acórdãos que clarificam melhor a aplicação por analogia do artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2004/38 e a sua decisão anterior no processo Rahman
.
No acórdão Banger
, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 21.º do TFUE exige que os Estados-Membros facilitem a entrada e a residência dos membros da família alargada dos seus próprios nacionais que regressam ao seu território, nas condições do artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2004/38 aplicado por analogia
. A apreciação de um pedido de residência nos termos do artigo 3.º, n.º 2, está igualmente sujeita às obrigações de conceder uma certa vantagem a tais pedidos em relação aos de nacionais de países terceiros que não possuam tais laços familiares, e de proceder a uma análise aprofundada das circunstâncias pessoais do requerente. Quaisquer recusas de tais pedidos devem ser fundamentadas
. Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que os membros da família alargada cuja autorização de residência tenha sido recusada devem ter acesso a uma via de recurso perante um juiz nacional, que deve poder «verificar se a decisão de recusa assenta numa base factual suficientemente sólida e se as garantias processuais foram respeitadas. Entre estas garantias figura a obrigação de as autoridades nacionais competentes realizarem uma análise aprofundada das circunstâncias pessoais do requerente e fundamentarem a eventual recusa de entrada ou de residência»
.
No acórdão SM
, o Tribunal de Justiça começou por esclarecer (à semelhança do que fez para o conceito de «cônjuge» no acórdão Coman) que o conceito de «descendente direto» no artigo 2.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2004/38 é uma definição autónoma do direito da UE, independente da legislação dos Estados-Membros. Além disso, constatou que tal conceito deve ser interpretado de forma lata, e que abrange «qualquer vínculo de filiação, quer seja de natureza biológica ou jurídica» (incluindo assim filhos biológicos e adotivos). Em contrapartida, não abrange menores que estejam sob uma tutela legal que não cria um vínculo de filiação entre o menor e o seu tutor (incluindo menores colocados sob o regime de kafala argelina)
. O Tribunal de Justiça observa especificamente que esses menores estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2004/38
. Ao porem em prática a sua obrigação de favorecer a entrada e a residência dos «outros membros da família»
, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, os Estados-Membros devem exercer a sua margem de apreciação «à luz e no respeito» das disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, incluindo o direito à (respeito pela) vida familiar (artigo 7.º) e o interesse superior da criança (artigo 24.º)
. Devem ainda «proceder a uma apreciação equilibrada e razoável de todas as circunstâncias atuais e relevantes do caso concreto, tendo em conta todos os interesses em jogo e, em particular, o superior interesse do menor em causa»
. Esta apreciação inclui ter em consideração i) a idade do menor quando a tutela legal foi estabelecida e se o menor viveu com o seu tutor desde então, ii) o grau das relações afetivas, iii) o nível de dependência do menor em relação ao seu tutor, bem como iv) os eventuais riscos específicos e individualizados de o menor ser vítima de abuso, exploração ou tráfico. Se a apreciação levar à conclusão de que o menor e o seu tutor têm uma vida familiar efetiva e que esse menor depende do seu tutor, o direito fundamental ao respeito pela vida familiar e o superior interesse do menor exigem, em princípio, que o Estado-Membro de acolhimento conceda a esse menor o direito de entrada e de residência na qualidade de «outro membro da família»
.
5.2.3.Evolução da jurisprudência do TJUE sobre aspetos processuais da livre circulação e dos direitos de residência
No período de referência, o Tribunal de Justiça também emitiu três acórdãos pertinentes para as normas e direitos processuais aplicáveis ao abrigo da Diretiva Livre Circulação.
No acórdão Petrea, o Tribunal de Justiça (também) foi chamado a considerar várias questões relacionadas com aspetos processuais da Diretiva 2004/38. O processo dizia respeito a um cidadão da UE que tinha voltado a entrar no território de um Estado-Membro apesar de estar sujeito a uma proibição de entrada no território emitida por esse país. O Tribunal de Justiça considerou que os Estados-Membros têm o direito de prever o afastamento desse cidadão móvel da UE por meio de um procedimento nacional de transposição da Diretiva 2008/115 (para o regresso de nacionais de países terceiros), desde que sejam aplicadas as medidas de transposição da Diretiva 2004/38 que seriam mais favoráveis aos cidadãos da UE
. Além disso, considerou que os Estados-Membros podem estabelecer que os particulares não possam invocar a ilegalidade de uma decisão de proibição de entrada no território tomada contra si para impugnar uma decisão de regresso subsequente, desde que o interessado tenha disposto de forma efetiva da «possibilidade de impugnar em tempo útil [a decisão de proibição de entrada no território] à luz das disposições da Diretiva 2004/38
. O Tribunal de Justiça também considerou que, embora o artigo 30.º da Diretiva 2004/38 exija que os Estados-Membros notifiquem a pessoa em questão de uma decisão adotada nos termos do artigo 27.º (ou seja, uma decisão de afastamento) «de uma forma que lhe permita compreender o conteúdo e os efeitos que têm para si», esta notificação não os obriga a notificar a decisão numa língua que a pessoa compreenda ou se presuma razoavelmente que compreenda, quando esta não tiver apresentado um pedido nesse sentido
.
No acórdão Chenchooliah, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 15.º da Diretiva 2004/38/EC se aplica ao afastamento de um nacional de um país terceiro que seja cônjuge de um cidadão da UE e que já não disponha de um direito de residência num Estado‑Membro nos termos da Diretiva 2004/38/CE devido à partida do cidadão da UE desse Estado‑Membro. O Tribunal de Justiça considerou que, embora o cônjuge já não beneficie de um direito de residência no Estado de acolhimento nos termos da Diretiva 2004/38/CE devido à partida do cidadão da UE, a decisão de afastamento é regida pela Diretiva 2004/38/CE. Tal significa que o Estado-Membro de acolhimento não pode, em caso algum, impor uma proibição de entrada no território no contexto de tal afastamento e que as garantias processuais pertinentes previstas nos artigos 30.º e 31.º da Diretiva 2004/38/CE se aplicam nesse caso.
No acórdão Diallo
, o Tribunal de Justiça clarificou que o artigo 10.º, n.º 1, da Diretiva 2004/38 não só exige que os Estados-Membros adotem e notifiquem a decisão sobre o pedido de cartão de residência apresentado por um membro da família de um cidadão móvel da UE no prazo de seis meses, como também obriga os Estados-Membros a adotarem uma decisão de recusa de emissão desse cartão nos termos da diretiva (e a notificarem a pessoa em causa) no mesmo prazo de seis meses
. Clarificou também que o direito da UE, especificamente a Diretiva 2004/38, se opõe a que os Estados-Membros prevejam, ao abrigo da regulamentação nacional, que o termo do prazo de seis meses implique automaticamente a emissão do cartão de residência sem verificarem, previamente, que o interessado preenche efetivamente os requisitos para residir no Estado‑Membro de acolhimento em conformidade com o direito da União
. Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que, na sequência da anulação judicial de uma decisão que recusa a emissão de um cartão de residência, as autoridades nacionais competentes devem adotar uma decisão relativa ao pedido do cartão de residência num prazo razoável, que não pode, em caso algum, ultrapassar o referido no artigo 10.º, n.º 1, da Diretiva 2004/38. À luz do princípio da efetividade e do «objetivo de celeridade inerente à Diretiva 2004/38», e considerando que o nacional de um país terceiro permanece numa situação de incerteza jurídica até o cartão de residência ser emitido, o Tribunal de Justiça rejeitou explicitamente a ideia de que, na sequência da anulação judicial de uma decisão que recusa a emissão de um cartão de residência, seja concedido às autoridades competentes um novo período de seis meses para adotarem uma nova decisão
.
5.2.4.Evolução da jurisprudência do TJUE sobre direitos relacionados com o exercício da livre circulação e direitos de residência
No período de referência, o Tribunal de Justiça emitiu ainda um acórdão relacionado com questões com o potencial efeito de prejudicar a livre circulação dos cidadãos da UE, consagrada no artigo 21.º do TFUE.
No acórdão Freitag
, o Tribunal de Justiça foi incumbido de considerar se o artigo 21.º do TFUE, à luz das suas anteriores decisões judiciais (de Grunkin e Paul a Bogendorff von Wolffersdorff) se opõe à recusa de reconhecer, com base numa disposição legal nacional (neste caso, o direito alemão), uma mudança de apelido de uma pessoa com dupla nacionalidade (alemã/romena) efetuada no outro Estado-Membro de nacionalidade desse cidadão da UE (ou seja, a Roménia), onde este não tinha residência habitual no momento em que o apelido foi alterado. Essencialmente, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 21.º do TFUE se opõe a que as autoridades de um Estado-Membro recusem o reconhecimento do apelido de um dos seus nacionais que tenha sido obtido legalmente noutro Estado-Membro, do qual esse indivíduo também é nacional, uma vez que uma restrição ao reconhecimento de uma mudança do apelido seria «suscetível de causar entraves ao exercício do direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros», dado que existe um risco concreto de a pessoa com dupla nacionalidade da UE em causa ser obrigada a dissipar dúvidas quanto à sua identidade e à autenticidade dos documentos apresentados ou à veracidade dos dados contidos nesses documentos
.
5.2.5.Acesso a prestações e/ou assistência social por parte de residentes de países da UE que estejam a residir noutro Estado-Membro
No processo A., o Tribunal de Justiça recordou que a competência de um Estado-Membro para organizar os seus sistemas educativos deve ser exercida em conformidade com o artigo 21.º do TFUE, e que as modalidades de concessão de financiamento dos estudos superiores não podem criar entraves injustificados à livre circulação. O Tribunal de Justiça salientou que uma legislação nacional que coloca determinados cidadãos de um Estado‑Membro numa situação de desvantagem pelo simples facto de terem exercido a sua liberdade de circulação constitui uma restrição à liberdade reconhecida pelo artigo 21.º, n.º 1, do TFUE. Por conseguinte, concluiu que os artigos 20.º e 21.º do TFUE se opõem a que seja recusada a um residente de um Estado‑Membro, com deficiência grave, pelo município da sua residência, uma prestação como a assistência pessoal em causa no processo principal pelo facto de estar a residir noutro Estado‑Membro para aí prosseguir estudos superiores.
5.3.Ação da Comissão
5.3.1.Facilitar o exercício da livre circulação
No domínio da livre circulação de cidadãos (móveis) da UE, a Comissão Europeia tomou recentemente várias medidas para assegurar que os Estados-Membros cumprem plenamente o direito da UE, nomeadamente através de processos por infração em casos de incompatibilidade da legislação nacional com o direito da UE.
Além disso, adotou medidas noutros domínios do direito da UE com efeitos potenciais para a livre circulação dos cidadãos móveis da UE. Por exemplo, em fevereiro de 2019, adotou uma recomendação a fim de facilitar aos cidadãos da UE o acesso (transfronteiras) aos seus próprios dados de saúde.
5.3.2.Reforçar a segurança dos bilhetes de identidade e dos títulos de residência
A Diretiva Livre Circulação (2004/38/CE) define as condições para o exercício do direito de livre circulação e residência (temporária e permanente) na UE para os cidadãos da UE e seus familiares. Nela se estabelece que, em conjunto com um bilhete de identidade ou passaporte válido, os cidadãos da UE e seus familiares podem entrar e residir noutro Estado-Membro e requerer a documentação de residência apropriada. No entanto, a diretiva não fixa o modelo nem as normas aplicáveis aos bilhetes de identidade utilizados para entrar ou sair dos Estados‑Membros da UE. Do mesmo modo, não prevê normas aplicáveis aos títulos de residência emitidos aos cidadãos da UE e seus familiares que não sejam nacionais da UE, além do título a atribuir a estes últimos, ou seja «Cartão de residência de membro da família de um cidadão da União» (ver artigo 10.º, n.º 1, da Diretiva 2004/38).
A UE proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em que é assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de gestão das fronteiras externas, asilo e imigração, bem como de prevenção e combate da criminalidade e do terrorismo.
Muitas das medidas de segurança da UE assentam em documentos de identidade e viagem seguros, designadamente os controlos sistemáticos estabelecidos pelo Código das Fronteiras Schengen no Sistema de Informação Schengen.
Nos últimos anos, foram introduzidas normas da UE aplicáveis a diversos documentos de identidade e de viagem utilizados na Europa.
O plano de ação de 2016 sobre a segurança dos documentos abordava o risco inerente aos bilhetes de identidade e títulos de residência fraudulentos, e o relatório de 2017 sobre a cidadania comprometeu-se a analisar as opções políticas para melhorar a segurança dos bilhetes de identidade e dos títulos de residência. A Comissão realizou uma avaliação de impacto que ponderou um conjunto de opções para os bilhetes de identidade e títulos de residência, por comparação com o statu quo, incluindo medidas legislativas não vinculativas, requisitos mínimos comuns e harmonização mais ampla. O statu quo foi considerado insatisfatório e a harmonização mais ampla não foi considerada proporcional.
Estas são algumas das razões pelas quais, em abril de 2018, a Comissão propôs, no quadro da sua ação rumo a uma União da Segurança genuína e eficaz, melhorias nos elementos de segurança dos bilhetes de identidade dos cidadãos da UE e dos títulos de residência emitidos aos seus familiares que sejam nacionais de países terceiros.
Em junho de 2019, o Parlamento Europeu e o Conselho adotaram o Regulamento 2019/1157 que visa reforçar a segurança dos bilhetes de identidade dos cidadãos da UE e dos títulos de residência emitidos aos cidadãos da UE e seus familiares que exercem o direito à livre circulação. O regulamento introduziu normas mínimas de segurança comuns, tornando os bilhetes de identidade e os títulos de residência mais seguros e fiáveis. Será aplicado a partir de agosto de 2021.
6. DIREITO DE ELEGER E SER ELEITO NAS ELEIÇÕES PARA O PARLAMENTO EUROPEU, BEM COMO NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS [ARTIGOS 20.º, N.º 2, ALÍNEA B), E 22.º do TFUE]
6.1. Introdução
Nos termos dos artigos 20.º, n.º 2, alínea b), e 22.º do TFUE, qualquer cidadão da UE residente num Estado-Membro que não seja o da sua nacionalidade goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu, bem como nas eleições municipais do Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.
A Comissão respondeu a 43 queixas, 57 cartas/pedidos individuais, 74 perguntas e 21 petições do Parlamento Europeu sobre estas questões, principalmente no que se refere à perda do direito de voto ou de participar num referendo.
Na sequência das eleições de 2019 para o Parlamento Europeu, a Comissão recebeu um grande número de queixas relativas à possibilidade de os cidadãos móveis da UE exercerem efetivamente os seus direitos de voto no Reino Unido, bem como de cidadãos romenos relativamente às dificuldades que encontraram para votar nos consulados romenos no estrangeiro.
6.2. Evolução da jurisprudência
No seu acórdão Junqueras Vies, de 19 de dezembro de 2019, na sequência de um pedido de decisão prejudicial do Supremo Tribunal de Espanha (Tribunal Supremo), o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 9.º do Protocolo (n.º 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que:
- se deve considerar que uma pessoa que foi oficialmente proclamada eleita ao Parlamento Europeu, embora estivesse sujeita a uma medida de prisão preventiva no âmbito de um processo penal relacionado com crimes graves, mas que não foi autorizada a cumprir determinadas exigências previstas no direito interno após tal proclamação nem a dirigir‑se ao Parlamento Europeu, para participar na primeira sessão deste, beneficia de imunidade ao abrigo do segundo parágrafo desse artigo;
- esta imunidade implica que seja decretado o levantamento da medida de prisão preventiva aplicada à pessoa em causa, para lhe permitir que se dirija ao Parlamento Europeu e que aí cumpra as formalidades exigidas. Contudo, se o órgão jurisdicional nacional competente considerar que esta medida se deve manter após a aquisição, pela referida pessoa, da condição de membro do Parlamento Europeu, o referido órgão jurisdicional deverá solicitar com a maior brevidade possível o levantamento da referida imunidade ao Parlamento Europeu, ao abrigo do artigo 9.º, terceiro parágrafo, do mesmo protocolo.
6.3. Evolução no domínio dos direitos de voto e medidas adotadas pela Comissão
No seu relatório de 2017 sobre a cidadania da UE, a Comissão instou os Estados-Membros a promoverem a participação na vida democrática, informando melhor os cidadãos acerca dos seus direitos eleitorais e eliminando os obstáculos à sua participação. Este apelo mereceu o apoio do Conselho nas conclusões que emitiu em 11 de maio de 2017.
A Comissão publicou o seu último relatório sobre a aplicação da legislação da UE nas eleições locais e autárquicas e as formas de promover os direitos eleitorais em fevereiro de 2018. Uma vez que os cidadãos da UE se deslocam e residem cada vez mais noutros Estados‑Membros, as principais preocupações que emanam do relatório são a reduzida afluência às urnas dos cidadãos móveis e a necessidade de uma melhor recolha de dados.
Em setembro de 2018, a Comissão publicou um pacote de medidas destinadas a apoiar a realização de eleições europeias livres e justas, incluindo i) uma Comunicação; ii) uma Recomendação sobre as redes de cooperação eleitoral, a transparência em linha, a proteção contra os incidentes de cibersegurança e a luta contra as campanhas de desinformação no contexto das eleições para o Parlamento Europeu; iii) um Documento de orientação sobre a aplicação do direito da União em matéria de proteção de dados no contexto eleitoral; e iv) uma proposta legislativa que prevê sanções para a utilização abusiva deliberada de dados pessoais por partidos políticos e fundações europeus para influenciar o resultado das eleições.
Em consonância com estas medidas, a Comissão apoiou os Estados-Membros, estabelecendo e organizando reuniões da rede europeia de cooperação para as eleições. Esta rede reúne representantes das autoridades dos Estados-Membros com competência em matéria eleitoral, e permite intercâmbios práticos e concretos sobre vários temas pertinentes para assegurar eleições livres e justas, nomeadamente a proteção de dados, a cibersegurança, a transparência, a sensibilização, e a participação inclusiva e equitativa.
7. DIREITO À PROTEÇÃO DAS AUTORIDADES DIPLOMÁTICAS E CONSULARES [ARTIGOS 20.º, N.º 2, ALÍNEA C), e 23.º DO TFUE]
7.1. Introdução
Ao abrigo dos artigos 20.º, n.º 2, alínea c), e 23.º do TFUE, num país terceiro em que o Estado‑Membro de que são nacionais não se encontre representado, os cidadãos da UE têm o direito de ser protegidos pelas autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado‑Membro, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. 76 % dos cidadãos da UE estão cientes deste direito.
No período de referência, a Comissão respondeu a dez queixas, oito cartas/pedidos individuais e oito perguntas do Parlamento Europeu sobre este assunto. Os temas prendiam-se principalmente com a emissão de títulos de viagem provisórios para regressar ao seu país de origem ou com a ausência de proteção consular ou discriminação por parte das autoridades consulares.
7.2. Desenvolvimentos no domínio da proteção consular
Em 18 de junho de 2019, o Conselho adotou uma diretiva que cria um título de viagem provisório da UE, atualizando as regras, o modelo e os elementos de segurança do documento atualmente em uso. A diretiva simplifica as formalidades para cidadãos não representados da UE em países terceiros cujo passaporte ou documento de viagem tenha sido extraviado, furtado ou destruído, para assegurar que lhes é fornecido um título de viagem provisório por outro Estado-Membro, que lhes permita regressar a casa. Após a adoção das especificações técnicas necessárias, os Estados-Membros têm dois anos para transpor a diretiva para o direito nacional.
Paralelamente, a Comissão continua a incluir e a negociar cláusulas de consentimento em acordos bilaterais com países terceiros, a fim de assegurar que esses países aceitem que os Estados-Membros representados da UE prestem assistência aos cidadãos não representados da UE.
8. DIREITO DE DIRIGIR PETIÇÕES AO PARLAMENTO EUROPEU, DIREITO DE RECORRER AO PROVEDOR DE JUSTIÇA EUROPEU [ARTIGOS 20.º, N.º 2, ALÍNEA D), E 24.º, N.os 2, 3 e 4, DO TFUE]
8.1. Introdução
Os artigos 20.º, n.º 2, alínea d), e 24.º, n.os 2, 3 e 4, do TFUE fazem referência a outros direitos que conferem aos cidadãos da UE a possibilidade de se dirigir às instituições da UE, incluindo o direito de petição ao Parlamento Europeu e o direito de recorrer ao Provedor de Justiça Europeu. Todos os cidadãos da UE têm o direito de se dirigir por escrito a qualquer das instituições, organismos, serviços ou agências da UE numa das línguas oficiais e de receber uma resposta redigida na mesma língua.
8.2. Direito de petição ao Parlamento Europeu
Nos termos do artigo 24.º, n.º 2, do TFUE, os cidadãos da UE gozam do direito de petição ao Parlamento Europeu, em qualquer língua do Tratado, sobre questões relacionadas com a UE que lhes digam respeito, e de receber uma resposta redigida na mesma língua. Em 2018, a Comissão das Petições do Parlamento Europeu recebeu 1 220 petições, em comparação com 1 271 em 2017 e 1 569 em 2016. No entanto, em 2019, este número subiu para 1 357, das quais 938 foram declaradas admissíveis. Em 2018, o ambiente tornou-se o principal tema das petições, o que se verificou também em 2019.
Desde 2014, está disponível um «Portal das Petições» que permite apresentar facilmente petições em linha. Enquanto em 2014 as petições foram apresentadas por correio eletrónico em 80 % dos casos e por carta nos restantes 20 %, 73,9 % das petições recebidas em 2019 foram apresentadas através do Portal das Petições.
8.3. Direito de recorrer ao Provedor de Justiça Europeu
Nos termos do artigo 24.º, n.º 3, do TFUE, os cidadãos da UE têm o direito de se dirigir ao Provedor de Justiça Europeu, que trata das queixas dos cidadãos sobre as instituições, organismos e agências da UE. Os problemas vão desde litígios contratuais e violações dos direitos fundamentais, até à falta de transparência no processo de tomada de decisão e recusa de acesso a documentos.
No período de 2017-2019, o Provedor de Justiça registou mais de 6 000 queixas, das quais cerca de 2 500 se enquadravam no seu mandato, e abriu 1 395 inquéritos. A maioria das queixas dizia respeito a alegadas faltas de transparência e prestação de contas. A conformidade com as sugestões do Provedor de Justiça diminuiu de 85 % em 2016 para 77 % em 2018. A diminuição tem sido relativamente constante desde 2014, quando a conformidade atingiu os 90 %. O Gabinete do Provedor de Justiça ajudou mais de 50 000 cidadãos em três anos, através da abertura de inquéritos, da resposta a pedidos de informação ou de aconselhamento no seu guia interativo em linha.
O principal trabalho de tratamento de queixas foi complementado por inquéritos de iniciativa estratégicos, destinados a ajudar o maior número possível de cidadãos, examinando questões que parecem ser de natureza sistémica e não pontual. Durante o período de referência, os inquéritos analisaram, nomeadamente, a transparência do processo legislativo do Conselho (2017).
Em 2016, o Provedor de Justiça Europeu adotou novas regras internas que regem a forma como trata as queixas e inquéritos para tornar o gabinete mais eficiente e eficaz.
Em 2018, introduziu um novo procedimento acelerado para o tratamento de queixas relativas ao acesso do público aos documentos, o que lhe permite tomar uma decisão no prazo de dois meses após a receção da queixa.
9. INICIATIVA DE CIDADANIA EUROPEIA (ICE) (ARTIGO 24.º DO TFUE; ARTIGO 11.º, N.º 4, DO TUE)
Nos termos do artigo 11º, n.º 4, do Tratado da União Europeia (TUE), aplicado pelo Regulamento (UE) n.º 211/2011, um milhão, ou mais, de cidadãos da União, nacionais de pelo menos sete Estados-Membros, podem tomar a iniciativa de convidar a Comissão Europeia a, no âmbito das suas atribuições, apresentar uma proposta adequada em matérias sobre as quais esses cidadãos considerem necessário um ato jurídico da UE para aplicar os Tratados.
Desde 2011, foram lançadas 75 iniciativas sobre uma série de questões e foram recolhidas cerca de nove milhões de declarações de apoio pelos organizadores em toda a União Europeia. Cinco iniciativas conseguiram atingir o limiar de um milhão de assinaturas, uma das quais durante o período de referência:
A iniciativa «Proibição do glifosato» apela aos Estados-Membros que proíbam o glifosato, reformem o procedimento de aprovação de pesticidas e estabeleçam, ao nível da UE, metas de redução obrigatórias para a utilização de pesticidas. Em dezembro de 2017, a Comissão adotou uma comunicação que explicava que não tencionava apresentar uma proposta legislativa, porque a avaliação científica do glifosato pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos é favorável no que diz respeito à saúde humana e animal e ao ambiente.
Na sequência da revisão da forma como o regulamento tem sido aplicado desde 31 de março de 2015, a Comissão adotou uma proposta de novo regulamento sobre a iniciativa de cidadania em 13 de setembro de 2017, que foi adotada em 17 de abril de 2019
e tem sido aplicada desde 1 de janeiro de 2020. A versão revista do regulamento traz uma simplificação e melhorias significativas para os cidadãos e os organizadores em todas as fases subsequentes do processo da ICE, para que todo o seu potencial possa ser alcançado, tornando-a mais acessível, menos onerosa e mais fácil de utilizar pelos organizadores e apoiantes.
A Comissão efetuou uma segunda revisão da aplicação do regulamento e, em 28 de março de 2018, adotou outro relatório, que concluiu que a Comissão tinha avaliado exaustivamente os obstáculos que subsistiam, tendo-os abordado na sua proposta de regulamento, de 13 de setembro de 2017. A Comissão está empenhada em continuar a acompanhar e debater uma série de questões relacionadas com a ICE, em estreita cooperação e coordenação com os vários intervenientes e as instituições, e a melhorar este instrumento.
Durante o período de referência, o grupo de peritos da iniciativa de cidadania europeia reuniu‑se várias vezes. É composto por representantes das autoridades nacionais pertinentes, e o seu papel consiste em coordenar a forma como a ICE está a ser implementada com os países da UE.