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Document 52017AE1814

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Utilização dos solos para a produção sustentável de alimentos e serviços ecossistémicos» (parecer exploratório a pedido da Presidência estónia)

JO C 81 de 2.3.2018, p. 72–80 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

2.3.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 81/72


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Utilização dos solos para a produção sustentável de alimentos e serviços ecossistémicos»

(parecer exploratório a pedido da Presidência estónia)

(2018/C 081/10)

Relator:

Roomet SÕRMUS

Consulta

Carta do primeiro-ministro da Estónia, datada de 17.3.2017

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Data da decisão da Mesa

28.3.2017

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

3.10.2017

Adoção em plenária

18.10.2017

Reunião plenária n.o

529

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

126/0/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Para o uso sustentável e a proteção dos solos seria fundamental criar um quadro comum de referência ao nível da UE que permita acompanhar os progressos na recolha e na utilização de dados. O referido quadro serviria igualmente para definir o bom estado dos solos e estabelecer uma terminologia uniforme, critérios uniformes para a monitorização, as prioridades e as várias medidas políticas para alcançar o bom estado dos solos.

1.2.

A perda de terras agrícolas devido à degradação dos solos, ao abandono de terras, às alterações climáticas e à urbanização representa um problema grave para todos os Estados-Membros. Por conseguinte, o CESE propõe que se atualize o quadro da UE em vigor para proteger, nos Estados-Membros da UE, as terras agrícolas utilizadas para a produção alimentar e a prestação de outros serviços ecossistémicos, e a sua fertilidade, melhorar a monitorização e permitir a disponibilização de informações fiáveis.

1.3.

Os agricultores assumem, enquanto proprietários e utilizadores de terras agrícolas, uma função particular na prestação de serviços ecossistémicos, que deve ser reconhecida e apoiada. Os solos prestam os serviços ecossistémicos mais importantes, pois representam a base da maior parte da produção alimentar mundial, são necessários para a produção de biomassa e armazenam carbono, contribuindo, assim, para a atenuação dos efeitos das alterações climáticas.

1.4.

A modernização da política agrícola comum (PAC) deveria consistir, nomeadamente, em continuar a proteger a saúde e a fertilidade das terras agrícolas e dos solos, que são imprescindíveis para manter e aumentar a produtividade e a sustentabilidade da agricultura.

1.5.

Em conformidade com o Acordo sobre Alterações Climáticas, importa promover iniciativas — existentes e novas — para alcançar o equilíbrio do ciclo de carbono dos solos de forma a não pôr em risco a produção alimentar. Para aumentar o teor de carbono do solo, o CESE propõe a integração dos princípios da gestão sustentável dos solos nas medidas políticas da UE. Há que promover, nomeadamente, a produção de biomassa através da melhoria do acesso a água e de outros fatores pedológicos (estrutura do solo, arejamento do solo, disponibilidade de nutrientes, valor do pH, atividade biológica do solo), a lavoura sustentável, a prática pastorícia, a gestão sustentável dos espaços verdes, a produção agrícola integrada, incluindo as boas práticas da agricultura biológica e da agricultura tradicional, ou seja, a rotação de culturas, o cultivo de leguminosas, a valorização dos resíduos orgânicos, a compostagem e a criação de coberto vegetal no inverno para os campos. Os solos ricos em carbono e as pastagens devem ser geridos de forma sustentável, a fim de promover a fixação do carbono através do solo e das plantas.

1.6.

Os Estados-Membros devem igualmente ser encorajados e incentivados, no âmbito do segundo pilar da PAC, a adotar medidas adequadas de proteção dos solos.

1.7.

Cumpre promover investimentos adicionais em tecnologias ecológicas e respeitadoras do clima e em sistemas de saneamento para garantir um uso sustentável das terras e dos solos.

1.8.

Importa fomentar a agricultura baseada no conhecimento, nomeadamente a agricultura de precisão e as abordagens agroecológicas. O potencial da agricultura de precisão respeitadora dos recursos, dos solos e do ambiente desenvolve-se através da integração de dados relativos aos solos, aos adubos, aos pesticidas, à meteorologia e ao rendimento, o que exige, nomeadamente, um melhor acesso aos dados valiosos contidos em bases de dados nacionais, uma maior mobilidade e uma maior facilidade de utilização, respeitando o princípio de os agricultores serem os proprietários dos dados gerados. Para tal é necessário que os agricultores tenham acesso à Internet e utilizem as tecnologias da informação e comunicação.

1.9.

Há que reforçar a utilização de dados relativos aos solos na elaboração de políticas e nas decisões em matéria de uso das terras. Ao mesmo tempo, importa melhorar a qualidade e a disponibilidade dos dados relativos aos solos, sobretudo em domínios que ainda não tenham sido objeto de investigação suficiente. Importa chegar a acordo a nível da UE quanto à monitorização harmonizada dos solos.

1.10.

É necessário sensibilizar em todo o sistema educativo para o papel dos solos. Para o efeito, é necessário utilizar recursos pedagógicos modernos e incluir a temática dos solos nos currículos de todos os níveis de ensino.

1.11.

Além disso, as medidas destinadas a informar os agricultores em matéria de solos e boas práticas agrícolas assumem um papel importante. Nesta perspetiva, a intervenção de serviços de consultoria reveste-se de especial importância.

2.   Introdução

2.1.

O presente parecer do CESE foi elaborado a pedido da Presidência estónia e visa enfatizar a importância crucial do uso sustentável das terras (1) e dos solos (2) para a produção alimentar e para a prestação de serviços ecossistémicos.

2.2.

A pedido da Presidência estónia, o Comité analisará o modo como a questão das terras agrícolas é abordada nos vários domínios de intervenção da UE. Refletirá, além disso, sobre o que os decisores políticos e as empresas da UE podem fazer para promover o uso sustentável e eficaz dos solos, que são um recurso essencial para a produção alimentar e para a prestação de outros serviços ecossistémicos.

2.3.

De momento, existe a nível da UE um grande número de regras em matéria de proteção dos solos. Embora as diferentes políticas da UE contribuam para a proteção e a gestão sustentável das terras agrícolas, muitas vezes a proteção do solo não é o seu principal objetivo. O CESE considera que este momento é oportuno para encetar o debate sobre o modo de melhorar a coordenação das diversas medidas a nível da UE.

2.4.

Tanto a UE como os Estados-Membros devem basear a sua elaboração de políticas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para o período até 2030 (3). Estes objetivos incluem promover os ecossistemas, combater a desertificação, travar e reverter a deterioração e a degradação do solo, gerir os recursos naturais de forma sustentável e utilizá-los de modo eficiente e integrar as medidas em matéria de alterações climáticas nas políticas, nas estratégias e no planeamento a nível nacional. Uma condição indispensável para uma agricultura e produção alimentar sustentáveis é a proteção das terras agrícolas, bem como o uso sustentável dos solos, que são um recurso finito e, em princípio, não renovável.

2.5.

Além disso, foram lançadas várias iniciativas (4) destinadas a promover a gestão sustentável dos solos e a sensibilizar para o papel importante das terras agrícolas na segurança alimentar e na atenuação dos efeitos das alterações climáticas.

2.6.

O CESE faz igualmente referência ao conceito de «limites do planeta», que define os limites ecológicos que o ser humano não deve ultrapassar para não prejudicar o ambiente, e observa que três dos nove limites (alterações climáticas, perda de biodiversidade e ciclo do azoto) já foram ultrapassados (5). Ao mesmo tempo, reconhece que a segurança alimentar mundial também constitui um desafio urgente que a Europa tem de tomar em consideração no âmbito da sua responsabilidade a nível mundial.

3.   Principais questões relativas ao uso das terras e dos solos para a produção agrícola

3.1.

A procura mundial de géneros alimentícios aumentará nas próximas décadas. As terras agrícolas em algumas regiões do mundo terão, por conseguinte, de ser cultivadas de forma ainda mais intensa, com possíveis efeitos adversos para os solos e para o ambiente em geral, se a utilização dos solos não respeitar os critérios ecológicos. Para garantir um abastecimento alimentar suficiente, é necessário manter a produtividade das terras agrícolas disponíveis e preservar a fertilidade em termos biológicos, químicos e físicos.

3.2.

O parecer do CESE sobre «Sistemas alimentares mais sustentáveis» (6) descreve as consequências da utilização de práticas agrícolas inadequadas na produção alimentar: perda de biodiversidade, degradação dos solos, poluição da água e do ar e emissões de gases com efeito de estufa. É, portanto, necessário garantir que estes recursos são utilizados de forma eficiente e sustentável para salvaguardar o abastecimento alimentar. Estas considerações devem fazer parte de uma política alimentar global, tal como descrito no parecer do CESE sobre o «Contributo da sociedade civil para o desenvolvimento de uma política alimentar global na UE».

3.3.

As alterações climáticas também têm consequências na disponibilidade dos recursos naturais básicos — água e solo. Embora tenham sido adotadas várias medidas de luta contra as alterações climáticas, os principais dados relativos aos solos indicam que o teor de carbono do solo está a baixar de ano para ano. Contudo, dados adicionais relativos a camadas mais profundas permitiriam traçar um quadro mais realista desta tendência.

3.4.

No seu relatório intitulado «O Ambiente na Europa: Estado e perspetivas 2015» (7), a Agência Europeia do Ambiente (AEA) adverte para o facto de os serviços ecossistémicos dos solos — incluindo a produção alimentar, a proteção da biodiversidade e o armazenamento de carbono, água e nutrientes nos solos — se encontrarem sob ameaça crescente. Consoante a região, os principais problemas identificados no relatório são a erosão, a perda de matéria orgânica, a contaminação e a impermeabilização dos solos, a urbanização, o abandono de terras e as consequências da intensificação da produção agrícola que estão a levar a um declínio dos habitats naturais e seminaturais. Uma outra ameaça amplamente reconhecida no respeitante aos solos é a sua perda de fertilidade.

4.   Questões relativas às terras agrícolas nos diferentes domínios de intervenção da UE

4.1.

Um relatório encomendado pela Comissão Europeia analisou as medidas de proteção dos solos dos 28 Estados-Membros da UE (8). A análise identificou 35 medidas estratégicas de proteção dos solos a nível da UE e 671 a nível nacional. As medidas da UE incluem documentos de estratégia, diretivas, regulamentos e várias medidas de acompanhamento. Três quartos das medidas nacionais são maioritariamente normas vinculativas.

4.2.

A diversidade de medidas nos diferentes Estados-Membros constitui uma oportunidade para enfrentar melhor a questão do solo em toda a sua complexidade, bem como para melhorar a coordenação. A legislação da UE contém algumas regras rígidas e valiosas sobre a proteção dos solos, mas o sistema apresenta algumas fragilidades. As políticas nacionais não são suficientes para colmatar as lacunas na legislação da UE em matéria de proteção dos solos e as regras diferem significativamente de país para país.

4.3.

O 7.o Programa de Ação em matéria de Ambiente da UE, em vigor desde o início de 2014, reconhece a degradação dos solos como um problema grave e define para a UE o objetivo de alcançar, até 2020, uma gestão sustentável e uma proteção adequada dos solos e de realizar progressos na reabilitação das terras contaminadas. A UE e os Estados-Membros comprometeram-se, além disso, a intensificar as medidas de luta contra a erosão dos solos e a melhorar a matéria orgânica dos mesmos.

4.4.

As medidas da UE que se seguem podem ser consideradas pertinentes para a proteção dos solos e relativamente eficazes: a Diretiva Emissões Industriais, a Diretiva Responsabilidade Ambiental e as regras relativas à proteção das águas (Diretiva-Quadro da Água), a Diretiva Nitratos, o sistema de condicionalidade da PAC e as regras relativas à boa condição agrícola e ambiental (BCAA). Todavia, a aplicação destas medidas poderia ser mais eficaz em termos de melhoria da situação dos solos se tivessem em conta as condições locais de um modo flexível e se houvesse uma melhor coordenação das medidas.

4.5.

As questões relativas à proteção dos solos também poderiam ser abordadas através de diversos tipos de apoio financeiro, nomeadamente o Fundo de Coesão, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Programa Life+ e o Programa Horizonte 2020.

4.6.

Os pagamentos diretos ao abrigo do primeiro pilar da PAC, que abrangem cerca de 90 % das terras agrícolas utilizadas na UE, são um importante incentivo económico às decisões sobre o uso e a gestão das terras pelos agricultores. Os pagamentos diretos estão estritamente ligados à manutenção das terras agrícolas que se encontram em boas condições agrícolas e ambientais, bem como à observância dos requisitos de condicionalidade e ecologização previstos nos regulamentos de base da PAC. Os Estados-Membros dispõem, neste contexto, de alguma margem de manobra. Trinta por cento dos pagamentos diretos estão sujeitos a requisitos ambientais destinados a melhorar a qualidade do solo, a proteger a biodiversidade e a promover a fixação do dióxido de carbono (9). É imprescindível impedir que o excesso de burocracia na aplicação desta medida comprometa os benefícios da ecologização.

4.7.

Os programas de desenvolvimento rural oferecem igualmente aos Estados-Membros, no âmbito do segundo pilar da PAC, possibilidades para aplicar as medidas previstas pela UE em matéria de proteção dos solos de uma forma adaptada às especificidades geográficas do respetivo Estado-Membro.

4.8.

Há toda uma série de iniciativas legislativas previstas (como o pacote relativo ao clima e à energia, o Regulamento relativo à inclusão das emissões e remoções de gases com efeito de estufa resultantes das atividades relacionadas com o uso do solo, a alteração do uso do solo e as florestas (LULUCF), o Regulamento Partilha de Esforços, etc.) que também poderiam abrir perspetivas para a proteção dos solos, a atenuação dos efeitos das alterações climáticas e a adaptação às mesmas.

4.9.

A modernização do Regulamento (CE) relativo aos adubos — em debate no âmbito do pacote da economia circular —, que facilitará a utilização dos adubos orgânicos e à base de resíduos, é também muito pertinente para as questões relativas à proteção dos solos. Os materiais reciclados a utilizar como corretivos de solo ou adubos não devem, contudo, conter substâncias perigosas (xenobióticos). Embora a proposta da Comissão estabeleça os valores-limite para as concentrações de poluentes nos adubos minerais ou orgânicos, é ainda necessário criar novas soluções limpas e técnicas, para produzir adubos e corretores de solos seguros para uso em solos sem afetar a produtividade primária. No seu parecer, o CESE congratula-se com a iniciativa da Comissão, salientando que a fertilidade e a proteção dos solos são objetivos fundamentais da revisão do regulamento (10).

5.   Propostas para promover o uso sustentável dos solos como recurso essencial para a produção alimentar e a prestação de serviços ecossistémicos na União Europeia

5.1.

Para o uso sustentável e a proteção dos solos seria fundamental criar um quadro comum de referência ao nível da UE que permita acompanhar os progressos na recolha e na utilização de dados. O referido quadro serviria igualmente para definir o bom estado dos solos e estabelecer uma terminologia uniforme, as prioridades, os critérios para a monitorização, tendo em conta as diferentes condições pedoclimáticas, bem como as várias medidas políticas para alcançar o bom estado dos solos. Trata-se de um pré-requisito para uma avaliação adequada das condições dos solos e para a adoção das medidas necessárias.

5.2.

A perda de terras agrícolas devido à degradação dos solos, ao abandono de terras, às alterações climáticas e à urbanização representa um problema grave para todos os Estados-Membros. As zonas agrícolas estão a desaparecer cada vez mais para dar lugar ao desenvolvimento de superfícies artificiais. Entre 2006 e 2012, a ocupação anual de terras nos países europeus foi de aproximadamente 107 000 ha/ano. Os tipos de terras mais frequentemente ocupadas para desenvolvimento artificial foram terras aráveis e terras com culturas permanentes, seguidas de pastagens e áreas agrícolas mistas (11). Por conseguinte, o CESE propõe que se atualize o quadro da UE em vigor para proteger, nos Estados-Membros da UE, as terras agrícolas utilizadas para a produção alimentar e a prestação de outros serviços ecossistémicos, bem como a sua fertilidade. Para o efeito, é necessário criar mais meios técnicos, a fim de permitir um melhor acompanhamento e a disponibilização de informação fiável.

A política agrícola comum da União Europeia

5.3.

Tendo em vista a modernização da PAC, há que garantir uma gestão eficiente e sustentável das terras agrícolas no próximo período de programação financeira. O objetivo deve consistir, nomeadamente, em continuar a proteger a saúde e a fertilidade das terras agrícolas e dos solos, que são imprescindíveis para manter e aumentar a produtividade e a sustentabilidade da agricultura.

5.4.

No contexto das medidas de ecologização do primeiro pilar da PAC, importa encontrar soluções mais eficazes para melhorar o estado dos solos. Em primeiro lugar, deveria promover-se a rotação de culturas utilizando espécies leguminosas ou gramíneas. As discussões sobre a eficácia da ecologização centram-se sobretudo em questões relativas à biodiversidade. No entanto, importa levar mais em conta o impacto positivo do cultivo de leguminosas para a fertilidade dos solos (12).

5.5.

A agricultura não produz só alimentos de alta qualidade. É também responsável pela biodiversidade e pelas paisagens abertas. Além disso, desempenha um papel importante na adaptação às alterações climáticas e na atenuação dos seus efeitos. O fornecimento de bens públicos é assegurado principalmente por medidas para a gestão sustentável dos recursos naturais, que geram valor acrescentado e abordam o impacto da agricultura no solo, na água e na biodiversidade.

5.6.

Os Estados-Membros devem ser encorajados e incentivados a adotar, no âmbito do segundo pilar da PAC, medidas de proteção do solo que lhes proporcionem a máxima flexibilidade, permitindo-lhes levar em conta as circunstâncias locais, condições diferentes (incluindo tipos de solo) e problemas específicos.

5.7.

O CESE insta a Comissão Europeia a ter mais em consideração as propostas específicas dos Estados-Membros para a melhoria da qualidade dos solos e para o seu uso sustentável (por exemplo através da promoção da calagem para combater a acidificação do solo ou através da irrigação e drenagem para combater a escassez ou o excesso de água). Na gestão dos solos orgânicos, importa não excluir nenhuma opção de gestão, cabendo antes prever um conjunto de medidas de proteção e cuidado dos solos.

5.8.

É necessário promover investimentos adicionais em tecnologias ecológicas e respeitadoras do clima para garantir um uso sustentável das terras e dos solos. Para uma produção alimentar sustentável, importa promover a agricultura baseada no conhecimento (incluindo a agricultura de precisão e as abordagens agroecológicas), que garantirá a aplicação dos recursos agrícolas na quantidade adequada e no lugar e momento certos. Reveste-se de importância crucial melhorar a atividade biológica através da introdução de matéria orgânica e o equilíbrio de nutrientes no solo, uma vez que a fertilização excessiva cria riscos ambientais ao provocar a lixiviação dos nutrientes, cuja escassez reduz a fertilidade dos solos. É igualmente necessário observar a «Lei do Mínimo» de Justus von Liebig (13), uma vez que a ausência de um nutriente específico (como, por exemplo, o fósforo) aumenta o risco de lixiviação de outros nutrientes.

5.9.

O gado desempenha um papel importante e frequentemente crucial no uso da terra, ao contribuir para a reciclagem dos nutrientes, ao preservar a fertilidade do solo (14) e ao sequestrar o carbono. Na UE, existem inúmeras terras agrícolas, incluindo pastagens, que são indicadas apenas para práticas pastorícias ou para culturas forrageiras. Assim, em determinadas regiões, a pecuária tem de continuar a ser incentivada para que os agricultores não desistam dessas terras. A prática, generalizada em algumas zonas da UE, de manter pastagens permanentes apenas através da ceifa não constitui uma alternativa à prática pastorícia, quer para efeitos de produção alimentar, quer para a eficiência dos recursos na utilização dos solos. São, por isso, necessárias medidas, no âmbito da PAC, que garantam a rentabilidade da pecuária nas várias regiões da UE, bem como soluções que permitam um uso das terras ativo e sustentável para a produção alimentar.

5.10.

Em algumas regiões da UE, a desatualização dos sistemas de drenagem agrícola constitui um grave problema. Tendo em conta as alterações climáticas, é, pois, cada vez mais necessário colocar maior ênfase no investimento a longo prazo em infraestruturas agrícolas, por exemplo, através da modernização dos sistemas de drenagem, para manter o uso das terras agrícolas para a produção alimentar e para preservar a fertilidade dos solos.

Uso das terras e serviços ecossistémicos

5.11.

A Avaliação dos Ecossistemas do Milénio (15) de 2005 define os serviços ecossistémicos como os bens ecológicos, sociais e económicos oferecidos pelos ecossistemas. A formação do solo é um serviço ecossistémico e um pré-requisito para todos os outros serviços ecossistémicos, como a produção alimentar. A produção alimentar sustentável é, por conseguinte, inconcebível sem a proteção do solo.

5.12.

Os agricultores desempenham um papel fundamental na prestação de serviços ecossistémicos que deve ser reconhecido e apoiado. Os solos prestam os serviços ecossistémicos mais importantes (16). São a fonte de vida dos micróbios, das plantas e dos animais e um importante reservatório de biodiversidade, filtram a água e armazenam a água necessária para o crescimento das plantas, têm um efeito regulador das inundações, armazenam nutrientes e disponibilizam-nos às plantas e são, além disso, capazes de transformar toxinas. Representam a base da maior parte da produção alimentar mundial, são necessários para a produção de biomassa e armazenam carbono, contribuindo, assim, para a atenuação dos efeitos das alterações climáticas.

5.13.

Importa prestar mais atenção ao uso das terras, que influencia o funcionamento dos ecossistemas e, por extensão, a prestação de serviços ecossistémicos. A degradação do solo, o uso insustentável das terras e a fragmentação dos habitats devido à urbanização e à construção de habitações e estradas estão a pôr em risco a prestação de diversos serviços ecossistémicos fundamentais, a ameaçar a biodiversidade e a reduzir a resiliência da Europa face às alterações climáticas e às catástrofes naturais. Estão também a contribuir para o aumento da degradação dos solos e da desertificação (17). Para abordar os problemas expostos, há que ter mais em conta as medidas apresentadas pelas Comissão Europeia, em 2012, nas suas orientações sobre as melhores práticas para limitar, atenuar ou compensar a impermeabilização dos solos (18).

5.14.

As funções do solo e os seus serviços ecossistémicos são temas raramente tratados nas disposições legais, dado que estes serviços não dispõem de um mercado e não são suficientemente reconhecidos pela sociedade. No regulamento de base da PAC relativo aos pagamentos diretos, por exemplo, embora existam algumas referências à qualidade do solo, não se faz qualquer referência à biodiversidade do solo nem às suas sinergias com a produtividade primária. Além das propriedades químicas e físicas do solo, as suas principais funções são determinadas sobretudo pelo estado dos microrganismos e da fauna que nele habitam, bem como pelos processos biológicos a eles associados, incluindo a fixação do azoto, a fixação do carbono, a filtração de água e a capacidade para evitar a perda de nutrientes. Além das propriedades do solo, a saúde das culturas é igualmente importante, a fim de se poder tirar pleno partido do potencial do solo para a produção alimentar e a fixação do carbono.

5.15.

No parecer do CESE sobre uma «Eventual reformulação da PAC» (19), afirma-se que as medidas relativas à proteção ambiental, à ação climática e à biodiversidade no âmbito do segundo pilar da PAC poderiam ser direcionadas, mais do que até agora, para os serviços ecossistémicos oferecidos pelos agricultores. No que diz respeito ao uso dos solos e das terras, as medidas de apoio devem centrar-se principalmente na gestão das pastagens e dos solos orgânicos, de modo a promover a fixação do carbono no solo. No interesse dos solos, a lavoura deve ser reduzida ao mínimo. Contudo, devido à acumulação de nutrientes na superfície dos solos não arados, é necessária alguma lavoura para introduzir os nutrientes na zona da raiz e reduzir o risco de eliminação de nutrientes. A compactação do solo reduz a sua capacidade para evitar perdas de nutrientes.

5.16.

Em algumas regiões da UE, há que promover a conversão de terras aráveis em pastagens, a redução da densidade animal nas pastagens respeitando uma densidade mínima, a manutenção das turfeiras e as medidas para limitar a erosão dos solos e reduzir a desertificação das zonas áridas.

5.17.

Em algumas regiões, os principais desafios que afetam a agricultura são a manutenção da biodiversidade nas terras agrícolas, a promoção de práticas agrícolas sustentáveis e o aumento da eficiência da produção sem intensificar ainda mais a agricultura. Outras regiões enfrentam como tarefa principal a redução da pressão sobre o uso das terras, dos solos e dos ecossistemas naturais. Nas regiões meridionais, a escassez de recursos hídricos constitui também um grave problema.

5.18.

Estes aspetos da produção agrícola, cruciais para o ecossistema, devem ser tidos em conta na conceção e reformulação da política agrícola comum e noutros domínios de intervenção.

O solo e as alterações climáticas

5.19.

O solo é o maior reservatório terrestre de carbono do mundo (20), pelo que desempenha um papel particular no combate às alterações climáticas e na fixação do carbono. No âmbito do quadro internacional de proteção do clima, a gestão sustentável dos solos assume um papel essencial na estabilização e no aumento do teor de matéria orgânica que ajuda a preservar as funções do solo e a prevenir a sua degradação. Em conformidade com o Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas, importa promover iniciativas — existentes e novas — para alcançar o equilíbrio do ciclo de carbono dos solos de forma a não pôr em risco a produção alimentar, conforme referido no artigo 2.o do Acordo de Paris.

5.20.

De acordo com o Princípio 9 da Carta Mundial do Solo (21) da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), todos os solos prestam serviços ecossistémicos essenciais para a regulação global do clima. Para aumentar o teor de carbono do solo, o CESE propõe que os princípios das «Voluntary Guidelines for Sustainable Soil Management» (22) [Orientações voluntárias para uma gestão sustentável dos solos], adotadas em 2016 pela FAO, sejam integrados nas medidas políticas da UE. Há que promover, nomeadamente, a produção de biomassa, através da melhoria do acesso a água (por exemplo, mediante a construção de sistemas de irrigação, tomando em conta as condições ambientais locais), a redução ao mínimo da lavoura, a prática pastorícia, a produção integrada, a agricultura biológica, a rotação de culturas, o cultivo de leguminosas, a valorização dos resíduos orgânicos e da compostagem, e a criação de coberto vegetal no inverno para os campos. Os solos ricos em carbono e as pastagens devem ser geridos de forma sustentável.

5.21.

As iniciativas importantes no domínio das alterações climáticas devem ser apoiadas a nível da UE. Importa não esquecer, porém, que a situação dos solos varia significativamente entre os Estados-Membros, pelo que é necessário ter em conta as diferenças regionais no contexto das medidas tanto novas como já existentes.

Disponibilidade de dados relativos aos solos e respetiva utilização

5.22.

Importa intensificar o uso dos dados relativos aos solos na formulação de políticas e nas decisões em matéria de uso das terras, a fim de aplicar políticas baseadas em factos, bem como para efeitos de planeamento do uso das terras a nível nacional, regional e local. O intercâmbio de dados deverá ser coordenado no âmbito de um enquadramento consensual, respeitando a propriedade dos dados.

5.23.

Ao mesmo tempo, há que melhorar a qualidade e a disponibilidade dos dados relativos aos solos, sobretudo em domínios que ainda não tenham sido objeto de investigação suficiente (por exemplo, os dados relativos ao carbono presente no solo). Para melhorar a disponibilidade dos dados, são necessários objetivos claros, a curto e a longo prazo.

5.24.

Para melhorar o acesso aos dados relativos aos solos e promover a sua utilização, é necessário modernizar os mapas dos solos e reforçar os requisitos mínimos a cumprir pelos Estados-Membros no que diz respeito à escala espacial desses mapas. No entanto, há que ter em conta os desafios enfrentados por algumas regiões da União Europeia no que diz respeito à cartografia dos solos.

5.25.

Importa chegar a acordo a nível da UE quanto à monitorização harmonizada dos solos, juntamente com um número limitado de indicadores relacionados com as mudanças no estado dos solos e a eficácia das medidas de proteção dos mesmos.

5.26.

Os agricultores têm de tomar diariamente decisões muito complexas relativas ao planeamento da sua produção. A agricultura de precisão respeitadora dos recursos, dos solos e do ambiente seria impensável sem a utilização das tecnologias da informação e comunicação. A utilização de soluções digitais pelos agricultores é uma condição indispensável à consecução desse objetivo, com diferentes opções e flexibilidade consoante as condições pedoclimáticas.

5.27.

O potencial da agricultura de precisão pode ser realizado através da integração de dados relativos aos solos, aos adubos, aos pesticidas, à meteorologia e ao rendimento, o que exige, nomeadamente, um melhor acesso aos dados contidos em bases de dados nacionais, uma maior mobilidade e uma maior facilidade de utilização. Há que promover soluções que permitam aos agricultores acederem a grandes volumes de dados armazenados nas bases de dados nacionais no decurso do seu trabalho quotidiano, utilizando soluções de software de fornecedores públicos ou privados, incluindo em cooperação com serviços de consultoria. Os fornecedores de software devem, por exemplo, com o consentimento das entidades em causa, conceder acesso facilitado a dados tão exatos quanto possível sobre solos e amostras de solos agrícolas. Os agricultores devem manter a propriedade dos dados que produzem.

Desenvolver a base de conhecimentos e aplicar a investigação e inovação

5.28.

A ciência desempenha um papel importante na criação de novos conhecimentos, na divulgação de inovações, no desenvolvimento de tecnologias e na criação das condições propícias ao uso sustentável das terras e dos solos. O CESE concorda com a recomendação da «Vienna Soil Declaration» (23) [Declaração de Viena sobre os Solos] de que as relações entre as atividades humanas e os solos e os seus efeitos noutros componentes do ambiente devem ser um dos principais objetos de estudo da ciência do solo. A colaboração entre a ciência do solo e as ciências conexas é igualmente importante.

5.29.

No âmbito do Programa Horizonte 2020 da UE, foram criadas oportunidades de financiamento relativamente interessantes no domínio da investigação sobre o solo e a produção alimentar, que deverão ser mantidas aquando da elaboração do 9.o Programa-Quadro de Investigação e Inovação.

5.30.

Importa atribuir especial ênfase à transmissão dos resultados de investigação e desenvolvimento às empresas, assegurando a utilização das terras e dos solos para a produção alimentar sustentável. O CESE insta os cientistas, os agricultores, os consultores e outras partes interessadas a desenvolverem a cooperação neste domínio, tirando partido das possibilidades oferecidas pela Parceria Europeia de Inovação (PEI-AGRI).

5.31.

A agricultura utiliza, cada vez mais, diversos bioestimulantes para melhorar a estrutura dos solos, a eficiência nutricional das plantas e o abastecimento de água, a fim de aumentar o rendimento e a qualidade das culturas. Uma vez que todos os solos são únicos e que as respetivas composições estão em constante mudança, o impacto da utilização de bioestimulantes no equilíbrio biológico do solo ainda não foi devidamente explorado, sendo necessário elaborar mais estudos independentes nesta área.

Sensibilização

5.32.

A fim de sensibilizar os agricultores, os decisores políticos e outras partes interessadas para o papel importante dos solos agrícolas, tanto em termos de produção alimentar sustentável como de prestação de serviços ecossistémicos, é necessário um amplo debate, envolvendo um leque diversificado de partes interessadas, sobre o estado dos solos e as possibilidades de os proteger. Uma maior sensibilização ajudaria a garantir um maior investimento no uso sustentável dos solos e na investigação.

5.33.

É necessário sensibilizar para o papel dos solos em todos os níveis do sistema educativo, com oportunidades de aquisição de experiência prática, recorrendo a métodos de ensino modernos para dar resposta às questões relacionadas com o uso e a proteção dos solos.

5.34.

As medidas destinadas a sensibilizar os agricultores para as diferentes composições dos solos, as boas práticas agrícolas, a importância da rotação das culturas, os adubos, etc. assumem aqui um papel particularmente importante. A participação e a intervenção dos serviços de consultoria são fundamentais.

Bruxelas, em 18 de outubro de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  Por «terras» entende-se a parte da superfície terrestre que não está coberta por água.

(2)  O termo «solo» é definindo como sendo a camada superior da crosta terrestre, formada por partículas minerais, matéria orgânica, água, ar e organismos vivos. O solo constitui a interface entre a terra, o ar e a água e aloja a maior parte da biosfera. [http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52006DC0231].

(3)  http://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/

(4)  Estas iniciativas incluem, por exemplo, a Década Internacional dos Solos, a Parceria Mundial para o Solo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a iniciativa francesa «4 ‰: Solos para a Segurança Alimentar e a Proteção Climática», a iniciativa de cidadania europeia «People4Soil», etc.

(5)  J. Rockström, et al., 2009, «Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity, Ecology and Society» [Os limites do planeta: A exploração do espaço operacional seguro para a humanidade, a ecologia e a sociedade], Vol. 14, https://www.consecol.org/vol14/iss2/art32/main.html

(6)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 64.

(7)  https://www.eea.europa.eu/soer

(8)  «Updated Inventory and Assessment of Soil Protection Policy Instruments in EU Member States» [Inventário atualizado e avaliação dos instrumentos políticos de proteção dos solos nos Estados-Membros da UE] http://ecologic.eu/14567

(9)  https://ec.europa.eu/agriculture/direct-support/greening_en

(10)  Parecer do CESE sobre os adubos: JO C 389 de 21.10.2016, p. 80.

(11)  https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/indicators/land-take-2/assessment-1

(12)  As bactérias rizobianas, que atuam nos nódulos radiculares de muitas espécies de leguminosas (trevo, meliloto, tremoço, ervilha, feijão, etc.), são os organismos mais importantes na fixação do azoto, que desempenha um papel fundamental na manutenção da fertilidade dos solos.

(13)  https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Liebig

(14)  Parecer do CESE sobre «Sistemas alimentares mais sustentáveis», JO C 303 de 19.8.2016, p. 64.

(15)  http://www.millenniumassessment.org/en/index.html

(16)  http://www.iuss.org/index.php?article_id=588

(17)  https://www.eea.europa.eu/soer-2015/synthesis/report/3-naturalcapital.

(18)  http://ec.europa.eu/environment/soil/pdf/guidelines/PT — Sealing Guidelines.pdf

(19)  JO C 288 de 31.08.2017, p. 10.

(20)  O solo contém duas vezes mais carbono do que a atmosfera e três vezes mais do que a flora durante a estação de crescimento.

(21)  http://www.fao.org/soils-2015/news/news-detail/en/c/293552/

(22)  http://www.fao.org/documents/card/en/c/5544358d-f11f-4e9f-90ef-a37c3bf52db7/

(23)  http://www.iuss.org/index.php?article_id=588


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