COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 9.9.2020
COM(2020) 493 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO
Relatório de prospetiva estratégica 2020
PROSPETIVA ESTRATÉGICA – DEFINIR O RUMO PARA UMA EUROPA MAIS RESILIENTE
Índice
Resumo
1.Integrar a prospetiva estratégica no processo de elaboração de políticas da UE
2.A resiliência como novo ponto de referência para as políticas da UE.
3.Análise da resiliência em quatro vertentes
3.1.Vertente social e económica
3.2.Vertente geopolítica
3.3.Vertente ecológica
3.4.Vertente digital
4. Agenda da prospetiva estratégica
4.1 Monitorizar a resiliência
4.1.1 Protótipos de quadros de indicadores de resiliência
4.1.2 Trabalhos futuros para monitorizar a resiliência
4.2 Atividades horizontais de prospetiva para promover políticas eficazes da UE orientadas para a transição
4.3 Agenda temática da prospetiva estratégica
Resumo
As orientações políticas da presidente Ursula von der Leyen definem uma visão estratégica a longo prazo para alcançar a transição para uma Europa verde, digital e justa
. Estabelecem uma trajetória para fazer da Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050, para a preparar para a era digital e para cultivar a economia social de mercado e a ordem democrática que a distinguem.
A crise da COVID-19 abalou o mundo, expondo vulnerabilidades e evidenciando capacidades no seio da UE. A pandemia já ceifou as vidas de quase um milhão de pessoas em todo o mundo e provocou dificuldades económicas, sociais e psicológicas. Na UE, foi responsável por um agravamento das desigualdades sociais e económicas: em 2020, não obstante as várias redes de segurança criadas, prevê-se que o desemprego aumente para mais de 9 % e que o rendimento real disponível diminua 1 %, afetando de forma desproporcionada as mulheres e os agregados familiares mais pobres
. O comércio fortemente diversificado da UE demonstrou ser uma força, não obstante a dependência de um número limitado de fornecedores de países terceiros no que respeita a alguns bens e serviços essenciais ter sido exposta como uma vulnerabilidade. A UE e os seus Estados-Membros puderam igualmente contar com as suas economias sociais de mercado, ecossistemas sustentáveis, sistemas financeiros sólidos e com um quadro de governação eficaz. O plano de recuperação da Europa
mostra agora o caminho a seguir: o Next Generation EU visa construir uma Europa mais resiliente, sustentável e justa graças a um apoio financeiro em larga escala ao investimento e a reformas.
A prospetiva estratégica desempenhará um papel fundamental na elaboração de políticas da UE preparadas para o futuro ao garantir que as iniciativas a curto prazo assentam em perspetivas a mais longo prazo. A fim de tirar o máximo partido do seu potencial, a Comissão dispõe de um forte mandato para colocar a prospetiva estratégica no centro do processo de elaboração de políticas da UE
. A prospetiva estratégica pode ajudar a construir uma inteligência coletiva de forma estruturada, para melhor traçar o caminho a seguir no sentido da dupla transição ecológica e digital e para recuperar de perturbações. Com a presente comunicação, a Comissão revela de que modo integrará a prospetiva estratégica na elaboração das políticas da UE e define as prioridades conexas. Tal afigura-se essencial, visto estarmos a entrar numa nova era em que a prospetiva orientada para a ação estimulará o pensamento estratégico e moldará as políticas e iniciativas da UE, incluindo os futuros programas de trabalho da Comissão.
O tema central deste primeiro relatório é a resiliência, que, com a crise da COVID-19, se tornou um novo ponto de referência para as políticas da UE. A resiliência é não só a capacidade de resistir e enfrentar desafios, mas também de passar por transições de uma forma sustentável, justa e democrática. A resiliência é necessária em todos os domínios de intervenção a fim de empreender a dupla transição ecológica e digital, mantendo em simultâneo os propósitos fundamentais e a integridade da UE num ambiente dinâmico e, por vezes, conturbado. Uma Europa mais resiliente recuperará mais rapidamente, sairá fortalecida das crises atuais e futuras e concretizará mais facilmente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
O primeiro relatório anual de prospetiva estratégica descreve de que modo a prospetiva norteará as políticas tendo em vista reforçar a resiliência da UE em quatro vertentes inter-relacionadas: social e económica, geopolítica, ecológica e digital. O relatório analisa a resiliência da UE na resposta à crise da COVID-19, no contexto da aceleração ou desaceleração de megatendências pertinentes, forças motrizes de longo prazo suscetíveis de influenciar significativamente o futuro. A presente comunicação mostra como as políticas destinadas a aumentar a resiliência, mediante a atenuação das vulnerabilidades e o reforço das capacidades, podem criar novas oportunidades em cada uma das quatro vertentes mencionadas. Tal inclui a reapreciação do futuro do bem-estar, do trabalho, dos mercados de trabalho e das competências, a reconfiguração das cadeias de valor mundiais, o apoio à democracia, a reforma do nosso sistema de comércio baseado em regras, a criação de alianças no domínio das tecnologias emergentes e o investimento na dupla transição ecológica e digital.
Esta nova ênfase na resiliência exige um acompanhamento atento. A presente comunicação propõe a introdução de quadros de indicadores de resiliência que, uma vez plenamente desenvolvidos em cooperação com os Estados-Membros e outras partes interessadas pertinentes, devem ser utilizados para avaliar as vulnerabilidades e as capacidades da UE e dos seus Estados-Membros em cada uma das quatro vertentes. Essa análise pode ajudar a responder à questão: estaremos a tornar a UE verdadeiramente mais resiliente com as nossas políticas e a nossa estratégia de recuperação?
A agenda da prospetiva estratégica abrangerá atividades de análise prospetiva horizontal e exercícios prospetivos temáticos. No próximo ano, estes incluirão: a autonomia estratégica aberta, o futuro dos empregos e das competências no âmbito da transição ecológica e o aprofundamento da geminação das transições digital e ecológica. Esta agenda proporcionará uma perspetiva dinâmica das sinergias e conflitos entre os objetivos políticos da UE, apoiando assim a coerência das políticas da UE.
1.Integrar a prospetiva estratégica no processo de elaboração de políticas da UE
A Comissão recorreu à prospetiva durante muitos anos, mas pretende agora integrá-la em todos os domínios de intervenção. A prospetiva — a disciplina dedicada a explorar, antecipar e moldar o futuro — ajuda a construir e a utilizar a inteligência coletiva de uma forma estruturada e sistemática para antecipar a evolução e melhorar a preparação para a mudança. A exploração de horizontes, a avaliação de megatendências, de questões emergentes e suas implicações políticas, bem como a exploração de futuros alternativos por meio do planeamento e visionamento de cenários, são essenciais para orientar escolhas políticas estratégicas. A prospetiva estratégica foi inicialmente desenvolvida como forma de apoio à elaboração de políticas da UE pela Célula de Prospetiva (Cellule de Prospective), durante o mandato do presidente Jacques Delors. Em conjunto com a modelização a longo prazo, tem, desde então, contribuído para muitas políticas, incluindo no domínio da ação climática. A fim de apoiar a sua ambição a longo prazo de um continente com impacto neutro e preparado para a era digital, a Comissão von der Leyen pretende integrar a prospetiva estratégica na preparação das suas principais iniciativas. Este processo já está em curso. A título de exemplo, a recém-adotada comunicação sobre as matérias-primas essenciais faz um uso significativo da prospetiva
. Nos próximos anos, será crucial estabelecer uma cultura prospetiva de elaboração de políticas, a fim de reforçar a capacidade da UE para lidar com um mundo cada vez mais volátil e complexo e executar a sua agenda política orientada para o futuro. Tal garantirá que as ações a curto prazo assentam em objetivos de longo prazo e permitirá à UE assumir um papel de liderança, traçando o seu próprio rumo e moldando o mundo que a rodeia.
A prospetiva estratégica deve contribuir para as principais iniciativas políticas. Tornar‑se‑á, assim, parte integrante dos instrumentos para Legislar Melhor da Comissão, por exemplo nas avaliações de impacto ex ante. Tal assegurará que as políticas da UE assentam numa compreensão clara de possíveis tendências, cenários e desafios futuros, especial nos domínios de intervenção sujeitos a mudanças estruturais rápidas. A prospetiva estratégica apoiará igualmente o programa para a adequação e a eficácia da regulamentação
, que identifica oportunidades para reduzir os custos regulamentares da Europa e ajuda a avaliar se o acervo legislativo da UE continua adequado ao seu objetivo.
A elaboração de políticas da UE será apoiada por fluxo regular de atividades prospetivas. Os relatórios anuais de prospetiva estratégica contribuirão para uma reflexão inclusiva sobre questões de importância estratégica para o futuro da Europa, analisando as principais tendências, definindo os temas de interesse fundamental para a UE e explorando formas de concretizar as nossas aspirações (secção 4). A elaboração de futuros relatórios basear-se-á em ciclos prospetivos completos
, incluindo exercícios de prospetiva aprofundados e participativos sobre iniciativas de grande importância, e procurará contribuir para o discurso anual sobre o estado da União, para os programas de trabalho da Comissão e para os exercícios de programação plurianual. Com base em recursos internos
, em conhecimentos especializados externos e na cooperação com os Estados-Membros, outras partes interessadas e os cidadãos, a Comissão alargará as suas capacidades no domínio da prospetiva estratégica para avaliar riscos e oportunidades, apoiar os sistemas de alerta precoce, melhorar a consciência situacional
e explorar futuros alternativos.
A prospetiva estratégica promoverá a governação participativa e orientada para o futuro na Europa e não só. A Comissão desenvolverá uma estreita cooperação e alianças no domínio da prospetiva com outras instituições da UE, nomeadamente no contexto do Sistema de Análise da Estratégia e Política Europeias (ESPAS)
, procurando interagir com parceiros internacionais e lançando uma rede prospetiva à escala da UE para desenvolver parcerias que tirem partido de capacidades públicas no domínio da prospetiva, de grupos de reflexão, dos meios académicos e da sociedade civil dos Estados-Membros. A integração da prospetiva no processo de elaboração de políticas da UE deve ocorrer de forma iterativa e sistemática, assentando em abordagens que já tenham dado provas de eficácia. Tal ajudará a desenvolver uma visão partilhada da elaboração de políticas ao mais alto nível político, permitindo simultaneamente a adoção generalizada de boas práticas e mantendo a porta aberta à experimentação.
2.A resiliência como novo ponto de referência para as políticas da UE.
A crise da COVID-19 expôs uma série de vulnerabilidades na UE e nos seus Estados‑Membros. Uma análise dos impactos da crise revela, além do terrível custo em termos humanos, perturbações graves na economia e na sociedade europeias. As capacidades de resposta e de prevenção, os sistemas de alerta precoce e as estruturas de coordenação ficaram claramente sob pressão, o que sublinha a necessidade de uma gestão de crises mais ambiciosa para enfrentar situações de emergência de grande escala a nível da UE. Nos primeiros meses da pandemia, muitos hospitais ficaram sobrecarregados, a livre circulação de pessoas e bens foi fortemente limitada e alguns medicamentos e equipamentos essenciais escassearam. A necessidade de tratar os doentes com COVID-19 afetou a capacidade do sistema para tratar os restantes doentes, ao passo que as unidades de cuidados residenciais e os serviços de apoio essenciais para os idosos e as pessoas com deficiência enfrentaram desafios particularmente complicados. As escolas e as universidades foram forçadas a encerrar, e muitas delas encontravam-se mal preparadas para oferecer soluções de aprendizagem digital alternativas ao ambiente de sala de aula, em especial a crianças oriundas de meios desfavorecidos ou com deficiência. De um modo geral, as medidas de confinamento tiveram um efeito muito mais profundo na economia do que a crise financeira de 2008.
Após um arranque difícil, a UE e os seus Estados-Membros remaram em conjunto para fazer face à crise. A agilidade e a liderança a todos os níveis de governação desempenharam um papel fundamental na nossa resposta. O reflexo primário de competir pelo acesso a recursos médicos escassos e adotar medidas unilaterais, por parte dos Estados-Membros, inicialmente verificado no mercado único e no espaço Schengen, evoluiu rapidamente para uma maior colaboração e coordenação, facilitadas pela Comissão. A UE concebeu soluções inovadoras e demonstrou as suas capacidades de resiliência. Os fabricantes da UE e as empresas de impressão 3D
adaptaram rapidamente as suas linhas de produção para o fabrico de máscaras faciais, ventiladores e desinfetante para as mãos
. A Comissão criou a primeira reserva estratégica comum de equipamento médico, no âmbito da rescEU, e ajudou a facilitar mais de 350 voos para o repatriamento de cidadãos da UE retidos no estrangeiro. Após as restrições fronteiriças iniciais, que originaram estrangulamentos das vias de abastecimento, a Comissão criou e coordenou os corredores verdes, que permitiram a circulação sem entraves das mercadorias
. A aprendizagem a distância foi adotada como solução para compensar o encerramento de escolas e universidades. Sempre que possível, as empresas e as administrações passaram a funcionar em regime de teletrabalho. Os consumidores recorreram ao comércio eletrónico e às entregas ao domicílio. Os Estados-Membros criaram redes de segurança para proteger as empresas e os trabalhadores durante a vigência das medidas de confinamento. Entre abril e maio de 2020, a Comissão adotou um pacote de redes de segurança e formulou recomendações específicas por país no âmbito do Semestre Europeu que aplicaram a máxima flexibilidade possível, a fim de ter em conta esta situação extraordinária. Além disso, apresentou uma estratégia coordenada de levantamento das medidas de confinamento e um plano de recuperação abrangente
. Assim, a pandemia sublinhou também a capacidade da Europa para agir face à adversidade.
A resiliência diz respeito não só à capacidade de resistir e enfrentar desafios, mas também de passar por uma transformação de forma sustentável, justa e democrática. Face à crise da COVID-19 e tendo em conta a agenda política orientada para a transição, é evidente que a Europa necessita de reforçar a sua resiliência e de avançar, ou seja, não apenas recuperar, mas emergir mais forte graças à intensificação destas transições. A UE tem de retirar ensinamentos da pandemia, antecipar a evolução futura e encontrar o equilíbrio adequado entre o bem-estar das gerações atuais e vindouras
.
As vulnerabilidades e as capacidades de resiliência da UE são analisadas à luz de megatendências pertinentes, forças motrizes de longo prazo suscetíveis de influenciar significativamente o futuro. A plataforma Megatrends Hub da Comissão identificou catorze megatendências globais
. A secção 3 apresenta uma análise sistemática preliminar das vulnerabilidades e capacidades que a crise revelou na UE e nos seus Estados-Membros, tendo em conta a possível aceleração ou desaceleração destas megatendências devido à crise, conforme ilustrado na figura 2.1. A título de exemplo, a COVID-19 agravou desigualdades e desequilíbrios demográficos e acelerou a hiperconectividade. A análise identifica igualmente as principais oportunidades para reforçar a resiliência da Europa por meio de medidas políticas pertinentes.
Figura 2.1 — Potencial impacto da COVID-19 nas megatendências
A elaboração de políticas orientadas para o futuro e assentes em exercícios prospetivos permitirá reforçar a resiliência da UE. A prospetiva pode ajudar a antecipar eventos suscetíveis de produzir impactos negativos e a reforçar a resiliência por intermédio de mudanças estruturais. A figura 2.2 ilustra um ciclo da possível contribuição da prospetiva estratégica para políticas de reforço da resiliência nas vertentes social e económica, geopolítica, ecológica e digital, tendo em conta o impacto da crise nas megatendências pertinentes. As políticas que beneficiam da prospetiva estratégica podem atenuar as vulnerabilidades e reforçar as capacidades reveladas pela crise de forma mais eficaz, criando novas oportunidades e tornando a Europa mais resiliente. Este é um processo contínuo, que integra ciclos de reavaliação e retroação constantes.
Figura 2.2 — Ligação entre a prospetiva estratégica e a resiliência
3.Análise da resiliência em quatro vertentes
3.1.Vertente social e económica
A vertente social e económica da resiliência diz respeito à capacidade para fazer face aos choques económicos e realizar uma mudança estrutural a longo prazo, de uma forma justa e inclusiva. Significa criar as condições sociais e económicas para uma recuperação orientada para as transições, promover a coesão social e regional e apoiar os elementos mais vulneráveis da sociedade, tendo simultaneamente em conta as tendências demográficas e agindo em consonância com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
Capacidades
A resiliência social e económica da Europa assenta na sua população e na sua distinta economia social de mercado. Combina uma força laboral altamente qualificada e uma economia competitiva com sistemas sociais que visam proteger as pessoas contra acontecimentos adversos e ajudá-las a lidar com a mudança. Os parceiros sociais contribuem para um crescimento sustentável e inclusivo por intermédio do diálogo social. Por toda a UE, as pessoas têm acesso garantido a educação e a medidas de proteção social, tais como prestações por doença e subsídio de desemprego, licença para assistência à família e regimes de trabalho flexível. Mesmo sob pressão, este modelo desempenhou um papel fundamental na atenuação dos efeitos da crise, por exemplo, garantindo a manutenção de postos de trabalho e a sobrevivência de empresas
. Alguns Estados-Membros foram mais fortemente afetados pela crise, sobretudo devido às suas diferentes estruturas económicas e margens de manobra orçamental. Em geral, os Estados-Membros com níveis mais elevados de dívida pública podem estar mais limitados no que respeita à sua capacidade para atenuar o impacto da crise. Todavia, as medidas nacionais foram complementadas pelas medidas adotadas a nível da UE, em especial as três grandes redes de segurança para os trabalhadores, as empresas e os Estados, no valor de 540 mil milhões de EUR, que o Conselho Europeu aprovou em abril de 2020
. Olhando para o futuro, o sólido sistema de ensino público da UE ajuda a desenvolver as competências necessárias para os empregos de amanhã, um elemento fundamental para assegurar uma transição justa para uma economia verde e digital.
A Europa pode também contar com a solidez do seu mercado único, o qual melhora a mobilidade, assegura que os modelos de negócio inovadores possam prosperar, facilita a atividade retalhista transfronteiras e propicia um melhor acesso a bens e serviços em toda a UE. As infraestruturas de transportes, a moeda única e a diversidade de setores económicos são alguns dos principais fatores que suportam a resiliência económica. Em todo o mercado único, a diversidade económica, regional e social dota a União de uma vantagem concorrencial sem paralelo à escala mundial e sustenta a sua resiliência coletiva.
As fortes relações comerciais e de investimento da Europa contribuirão para relançar a economia. Visto que as previsões sugerem que 85 % do crescimento mundial ocorrerá fora da UE e que 35 milhões de empregos europeus dependem das exportações e 16 milhões, do investimento estrangeiro, as relações comerciais e de investimento serão fundamentais para ligar a Europa a fontes externas de crescimento. Tal torna-se ainda mais significativo tendo em conta que a procura deverá registar uma progressão assimétrica após a crise.
O sistema financeiro da UE retirou ensinamentos importantes da crise financeira de 2008. Revelou-se resiliente desde os primeiros dias da pandemia, em parte graças ao programa de reformas financeiras da UE, nomeadamente a criação da União Bancária. Atualmente, o sistema apresenta muito maior robustez, com bancos mais bem capitalizados e centrados na concessão de empréstimos às famílias e às empresas do que em 2008. As oportunidades para as empresas obterem financiamento nos mercados de capitais também aumentaram.
As organizações colaborativas e sem fins lucrativos reforçam a resiliência social e económica. As cooperativas, as sociedades mútuas, as associações sem fins lucrativos, as fundações e as empresas sociais ajudaram os serviços públicos a fazer face à crise. Estas organizações demonstraram a sua capacidade para fornecer uma vasta gama de bens e serviços em todo o mercado único, em circunstâncias em que as empresas com fins lucrativos não teriam sido capazes de gerar rendimentos de capital adequados, deste modo criando e preservando milhões de postos de trabalho
. Além disso, são um motor fundamental para a inovação social.
A solidariedade europeia é fundamental para superar desafios coletivos como a COVID‑19. A política de coesão e o Fundo de Solidariedade da UE assumem um papel crucial na Iniciativa de Investimento de Resposta ao Coronavírus, ajudando setores expostos como o da saúde, as PME e os mercados de trabalho nos Estados-Membros e nas regiões mais afetadas
. O Instrumento de Apoio de Emergência — a vertente financeira do Roteiro Europeu Comum com Vista a Levantar as Medidas de Contenção da COVID-19 — permite atenuar as consequências da pandemia de uma forma coordenada a nível da UE.
Vulnerabilidades
A crise expôs vulnerabilidades sanitárias e sociais da Europa. As unidades de cuidados residenciais e os serviços de apoio para os idosos e as pessoas com deficiência eram estruturalmente vulneráveis e não estavam preparados para enfrentar e controlar a propagação do coronavírus. As pessoas com doenças crónicas, em especial sistemas imunitários debilitados ou problemas respiratórios, foram particularmente afetadas. Os sistemas de saúde de vários Estados-Membros, bem como a indústria farmacêutica, não estavam totalmente preparados, tendo-se debatido com problemas como a escassez de equipamento de proteção individual e dos produtos químicos necessários para o fabrico de medicamentos. Nomeadamente, a Europa teve dificuldades em preparar-se e coordenar-se quando começaram a surgir os primeiros alertas da China. É necessário antecipar melhor os riscos para a saúde e prevenir a propagação de novas doenças infecciosas e perturbações conexas. A COVID-19 desviou as atenções de grandes desafios sanitários como as doenças não transmissíveis, nomeadamente o cancro e a obesidade.
As medidas de confinamento afetaram o bem-estar geral, que, juntamente com o índice de satisfação com a vida, caiu para o nível mais baixo em mais de 40 anos. No primeiro semestre de 2020, o sentimento de solidão quase triplicou na Europa, sobretudo entre os jovens e os idosos, e os desafios em matéria de saúde mental aumentaram.
As desigualdades económicas, regionais, étnicas, de género e de competências agravaram‑se. A COVID-19 fez aumentar o número de pessoas em situação ou em risco de pobreza na Europa
. Algumas das pessoas economicamente afetadas pela pandemia também viram diminuir a sua capacidade de acesso a alimentos. As minorias raciais e étnicas estão estatisticamente mais expostas aos riscos de contrair o vírus e de enfrentar situações de insegurança financeira. A crise expôs igualmente a desigualdade no acesso às infraestruturas e aos serviços digitais, responsável por alargar o fosso digital. Os estudantes oriundos de meios desfavorecidos têm menos possibilidades de beneficiar das soluções de aprendizagem a distância, e os trabalhadores menos qualificados são mais propensos a ocupar «postos de trabalho com contacto», correndo o risco de uma maior exposição à doença, ao mesmo tempo que têm um menor acesso a cuidados de saúde. Os pais e, sobretudo, as mães que continuaram a (tele)trabalhar enfrentaram uma sobrecarga adicional devido à falta de acesso a estruturas de acolhimento de crianças. Os profissionais de primeira linha incluíam um número desproporcionado de mulheres, que representam 70 % de todo o pessoal dos serviços sociais e de saúde. A violência doméstica aumentou significativamente
. Além disso, a crise pôs em evidência a vulnerabilidade social e económica dos trabalhadores oriundos de países terceiros, bem como o seu contributo crucial para a resposta europeia ao coronavírus. As dificuldades económicas e a recessão podem também conduzir a uma maior exposição à criminalidade organizada e a um aumento da corrupção.
Os setores económicos e as empresas foram duramente atingidos pela crise. No segundo trimestre de 2020, ainda marcado pela imposição de medidas de confinamento para combater a COVID-19 na maioria dos Estados-Membros, o PIB corrigido das variações sazonais sofreu uma diminuição de 12,1 % na área do euro e de 11,7 % na UE, em comparação com o trimestre anterior
. Estima-se que as perdas acumuladas de receitas líquidas das empresas da UE se situem entre 13 % e 24 % do PIB da UE. A fragilidade do setor empresarial pode conduzir a falências, as quais, por sua vez, podem causar prejuízos económicos duradouros devido ao aumento do desemprego, ao desperdício de capital e à dissolução dos capitais próprios dos proprietários. As falências de empresas perturbam igualmente as redes económicas e criam impasses nas cadeias de abastecimento internacionais. Mesmo as empresas sobreviventes verão a sua capacidade de investimento diminuir. A crise veio agravar ainda mais os atrasos de pagamento nas transações comerciais
. Para as pequenas empresas, os atrasos de pagamento podem fazer a diferença entre a sobrevivência e a falência e pôr em causa a sua capacidade para pagar a trabalhadores e fornecedores, funcionar, produzir e crescer. Tendo em conta os recursos limitados e os obstáculos existentes no acesso ao capital, as PME podem possuir menos resiliência e flexibilidade para lidar com os custos associados a choques como o provocado pela COVID-19. As administrações públicas ficaram sob forte pressão para prestar serviços às empresas e aos cidadãos.
Os mercados de trabalho sofreram perturbações
, com enormes perdas de postos de trabalho suscetíveis de produzir efeitos em cascata a longo prazo. Os Estados-Membros possuem capacidades diferentes no que respeita ao financiamento de redes de segurança para pessoas e empresas que visem absorver o impacto da crise. As subsequentes assimetrias ameaçam a coesão regional e social. Ao contrário do verificado em crises anteriores, o emprego sofreu o golpe mais duro no setor dos serviços, que havia sido o motor de criação de emprego ao longo da última década
. Prevê-se que quase 8 % dos postos de trabalho na Europa, equivalentes a 12 milhões de empregos a tempo completo, sejam perdidos em 2020
, sem contabilizar o efeito devastador nas formas atípicas de trabalho e no trabalho centrado em projetos. Este facto aumenta o risco de desemprego estrutural e de longa duração e conduz a uma desqualificação da população ativa, precisamente num momento em que as competências digitais e outras competências especializadas são fundamentais para o futuro emprego e em que dois quintos dos europeus carecem da literacia digital necessária
. Os jovens que entram no mercado de trabalho na conjuntura atual também enfrentarão mais dificuldades para obter o seu primeiro emprego. Além disso, a pandemia surgiu num período em que 21 % dos residentes na UE já se encontravam em risco de sobre-endividamento
.
A União Bancária tem sido crucial para conter a tempestade no curto prazo, mas a União Económica e Monetária continua por concluir. Numa altura em que a obtenção de financiamento no mercado é indispensável para a economia real, apercebemo-nos, mais do que nunca, da importância a longo prazo de uma União dos Mercados de Capitais. Embora as oportunidades de financiamento das empresas no mercado tenham melhorado em termos gerais, a adoção de medidas destinadas a facilitar o acesso a financiamento por capitais próprios torná-las-iam mais resilientes. Para construir um futuro sustentável, a UE precisa, por isso, de uma infraestrutura de mercado financeiro mais resiliente, com mercados de capitais profundos e vastos, que possam ser alavancados num mundo de concorrência estratégica.
A COVID-19 contribuirá, provavelmente, para a tendência atual de diminuição da população europeia. Os demógrafos preveem que a Europa apresente taxas de natalidade ainda mais baixas, devido à incerteza causada pela pandemia e para subsequente recessão
. Numa população europeia envelhecida, os idosos e as pessoas com deficiência estão também mais vulneráveis à pobreza e à COVID-19
e constituem os grupos mais isolados em resultado das medidas de distanciamento social
. Acresce ainda que as tendências demográficas afetam a resiliência social e económica no seu conjunto.
Oportunidades
Os investimentos públicos e privados são fundamentais para a resiliência e a recuperação social e económica. Estes investimentos devem estar em consonância com os objetivos políticos da UE em matéria de inclusividade, digitalização, descarbonização e sustentabilidade, e a prospetiva será essencial para o desenvolvimento de uma perspetiva que assegure que estas condições são cumpridas. O quadro financeiro plurianual 2021-2027 e o Next Generation EU promoverão investimentos substanciais, a inovação e a convergência económica entre Estados‑Membros, salvaguardando o Estado de direito. Assegurarão também o bom funcionamento do mercado único. O Mecanismo de Recuperação e Resiliência promoverá a resiliência social e económica mediante o apoio a pacotes de investimento e a reformas.
O financiamento disponível para as empresas, em especial as PME, tem de satisfazer as suas necessidades atuais e as decorrentes de transições a longo prazo. As ações de reforço do setor bancário, dos mercados de capitais e do financiamento de capitais próprios, incluindo a promoção da União dos Mercados de Capitais e a conclusão da União Bancária, serão importantes para reforçar a resiliência da UE. Os trabalhadores beneficiarão dessas reformas, que aumentarão a capacidade das empresas para manterem e criarem postos de trabalho. A adaptação dos sistemas de proteção social a mercados de trabalho caracterizados pela circulação de trabalhadores entre profissões e países será importante para preservar o emprego. O investimento no capital humano e na inovação, o bom funcionamento das instituições e um ambiente empresarial atrativo são elementos fundamentais.
A COVID-19 deu azo a alterações repentinas nos mercados de trabalho. Mudanças previstas para as próximas décadas, como a passagem de organizações, administrações nacionais e empresas inteiras para o regime de teletrabalho ou a substituição de reuniões presenciais por conferências e eventos virtuais, tiveram lugar em semanas, em resultado da pandemia
. Mesmo que parte desta transição se venha a revelar temporária, a mesma abrirá as portas a novas oportunidades de emprego e reforçará a integração do mercado de trabalho europeu. Ademais, representa uma oportunidade para repensar e adaptar as formas de emprego e modelos de carreira.
As escolas e as universidades foram forçadas a adotar modelos virtuais quase de um dia para o outro, o que proporcionou novas oportunidades para prestar serviços de educação e formação. A hiperconectividade e a cooperação transfronteiriça entre instituições de ensino, as novas abordagens pedagógicas e modalidades de prestação de serviços educativos (por exemplo, virtual ou combinada), os avanços nas ciências cognitivas, a disponibilidade de informação e a maior ênfase na aprendizagem ao longo da vida estão, todas elas, a contribuir para mudanças nos modelos de aprendizagem e no acesso à educação.
A perturbação dos estilos de vida tradicionais intensificou o debate sobre a forma como medimos o progresso e definimos o «bem-estar». Tal como salientado na estratégia anual para o crescimento sustentável de 2020
, o crescimento económico não é um fim em si mesmo. Em dezembro de 2019, a Comissão apresentou o Pacto Ecológico Europeu, a nova estratégia de crescimento da UE que visa transformar a União numa economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva, em que os desafios climáticos e ambientais sejam convertidos em oportunidades. A crise atual reacendeu o debate sobre o tipo de crescimento económico desejável, sobre aquilo que realmente contribui para o bem-estar humano num mundo de recursos finitos e sobre a necessidade de novos parâmetros para medir o progresso além do crescimento do PIB. A UE está bem colocada para assumir um papel de liderança internacional e promover o crescimento inclusivo e a igualdade, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas no centro da política económica. Os OSD podem ser considerados um meio para alcançar uma maior resiliência. Por sua vez, a prospetiva estratégica pode ajudar a identificar as melhores formas de cumprir os OSD.
A prospetiva estratégica pode ajudar a identificar novas oportunidades sociais e económicas, bem como vias que permitam concretizar as transições ecológica e digital de forma justa. Tal inclui conceber novas reformas sociais e orçamentais, bem como testar a sua sustentabilidade a longo prazo, com o intuito de revigorar o modelo europeu de economia social de mercado, assegurando ao mesmo tempo o papel de liderança da UE na economia mundial. Além disso, a prospetiva estratégica é também útil na definição das profissões do futuro, identificando novas competências necessárias no âmbito da economia verde e digital, padrões de aprendizagem e parcerias, e esclarecendo a interligação entre novas tecnologias, empregos, educação e principais partes interessadas. Face às tendências demográficas observáveis em algumas zonas rurais, aos desafios exacerbados pelas desigualdades regionais e locais e ainda à chamada geografia do descontentamento, será igualmente necessária uma visão a longo prazo para as zonas rurais, que tenha em conta o desenvolvimento social e económico, as necessidades em matéria de infraestruturas, o acesso aos serviços básicos e a coesão territorial. Esta visão a longo prazo deverá ter um âmbito transversal e exigirá uma abordagem integrada e coordenada a nível europeu, nacional e regional. Por fim, a prospetiva estratégica poderá apoiar a reflexão sobre uma nova definição de progresso e bem-estar e sobre os indicadores mais significativos para medir estas aspirações (secção 4).
3.2.Vertente geopolítica
A resiliência geopolítica diz respeito ao reforço da «autonomia estratégica aberta» da Europa e do papel de líder mundial que esta desempenha. Esta vertente alicerça-se na expressão dos valores da UE num mundo altamente interdependente de potências concorrentes, em que as tendências geopolíticas e os equilíbrios de poder foram afetados pela crise da COVID-19. A progressiva introversão dos Estados Unidos cria um vazio na cena mundial, que outros intervenientes, como a China, estão ansiosos por preencher. A UE está a desempenhar um papel de liderança, assente na sua abordagem «Equipa Europa»
, na mobilização de recursos estratégicos para ajuda humanitária e ao desenvolvimento e nos esforços com vista a disponibilizar medicamentos e vacinas contra a COVID-19 em todo o mundo.
Capacidades
A UE é considerada um parceiro de confiança e um líder responsável. Perante as ameaças de erosão e fragmentação da ordem mundial, a UE pode atuar como âncora de estabilidade e garante da paz. A UE desempenha o papel de mediador em situações de crise e em acordos internacionais e utiliza o seu poder de mobilização para arquitetar soluções globais para problemas globais. A pandemia mostra que os desafios globais exigem uma cooperação internacional eficaz e ágil e a adoção de soluções comuns. A UE influencia ativamente a cooperação nas estruturas de governação mundial e tem uma política externa e de segurança que assenta em parcerias estratégicas e diplomáticas multifacetadas com os principais intervenientes e regiões. As prioridades da política externa e de segurança da UE são orientadas pela sua estratégia global. Tendo em conta a importância da cooperação em matéria de segurança e defesa, a UE criou, entre outros instrumentos, um Fundo Europeu de Defesa e a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), além de ter lançado uma iniciativa no domínio da mobilidade militar.
A extensa capacidade comercial da Europa a nível mundial está na base do seu poder e da sua resiliência em termos geopolíticos. Uma análise da dependência comercial relativamente a produtos com um pequeno número de fornecedores mostra que, no respeitante a quase todos os produtos importados para a UE, existem fontes de abastecimento alternativas. Do valor total das importações da UE, apenas 1 % se refere a casos de fornecedor único, ao passo que 10 % está associado a, pelo menos, 67 fornecedores alternativos; além disso, metade de todos os produtos provém de mais de 25 fornecedores de todo o mundo. Acresce que mais de dois terços das importações da UE são insumos intermédios utilizados em processos internos de produção. Por conseguinte, a UE é capaz de utilizar sistematicamente a sua influência económica e o seu poder de negociação para celebrar acordos internacionais que protegem os seus cidadãos.
A UE é uma potência espacial. As capacidades espaciais estratégicas por si desenvolvidas servem de instrumento geopolítico com vista ao reforço do seu papel global no desenvolvimento tecnológico e na vigilância. Diversos setores económicos estratégicos dependem de serviços prestados pelos ativos europeus baseados no espaço.
A UE reforça a resiliência da sua vizinhança e mais além. Sendo o maior doador mundial de ajuda humanitária e ao desenvolvimento, a União dá especial atenção à sua vizinhança e a África. A Europa apoia países parceiros por via de financiamento, formação e melhorias estruturais, para fomentar o seu desenvolvimento e a sua resiliência e a apoiar o cumprimento dos ODS. Adicionalmente, por intermédio da iniciativa da Parceria Oriental, a UE contribui para aumentar a estabilidade, a prosperidade e a resiliência dos seus vizinhos, ajudando-os a progredir no respeitante às transições ecológica e digital.
A UE tem uma capacidade e uma tradição de longa data na definição de regras e normas internacionais. Precisa, agora, de reforçar alianças orientadas para o futuro, a fim de continuar a moldar as regras e normas internacionais de uma forma que reflita os valores e os interesses europeus. Não obstante o histórico da UE de envolvimento proativo com a família das Nações Unidas e outras organizações internacionais em várias instâncias, essas alianças são particularmente importantes tendo em conta a crescente pressão exercida pelos intervenientes mundiais mais influentes.
A UE pode aplicar as suas capacidades geopolíticas e a sua influência internacional de forma coerente e eficaz, agora e no futuro. A Europa terá de continuar a desenvolver uma rede estratégica de parcerias e alianças que lhe permita reduzir as dependências nas principais cadeias de valor, ajudar a manter a paz e a estabilidade na sua vizinhança, procurar soluções eficazes para problemas mundiais e revitalizar uma ordem mundial multilateral assente em regras, bem como mobilizar os seus recursos financeiros em prol dos seus objetivos políticos. A UE encontra-se numa posição ideal para moldar o sistema multilateral de governação económica mundial, desenvolver relações mutuamente benéficas para impulsionar a sua competitividade e propor e definir normas globais para as transições ecológica e digital. Essas ações devem, simultaneamente, promover os seus valores democráticos e assegurar a coerência com prioridades mais amplas nos domínios da sustentabilidade, das alterações climáticas, da economia digital e da segurança.
Vulnerabilidades
O multilateralismo e o sistema financeiro mundial estão sujeitos a uma pressão crescente por parte de interesses nacionais limitados. A preservação de um espaço gerador de consensos e de ações conjuntas para enfrentar os desafios globais e proteger os bens públicos comuns é um elemento fundamental para a resiliência geopolítica.
A deslocação de poder para o Leste e o Sul é uma megatendência global. Embora tenha abrandado temporariamente em resultado da crise da COVID-19, é provável que subsista, impulsionada pelo crescente poder económico e político de intervenientes emergentes, apoiados pelo seu peso demográfico. A diminuição da quota-parte da UE em termos da população e do PIB mundiais pode, por sua vez, afetar ainda mais a sua influência em muitos domínios estratégicos.
O ambiente de segurança está em constante evolução, sendo marcado pela mudança nas relações de força, pela utilização crescente de ameaças híbridas, pela guerra espacial e a ciberguerra, pela desinformação e pelo papel cada vez mais importante dos intervenientes não estatais. A crise agravou ainda mais as pressões que podem conduzir a conflitos. O impacto das medidas económicas motivadas por considerações políticas, como o impacto extraterritorial de sanções ou medidas protecionistas, coloca desafios adicionais à UE. A pandemia de COVID-19 demonstrou a fragilidade de infraestruturas essenciais e a necessidade de as proteger contra ameaças físicas e digitais. A crise agravou igualmente vulnerabilidades e desigualdades preexistentes em países frágeis e afetados por conflitos. A fim de promover uma visão estratégica coerente, a UE carece de um entendimento comum em termos de ambiente de segurança, bem como de objetivos comuns. Até ao final de 2020, o alto representante divulgará uma análise de ameaças e desafios, como pano de fundo para orientações estratégicas sobre segurança e defesa, a apresentar em 2022. Esta análise constituirá um contributo fundamental para o desenvolvimento de uma cultura europeia comum em matéria de segurança e defesa, dará um novo impulso a diferentes iniciativas no domínio da defesa e reforçará a sua coerência.
A gestão ordenada da migração continuará a ser uma prioridade. As causas profundas da migração, incluindo os conflitos locais, a pobreza e as desigualdades agravadas pela crise da COVID-19 e pelas alterações climáticas, subsistirão
,
. Para enfrentar estes desafios
, será necessário um redobrar de atenção, agilidade, recursos e esforços diplomáticos apoiados pela assistência, juntamente com parcerias estratégicas, equilibradas e específicas com os principais países terceiros, no intuito de encontrar soluções sustentáveis e eficazes para gerir a migração.
A falta de união em domínios específicos da política externa e de segurança é uma fonte de fragilidade. A força e a credibilidade da UE fora do seu território têm uma correlação direta com a sua união e coesão internas, que assentam na sua diversidade. A falta de união e coordenação entre os Estados-Membros pode, por vezes, limitar a eficácia e a agilidade da ação a nível da UE, permitindo, assim, que poderes externos consigam aplicar estratégias baseadas no princípio de «dividir para reinar».
A crise da COVID-19 revelou a dependência excessiva da UE em relação a fornecedores de países terceiros no tocante a matérias-primas essenciais
, e pôs em evidência como as perturbações do aprovisionamento podem afetar os ecossistemas industriais e outros setores produtivos. Embora haja fontes alternativas de abastecimento para a maioria dos produtos, a Europa está cada vez mais dependente de um número limitado de fornecedores externos no que respeita a alguns bens, componentes e matérias-primas essenciais (caixa 3.1), bem como a produtos agrícolas. O encerramento de fábricas em locais particularmente afetados pela COVID-19 na China e no norte de Itália conduziu ao encerramento de fábricas de automóveis por toda a Europa, causando perdas equivalentes a 12,5 % da produção total registada em 2019
. Verificou-se uma situação semelhante no que se refere aos produtos farmacêuticos provenientes da Índia, a qual levou à escassez de medicamentos genéricos
. Em abril de 2020, a produção industrial europeia ao longo dos 12 meses anteriores registava uma diminuição de 27 %
. Além disso, a Europa depende fortemente de países terceiros no que respeita a componentes avançados para processamento de dados, nomeadamente microprocessadores, visto que a UE é responsável por apenas 10 % da produção mundial
. A escalada das tensões mundiais torna as cadeias de abastecimento europeias cada vez mais vulneráveis.
Caixa 3.1: ESTUDO DE CASO — Matérias-primas essenciais
Independentemente das perturbações do aprovisionamento verificadas durante a crise da COVID‑19, a UE está excessivamente dependente de países terceiros no tocante a matérias-primas essenciais para permanecer na vanguarda da concorrência mundial — seja em termos económicos ou de defesa (figura 3.1). Anular a dependência excessiva em relação a países terceiros no tocante a matérias-primas essenciais, tais como grafite, cobalto, lítio e terras raras, é, portanto, um dos elementos fundamentais para reforçar a autonomia estratégica aberta da Europa em tecnologias essenciais para alcançar a neutralidade carbónica e construir a sociedade digital. Entre estas, incluem-se as baterias, as pilhas de combustível, a energia solar e eólica e o hidrogénio. A crescente implantação destas tecnologias faz com a que a UE corra o risco de substituir a sua dependência de combustíveis fósseis por uma dependência de um conjunto de matérias-primas, muitas das quais provêm do estrangeiro. De acordo com um cenário de elevada procura, a quantidade de lítio consumida pela UE seria 18 e 60 vezes maior em 2030 e 2050, respetivamente. A figura 3.2 indica que a extração global de matérias-primas, incluindo matérias-primas essenciais, deverá mais do que duplicar até 2050.
Esta elevada dependência exige maior resiliência e diversificação do aprovisionamento, nomeadamente por via de uma melhor utilização do aprovisionamento interno da UE, da circularidade das matérias-primas ou do prolongamento da vida útil dos produtos (com incidência na reutilização, reparação e reciclagem), bem como da nossa política e diplomacia comercial estratégica.
A exploração das minas urbanas, ou seja, a recuperação de matérias-primas a partir de resíduos urbanos por via da reciclagem, poderá vir a satisfazer uma grande parte da procura da UE em termos de matérias-primas essenciais
. A Europa é líder mundial no que respeita a infraestruturas de reciclagem de metais e a sua indústria produz mais de metade dos metais de base que utiliza a partir de fontes recicladas, em comparação com 19 % no resto do mundo. Porém, há ainda muito a fazer até que a UE assegure os recursos de que necessita para concretizar as transições ecológica e digital.
Os recursos minerais da própria Europa permanecem subexplorados e a UE denota vulnerabilidades em termos de tratamento, reciclagem, refinação e separação
. Tal deve-se aos elevados custos de produção, comparativamente aos preços praticados nos mercados mundiais, às rigorosas normas ambientais e aos atuais baixos níveis de aceitação pública. O investimento na produção de matérias-primas primárias e secundárias beneficiaria o emprego em todas as indústrias transformadoras. A extração mineira e a refinação já empregam 3,4 milhões de trabalhadores na UE, sendo que a indústria transformadora conexa representa mais 25 milhões de postos de trabalho. A reparação e a recuperação de materiais são responsáveis por 2,2 milhões de empregos, um número que está a aumentar. Estes investimentos poderiam ajudar a manter as atuais competências altamente tecnológicas no setor da geologia e da metalurgia, bem como a desenvolver novas competências para impulsionar a competitividade global da UE num setor com forte potencial de crescimento no século XXI. No entanto, os investimentos nas capacidades de exploração mineira da UE não devem ser feitos em detrimento das normas ambientais.
Figura 3.1 Risco de aprovisionamento de matérias-primas para tecnologias essenciais
Figura 3.2. Extração global de materiais por tipo de recurso
|
O comércio e o investimento sofreram uma queda acentuada, prejudicando a prosperidade e a estabilidade a nível mundial. De acordo com as estimativas, em 2020 o volume do comércio mundial diminuirá entre 9 % (FMI) e 32 % (OMC), ao passo que o investimento direto estrangeiro diminuiu 28,2 % no primeiro semestre de 2020 em comparação com o período homólogo de 2019.
A soberania económica da Europa está em jogo. Outras potências mundiais estão a combinar interesses geopolíticos e económicos para aumentarem a sua influência no mundo. Tal inclui o protecionismo, o controlo das exportações e o papel internacional das moedas. Embora a importância internacional do euro esteja a aumentar, está ainda longe de contestar o papel do dólar americano. A COVID-19 deixou os ativos industriais e empresariais da Europa sob pressão, o que exige a proteção da sua soberania económica por via de uma estratégia integrada. As insolvências provocadas pela pandemia estão a expor as indústrias estratégicas da UE a aquisições hostis por compradores estrangeiros. Esta situação aumenta as probabilidades de investidores estrangeiros tentarem adquirir ativos europeus estratégicos, especialmente nas cadeias de abastecimento dos setores da saúde, da defesa e do espaço, bem como infraestruturas críticas. A fim de preservar as suas empresas e os seus ativos estratégicos, a UE deve compensar a abertura ao investimento estrangeiro por meio dos instrumentos adequados
. O Regulamento Análise dos Investimentos Diretos Estrangeiros ajudará a salvaguardar a segurança e a ordem pública da Europa por intermédio de um mecanismo de cooperação entre a Comissão e os Estados-Membros que visa dar resposta a preocupações relacionadas com a entrada de investimento direto estrangeiro. Outrossim, é necessário abordar as subvenções estrangeiras, que podem distorcer o mercado interno da UE e pôr em causa as condições de concorrência equitativas
.
A crise acelerou os ataques de regimes autoritários contra os sistemas democráticos, por via de narrativas enganosas. A disseminação de informação falsa, de desinformação e de teorias da conspiração representa uma ameaça para a democracia
. As teorias da conspiração sobre a COVID-19 e o alastramento de uma hesitação geral em relação às vacinas continuam a pôr em risco a vida das pessoas
. Estas «infodemias»
são simultaneamente causa e consequência da crescente desconfiança em relação aos governos e aos meios de comunicação social
e aumentam a pressão sobre a UE no sentido de esta proteger de forma mais enérgica os valores sobre que foi construída e intensificar os esforços para defender a democracia e o Estado de direito. As instituições da UE estão a contribuir para a luta contra a informação falsa e a desinformação
, reforçando assim a resiliência democrática, que está no centro do futuro plano de ação para a democracia europeia.
Oportunidades
A transição para um mundo cada vez mais multipolar oferece uma nova oportunidade para a Europa reforçar o seu papel na ordem mundial e liderar o relançamento das estruturas de governação multilateral. É provável que o processo de globalização, que abrandou temporariamente, seja retomado após o final da crise. Ao mesmo tempo, a glocalização — que combina modelos de negócio globais com uma maior atenção à localização da produção, do consumo e da fiscalidade — oferece novas oportunidades para a UE se posicionar como pioneiro e modelo para o mundo, desde que estejam reunidas as condições adequadas (por exemplo, em termos de fiscalidade, disponibilidade de financiamento, normas).
É cada vez mais importante estreitar a cooperação com democracias que partilham os mesmos ideais. A UE tem de proteger a abertura e a natureza democrática do seu modelo e de mobilizar os seus parceiros para estes esforços, salvaguardando os seus valores fundamentais de interferências externas. A defesa da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito tem de começar a nível interno e deve continuar a ser o princípio orientador das relações externas da UE, incluindo no que diz respeito às tecnologias digitais. A cooperação temática e as parcerias com países que partilham os mesmos ideais, bem como outros países, quando possível, constituem um investimento na governação e nas iniciativas multilaterais. Graças ao seu poder de mobilização, a UE pode ser um parceiro preferencial para países de todo o mundo.
É imperativo reforçar a autonomia estratégica aberta da Europa. A crise proporciona uma oportunidade económica, social e ecológica para reforçar a resiliência da UE aos choques futuros e assegurar a sua posição nas cadeias de valor mundiais da próxima geração. Como referido no plano de recuperação da Europa, tal implica moldar o sistema de governação económica mundial e desenvolver relações bilaterais mutuamente benéficas, protegendo simultaneamente a União das práticas desleais e abusivas. Trata-se de um aspeto fundamental para ajudar a UE a diversificar e consolidar as cadeias de abastecimento globais em setores estratégicos, intensificando as relações com os parceiros, incluindo em África, relocalizando a produção sempre que necessário, desenvolvendo substitutos graças à inovação e aumentando as reservas estratégicas
.
É igualmente necessário garantir um abastecimento alimentar fiável em toda a UE. A Comissão continuará, por isso, a monitorizar a segurança e a competitividade do setor alimentar. Além disso, avaliará a resiliência do sistema alimentar e intensificará a sua coordenação de uma resposta europeia comum a crises. Na qualidade de maior importador e exportador de produtos agroalimentares, a UE continuará a promover a transição mundial para sistemas alimentares sustentáveis.
É fundamental adotar uma abordagem mais estratégica no respeitante às matérias‑primas. A UE deve garantir um aprovisionamento sustentável de matérias-primas essenciais. Tal implica criar cadeias de valor diversificadas, diminuir a dependência, aumentar a circularidade, apoiar a inovação com vista a encontrar soluções alternativas e garantir condições de concorrência equitativas, verdes e socialmente responsáveis no mercado único e mais além. Entre as principais oportunidades, contam-se a futura Aliança Europeia das Matérias-Primas
e a Capacidade da UE de Análise de Informações sobre Matérias-Primas
, que permitirão explorar estas questões com a indústria e outras partes interessadas.
A existência de um sistema de comércio estável e baseado em regras e de condições de concorrência equitativas é um objetivo essencial da UE. Somente uma política comercial e de investimento forte pode apoiar a recuperação económica pós-COVID-19, criar de empregos, proteger as empresas da UE contra práticas desleais dentro e fora do seu território e assegurar a coerência com as grandes prioridades nos domínios da sustentabilidade, das alterações climáticas, da economia digital e da segurança. A atual crise pode constituir uma oportunidade para impulsionar reformas significativas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e construir economias mais competitivas, sustentáveis e resilientes. A UE já lançou uma iniciativa no domínio da saúde no âmbito da OMC, a fim de apoiar a disponibilidade e o fornecimento a nível mundial de produtos de saúde essenciais. Entretanto, a UE encontra-se num processo de revisão da sua política comercial, com vista a reforçar a sua autonomia estratégica aberta.
As alianças industriais podem estar na vanguarda desta mudança, reunindo investidores, instituições públicas e parceiros industriais para ajudar a indústria a desenvolver tecnologias estratégicas. Esta abordagem já está a dar resultados nos domínios das baterias e do hidrogénio. Neste contexto, uma série de alianças, existentes e futuras, ajudará a Europa a liderar as transições ecológica e digital e a manter a preponderância industrial e beneficiará as empresas e a sociedade europeias, reforçando simultaneamente a resiliência da Europa.
A prospetiva estratégica pode ser utilizada para identificar possíveis cenários de posicionamento da UE na futura ordem mundial e para traçar a via que melhor conduza ao futuro desejado. Pode ajudar a realizar uma análise orientada para o futuro sobre a forma de alavancar o poder da UE para apoiar as suas estratégias de cooperação e parcerias. Pode ainda ajudar a identificar possíveis alianças, analisar diferentes ecossistemas e avaliar os riscos, as oportunidades e as necessidades futuras para as indústrias estratégicas. Além disso, a prospetiva ajuda a definir opções estratégicas para a melhor combinação de abordagens à autonomia estratégica aberta, da diversificação de parceiros comerciais ao reforço das capacidades próprias da UE.
3.3.Vertente ecológica
A resiliência ecológica consiste em alcançar a neutralidade climática até 2050 e, simultaneamente, atenuar os efeitos das alterações climáticas e gerar uma adaptação às mesmas, reduzir a poluição e restaurar a capacidade dos ecossistemas para manterem as nossas possibilidades de bem-estar, no respeito dos limites dos recursos do planeta. Tal implica eliminar a nossa dependência de combustíveis fósseis, reduzir o nosso impacto nos recursos naturais, preservar a biodiversidade, desenvolver uma economia limpa e circular, alcançar um ambiente isento de substâncias tóxicas, alterar estilos de vida e padrões de produção e consumo, tornar as infraestruturas resistentes às alterações climáticas, criar novas oportunidades para uma vida saudável e para empresas e empregos verdes, recuperar ativamente os ecossistemas e salvar os nossos mares e oceanos.
Capacidades
O Pacto Ecológico Europeu visa alcançar uma sociedade com impacto neutro no clima até 2050, procurando, ao mesmo tempo, aumentar a resiliência a fim de atenuar as alterações climáticas, a degradação ambiental e a perda de biodiversidade e permitir uma adaptação aos seus efeitos. O pacto é uma parte integrante da estratégia da Comissão para executar a Agenda 2030 e cumprir os ODS das Nações Unidas e implica a descarbonização plena do setor da eletricidade e uma eletrificação substancial da procura de energia. As emissões resultantes do uso do solo têm de ser totalmente compensadas e o sumidouro do uso do solo tem de ser reforçado mediante a restauração do ambiente e a adaptação do setor agrícola, assegurando ao mesmo tempo uma qualidade de vida mais elevada para todos na UE, de uma forma eficiente em termos de custos, para assim gerar maior crescimento económico e permitir que a Europa atue como referência de transformação para o resto do mundo. Para prosseguir esta via, as capacidades da UE devem ser reforçadas, a fim de recuperar da crise e investir na sustentabilidade a longo prazo (caixa 3.2).
Caixa 3.2: Cenários prospetivos para a estratégia climática da UE para 2050 e importância para o Pacto Ecológico
Nas últimas duas décadas, verificaram-se 18 dos anos mais quentes jamais registados. Se as temperaturas continuarem a subir, mesmo que apenas 0,2 °C por década, os danos anuais causados por inundações fluviais na Europa poderão aumentar, de 5 mil milhões de EUR para 112 mil milhões de EUR, e 16 % da atual zona climática mediterrânica poderá tornar-se árida e não produtiva até ao final do século. Até 2050, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e as inundações das zonas costeiras poderão forçar 140 milhões de pessoas a tornarem-se migrantes internos em África, no Sul da Ásia e na América Latina
.
A estratégia de redução das emissões de gases com efeito de estufa que a UE apresentou à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC), baseou-se em oito cenários que incluam vertentes prospetivas. Os primeiros cinco cenários contemplaram a ambição de manter os níveis de aquecimento bem abaixo dos 2 °C, visando uma redução de cerca de 80 % das emissões de gases com efeito de estufa até 2050, em comparação com 1990. Ponderaram diferentes conjuntos de opções para a descarbonização e identificaram alguns conflitos: por exemplo, trajetórias que incidem mais na eletrificação a nível do utilizador final exigem igualmente uma grande capacidade de armazenamento (seis vezes superior aos níveis atuais) para lidar com a variabilidade da produção de eletricidade; por outro lado, as trajetórias que dão maior importância ao hidrogénio começam por exigir mais eletricidade para o produzir. As ações e tecnologias dos cinco cenários da primeira categoria foram combinadas num sexto cenário (COMBO). O resultado seria uma redução de quase 90 % das emissões líquidas de gases com efeito de estufa em 2050, em comparação com 1990, com pouca dependência de tecnologias de emissões negativas e sem alterações das preferências dos consumidores.
Os dois cenários restantes examinaram o que seria necessário para que a UE alcançasse zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa até 2050, cumprindo assim a sua parte no esforço global para concretizar o objetivo do Acordo de Paris de envidar esforços no sentido de limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais. O sétimo cenário analisa a captura e o armazenamento de carbono e o oitavo cenário pressupõe uma orientação para uma economia mais circular por parte das empresas e dos padrões de consumo na UE. Este último cenário inclui a continuação da tendência de adoção de regimes alimentares com menor intensidade de carbono, a economia de partilha nos transportes, a utilização de modos de transporte mais sustentáveis e a utilização mais racional da energia para efeitos de aquecimento e arrefecimento.
Os cenários revelaram a gama de opções de mobilização de tecnologias, novas e existentes, em todos os setores económicos para que a Europa se torne climaticamente neutra até 2050. Embora a análise de cenários continue a apoiar o desenvolvimento da política climática, a transição ecológica exige uma aplicação prática plena. O Pacto Ecológico Europeu definiu uma agenda de transformação assente nos elementos descritos a seguir, ao mesmo tempo que estabelece o compromisso de integrar a sustentabilidade em todas as políticas da UE e assegurar uma transição justa:
1.Aumentar a ambição da UE em matéria de clima para 2030 e 2050;
2.Fornecer energia limpa, segura e a preços acessíveis;
3.Mobilizar a indústria para a economia circular e limpa;
4.Construir e renovar de forma eficiente em termos de utilização de energia e recursos;
5.Acelerar a transição para a mobilidade sustentável e inteligente;
6.Do «prado ao prato»: conceber um sistema alimentar justo, saudável e amigo do ambiente;
7.Preservar e recuperar ecossistemas e a biodiversidade;
8.Uma estratégia de poluição zero em prol de um ambiente livre de substâncias tóxicas.
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O poder regulamentar da UE, nomeadamente no domínio do ambiente, pode levar a que as normas mais rigorosas sejam utilizadas como forma de apoiar a sustentabilidade como fator de competitividade. Nas últimas décadas, a ação da UE melhorou significativamente não só a qualidade do ambiente na Europa, mas também a vida dos seus cidadãos. Em muitos domínios, as normas ambientais da UE foram reproduzidas por outros países. A UE foi a primeira região mundial a adotar legislação que consagra metas vinculativas em matéria de clima e energia e estabelece o objetivo de se tornar uma economia com impacto neutro no clima e altamente eficiente em termos energéticos.
A UE é um líder mundial na transição para uma economia circular e limpa. Os consumidores europeus contribuem de forma decisiva para este esforço. De acordo com o plano de ação para a economia circular
, o apoio da UE deve visar cadeias de valor prioritárias, tendo simultaneamente em consideração os setores económicos e os modelos de negócio com maiores oportunidades em termos de criação de emprego
. Os investimentos na economia circular e os instrumentos políticos subjacentes (por exemplo, a conceção ecológica, a etiquetagem energética, os contratos públicos ecológicos, os modelos de negócio circulares com base digital e o Sistema de Ecogestão e Auditoria) ajudarão a reduzir a pegada ambiental e climática em termos globais.
Os pioneiros industriais da UE estão a demonstrar como o produção e os serviços limpos, biológicos e circulares são importantes motores da competitividade e do crescimento. A melhoria da eficiência na utilização dos recursos, a prevenção e o controlo da poluição, a proteção da água, a adoção de novos modelos de negócio circulares, a produção mais limpa, a ecoinovação e o desenvolvimento de mercados verdes estão a transformar muitas indústrias europeias em líderes mundiais. A Comissão pretende assegurar coerência e sinergias entre as políticas ambientais, climáticas, energéticas e industriais
. Tal implica ir além da mera «punição dos poluidores» e estabelecer um quadro propício à prevenção da poluição e ao aumento da eficiência em matéria de energia e de utilização de materiais. Além disso, o apoio da UE a uma bioeconomia sustentável procura transformar a base industrial e agrícola da Europa por meio da criação de novas cadeias de valor de base biológica, bem como de processos industriais mais verdes e rendíveis. Simultaneamente, melhora o estado geral dos nossos recursos naturais e ecossistemas. As bioindústrias poderiam criar um milhão de novos postos de trabalho até 2030.
O gigantesco investimento em prol da recuperação impulsionará a transição ecológica. Para avançar no sentido de uma sociedade com impacto neutro no clima e de uma economia sustentável do ponto de vista ambiental, é necessário mobilizar fontes de financiamento a todos os níveis. O orçamento da UE e o pacote de recuperação, que incluem, entre outros, instrumentos específicos como o Plano de Investimento do Pacto Ecológico Europeu
e o Fundo de Inovação, visam mobilizar, ao longo da próxima década, recursos públicos e privados para investimentos climáticos, ambientais e sociais relacionados com a transição sustentável
. A Comissão está igualmente a preparar uma estratégia para o financiamento sustentável renovada, que permitirá criar oportunidades de investimento sustentável e melhorar a gestão de riscos relacionados com a sustentabilidade. Tal como referido pelo Conselho Europeu, 30 % dos 1,82 biliões de EUR acordados no âmbito do quadro financeiro plurianual 2021-2027 e do Next Generation EU serão consagrados a despesas relacionadas com o clima. Independentemente do domínio em causa, o financiamento deve basear-se no princípio de «não prejudicar». O Mecanismo para uma Transição Justa, incluindo o Fundo para uma Transição Justa, apoiará os Estados-Membros e as regiões mais afetadas pela transição para a neutralidade climática.
A economia azul da Europa desempenha um papel importante na contribuição para a resiliência. A preservação dos ecossistemas marinhos é fundamental para assegurar o futuro dos setores económicos marítimos. Além de recursos naturais para a economia, os oceanos e mares da Europa proporcionam um habitat para a vida marinha, o sequestro de carbono, energia renovável e proteção costeira contra as alterações climáticas.
Vulnerabilidades
As alterações climáticas estão a tornar os fenómenos meteorológicos extremos mais frequentes e mais intensos, incluindo na Europa. O aumento da temperatura média global traz consigo impactos regionais ainda mais extremos. Estes vão desde incêndios florestais sem precedentes até ondas de calor a norte do círculo polar ártico e secas cada vez mais devastadoras na região mediterrânica, passando pela aceleração da erosão costeira na costa atlântica, por inundações mais graves e pela dizimação de florestas na Europa Central e Oriental. Tudo isto tem um preço terrível — algumas projeções recentes mostram que a exposição da economia da UE a um aquecimento global de 3 °C conduziria a uma perda anual adicional de, pelo menos, 170 mil milhões de EUR (1,36 % do PIB) e custaria dezenas de milhares de vidas.
O nosso atual modelo de produção e de consumo está a expor cada vez mais as pessoas e o ambiente ao impacto de substâncias perigosas. A poluição química afeta a saúde e a resposta dos anticorpos às vacinas, aumentando a morbilidade e a mortalidade associada a doenças transmissíveis. O mundo não está a alcançar a meta acordada para a boa gestão dos produtos químicos e dos resíduos, ao passo que a produção química global deverá duplicar até 2030, e o impacto nas pessoas e no ambiente agravar-se-á se não forem tomadas medidas políticas adequadas. No Pacto Ecológico Europeu, a Comissão comprometeu-se a avançar para um ambiente livre de substâncias tóxicas. Todavia, alcançar este objetivo essencial exigirá um compromisso global renovado e que todos os agentes da sociedade conjuguem esforços no sentido de promover uma verdadeira transição para produtos químicos seguros e sustentáveis.
O menor rigor das normas de proteção ambiental vigentes em países terceiros, bem como os menores custos conexos, podem levar algumas atividades poluentes e resíduos para fora da UE, aumentando o risco de fuga de carbono. Além disso, nem sempre existem medidas eficazes que impeçam a exportações de resíduos tóxicos e poluentes para países terceiros. Simultaneamente, a crise económica causada pela COVID-19 ameaça intensificar estas práticas, uma vez que os países procuram estimular o crescimento a qualquer custo. A UE deve promover os seus valores e normas a nível internacional, algo fundamental para proteger as suas normas ambientais e as suas indústrias, os seus trabalhadores e os seus consumidores. Caso contrário, é provável que a UE se torne menos competitiva e não consiga alcançar uma redução das exportações comerciais em setores poluentes nem obter vantagens comparativas em indústrias menos poluentes.
A crescente exploração de recursos naturais renováveis e não renováveis não pode ser mantida, uma vez que põe em causa as perspetivas de um desenvolvimento sustentável. A perda de biodiversidade em terra e no mar, o aumento dos custos da extração de minerais, a poluição do solo, da água e do ar
, bem como as incessantes emissões de gases com efeito de estufa decorrentes dos níveis insustentáveis de consumo de matérias-primas, energia, água e alimentos e de uso dos solos, ameaçam a subsistência a longo prazo de milhões de pessoas, incluindo na Europa. Embora a pressão sobre a natureza tenha abrandado temporariamente em resultado da contração económica causada pelas medidas de confinamento, o desafio futuro será dissociar o crescimento e o bem-estar do consumo de recursos naturais e dos consequentes impactos ambientais a longo prazo.
A COVID-19 parece ter-se propagado mais rapidamente em zonas urbanas densamente habitadas e nos bairros pobres. Mais de 70 % da população europeia vive em cidades, um número que deverá aumentar para mais de 80 % até 2050
. Tal traduz-se em 36 milhões de novos habitantes citadinos, que necessitarão de alojamento, emprego e cuidados, aumentando assim a pressão sobre as infraestruturas urbanas. Por um lado, a densidade populacional facilita a propagação de doenças. Por outro lado, as zonas urbanas dispõem de capacidades ainda inexistentes em algumas zonas rurais, tais como a proximidade de estabelecimentos de saúde e de infraestruturas digitais.
A COVID-19 veio expor a ligação entre o desenvolvimento humano e o ambiente. Pandemias contemporâneas, como a COVID-19, e outras pandemias anteriores, como a SIDA ou o ébola, têm a sua origem na invasão humana de habitats naturais de vida selvagem e na destruição de ecossistemas. Tal deve-se à criminalidade ambiental (por exemplo a exploração madeireira ilegal e o comércio de espécies exóticas), a algumas formas de exploração agrícola, à exploração mineira e à urbanização, impulsionadas por estilos de vida com utilização intensiva de recursos.
Oportunidades
A rápida melhoria registada em alguns parâmetros ambientais, resultante do confinamento, demonstrou o quão resiliente pode ser a natureza. As soluções baseadas na natureza
, como iniciativas de espaços verdes e planos de restauração da natureza, podem contribuir para a redução eficaz em termos de custos das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. Apresentam igualmente numerosos cobenefícios, como a proteção contra inundações, o arrefecimento durante as vagas de calor e a utilização para fins recreativos. A redução da poluição também melhora drasticamente a saúde humana
. Pela primeira vez desde os anos 1970, conseguimos adiar a data em que a exploração dos recursos do planeta ultrapassará a taxa de sustentabilidade global. Embora muitas das reduções da poluição relacionadas com o confinamento venham, provavelmente, a ser apenas de curto prazo, oferecem a oportunidade de inspirar transições ecológicas economicamente sustentáveis e a mais longo prazo, bem como padrões de consumo mais sustentáveis que permitam garantir a prosperidade e a saúde.
A utilização de menos recursos primários numa economia circular beneficia o ambiente e a economia. Tal inclui medidas de eficiência na utilização de recursos e a utilização sustentável de recursos renováveis, bem como modelos de negócio e políticas de produtos circulares. O novo plano de ação para a economia circular realça a importância destes fatores na concretização da nossa ambição climática, mediante a redução da pegada ambiental, da emissão de gases com efeito de estufa e outras substâncias nocivas e da perda de biodiversidade. Estes fatores são igualmente fundamentais para criar oportunidades de negócio para a UE, facilitar o acesso ao mercado e diminuir a sua dependência em relação a países terceiros no tocante a matérias-primas.
A COVID-19 salientou a importância de reforçar a resiliência das zonas urbanas. Estas são importantes centros de inovação, essenciais para tirar o máximo partido da transição ecológica, o que apela ao reforço da governação participativa e a um empenho coletivo em prol de um futuro mais justo e mais sustentável. A cooperação entre as instituições e as cidades da UE, bem como com cidades parceiras de todo o mundo, tem grande potencial para fazer da Europa um ponto de referência mundial na identificação, experimentação e aplicação de soluções para desafios atuais e futuros enfrentados pelas cidades, incluindo os relacionados com as alterações climáticas. A título de exemplo, a reafetação de espaços como edifícios de escritórios ou instalações industriais abandonadas oferece inúmeras oportunidades para trazer a natureza de volta às cidades e melhorar o bem-estar das pessoas no ambiente urbano, nomeadamente graças à alteração de comportamentos em termos de consumo e mobilidade. A prospetiva estratégica pode ser utilizada para analisar e identificar potenciais áreas para inovações da base para o topo e soluções para problemas urbanos, ligando assim as pessoas diretamente afetadas com inovadores, investidores e empresas em fase de arranque.
Caixa 3.3: ESTUDO DE CASO — Empregos verdes
A preservação ou a restauração da qualidade ambiental está no centro de muitos empregos do futuro. Estes empregos surgirão nos setores da agricultura, da (re)transformação, da construção, da investigação e desenvolvimento, da administração e dos serviços. As possibilidades incluem, por exemplo, a produção e distribuição sustentáveis de alimentos, os edifícios verdes e eficientes, a qualidade e a regeneração da água, a conceção ecológica, a silvicultura, a exploração mineira urbana e de aterros, a reparação e a reciclagem de matérias-primas, os produtos farmacêuticos, a mobilidade e os transportes hipocarbónicos, as energias renováveis, a acidez dos oceanos e a gestão da pegada ambiental. As limitações em termos de recursos e a necessidade de uma maior eficiência transformarão muitas profissões, introduzindo novos modelos de negócio e exigindo novas competências.
As nossas políticas ambientais contribuem para uma mudança estrutural do mercado de trabalho. Algumas análises estimam que uma grande parte dos empregos na UE pode evoluir de forma a contribuir para a redução das emissões de gases com efeito de estufa e para a resolução da degradação ambiental. Os empregos em indústrias altamente poluentes representam uma mera fração do emprego na UE e a redução do impacto dessas indústrias proporciona oportunidades de emprego significativas. A ecoindústria, que atenua diretamente os danos ambientais, está a tornar-se, por si só, uma importante fonte de novos empregos
. Além disso, o aumento da produtividade dos materiais (ou seja, da eficiência na utilização de recursos) estimula a intensidade do trabalho e o valor acrescentado dos produtos, aumentando assim as oportunidades de emprego. A Europa já é líder na inovação com vista ao aumento da produtividade dos materiais, mas persistem certas ineficiências sistémicas e a nível das empresas.
O setor verde pode gerar milhões de empregos. O setor das ecoindústrias cresceu 20 % desde 2000 e é responsável por cerca de 4,2 milhões de empregos na Europa, registando um volume de negócios superior a 700 mil milhões de EUR. Segundo as previsões da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a transição para uma economia mais verde poderia criar 24 milhões de novos empregos a nível mundial até 2030
, se fossem executadas as polícias adequadas, ao passo que o aumento da temperatura e da pressão sobre a população causada pelo calor fará perder 72 milhões de postos de trabalho a tempo inteiro.
A recuperação da crise da COVID-19 sugere que as políticas laborais verdes podem ter um impacto significativamente maior. Tendo em conta o número de pessoas sem emprego, a orientação dos planos de recuperação para a transição ecológica poderá dar origem a muitos mais empregos verdes do que o anteriormente previsto.
A criação de emprego por via das políticas em matéria de alterações climáticas contribuirá para um crescimento do emprego mais inclusivo, contrariando tendências suscetíveis de agravar desigualdades no mercado de trabalho, como a automatização, a robótica e a inteligência artificial. Prevê‑se que, até 2050, o emprego no setor da eletricidade cresça 25 %, em resultado da crescente eletrificação da indústria, dos transportes e de outros serviços. Estima-se que o setor das energias renováveis da UE atinja os 2,7 milhões de postos de trabalho, até 2050, o equivalente a 1,3 % de todo o emprego na UE.
A requalificação ecológica eficaz, especialmente no respeitante ao ambiente construído e aos serviços, pode proteger os empregos da classe média. O mesmo se aplica à retransformação, à reutilização, à reparação e à reciclagem. Além disso, a transição obrigará a produção de energia e setores com utilização intensiva de energia, como o aço, o cimento, a produção automóvel, a maquinaria e os produtos químicos, a adotar novos processos de produção, o que exigirá também novas competências.
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A prospetiva estratégica pode ajudar a explorar, de forma participativa, os fatores determinantes da mudança e os comportamentos e pressupostos individuais e coletivos quanto ao futuro. No imediato, pode ajudar a compreender futuras mudanças estruturais no mercado de trabalho relacionadas com a transição para uma sociedade com impacto neutro no clima até 2050. Tal contribuirá para orientar a requalificação das pessoas que perderam os seus empregos durante a crise da COVID-19 ou que os poderão perder devido à aceleração da mudança tecnológica e da automatização. A prospetiva também ajuda a explorar o horizonte em busca de novos eventos, incluindo a emergência de tecnologias passíveis de acelerar ou perturbar a transição ecológica. O Pacto Ecológico Europeu e uma transição justa exigirão um contributo ativo e coordenado de toda a sociedade.
3.4.Vertente digital
A resiliência digital consiste em assegurar que a forma como vivemos, trabalhamos, aprendemos, interagimos e pensamos nesta era digital preserva e reforça a dignidade humana, a liberdade, a igualdade, a segurança, a democracia e outros direitos e valores fundamentais europeus. Esta vertente é cada vez mais importante, uma vez que a hiperconectividade continua a acelerar, com a integração entre o mundo físico e o digital, a Internet das coisas, a tecnologia para casas inteligentes, a utilização dos megadados, a realidade aumentada e virtual, a aprendizagem automática e outras tecnologias baseadas na inteligência artificial cada vez mais poderosas. As tecnologias digitais esbatem a distinção entre o mundo físico e o mundo virtual, bem como entre humanos, máquinas e natureza, o que tem implicações para nós próprios e para os quadros políticos
. Durante a pandemia, têm sido fundamentais para manter as nossas economias e sociedades a funcionar.
Capacidades
A Europa tem uma longa e bem-sucedida história de inovação e cooperação tecnológica e social. A UE é mais forte quando trabalha em conjunto com os Estados-Membros, envolvendo as regiões e os municípios, o meio académico, a sociedade civil, as instituições financeiras, as empresas comerciais e as empresas sociais. Os acordos recentes em domínios como a computação de alto desempenho e a microeletrónica reafirmaram esta capacidade. Para apoiar este processo, é igualmente fundamental continuar a promover a transformação digital das administrações públicas e dos sistemas judiciais em toda a Europa
.
A Europa tem capacidades únicas para influenciar as normas internacionais em matéria de privacidade e fluxos de dados. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) estabeleceu regras em matéria de proteção de dados aplicáveis a todas as empresas e partes que intervêm no tratamento de dados de pessoas singulares na UE, oferecendo a estas um maior controlo sobre os seus dados pessoais e beneficiando as empresas por via da criação de condições de concorrência equitativas. O papel da UE de regulamentador no domínio digital está a ser reforçado graças à colaboração com países terceiros que estão, atualmente, a adotar ou a modernizar a legislação em matéria de proteção de dados. A Índia seguiu o exemplo do RGPD da UE ao criar um projeto de Lei sobre a proteção de dados pessoais
. A Lei sobre a privacidade do consumidor da Califórnia seguiu uma direção similar. A Europa deve agora continuar a construir alianças e a maximizar o seu poder regulamentar e o apoio a melhorias estruturais, a ações diplomáticas e ao financiamento a fim de promover o modelo digital europeu
.
Vulnerabilidades
Os sofisticados ataques híbridos de intervenientes estatais e não estatais ameaçam a nossa cibersegurança e democracia. As vulnerabilidades existentes na UE têm sido exploradas por uma combinação de ciberataques e cibercriminalidade que causou danos em infraestruturas críticas
. Registou-se um aumento significativo do número de ciberataques contra supercomputadores, entidades do setor da saúde e sistemas financeiros
, tais como a pirataria informática de dados de investigação sensíveis de organizações médicas e de empresas farmacêuticas
. As ameaças na área das tecnologias da informação e comunicação (TIC) foram igualmente assinaladas como causas primeiras de riscos sistémicos para os processos eleitorais e o sistema financeiro da UE
. Estes eventos denotam uma preocupante aceleração rumo a uma criminalidade virtual assimétrica. A cibercriminalidade (por exemplo a difusão de material pedopornográfico na Internet) também atingiu níveis sem precedentes
.
O confronto tecnológico entre os EUA e a China está a intensificar-se rapidamente e a perturbar as cadeias de abastecimento digitais mundiais. Este confronto afetará diretamente o mercado único e intensifica a urgência de a UE executar o seu programa de soberania tecnológica e reforçar as suas capacidades digitais estratégicas.
O fosso digital entre as zonas urbanas e rurais é motivo de preocupação. Em 2019, a cobertura das redes de acesso da próxima geração, capazes de proporcionar velocidades de descarregamento de, pelo menos, 30 Mbps, aumentou para 86 % dos agregados familiares. As redes fixas de capacidade muito elevada, capazes de oferecer uma conectividade a, pelo menos, 1 gigabit, estavam disponíveis para 44 % dos agregados familiares. No entanto, nas zonas rurais, a cobertura das redes de acesso da próxima geração atingia apenas 59 % dos agregados familiares, ao passo que as redes fixas de capacidade muito elevada só chegavam a 20 %. Estes números confirmam que é necessário mais investimento nas zonas rurais, a fim de reduzir o fosso. O desenvolvimento das capacidades digitais nas zonas rurais aumentará consideravelmente a sua atratividade.
A crise revelou uma falta de preparação na economia dos dados. Verificou-se uma ausência significativa de quase todos os tipos de dados sobre os quais os modelos são construídos (tais como dados sobre emprego, confiança dos consumidores e produção), bem como atrasos na produção de dados
. Não existiam dados relativos aos inventários, à capacidade de produção e à procura de equipamentos essenciais, como equipamentos de proteção individual, e os dados sobre os casos de infeção por COVID-19 foram recolhidos de forma diferente em toda a Europa. Esta situação demonstrou que precisamos ainda de dar um salto significativo em matéria de recolha e gestão de dados para deles retirar benefícios económicos e sociais. Por sua vez, tal exige uma «forma europeia» de regular a utilização de dados, nomeadamente para evitar monopólios no setor dos dados.
As tecnologias digitais e os modelos de negócio conexos, incluindo a inteligência artificial e a economia das plataformas, afetarão o mercado de trabalho. Embora a interação entre a potencial obsolescência e criação de empregos motivada pela inteligência artificial e pela robótica ainda não seja clara, é evidente que estas e outras tecnologias digitais, bem como os modelos de negócio conexos, alterarão a forma como trabalhamos. Questões como a saúde, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal e a segurança no trabalho serão afetadas. A procura de competências em tecnologias emergentes como a inteligência artificial, a computação de alto desempenho e a cibersegurança de toda a sociedade é muito acentuada, agravando o problema da falta de uma oferta que supra as necessidades do mercado. Os níveis de preparação e de sensibilização são também desiguais na UE.
Oportunidades
A pandemia de COVID-19 acelerou a hiperconectividade. Temos uma oportunidade de retirar ensinamentos desta experiência em tempo real e de alcançar um equilíbrio entre as interações físicas e digitais no futuro, que satisfaça as expectativas do público. Durante a crise da COVID-19, mais de um terço da mão-de-obra da UE mudou temporariamente para regimes de teletrabalho
. A conectividade aumentou em todos os domínios
e o aumento espetacular do tráfego na Internet, estimado entre 10 % e 30 % em todo o mundo, manteve-se mesmo depois de os países atenuarem as medidas de confinamento. Estima-se que a quantidade total de dados gerados a nível mundial cresça para cerca de 175 mil milhões de terabytes até 2025.
As tecnologias digitais podem contribuir para progressos no domínio dos cuidados de saúde. A inteligência artificial e a computação de alto desempenho têm potencial para acelerar o desenvolvimento de tratamentos, vacinas e diagnósticos, prever a propagação de doenças e planear a distribuição de recursos médicos
. Estas inovações podem também ser utilizadas para analisar riscos sanitários específicos no âmbito da medicina preventiva. O aproveitamento da inteligência artificial também proporciona oportunidades para reforçar as nossas defesas contra ciberataques, nomeadamente os que visam infraestruturas críticas como hospitais.
Enquanto as escolas estiveram encerradas durante a crise, as tecnologias digitais permitiram uma certa continuidade das atividades de ensino e formação. Se utilizadas corretamente, as tecnologias digitais podem aumentar a eficácia, a eficiência e a inclusividade dos sistemas de ensino e formação. É fundamental reforçar as capacidades digitais desses sistemas e eliminar o fosso digital em matéria de equipamento e conectividade.
Enfrentar os desafios associados à execução da estratégia da UE para os dados abrirá um vasto leque de oportunidades para a Europa. Entre estas, incluem-se a promoção do modelo de proteção de dados da UE, a possibilidade de melhorar a disponibilidade, reutilização, interoperabilidade e governação dos dados e a capacidade de evitar a inadequação das infraestruturas de dados, bem como de utilizar instrumentos adequados que capacitem as pessoas para exercerem os seus direitos.
A autonomia estratégica aberta é fundamental para o desenvolvimento da economia digital europeia. A conectividade 5G, em combinação com a Internet das coisas, poderia impulsionar a digitalização de processos e serviços (por exemplo, energia, transportes, banca e saúde), reduzir os custos e aumentar a eficiência. A criação de uma infraestrutura de computação em nuvem seria o primeiro passo para tirar o máximo partido dos dados gerados na Europa
. O apoio legislativo e financeiro concertado à criação de um mercado único dos dados, assente na criação de espaços comuns europeus de dados, assegurará um melhor acesso aos dados e trará benefícios para o público, bem como o crescimento da economia europeia dos dados.
As tecnologias digitais podem contribuir para tornar a economia mais ecológica. Podem otimizar o funcionamento dos serviços de utilidade pública, a mobilidade e os transportes, os produtos, os processos industriais, os edifícios e outros ativos, conduzindo a poupanças de energia, à redução da poluição e ao aumento da eficiência na utilização dos recursos, permitindo a transição para uma economia circular. Além disso, podem melhorar a gestão ambiental e dos riscos por via de sistemas de alerta precoce para fenómenos meteorológicos extremos, baseados, por exemplo, em dados de observação da Terra e em tecnologias de análise de megadados. No entanto, é necessário prestar atenção ao consumo energético das tecnologias de dados e à curta vida útil dos dispositivos digitais, que faz com que os resíduos eletrónicos, incluindo matérias-primas essenciais, sejam a categoria de resíduos que regista o crescimento mais acelerado. É essencial concretizar a transição para sistemas de dados descentralizados, propiciada pela computação periférica e em nevoeiro, em combinação com a implantação e adoção de tecnologias de rede móvel de nova geração (por exemplo, o 5G e, no futuro, o 6G) e de processadores de baixo consumo energético, capazes de travar o crescente consumo de energia das tecnologias digitais graças ao processamento de dados mais próximo dos utilizadores, por intermédio de aplicações relacionadas com a Internet das Coisas, e à redução da latência da rede.
A prospetiva estratégica pode promover a conceção e utilização de tecnologias digitais centradas no ser humano, bem como a sua eficácia no reforço da sustentabilidade global. Tal inclui antecipar de que modo as tecnologias poderão evoluir, bem como formas de aproveitar as oportunidades subjacentes e futuras. Significa também estudar como as tecnologias digitais afetam todos os aspetos da vida e acarretam novos desafios, como a gestão de um fluxo crescente de informação e a solicitação artificial da atenção humana. A prospetiva estratégica pode ajudar a identificar de que modo a UE pode influenciar as regras e normas digitais mundiais para benefício das pessoas e das empresas, tornando simultaneamente a economia mais ecológica. É necessário estabelecer um quadro horizontal em matéria de inteligência artificial, a fim de respeitar os direitos e valores fundamentais da UE e criar a confiança necessária para que os cidadãos adotem tecnologias baseadas na inteligência artificial. Com prospetiva e antecipação, é possível explorar de que forma as tecnologias digitais podem efetivamente permitir aos governos oferecer acesso universal a serviços básicos de qualidade e como tornar as instituições plenamente responsáveis. Por fim, será possível estudar formas de implantar infraestruturas digitais seguras (redes de alta velocidade, incluindo a futura tecnologia 6G, computação em nuvem e dados) a fim de evitar um fosso digital entre regiões e indivíduos.
Caixa 3.4: ESTUDO DE CASO — TIC verdes
As ambições ecológicas e digitais da UE são sempre complementares? As tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem alimentar um consumo insustentável, mas, com o quadro político adequado, oferecem igualmente grandes oportunidades para reduzir o consumo energético e otimizar a utilização de recursos, produtos e ativos. As tecnologias digitais podem ajudar a reduzir as emissões globais até 15 %, graças a soluções inovadoras em domínios como a energia, a transformação, a agricultura e o uso dos solos, os edifícios, os serviços, os transportes e a gestão do tráfego
. Por exemplo, transferir e armazenar um gigabyte de dados através da Internet utiliza entre 3,1 kWh e 7 kWh, em vez dos 0,000005 kWh utilizados por soluções locais
. Tal exige a criação de infraestruturas europeias interoperáveis de computação em nuvem e periférica, que permitam implantar soluções digitais em larga escala na Europa, assegurando simultaneamente a soberania tecnológica da UE.
No entanto, a digitalização pode afetar negativamente o ambiente, o clima e a saúde humana, em virtude da maior produção, utilização e eliminação de equipamentos eletrónicos, e do consumo dos centros de dados
. Por exemplo, estima-se que a mineração de bitcoins seja responsável por 0,3 % do consumo mundial de energia. Esta percentagem pode parecer insignificante, mas os 68,11 TWh por ano que ela representa superam o consumo anual da Áustria (64,60 TWh) e da Chéquia (62,34 TWh)
.
A eficiência na utilização de materiais é um importante desafio a resolver. Todos os anos, são despejados ouro, platina e outros metais preciosos no valor de 10 mil milhões de USD em montes cada vez volumosos de resíduos eletrónicos. No que respeita às tecnologias digitais, a eficiência na utilização de materiais pode ter um impacto ambiental ainda maior do que a eficiência energética.
O consumo energético da computação está a crescer a um ritmo insustentável. As novas gerações de tecnologias sem fios consomem menos energia do que as suas antecessoras (por exemplo as antenas 5G são concebidas de molde a consumir menos do que as antenas 4G
). Todavia, a maior densidade das redes 5G e o crescente número de dispositivos ligados por 5G (por exemplo veículos conectados e autónomos)
podem levar a um aumento global do consumo de energia, pelo menos durante os primeiros anos de implantação. Em 2020, a pegada global estimada do setor da tecnologia é comparável à do setor da aviação
.
Este panorama realça a necessidade crescente de continuar a trabalhar na ecologização das TIC. É, por isso, preciso continuar a estudar formas de inverter rapidamente o aumento do consumo de energia e de recursos materiais por parte das tecnologias e infraestruturas digitais da Europa, assegurando, ao mesmo tempo, que estas estão ao dispor das aplicações necessárias para a ação climática, a saúde, a sustentabilidade e a resiliência.
A ecologização das TIC deve ser realizada no contexto da economia circular, incluindo a criação de ecossistemas digitais e materiais locais que permitam conceber produtos e modelos de negócio inovadores.
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4. Agenda da prospetiva estratégica
4.1 Monitorizar a resiliência
A promoção da resiliência como novo ponto de referência para a elaboração de políticas da UE exige a criação de instrumentos de monitorização adequados. A presente comunicação sugere a adoção de quadros de indicadores de resiliência, cocriados no âmbito de debates exploratórios com os Estados-Membros e as principais partes interessadas. São aqui apresentados alguns protótipos, cujo objetivo passa por destacar as vulnerabilidades e as capacidades da UE e dos seus Estados-Membros em matéria de resiliência, tendo em vista análises mais pormenorizadas. Estes quadros de indicadores exigirão trabalho adicional, com base em linhas de trabalho já em curso e na inteligência coletiva. A lista de indicadores dos quadros será dinâmica e elaborada com base num processo participativo que envolva Estados‑Membros e partes interessadas, fundamentado por dados de qualidade comparáveis entre os Estados-Membros e ao longo do tempo.
Os quadros de indicadores de resiliência complementarão outros instrumentos de monitorização, acrescentando-lhes valor. Basear-se-ão em indicadores setoriais e instrumentos de monitorização existentes, como o Painel de Indicadores Sociais e o relatório de acompanhamento sobre os progressos na concretização dos ODS no contexto da UE
. Os quadros proporcionarão um valor acrescentado evidente graças às seguintes características: i) utilizarão contributos da prospetiva estratégica, que ajudará a identificar questões e desafios emergentes e a propor novos indicadores orientados para o futuro que permitam monitorizar vulnerabilidades ou capacidades de resiliência, ii) enquanto os atuais instrumentos visam avaliar os progressos registados na UE e nos seus Estados-Membros, por exemplo no respeitante a transições ou políticas setoriais específicas, estes quadros de indicadores avaliarão a resiliência, ou seja, a capacidade de realizar progressos e atingir os objetivos políticos, iii) enquanto muitos instrumentos existentes tendem a ser setoriais ou a estar centrados num só tema ou domínio, estes quadros de indicadores incidirão em múltiplas vertentes da resiliência e nas suas interligações, proporcionando um panorama holístico.
4.1.1 Protótipos de quadros de indicadores de resiliência
A presente comunicação propõe o desenvolvimento de protótipos de quadros de indicadores para as vertentes social e económica, geopolítica, ecológica e digital da resiliência. O que a seguir se apresenta a título de exemplo é um conjunto preliminar e ainda não acabado de indicadores de vulnerabilidades e capacidades de resiliência a nível da UE e dos Estados-Membros, baseado em dados publicamente disponíveis
. Os protótipos ilustrativos constituem exemplos do aspeto e essência destes quadros de indicadores. Para cada variável, uma escala de três cores indica a situação relativa dos países no último ano para o qual estão disponíveis dados, em comparação com os valores agregados dos dados disponíveis desde 2007
. As cores são atribuídas com base na distância em relação à média da distribuição subjacente
.
O protótipo ilustrativo de quadro de indicadores da resiliência social e económica analisa questões sociais, económicas e sanitárias ligadas à COVID-19. A figura 4.1
transmite uma ideia das vulnerabilidades relativas, capacidades de resiliência e padrões comuns na UE e nos seus Estados-Membros. Por exemplo, neste trabalho preliminar, o envelhecimento da população e o aumento das viagens no período anterior à crise surgem como vulnerabilidades comuns.
Figura 4.1 — Protótipo de quadro de indicadores da resiliência social e económica ligada à crise da COVID-19
O protótipo ilustrativo de quadro de indicadores da vertente geopolítica da resiliência centra-se nas matérias-primas. A segurança do aprovisionamento de matérias-primas é uma condição prévia para uma economia resiliente. Foi criado um protótipo de quadro de indicadores, apresentado na secção superior da figura 4.2
, a fim de transmitir uma ideia das vulnerabilidades e capacidades relativas dos Estados-Membros no respeitante ao aprovisionamento de matérias-primas. Nesta fase, não é possível refletir a estrutura económica de cada Estado-Membro no protótipo, o que constitui uma limitação significativa. Não obstante, a título de exemplo, o quadro de indicadores sugere que muitos países têm um bom desempenho, em termos relativos, no que respeita à dependência das importações de metais de base, mas que o mesmo não sucede no que respeita à dependência das importações de minerais não metálicos para a construção
. Entre as capacidades, a despesa com a inovação nos setores dos materiais é um ponto forte em muitos países.
Figura 4.2 — Protótipos de quadros de indicadores das vertentes geopolítica, ecológica e digital da resiliência
O protótipo ilustrativo de quadro de indicadores da vertente ecológica da resiliência centra-se nas alterações climáticas e no ambiente. Este protótipo é apresentado na secção central da figura 4.2
. Neste exemplo ilustrativo, indicadores como a percentagem de população abrangida pelo Pacto de Autarcas e a dimensão das zonas protegidas da rede Natura 2000 dão uma imagem relativamente positiva de muitos países. Em contrapartida, a exploração hídrica, a perda de biodiversidade, a absorção de gases com efeito de estufa pelos ecossistemas, a despesa pública com a proteção ambiental e a frequência e letalidade de inundações, tempestades e incêndios florestais colocam em destaque potenciais fraquezas.
Com base no Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES), seria possível desenvolver um quadro de indicadores da resiliência digital. A secção inferior da figura 4.2 apresenta um conjunto de indicadores do IDES relativos a capacidades de resiliência digital, como a governação eletrónica e as competências digitais. Estes indicadores são complementados com outros cuja importância foi sublinhada pela crise da COVID-19, como o teletrabalho e a saúde em linha. De acordo com estes indicadores, muitos países revelam capacidades sólidas em termos de administração pública em linha e de economia digital em geral, o que reflete a maior penetração e adoção de novas tecnologias. Ao mesmo tempo, as competências digitais, as capacidades de teletrabalho e o recurso à saúde em linha revelam uma imagem contrastante.
4.1.2 Trabalhos futuros para monitorizar a resiliência
Os protótipos de quadros de indicadores são apresentados a título de exemplo. Em cooperação com os Estados-Membros e outras partes interessadas, a Comissão desenvolverá os quadros de indicadores de resiliência com base numa perspetiva de futuro. Os quadros de indicadores utilizarão contributos da prospetiva estratégica, que pode ajudar a identificar desafios emergentes e a propor novos indicadores orientados para o futuro que permitam avaliar vulnerabilidades ou capacidades. Uma vez que a resiliência é uma característica que tem de ser reforçada ao longo do tempo, este trabalho incidirá no médio a longo prazo, a fim de proporcionar as melhores condições para que políticas baseadas na prospetiva atenuem as vulnerabilidades e reforcem as capacidades. Tal terá em conta o impacto das megatendências e dos riscos previstos. A título de exemplo, o quadro de indicadores da resiliência social e económica seria alargado para lá do contexto da COVID-19, em estreita ligação com o Painel de Indicadores Sociais. Além disso, questões mais vastas como o comércio, incluindo as cadeias de valor, a segurança e outros aspetos da política externa, como a cooperação internacional, poderiam ser ponderados, a fim de criar um quadro de indicadores geopolíticos mais abrangente. No que respeita ao quadro de indicadores da resiliência ecológica, podem ser equacionadas questões que vão além das alterações climáticas, tais como a preservação dos recursos naturais, o impacto da poluição, a qualidade da água e do solo, o papel dos serviços ecossistémicos ou a reafetação do emprego e a inovação motivadas pela transição ecológica. Será dada a maior importância à garantia de coerência com os atuais sistemas de monitorização da UE em desenvolvimento no contexto do Pacto Ecológico Europeu. Deve ser utilizado um quadro de indicadores da resiliência digital para identificar as áreas das tecnologias digitais em que a autonomia estratégica da UE está em risco e em que devem ser realizados investimentos. Além disso, a prospetiva estratégica pode ser utilizada para ajustar a lista de indicadores a fim de incluir, por exemplo, as competências necessárias ou as vulnerabilidades associadas à utilização generalizada de tecnologias futuras, como a inteligência artificial
, o número de postos de trabalho em risco em resultado da crescente automatização, ou os novos empregos que poderiam ser criados pela transição implícita para serviços pessoais.
Seria igualmente possível ponderar a criação de indicadores agregados a nível da UE e de um índice sintético da resiliência. Os futuros debates com as principais partes interessadas terão como objetivo desenvolver estes indicadores a nível da UE e explorar a viabilidade de um índice sintético da resiliência, com base nos quadros de indicadores de resiliência e nos conhecimentos e indicadores existentes. A sua fundamentação seria semelhante à lógica subjacente aos trabalhos sobre o futuro Índice de Desempenho da Transição. Este trabalho exploratório poderia seguir um processo participativo. Uma abordagem à escala da UE, combinada com a panorâmica fornecida pelo índice, complementaria a visão mais abrangente proporcionada pelos quadros de indicadores de resiliência subjacentes.
Esta abordagem abrangente à medição e monitorização da resiliência deve contribuir para uma abordagem integrada à medição do bem-estar das pessoas. A crise da COVID‑19 pôs em causa a nossa hierarquia de prioridades e reacendeu o debate público sobre a importância de muitos aspetos da qualidade e sustentabilidade da vida humana, como a educação, os rendimentos, o emprego e a saúde. Desde a Declaração de Istambul sobre a medição dos progressos sociais, de 2007, e o relatório Stiglitz-Sen-Fitoussi, de 2009, verificou-se um forte consenso na comunidade internacional quanto à necessidade de ir além das medidas económicas convencionais, como as que incidem sobre o produto interno bruto (PIB), a fim de tornar o bem-estar um objetivo político tanto para a geração presente como para as futuras
,. A iniciativa «Para além do PIB» conduziu à criação de importantes quadros internacionais de medição
e levou vários países a envidar esforços no sentido de desenvolverem sistemas semelhantes e por vezes altamente complexos de objetivos, metas e medição a nível nacional. A Comissão apoia esta mudança de paradigma e adota uma abordagem igualmente abrangente, reconhecendo a interação complexa entre os sistemas sociais, económicos e ambientais que influenciam a resiliência e a sua importância para a medição do bem-estar e da sustentabilidade
.
4.2 Atividades horizontais de prospetiva para promover políticas eficazes da UE orientadas para a transição
A prospetiva estratégica será aplicada para criar uma perspetiva dinâmica e orientada para o futuro das sinergias e conflitos entre diversas políticas e objetivos da UE, conduzindo a uma abordagem estratégica coerente. Tal pode constituir um contributo importante para processos de supervisão e governação, em especial os que têm uma natureza multidisciplinar e periódica, como o Semestre Europeu e a monitorização dos ODS. Ao apoiar uma compreensão sistémica dos objetivos estratégicos em todos os domínios de intervenção, a prospetiva estratégica pode ser utilizada para fornecer uma análise dinâmica das sinergias e conflitos entre esses objetivos e em diversos horizontes temporais. A prospetiva estratégica deverá contribuir para testar e reforçar a coerência das capacidades de monitorização, previsão e modelização da Comissão. Atualmente, os serviços da Comissão utilizam diferentes indicadores e painéis de avaliação em prol de diversos objetivos políticos. A Comissão recorre igualmente a previsões de peritos e a uma vasta gama de modelos. A análise e avaliação dos instrumentos de monitorização existentes poderia identificar onde e como pode ser melhorada a coerência.
A prospetiva estratégica contribuirá para reforçar a resiliência. A presente comunicação começa a revelar como o impacto da COVID-19 nas megatendências pode lançar uma nova luz dinâmica sobre a evolução da resiliência da Europa. Os trabalhos nesta matéria prosseguirão. Neste contexto, a Comissão propõe o desenvolvimento de um conjunto de cenários prospetivos de referência que constituam um quadro sólido e virado para o futuro. Estes cenários ajudarão a identificar potenciais vias para a dupla transição. Com efeito: i) fornecerão um ponto de referência para o debate entre dirigentes sobre visões partilhadas ou alternativas de futuros preferenciais, ii) ajudarão a garantir a coerência entre políticas, iii) servirão de quadro comum e orientado para o futuro para testes de esforço de propostas políticas ou lançamento de avaliações de impacto ex ante. Este exercício pode também contribuir para a Conferência sobre o Futuro da Europa.
4.3 Agenda temática da prospetiva estratégica
A agenda da prospetiva estratégica da UE versará temas transversais em que pode aprofundar a nossa compreensão das dinâmicas em jogo em todas as vertentes políticas. Entre os principais temas identificados, a Comissão analisará em seguida:
-A autonomia estratégica aberta: a fim de assegurar a competitividade e a liderança mundial da Europa no futuro e reforçar a sua resiliência, a prospetiva estratégica pode ajudar a explorar cenários para uma nova ordem mundial e o lugar da UE na mesma, bem como as capacidades necessárias para concretizar as suas ambições. Tal poderá incluir a definição de vias para alcançar a dupla transição ecológica e digital e o ritmo a que cada uma delas pode ser alcançada, o mapeamento de tecnologias, setores e produtos estratégicos emergentes, e opções para novas alianças industriais e a diversificação de parceiros comerciais. Neste contexto, a prospetiva pode, entre outros aspetos, permitir a exploração de horizontes, incluindo no que diz respeito à normalização internacional, que possam ser utilizados como alavanca estratégica pela UE. Os eventuais trabalhos futuros sobre este tema terão igualmente de ser analisados à luz da próxima revisão da política comercial da UE, que identificará o seu contributo para a autonomia estratégica aberta.
-O futuro do emprego e das competências no âmbito da transição ecológica. Tal como reconhecido na Agenda de Competências para a Europa, a transição ecológica exige uma grande mudança e reafetação de empregos e competências, numa vasta gama de setores e serviços públicos. Ainda não existe uma visão sistémica das mudanças no mercado de trabalho impulsionadas pela transição ecológica. A prospetiva poderia analisar possíveis vias de desenvolvimento dessa visão sistémica, integrando igualmente os ensinamentos que podem ser retirados de anteriores transições industriais. Esta visão contribuirá para as estratégias de requalificação e acompanhamento das pessoas cujos empregos forem transformados ou perdidos devido à transição industrial. Este aspeto é igualmente importante para orientar as futuras prioridades da UE em matéria de educação, aprendizagem ao longo da vida e vias de migração legal, bem como para assegurar uma transição justa.
-Aprofundamento da geminação das transições digital e ecológica: a digitalização da sociedade e a transição ecológica estão a decorrer em simultâneo e estão intimamente relacionadas. No entanto, é necessário compreender e explorar melhor as suas interações. A prospetiva estratégica analisará de que modo as tecnologias emergentes podem tirar o máximo partido das duas transições, como se relacionam entre si e, por exemplo, as possibilidades de redução do impacto ambiental da transição digital. Estudará igualmente as competências necessárias para explorar as tecnologias do futuro, as formas como a inteligência artificial pode ser utilizada para transformar a nossa economia digital e facilitar a transição ecológica, e os impactos conexos nos intervenientes e nas cadeias de valor europeias. Adicionalmente, analisará de que forma os investimentos em projetos estratégicos, incluindo no âmbito da recuperação, podem beneficiar a transição ecológica e a transição digital.