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Document 52007DC0785

    Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu - A aplicação de medidas antiabuso na área da tributação directa – na UE e em relação a países terceiros

    /* COM/2007/0785 final */

    52007DC0785

    Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu - A aplicação de medidas antiabuso na área da tributação directa – na UE e em relação a países terceiros /* COM/2007/0785 final */


    [pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

    Bruxelas, 10.12.2007

    COM(2007) 785 final

    COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO, AO PARLAMENTO EUROPEU E AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU

    A aplicação de medidas antiabuso na área da tributação directa – na UE e em relação a países terceiros

    1. INTRODUÇÃO

    Na sua comunicação «Coordenar os sistemas de fiscalidade directa dos Estados-Membros (EM) no mercado interno»[1], a Comissão esboçou formas de a coordenação e a cooperação entre os EM poderem alcançar os seus objectivos de política fiscal e proteger as suas bases tributárias, cumprindo simultaneamente as suas obrigações decorrentes do Tratado CE e assegurando a eliminação da dupla tributação. Em algumas áreas, essa coordenação é absolutamente essencial. Em outras, são possíveis remédios unilaterais, mas, apesar disso, pode ser preferível procurar soluções comuns, mesmo onde à primeira vista os interesses estabelecidos dos EM nessas áreas possam nem sempre parecer concomitantes. A Comissão tem a obrigação legal de garantir que os EM cumpram as obrigações decorrentes do Tratado CE, mas também a responsabilidade política de procurar e promover soluções construtivas para esse fim. Quanto à aplicação das regras antievasão, a Comissão considera que, em particular à luz de algumas decisões recentes do Tribunal de Justiça Europeu (TJE), é urgente a necessidade de:

    - atingir um equilíbrio adequado entre o interesse público de combater o abuso e a necessidade de evitar restrições desproporcionadas à actividade transfronteiras na UE; e

    - melhor coordenação da aplicação de medidas antiabuso em relação a países terceiros, a fim de proteger as bases tributárias dos EM.

    Tendo isso em mente, a presente comunicação analisa os princípios que derivam da jurisprudência relevante do TJE, com vista a desencadear um debate mais geral sobre respostas apropriadas aos desafios enfrentados pelos EM nesta área. A comunicação destina-se, por conseguinte, a apresentar um quadro para discussão suplementar com os EM e partes interessadas com vista a explorar a possibilidade de soluções coordenadas nesta área.

    A noção de « regras antiabuso» cobre uma ampla gama de regras, de medidas e de práticas. Alguns EM aplicam um conceito geral de abuso baseado na legislação ou desenvolvido na jurisprudência. Outros aplicam disposições antiabuso mais específicas, como a Sociedade Estrangeira Controlada (SEC) e regras de subcapitalização, que visam proteger a base tributária interna em relação a tipos particulares de erosão. Entre outros tipos de disposições antiabuso específicas contam-se a transição da isenção para o método de crédito em certas situações transfronteiriças (onde o rendimento de origem estrangeira tenha sido sujeito a uma taxa de tributação baixa ou preferencial) e disposições explicitamente direccionadas para o investimento passivo em outros países. Muitos EM aplicam uma combinação de regras antiabuso gerais e específicas. As regras antiabuso estão igualmente previstas nas directivas da CE sobre a tributação das sociedades.

    No que respeita à compatibilidade das medidas antiabuso nacionais com o direito comunitário, tem de ser feita uma distinção entre a sua aplicação na Comunidade (onde se aplicam as quatro liberdades fundamentais) e a sua aplicação a países terceiros (onde apenas se aplica a livre circulação de capitais)[2]. A aplicação de regras antiabuso no que respeita a países terceiros é, por conseguinte, discutida separadamente no ponto 4.

    A presente comunicação centra-se apenas na área da tributação directa. Note-se, obviamente, que a Comissão leva a cabo uma política activa no que respeita a esquemas antievasão no domínio da fiscalidade indirecta, particularmente no que respeita ao IVA. Esta política é decisivamente influenciada pelo maior grau de harmonização na área da fiscalidade indirecta e pelo facto de a Directiva 2006/112/CE[3] incluir regras e procedimentos específicos que permitem aos EM combater a evasão e adoptar medidas antifraude. A este respeito, a Comissão colabora estreitamente com os EM e, através de grupos de trabalho especiais, assumiu um papel proactivo na abordagem dos abusos.

    2. DEFINIÇÕES E PRINCÍPIOS-CHAVE DE JURISPRUDÊNCIA DO TJE

    Evasão e abuso

    O TJE sustentou que uma pessoa que, normalmente, estaria numa situação abrangida pelo direito comunitário pode perder os direitos nele previstos caso procure abusar dos mesmos. Tais casos são excepcionais: só se verifica abuso quando, apesar do cumprimento formal das condições estabelecidas nas regras comunitárias pertinentes, o objectivo das mesmas não é alcançado e há intenção de obter uma vantagem através da criação artificial das condições para a obter[4]. O TJE aplicou, em particular, a doutrina à legislação comunitária sobre restituições à exportação e IVA.

    Na sua jurisprudência sobre a tributação directa, o TJE sustentou, além disso, que a necessidade de evitar uma evasão ou fraude fiscal pode constituir uma razão imperiosa de interesse público susceptível de justificar uma restrição das liberdades fundamentais[5]. A noção de evasão fiscal limita-se, contudo, a «expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação» do EM em causa. Para serem legítimas, as disposições fiscais nacionais têm de ser proporcionadas e servir o objectivo específico de impedir expedientes puramente artificiais .

    Expedientes puramente artificiais

    Alertado por argumentos levantados por alguns EM, o TJE identificou diversos factores que, só por si , não são suficientes para constituir expedientes abusivos, ou seja, puramente artificiais. Foi defendido, por exemplo, que o mero facto de empresa uma subsidiária estar estabelecida noutro EM não pode, só por si, ser tratado como originando evasão fiscal[6] e que o facto de as actividades realizadas por um estabelecimento secundário noutro EM poderem ser igualmente realizadas pelo contribuinte a partir do território do seu EM de origem não garante a conclusão de que existe um expediente puramente artificial[7]. O TJE confirmou também expressamente que é bastante legítimo que considerações de carácter fiscal desempenhem um papel na decisão sobre onde estabelecer uma subsidiária[8]. O objectivo de minimizar a carga fiscal de uma empresa é, em si, uma consideração comercial válida, desde que as disposições adoptadas com vista à sua realização não levem a transferências de lucros artificiais. Na medida em que os contribuintes não tenham recorrido a práticas abusivas, os EM não podem impedir o exercício dos direitos de livre circulação simplesmente por causa de níveis de tributação inferiores em outros EM[9]. Isto aplica-se mesmo no que respeita a regimes favoráveis especiais nos sistemas fiscais de outros EM[10]. As distorções à localização de actividades económicas devidas a um auxílio estatal que seja incompatível com o Tratado CE e a uma concorrência fiscal prejudicial não autorizam os EM a adoptar medidas unilaterais destinadas a contrariar os seus efeitos mediante a limitação da livre circulação[11]; pelo contrário, têm de ser resolvidos na fonte através dos procedimentos judiciais ou políticos apropriados. É óbvio que também as próprias medidas antiabuso têm de cumprir as disposições do Tratado CE sobre ajudas estatais[12]. A Comissão continuará a monitorizar a aplicação das regras dos auxílios estatais do Tratado CE e a dar o seu apoio ao trabalho empreendido no Conselho pelo Grupo do Código de Conduta.

    Para se justificarem, as regras antiabuso devem limitar-se a situações em que haja outro elemento de abuso. Na sua jurisprudência recente, o TJE deu uma orientação mais explícita sobre os critérios para detectar práticas abusivas, ou seja, expedientes puramente artificiais. No processo Cadbury , o TJE sustentou que um estabelecimento deve considerar-se genuíno se, com base numa avaliação de factores objectivos que sejam verificáveis por terceiros, em particular, provas de existência física em termos de instalações, pessoal e equipamento, o mesmo reflectir uma realidade económica, ou seja, um estabelecimento real que realize actividades económicas genuínas e não uma mera «caixa de correio» ou uma subsidiária «de fachada»[13]. No processo Thin Cap [14], a questão não era se o estabelecimento dos contribuintes em causa era genuíno, mas sim se o EM em causa podia impor restrições fiscais às disposições de financiamento acordadas entre as empresas em relação de grupo. O TJE confirmou que o facto de os termos e condições das operações financeiras entre empresas em relação de grupo residentes em EM diferentes se desviarem dos que seriam acordados entre partes independentes constitui um elemento objectivo e verificável de forma independente para efeitos de determinar se a operação em questão representa, inteira ou parcialmente, um expediente puramente artificial. A legislação enquadrada nessa base era proporcionada, contanto que o contribuinte tivesse a oportunidade de apresentar elementos de prova de qualquer justificação comercial para o acordo.

    A detecção de um expediente puramente artificial equivale, assim, de facto, a uma análise que privilegie a substância em relação à forma. A aplicação dos testes relevantes no contexto das liberdades do Tratado CE e das directivas sobre a fiscalidade das sociedades requer uma avaliação dos seus objectivos e propósitos em relação às finalidades subjacentes às disposições acordadas pelos seus potenciais beneficiários (contribuintes). No contexto de uma sociedade-mãe, há inevitavelmente dificuldades na determinação do nível de presença económica e do carácter comercial das disposições. Entre os factores objectivos para determinar se há substância adequada incluem-se critérios passíveis de verificação, como o local efectivo da gestão e a presença tangível do estabelecimento, assim como o risco comercial real por este assumido. Contudo, não há certeza quanto à forma como esses critérios podem aplicar-se no que respeita, por exemplo, aos serviços financeiros intragrupo e às sociedades gestoras de participações sociais, cujas actividades não exigem, em geral, uma presença física significativa.

    O TJE clarificou o âmbito permitido de certos tipos de regras antievasão e estabeleceu alguns critérios para avaliar o carácter genuíno de um estabelecimento e o carácter comercial das disposições acordadas pelos contribuintes. Embora a aplicação dos princípios decorrentes da jurisprudência dependa, em última análise, dos factos de casos particulares, a Comissão considera que valeria a pena explorar a aplicação prática desses princípios a tipos diferentes de actividades e de estruturas das empresas[15]. É o que se propõe fazer, em conjunto com os EM, saudando igualmente qualquer contributo do mundo empresarial.

    Proporcionalidade

    Dos processos Cadbury e Thin Cap deduz-se que, para efeitos de determinar se uma operação representa um expediente puramente artificial, a regulamentação nacional antiabuso pode incluir critérios de «porto seguro», de modo a visar situações em que a probabilidade de abuso seja mais elevada. De facto, a Comissão partilha a opinião do Advogado-Geral (AG) Geelhoed, que, no processo Thin Cap , opinou que o estabelecimento de critérios presuntivos razoáveis contribui para uma aplicação equilibrada das medidas antiabuso nacionais, uma vez que é no interesse tanto da segurança jurídica para os contribuintes como da exequibilidade para as administrações fiscais[16].

    Contudo, para garantir que as operações e os estabelecimentos genuínos não sejam indevidamente sancionados, é imperativo que, quando se presumir a existência de um expediente puramente artificial, o contribuinte tenha a oportunidade, sem ser sujeito a restrições administrativas indevidas, a apresentar provas de qualquer justificação comercial que possa existir para essa disposição. O grau em que o ónus da prova de que as suas operações tinham objectivos comerciais de boa fé pode recair no contribuinte só pode ser determinado caso a caso. A este respeito, a Comissão considera que o ónus da prova não deve recair unicamente no contribuinte e que se deve ter em conta a capacidade de cumprimento geral por parte do contribuinte e o tipo de disposição em questão. É igualmente vital, no sentido da proporcionalidade, que o resultado da respectiva avaliação pela administração fiscal possa ser submetido a um controlo jurisdicional independente. Além disso, os ajustamentos ao rendimento tributável em consequência da aplicação das regras antiabuso devem limitar-se ao âmbito que seja atribuível ao expediente puramente artificial. No que se refere a operações intragrupo, isso significa adesão ao princípio da independência das sociedades, ou seja, de termos comerciais tal como teriam sido acordados entre partes independentes. Isto, porém, na opinião da Comissão, não deveria impedir os EM de impor sanções aos contribuintes que tenham utilizado esquemas abusivos para evitar impostos.

    3. APLICAÇÃO DE REGRAS ANTIABUSO NA UE/EEE

    Generalidades

    Os EM têm de poder operar sistemas fiscais eficazes e impedir que as suas bases tributárias sofram uma erosão indevida por motivos de não-tributação involuntária e abuso. Ao mesmo tempo, é importante assegurar que não há obstáculos indevidos ao exercício dos direitos conferidos aos indivíduos e aos operadores económicos pelas disposições do direito comunitário. As medidas antiabuso devem, por conseguinte, visar exactamente os expedientes puramente artificiais concebidos para contornar a legislação nacional (ou as regras comunitárias tal como transpostas para a legislação nacional). É igualmente o que se passa no que se refere à aplicação de regras antiabuso em relação aos países do EEE (à excepção de situações em que não haja uma relação adequada de intercâmbio de informações com o país do EEE em causa). Para garantir que tais regras não sejam desproporcionadas ao objectivo de limitar o abuso e de garantir a segurança jurídica, devem ser dadas salvaguardas adequadas de forma a que os contribuintes tenham a oportunidade de apresentar elementos de prova de quaisquer justificações comerciais que possam existir para as disposições acordadas.

    Na opinião da Comissão, seria lamentável que, para evitar a acusação de discriminação, os EM alargassem a situações puramente nacionais, onde não existe nenhum risco de abuso possível, a aplicação de medidas antiabuso concebidas para limitar a evasão fiscal transfronteiras. Tais soluções unilaterais só enfraquecem a competitividade das economias dos EM e não são no interesse do mercado interno. De facto, tal como o AG Geelhoed observou no processo Thin Cap [17] tal alargamento « …não faz sentido e é contraproducente para a eficácia económica.» Além disso, continua a ser discutível se tais alargamentos podem ter êxito na harmonização de todas as medidas restritivas com as obrigações dos EM nos termos do Tratado CE.

    A falta de interacção concertada entre os sistemas fiscais dos EM pode resultar na não-tributação involuntária e deixar margem para abusos, comprometendo desta forma a sua equidade e o seu equilíbrio. Podem surgir discrepâncias, por exemplo, em relação à qualificação de «dívida» e de «capital próprio». Um EM pode considerar uma operação como uma injecção de capital e, assim, isentar o rendimento daí derivado (como distribuição de lucros), enquanto outro EM pode considerar a mesma operação como um empréstimo e permitir a dedutibilidade fiscal para os pagamentos subsequentes (como juros). Isto pode resultar numa dedução num EM sem tributação correspondente noutro EM. O mesmo é válido para as entidades híbridas, ou seja, entidades que são consideradas como pessoas colectivas por um EM e como entidades transparentes por outro. Esta diferença de qualificação pode conduzir a duplas isenções ou duplas deduções. Tais problemas são mais bem abordados na fonte, mediante a redução da ocorrência de discrepâncias. Na sua falta, é conveniente melhorar a cooperação administrativa para detectar situações em que tais discrepâncias sejam exploradas de forma abusiva. A Comissão propõe que se discutam estas questões em mais pormenor com os EM para examinar a margem existente para possíveis soluções coordenadas nesta área.

    A cooperação administrativa quanto a esquemas fiscais fraudulentos e casos de abuso específicos pode assumir uma importância-chave para garantir a eficácia das medidas antiabuso. Os esquemas de evasão fiscal são frequentemente muito complexos e podem envolver operações em muitos EM e países terceiros, o que torna cada vez mais difícil a cada EM detectar e combater tais esquemas isoladamente. Além disso, as medidas antiabuso específicas envolvem um elevado ónus de prova para as administrações fiscais, o que torna a cooperação entre elas ainda mais importante. Pareceria igualmente útil que os EM partilhassem as melhores práticas desenvolvidas a nível nacional.

    Tipos comuns de regras antiabuso na legislação fiscal dos EM

    Regras relativas às CFC (Controlled Foreign Company – Sociedade Estrangeira Controlada) . O objectivo principal das regras CFC é impedir as empresas residentes de fugirem ao imposto nacional mediante o desvio de rendimentos para subsidiárias em países com baixa tributação e – como o TJE reconheceu – as regras CFC são em geral adequadas para alcançar esse objectivo. O âmbito das regras CFC é, em geral, definido por referência a critérios relativos ao controlo, ao nível efectivo de tributação, à actividade e ao tipo de rendimento da CFC e estabelecem habitualmente que os lucros de uma sociedade desta natureza podem ser atribuídos à sua empresa-mãe nacional e sujeitos à tributação aplicável a esta última. Ao abrigo das regras CFC, os lucros de uma subsidiária recebem tratamento fiscal diferente pela simples razão de a subsidiária ser residente noutro Estado. Essa diferença de tratamento constitui uma discriminação, a menos que haja uma diferença de situação objectiva e importante que o justifique. Do mesmo modo, a inclusão dos lucros de uma subsidiária estrangeira nos lucros tributáveis da empresa-mãe residente constitui um obstáculo à capacidade de esta última se estabelecer em outros EM por meio de subsidiárias.

    É, pois, necessário – a não ser que se abulam completamente as regras CFC ou se deixe de as aplicar na UE/EEE – assegurar que as regras CFC só visem os expedientes puramente artificiais. O seu alcance pode ser reduzido por meio de várias excepções, como uma política de distribuição aceitável, actividades isentas (industriais ou comerciais genuínas), cotação pública, etc.., mas é sobretudo crucial que os contribuintes tenham a oportunidade de demonstrar, sob controlo jurisdicional, que as suas operações tinham objectivos empresariais genuínos.

    As limitações do âmbito de aplicação permitido das regras do tipo CFC não podem prejudicar a aplicação das regras relativas ao estabelecimento dos preços de transferências, que podem ser utilizadas de forma mais geral para analisar acordos de preços não comerciais entre empresas associadas. As regras CFC podem, por conseguinte, continuar a realizar uma função útil em complemento das regras relativas à residência das sociedades e ao estabelecimento dos preços de transferências, na medida em que constituem um meio de combater os tipos mais artificiais de planificação fiscal, ou seja, desvio de lucros (no papel) para empresas controladas que não estão genuinamente estabelecidas em outros EM ou Estados do EEE. Os EM devem assegurar, contudo, que tais medidas não são aplicadas no que respeita a estabelecimentos secundários em outros EM e Estados do EEE envolvidos em actividades empresariais genuínas e não vão além do que é necessário para alcançarem o seu objectivo declarado de atacar o desvio artificial de lucros.

    Regras relativas à subcapitalização. São muitas as abordagens da concepção das regras relativas à subcapitalização, que reflectem os diferentes pontos de vista e tradições jurídicas dos EM. No entanto, o pano de fundo dessas regras é similar. O financiamento por meio de capitais próprios ou de empréstimos implica diferentes consequências fiscais. Financiar uma empresa por meio de capitais próprios resultará normalmente numa distribuição de lucros ao accionista sob a forma de dividendos, mas só após a tributação desses lucros ao nível da subsidiária. O financiamento através de empréstimos resultará num pagamento de juros aos credores (que podem igualmente ser os accionistas), mas tais pagamentos reduzem em geral os lucros tributáveis da subsidiária. Dividendos e juros podem igualmente implicar consequências diferentes a nível da retenção de impostos na fonte. A diferença de tratamento entre o financiamento por meio de capitais próprios ou de empréstimos segundo o direito fiscal nacional (e a nível bilateral), em consequência da qual os direitos de tributação dos juros pelo Estado de origem são em geral mais limitados do que os relativos aos dividendos, torna o financiamento por meio de empréstimos consideravelmente mais atraente num contexto transfronteiras e pode, por conseguinte, levar à erosão da base tributária do Estado da subsidiária.

    A diferença de tratamento entre subsidiárias residentes em função da sede da respectiva empresa-mãe na UE/EEE acabaria se fossem completamente abolidas as regras relativas à subcapitalização ou se fossem excluídas do seu âmbito as operações com mutuantes residentes em outros EM e países do EEE. A Comissão considera que os EM devem, contudo, ter a possibilidade de proteger as suas bases tributárias contra uma erosão artificial, por meio da montagem de um financiamento através de empréstimos, mesmo na UE/EEE. No seguimento do processo Lankhorst , alguns EM tentaram evitar a acusação de discriminação mediante o alargamento da aplicação das suas regras relativas à subcapitalização, de modo a estas abrangerem igualmente relações puramente nacionais. Tal como referido anteriormente, este não é um desenvolvimento desejável.

    No processo Thin Cap , o TJE reconheceu que as medidas para impedir a subcapitalização não são, em si, condenáveis. A sua aplicação deve, contudo, limitar-se aos expedientes puramente artificiais. Isto pode ser alcançado se se garantir que os termos dos acordos de financiamento através de empréstimos entre empresas em relação de grupo se mantêm dentro dos limites do que seria acordado entre partes independentes ou se baseiam em outras razões comerciais válidas. A Comissão considera que os princípios estabelecidos pelo TJE quanto às regras relativas à subcapitalização se aplicam igualmente às regras relativas ao estabelecimento dos preços de transferências, que são essenciais à continuidade da existência de cada sistema fiscal nacional. Os EM só poderão operar sistemas fiscais eficazes se puderem impedir que as suas bases tributárias sofram qualquer erosão em resultado de disposições não comerciais entre empresas associadas.

    4. APLICAÇÃO DAS REGRAS ANTIABUSO EM RELAÇÃO A PAÍSES TERCEIROS

    As regras CFC determinam o tratamento fiscal dos lucros de uma empresa estrangeira controlada por uma residente. Como tais regras visam, e, portanto, só afectam, os sócios/accionistas residentes com influência definida sobre uma empresa estrangeira (geralmente, uma empresa-mãe num grupo de empresas), o seu centro de gravidade está na capacidade de as empresas (e, se for o caso, os indivíduos) se estabelecerem, através de subsidiárias, em outros países. Do mesmo modo, as regras dos EM relativas à subcapitalização visam exclusivamente as disposições relativas ao financiamento através de empréstimos dentro de um mesmo grupo, ou seja, apenas se aplicam em situações em que um accionista estrangeiro detém uma participação substancial na subsidiária residente. Desta forma, o centro de gravidade no que respeita às regras relativas à subcapitalização situa-se também claramente a nível da liberdade de estabelecimento e, tal como no caso das regras CFC, a sua aplicação deve, por conseguinte, ser examinada unicamente na perspectiva do artigo 43.º do Tratado CE[18].

    Como o direito comunitário não exige que os EM evitem qualquer discriminação em relação ao estabelecimento dos seus nacionais fora da Comunidade ou ao estabelecimento dos nacionais de países terceiros num EM[19], a questão da discriminação não surge no caso de uma sociedade controlada ou de um credor/accionista residente num país terceiro. Os EM não devem, por conseguinte, ser impedidos de aplicar as regras CFC e as relativas à subcapitalização no que respeita aos países terceiros. O direito comunitário não impõe quaisquer requisitos particulares quanto à legitimidade da aplicação da legislação em causa a operações fora da UE[20].

    Contudo, se a aplicação dessas regras não se limitasse a situações e operações entre empresas de um mesmo grupo (ou entre partes interligadas em que uma tenha uma influência definida sobre a outra) e na medida em que fosse este o caso, as regras teriam de respeitar o artigo 56.º do Tratado CE, e igualmente, em relação aos países terceiros, ser aplicadas apenas a expedientes puramente artificiais (com excepção de situações onde não haja uma relação adequada de intercâmbio de informações com o país terceiro em causa).

    As directivas relativas ao imposto sobre as sociedades aplicam-se apenas a empresas constituídas nos EM e o seu objectivo global é criar, no seio da Comunidade , condições análogas às de um mercado interno, mediante a eliminação dos obstáculos fiscais às reorganizações transfronteiriças e aos pagamentos de dividendos, juros e royalties . Não parece, por conseguinte, que se insira no seu âmbito, por exemplo, facilitar montagens destinadas a evitar a retenção de impostos na fonte sobre pagamentos a entidades não europeias, se tais práticas não tiverem qualquer objectivo comercial. A este respeito pode notar-se que a melhor forma de limitar essas montagens é a aplicação, se não uniforme, pelo menos coordenada das medidas antievasão.

    A Comissão considera que, em particular no que respeita à aplicação das suas regras antievasão a esquemas internacionais de evasão fiscal, os EM devem, a fim de proteger as suas bases tributárias, procurar melhorar a coordenação das medidas antiabuso em relação a países terceiros. Tal coordenação pode consistir proveitosamente numa cooperação administrativa (como o intercâmbio de informação e a partilha de melhores práticas). A Comissão incentivaria igualmente os EM a aumentar, se adequado, a cooperação administrativa com os seus parceiros não pertencentes à UE.

    5. CONCLUSÕES

    O TJE proferiu uma série de importantes acórdãos nesta matéria, nos quais esclareceu as limitações relativas ao uso legítimo de regras antievasão. Os acórdãos terão indubitavelmente um impacto significativo nas regras em vigor, que não foram formuladas a pensar nessas restrições. É, em especial, claro que as regras não devem ter um âmbito demasiado lato, mas antes visar situações em que não haja um estabelecimento genuíno ou, de modo mais geral, em que não exista um suporte comercial.

    É, por conseguinte, necessário que os EM procedam a uma revisão geral das suas regras antievasão. A Comissão está disposta a apoiar e dar assistência aos EM na realização dessas revisões. Na opinião da Comissão, embora o TJE tenha estabelecido critérios claros que têm de ser aplicados a factos individuais, continua a haver margem para explorar a aplicação prática desses princípios de forma mais geral, para além das circunstâncias dos contextos particulares em que surgiram. A Comissão convida, por conseguinte, os EM e outras partes interessadas a trabalhar consigo para promover um melhor entendimento das implicações para os sistemas fiscais dos EM. A Comissão está igualmente interessada em explorar em mais pormenor a possibilidade de soluções coordenadas específicas, em estreita cooperação com os EM, com vista a:

    - desenvolver definições comuns de «abuso» e de «expedientes puramente artificiais» (para uma orientação quanto à aplicação desses conceitos no domínio dos impostos directos);

    - melhorar a cooperação administrativa para detectar e neutralizar mais eficazmente os abusos e esquemas fiscais fraudulentos;

    - partilhar as melhores práticas que sejam compatíveis com o direito comunitário, em particular para garantir a proporcionalidade das medidas antiabuso;

    - reduzir potenciais discrepâncias que resultem numa não-tributação involuntária; e

    - garantir uma melhor coordenação das regras antiabuso em relação a países terceiros.

    A Comissão convida o Conselho, o Parlamento Europeu e o Comité Económico e Social Europeu a formularem o seu parecer sobre a presente comunicação.

    [1] COM(2006)823 de 19.12.2006.

    [2] Pode notar-se que a aplicação de certas disposições antiabuso em tratados fiscais com países terceiros poderia também afectar indirectamente a liberdade de estabelecimento de empresas residentes em outros EM.

    [3] JO L 347 de 11.12.2006, pgs. 1-118.

    [4] Processo Emsland-Stärke C-110/99, n.º 52-53; processo Halifax C-255/02, n.ºs 74-75.

    [5] Ver, a título de exemplo, o processo Lankhorst, C-324/00, n.º 37.

    [6] Processo ICI, C-264/96, n.º 26.

    [7] C-196/04, n.º 69.

    [8] Processo Cadbury , n.º 37.

    [9] Processo Eurowings, C-294/97, n.º 44.

    [10] Processo Cadbury , n.ºs 36-38.

    [11] Ver, a título de exemplo, o parecer do Advogado-Geral Léger no processo Cadbury , n.ºs 55-60.

    [12] Ver a Comunicação da Comissão de 11 de Novembro de 1998, JO C 384/98, em particular o n.º 13.

    [13] N.ºs 67-68.

    [14] C-524/04.

    [15] A este respeito poderia igualmente valer a pena explorar a possibilidade de estabelecer um inventário não exaustivo de modelos de factos que indiquem, em geral, a presença de um expediente artificial - como, por exemplo, a integração de um estabelecimento secundário que pretenda fornecer bens ou serviços a partir de outra jurisdição sem ter qualquer substância real ou operação física ou, de modo mais geral, tipos de disposições que não sirvam qualquer objectivo empresarial (ou que possam mesmo ser contrários aos interesses empresariais em geral, se não tiverem sido acordados para efeitos de evasão fiscal).

    [16] N.º 66.

    [17] N.º 68.

    [18] Processo Lasertec, C-492/04, n.º 20.

    [19] Como o TJE observou no processo ICI : «(…), quando o litígio submetido ao tribunal nacional é relativo a uma situação estranha ao âmbito de aplicação do direito comunitário, o tribunal nacional não é obrigado, por força do direito comunitário, a interpretar a sua legislação em conformidade com o direito comunitário nem a não aplicar essa legislação (…)», n.º 34

    [20] A sua aplicação pode, contudo, ser impedida pela convenção aplicável em matéria de dupla tributação.

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