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Document 52003DC0096

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu - Ciências da vida e biotecnologia - Uma estratégia para a Europa - Relatório de progresso e orientações para o futuro {SEC (2003) 248}

/* COM/2003/0096 final */

52003DC0096

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu - Ciências da vida e biotecnologia - Uma estratégia para a Europa - Relatório de progresso e orientações para o futuro {SEC (2003) 248} /* COM/2003/0096 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO E AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU CIÊNCIAS DA VIDA E BIOTECNOLOGIA - UMA ESTRATÉGIA PARA A EUROPA RELATÓRIO DE PROGRESSO E ORIENTAÇÕES PARA O FUTURO {SEC (2003) 248}

RESUMO

Em Janeiro de 2002, a Comissão adoptou uma Estratégia para a Europa relativa às Ciências da Vida e à Biotecnologia, composta por duas partes - orientações políticas e um plano de 30 pontos para a concretização de políticas em acções.

A Comissão tenciona apresentar relatórios periódicos sobre os progressos realizados e o presente documento constitui o primeiro reflexo dessa vontade. Nele se expõem os resultados atingidos em termos de elaboração de políticas e no terreno, antecipando-se igualmente questões emergentes. Nos casos em que se imponham acções complementares, o presente relatório contém orientações para o futuro, formula recomendações adequadas ou anuncia novas iniciativas.

A presente Comunicação destaca um conjunto de aspectos nucleares essenciais para o êxito do Plano de Acção e é secundada por um documento de trabalho dos serviços da Comissão, que apresenta medidas a curto e médio prazo para a sua concretização, bem como um calendário de execução mais preciso para a Comissão.

Por meio desta Comunicação, a Comissão dá resposta à solicitação que lhe foi dirigida pelo Conselho Europeu de Barcelona no sentido de apresentar, antes do Conselho Europeu da Primavera de 2003, um relatório sobre os progressos alcançados.

A estratégia da Comissão para as ciências da vida e a biotecnologia tem sido considerada uma iniciativa de envergadura e uma realização significativa... ...

As Instituições Europeias apoiaram a abordagem integrada proposta pela Comissão como forma, por um lado, de concorrer para o objectivo de Lisboa, que prevê a promoção deste domínio de alta tecnologia devido às suas potencialidades para gerar crescimento e novos postos de trabalho; e, por outro, de beneficiar um largo espectro de sectores, contribuindo simultaneamente para os nossos objectivos mais vastos, tais como o desenvolvimento sustentável. Em 26 de Novembro, o Conselho (Competitividade) adoptou conclusões que incluíam um roteiro para os Estados-Membros (e para a Comissão), no qual se definiam acções prioritárias, responsabilidades e um calendário de execução. Juntamente com o plano de acção, estas conclusões estabeleceram um quadro sólido para a elaboração de uma política de biotecnologia à escala europeia, assente numa base de colaboração. Em 21 de Novembro, o Parlamento Europeu, ao aprovar por larga maioria uma resolução que subscrevia a estratégia da Comissão para a biotecnologia, deu um forte sinal positivo de apoio ao desenvolvimento da biotecnologia na Europa.

Os Estados-Membros, as regiões, os meios académicos e o sector privado já estão a proceder à identificação de medidas e a contribuir para a sua aplicação em muitas áreas. A estratégia apresenta uma política integrada para este domínio a nível da União Europeia, abrangendo a promoção do desenvolvimento da biotecnologia, bem como a condução responsável do processo.

Em consonância com o calendário constante do Plano de Acção e no âmbito das suas competências, a Comissão avançou com um vasto leque de acções específicas e apoiou várias acções independentes lançadas por regiões, instituições académicas e organizações industriais. Em alguns Estados-Membros, já foi levado a cabo um conjunto de medidas que se articulam com a estratégia para a biotecnologia. Embora a execução desta se encontre ainda numa fase incipiente, já se realizaram alguns progressos. Uma realização digna de nota foi a adopção do sexto programa-quadro para a investigação e o desenvolvimento tecnológico, que continuará a apoiar a investigação científica de base e a contribuir para a criação de um sistema europeu de investigação. Também se registaram progressos consideráveis na consolidação do quadro regulador relativo aos OGM.

... ... mas é necessário avançar com maior celeridade em alguns domínios cruciais

Em determinados domínios - alguns dos quais podem comprometer seriamente o êxito a longo prazo da biotecnologia na Europa e ter também repercussões globais -, o cenário é mais confuso e constitui já motivo de preocupação. São eles a necessidade de mais investigação e recursos financeiros, a necessidade de ultimar o sistema de protecção da propriedade intelectual e o atraso na área dos OGM. Tais limitações têm consequências directas para um conjunto de domínios - por exemplo, a inovação, a competitividade ou a investigação em matéria de biotecnologia europeia e o comércio.

A biotecnologia europeia está atrasada relativamente à norte-americana em termos de patentes e de projectos conjuntos de investigação e desenvolvimento. Acresce que o nosso principal concorrente é líder destacado no sector das actividades inovadoras, enquanto a UE, nos últimos quatro anos, registou um declínio acelerado na investigação sobre os OGM. A manter-se esta situação, existe o risco de não se cumprir o objectivo do processo de Lisboa relativamente às ciências da vida e à biotecnologia. Impõe-se uma acção decisiva e imediata numa série de sectores identificados pelo presente relatório.

À semelhança de outros progressos científicos, os rápidos avanços registados nas ciências da vida geram grandes expectativas em relação à cura de doenças e à melhoria da qualidade de vida, mas, ao mesmo tempo, suscitam apreensão quanto às suas consequências éticas e sociais. As autoridades públicas no seu conjunto têm de atender às preocupações sobre as condições em que se efectuam as opções fundamentais neste domínio. Pela sua parte, a Comissão está empenhada em que os aspectos éticos, jurídicos, sociais ou os aspectos culturais mais gerais, bem como as diferentes formas de pensar subjacentes, sejam levados em consideração o mais cedo possível na investigação financiada pela Comunidade. As questões da clonagem humana e da investigação sobre células estaminais de embriões humanos, em particular, geraram um aceso debate público e político. A discussão ética e social tem de continuar a ser uma componente natural do processo de investigação e desenvolvimento, solicitando tanto quanto possível o envolvimento da sociedade.

Por último, verifica-se a necessidade de um esforço conjunto para alargar a compreensão da biotecnologia a nível internacional. Para este efeito, será equacionada a criação de um fórum consultivo multilateral, capaz de entabular um diálogo de largo espectro sobre a biotecnologia.

Persiste a necessidade de compromissos e de acções de todos os agentes públicos e privados envolvidos na estratégia

Com a estratégia, a Comissão comprometeu-se a melhorar a coerência de políticas e acções, de modo a fomentar uma abordagem integrada de todas as aplicações das ciências da vida e da biotecnologia. A Comissão está pronta para continuar a cumprir estes compromissos.

Mas a Comissão é apenas um dos intervenientes neste domínio. Muitas das acções propostas são em larga medida ou inteiramente da competência dos Estados-Membros ou de agentes privados. A estratégia só poderá ser bem sucedida se for acompanhada por acções complementares em cada Estado-Membro - por exemplo, se estes elaborarem e executarem estratégias nacionais para a biotecnologia. Pela sua parte, a Comissão está disponível para continuar a desempenhar o seu papel de dinamizadora, contribuindo para os esforços envidados por terceiros, e com a missão específica de garantir um quadro europeu coerente.

É essencial uma política coerente e clara nos Estados-Membros em matéria de biotecnologia. A experiência demonstra que acções divergentes e descoordenadas são passíveis de reduzir seriamente o impacto, a eficácia e a coerência da estratégia da UE neste domínio. Importa chamar a atenção para a aparente incoerência entre, por um lado, as conclusões dos Conselhos de Lisboa, Estocolmo, Barcelona e Sevilha, que fixam o objectivo de tornar a UE numa das mais importantes economias baseadas no conhecimento, promovem todas as potencialidades da biotecnologia e reclamam uma maior competitividade do sector biotecnológico europeu. Ora, por outro lado, quando estas declarações se concretizaram em compromissos e normas vinculativos, não foi dado o mesmo sinal inequívoco.

ÍNDICE

RESUMO

1. Introdução

2. Reacções à estratégia da Comissão

Conselho e Conselho Europeu

Parlamento Europeu, Comité Económico

e Social Europeu e Comité das Regiões

3. Panorâmica dos desenvolvimentos políticos e das prioridades para acções urgentes

a) Investigação Europeia

b) Ciência e Sociedade

c) Competitividade, inovação e propriedade intelectual

Fragmentação e acesso a financiamento

Protecção da propriedade intelectual

d) Organismos Geneticamente Modificados (OGM)

Quadro regulador e percepção pública

e) Questões internacionais

4. Conclusões gerais

1. Introdução

Em Janeiro de 2002, a Comissão adoptou uma Estratégia para a Europa relativa às Ciências da Vida e à Biotecnologia [1], que dava resposta à importância atribuída pelo Conselho Europeu às ciências da vida. O Plano propõe um roteiro abrangente até 2010 e coloca o sector à cabeça das tecnologias de ponta que contribuem para aproximar a União Europeia do seu objectivo estratégico a longo prazo definido pelo Conselho Europeu de Lisboa, realizado em Março de 2000: o de, no espaço de uma década, se tornar «na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos».

[1] COM (2002) 27 final.

A estratégia elaborada pela Comissão é composta por duas partes: orientações políticas e um plano de 30 pontos para a concretização de políticas em acções. Nela se elencavam não só as medidas necessárias a tomar pela Comissão e pelas outras Instituições Europeias, mas também se recomendavam acções por parte de outros intervenientes públicos e privados. Por conseguinte, a estratégia constitui um quadro e uma referência, tanto para as acções promovidas pelas muitas partes interessadas no exercício das respectivas responsabilidades, como para a cooperação entre elas.

O Conselho Europeu de Barcelona analisou o Plano de Acção e solicitou ao Conselho e à Comissão que desenvolvessem medidas e um calendário que permitam às empresas da Comunidade explorar o potencial da biotecnologia, tomando em devida conta o princípio da precaução e as preocupações de ordem ética e social. Convidou igualmente a Comissão a apresentar, antes do Conselho Europeu da Primavera de 2003, um relatório sobre os progressos alcançados.

A Comissão tenciona apresentar relatórios periódicos sobre os progressos realizados e o presente documento constitui o primeiro reflexo dessa vontade. Nele se expõem os resultados atingidos em termos de elaboração de políticas e no terreno, antecipando-se igualmente questões emergentes. O seu objectivo não consiste em repetir a exposição abrangente do plano de acção em relação ao rumo futuro da intervenção comunitária. Já foram desenvolvidas ou executadas na UE muitas medidas consentâneas com o plano de acção. No entanto, sempre que se verificar a necessidade específica de uma nova dinâmica política em alguns domínios prioritários, o presente relatório contém orientações para o futuro, formula recomendações adequadas ou anuncia novas iniciativas.

A presente Comunicação destaca um conjunto de aspectos nucleares essenciais para o êxito do Plano de Acção e é secundada por um documento de trabalho dos serviços da Comissão, que apresenta medidas a curto e médio prazo para a sua concretização, bem como um calendário de execução mais preciso para a Comissão. Uma vez que a execução ainda se encontra numa fase incipiente, este primeiro relatório centra-se nas acções levadas a cabo pela Comissão e só pontualmente refere actividades de outros intervenientes.

2. Reacções à estratégia da Comissão

Em geral, a Estratégia relativa às Ciências da Vida e à Biotecnologia mereceu um acolhimento favorável. Os Estados-Membros e as regiões, os meios académicos e o sector privado já estão a proceder à identificação de medidas e a contribuir para a sua aplicação em muitas áreas. A estratégia apresenta uma política integrada para este domínio a nível da União Europeia, abrangendo a promoção do desenvolvimento da biotecnologia e a condução responsável do processo. Revelou-se possível uma arbitragem entre interesses concorrentes e entre diferentes sectores, por forma a definir uma abordagem comum, ainda que evolutiva.

A estratégia foi considerada como um sinal de que a Comunidade começou a reassumir um papel de liderança neste domínio sensível, que afecta um número crescente de políticas comunitárias. A estratégia e a forma como foi elaborada constituem um bom exemplo prático de governança europeia.

A seguir, apresenta-se uma breve panorâmica da reacção política das Instituições Europeias.

Conselho e Conselho Europeu

Em Março de 2002, o Conselho Europeu de Barcelona acentuou a importância das tecnologias de ponta enquanto factores-chave para o crescimento futuro. Acolheu favoravelmente a visão estratégica da Comissão relativamente às ciências da vida e à biotecnologia como base de um quadro futuro. Solicitou ainda ao Conselho e à Comissão que desenvolvessem medidas pormenorizadas no sentido de pôr em prática a abordagem e que apresentassem, em tempo útil antes do Conselho Europeu da Primavera de 2003, um relatório sobre os progressos alcançados.

Em Sevilha, o Conselho Europeu aditou uma solicitação ao Conselho com vista à execução da estratégia para a biotecnologia proposta pela Comissão.

O Conselho respondeu em Novembro de 2002, com a adopção de conclusões pelo Conselho (Competitividade), que saudavam a Estratégia da Comissão e incluíam um roteiro para os Estados-Membros (e para a Comissão), no qual se definiam acções prioritárias, responsabilidades e um calendário de execução.

Estas conclusões estabeleceram um quadro sólido para a elaboração de uma política de biotecnologia à escala europeia, assente numa base de colaboração.

No entanto, alguns Estados-Membros ainda não conseguiram traduzir os objectivos destas conclusões em acções nos domínios que são fundamentais para o desenvolvimento da biotecnologia e das ciências da vida, devido, nomeadamente, a atrasos na transposição da legislação sobre patentes biotecnológicas e na autorização de novos organismos geneticamente modificados (OGM). Do mesmo modo, têm-se registado progressos lentos relativamente à proposta de patente comunitária.

Parlamento Europeu, Comité Económico e Social Europeu e Comité das Regiões

Comité Económico e Social Europeu adoptou o seu parecer em 24 de Setembro, congratulando-se com a estratégia da Comissão e considerando o plano de acção estruturado, preciso, dinâmico e voluntarista.

Em 21 de Novembro, o Parlamento Europeu, ao aprovar por larga maioria uma resolução que subscrevia a estratégia da Comissão para a biotecnologia, deu um forte sinal positivo de apoio ao desenvolvimento da biotecnologia na Europa. O Parlamento aproveitou o ensejo para debater todos os aspectos da biotecnologia num texto único e, deste modo, defender uma concepção clara e coerente da importância das ciências da vida. O Parlamento salientou em especial a necessidade de uma patente europeia e da realização de progressos na autorização de novos OGM, por forma a estimular a inovação neste domínio.

Comité das Regiões não tomou posição sobre a estratégia da Comissão para a biotecnologia.

Estas reacções demonstram que as Instituições Europeias apoiam a abordagem integrada como forma de concorrer para o objectivo de Lisboa, que prevê a promoção deste domínio de alta tecnologia devido às suas potencialidades para gerar crescimento e novos postos de trabalho, bem como para beneficiar um largo espectro de sectores, contribuindo simultaneamente para os nossos objectivos mais vastos, tais como o desenvolvimento sustentável.

3. Panorâmica dos desenvolvimentos políticos e das prioridades para acções urgentes

Em consonância com o calendário constante do Plano de Acção e no âmbito das suas competências, a Comissão avançou com um vasto leque de acções específicas e apoiou várias acções independentes lançadas por regiões, instituições académicas e associações industriais (para um ponto da situação circunstanciado sobre a execução destas acções, incluindo um calendário mais preciso para a sua realização, consulte-se o documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanha esta comunicação [2]).

[2] SEC(2003) 248 final

Em alguns Estados-Membros, já foi levado a cabo um conjunto de medidas que se articulam com a estratégia para a biotecnologia.

Embora a execução desta se encontre ainda numa fase incipiente, já se realizaram alguns progressos.

Contudo, em determinados domínios - alguns dos quais podem comprometer seriamente o êxito a longo prazo da biotecnologia na Europa e ter também repercussões globais -, o cenário é mais confuso e constitui já motivo de preocupação. São eles a necessidade de mais investigação e recursos financeiros, a necessidade de ultimar o sistema de protecção da propriedade intelectual e a necessidade de realizar progressos em relação aos OGM.

Tais limitações têm consequências directas para um conjunto de domínios - por exemplo, a inovação, a competitividade ou a investigação em matéria de biotecnologia europeia, bem como para as relações com os nossos parceiros comerciais internacionais, inclusive os países em vias de desenvolvimento.

A manter-se esta situação, existe o risco de não se cumprir o objectivo do processo de Lisboa relativamente às ciências da vida e à biotecnologia.

A carta recente do chanceler federal Gerhard Schröeder, do presidente Jacques Chirac e do primeiro-ministro Tony Blair, na perspectiva do Conselho da Primavera de 2003, reconhecia as potencialidades da biotecnologia para melhorar a competitividade industrial da Europa e para garantir oportunidades de emprego, salientando-se do mesmo passo a necessidade de desenvolver todos os aspectos da actividade empresarial europeia, que desempenha um papel fundamental no êxito da estratégia de Lisboa.

a) Investigação Europeia

A investigação é a força motriz do desenvolvimento da biotecnologia. A Europa só poderá ter êxito nas ciências da vida se a montante houver mais investimento, de maior qualidade e mais coerente na investigação, através da criação de um verdadeiro Espaço Europeu da Investigação.

A investigação europeia em geral, mas também na área das ciências da vida e da biotecnologia, afigura-se demasiado fragmentada e não dispõe de recursos suficientes. Os programas de investigação nacionais e regionais não estão suficientemente articulados e a cooperação entre as universidades e a indústria não é ainda uma prática generalizada.

A criação de um Espaço Europeu da Investigação será apoiada pelo sexto programa-quadro de investigação e desenvolvimento tecnológico [3]. A sua adopção pelo Conselho e o Parlamento Europeu, em Junho de 2002, seis meses antes da sua entrada em vigor, é a realização mais visível e relevante do ano desde o lançamento da estratégia. Assinala ainda uma progressão decisiva no sentido da implicação das redes europeias de ciência e investigação na consecução da agenda de Lisboa para a renovação económica, social e ambiental.

[3] Decisão n.º1513/2002/CE (JO L 232, de 29.08.2002, p.1).

Sexto programa-quadro de investigação e desenvolvimento tecnológico

O sexto programa-quadro constitui o principal instrumento da União para a sua política de investigação. Dispondo de um orçamento global de 17,5 mil milhões de euros para o quadriénio 2003-2006, representa cerca de 5% do total da despesa pública de investigação na Europa. As modalidades de financiamento foram revistas, de forma a permitir a mobilização de uma massa crítica de conhecimentos especializados e de recursos em torno de objectivos científicos ambiciosos e a melhorar o seu impacto estruturante sobre o panorama da investigação europeia. Universidades, empresas e centros de investigação trabalharão conjuntamente em projectos integrados e constituirão redes de excelência sobre temas que possuam uma dimensão europeia. A investigação biotecnológica encontra-se contemplada na maioria das sete prioridades temáticas do sexto programa-quadro, a saber: a biotecnologia para a saúde, as nanotecnologias, a qualidade e a segurança dos alimentos e o desenvolvimento sustentável. Será prestada especial atenção à participação de pequenas e médias empresas e está prevista a concessão de apoio adicional à cooperação científica internacional, às infra-estruturas de investigação, bem como à mobilidade e à formação de investigadores.

O núcleo do sexto programa-quadro consiste na criação do Espaço Europeu da Investigação, um mercado interno em que investigadores, conhecimentos e tecnologias circulem livremente. Visa promover a excelência científica, melhorar a competitividade e a inovação mediante uma cooperação mais intensa entre investigadores, bem como reforçar a coordenação entre os investidores na investigação, designadamente nos programas de investigação nacionais.

O sexto programa-quadro irá contribuir para dar resposta a alguns dos problemas que subsistem e entravam o desenvolvimento da biotecnologia na Europa, tais como a mobilidade insuficiente, a fuga de cérebros entre as fileiras dos nossos investigadores, a fragmentação dos esforços de investigação e a morosidade na transformação dos resultados da investigação em produtos e serviços. Este esforço público europeu em matéria de investigação complementará e estimulará os investimentos realizados por empresas de biotecnologia europeias, que em 2001 ascendiam a um total de 7,5 mil milhões de euros.

Investimento na investigação

O investimento na produção de conhecimento constitui um requisito para que a Europa possa atingir o objectivo fixado no Conselho Europeu de Lisboa de se tornar «na economia baseada no conhecimento mais competitiva do mundo». No entanto, os níveis actuais de investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) são insuficientes para realizar esse propósito. A União Europeia investe 1,9% do PIB em I&D, contra 2,7% investidos pelos Estados Unidos e 3% pelo Japão. Em 2000, a diferença entre o investimento dos Estados Unidos e da União Europeia em I&D atingiu os 124 mil milhões de euros. A preços constantes, duplicou desde 1994. Mais de 80% deste fosso em matéria de I&D fica a dever-se ao baixo índice de financiamento pelas empresas da UE.

No Conselho Europeu de Barcelona, realizado em Março de 2002, a UE chegou a consenso quanto à necessidade de aumentar a despesa global em I&D, no sentido de, até 2010, se aproximar dos 3% do PIB - dos quais dois terços deveriam provir do sector privado. Em 11 de Setembro de 2002, foi adoptada a Comunicação da Comissão intitulada «Mais investigação na Europa - Objectivo: 3% do PIB». Com esta comunicação, a Comissão encetou um debate com todos os intervenientes sobre as formas de atingir o ambicioso objectivo fixado em Barcelona e tenciona apresentar um plano de acção na Primavera de 2003.

A Comissão reivindica uma mobilização coerente de uma vasta gama de políticas, a fim de criar um quadro de condições mais propício ao investimento privado em I&D e de garantir uma utilização mais eficaz dos mecanismos de financiamento público em matéria de I&D.

Prioridades para acções futuras

A indústria das ciências da vida e da biotecnologia têm e continuarão a ter as suas raízes na investigação pública. Às acções lançadas a nível europeu terá de corresponder um sólido esforço de investigação, financiado pelos Estados-Membros, que produza resultados a nível nacional e local e que possibilite uma cooperação transfronteiriça sem entraves entre os melhores investigadores dos sectores público e privado em domínios especializados.

b) Ciência e Sociedade

À semelhança de outros progressos científicos, os rápidos avanços registados nas ciências da vida geraram grandes expectativas em relação à cura de doenças e à melhoria da qualidade de vida, mas, ao mesmo tempo, suscitaram apreensão quanto às suas consequências éticas e sociais. As autoridades públicas no seu conjunto têm de atender às preocupações sobre as condições em que se efectuam as opções fundamentais neste domínio.

Pela sua parte, a Comissão está empenhada em que os aspectos éticos, jurídicos, sociais ou os aspectos culturais mais gerais, bem como as diferentes formas de pensar subjacentes, sejam levados em consideração o mais cedo possível na investigação financiada pela Comunidade.

Promoção de um diálogo público informado

Tal como no passado, na execução do sexto programa-quadro e em outras acções, a Comissão irá zelar por que o debate ético e social continue a ser parte integrante do processo de investigação e desenvolvimento, solicitando tanto quanto possível o envolvimento da sociedade.

Para incentivar os cientistas a gerirem os seus projectos neste espírito de inclusão e a dialogarem com o público, a Comissão apela ao lançamento de iniciativas que integrem plataformas de debate enquanto elemento estratégico do trabalho. Os pólos de investigação de grande dimensão, como o da avaliação da segurança dos OGM ou o pólo sobre probióticos, conceberam novas formas de levar a cabo a investigação, contando com a participação de ONG como parceiros de projecto.

No âmbito do sexto programa-quadro, a Comissão apoia medidas destinadas a ajudar os investigadores a tornarem-se comunicadores e intervenientes em debates, que zelam pelas condições de participação de todos os quadrantes da sociedade e que se associam a novas formas de aprendizagem colectiva. Um exemplo concreto é o projecto «Science-Generation», que cria parcerias entre comunidades locais, meios de comunicação social e cientistas em França, Itália e Suécia.

Além disso, pela primeira vez, o sexto programa-quadro inclui um programa de Ciência e Sociedade, que apoia investigação comparativa, prospectiva e de impacto tecnológico associada a questões éticas emergentes em novos domínios da ciência e respectivas aplicações.

Recentemente, duas questões geraram um aceso debate público e político: a clonagem humana e a investigação sobre células estaminais de embriões humanos.

Clonagem humana reprodutiva

As recentes especulações sobre a possibilidade da clonagem humana reprodutiva reacenderam o debate sobre a sua aceitabilidade de um ponto de vista ético, bem como científico. Em relação a esta questão, foi lançado um conjunto de iniciativas, tanto a nível nacional como internacional. Foi anunciada e está a ser discutida nas Nações Unidas uma proposta franco-alemã de convenção mundial que proíba a clonagem reprodutiva de seres humanos. Por seu turno, o Japão manifestou recentemente o desejo de se associar a outros países, com vista à elaboração de um tratado mundial que interdite a clonagem humana reprodutiva.

O Parlamento Europeu aprovou diversas resoluções sobre a clonagem de embriões humanos e os problemas éticos e jurídicos da engenharia genética [4]. Um relatório de iniciativa do Parlamento Europeu sobre as implicações éticas, jurídicas, económicas e sociais da genética humana foi rejeitado em sessão plenária [5].

[4] Resolução do PE de 16 de Março de 1989 sobre os problemas éticos e jurídicos da manipulação genética, Resolução do PE, de 28 de Outubro de 1993, sobre a clonagem do embrião humano, Resolução B4-0209 do PE, de 12 de Março de 1997, Resolução B4-0050/98 do PE, de 15 de Janeiro de 1998, e Resolução B5-710 do PE, de 7 de Setembro de 2000, sobre a clonagem de seres humanos.

[5] Relatório sobre as implicações éticas, jurídicas, económicas e sociais da genética humana - A5-0391/2001, votado e rejeitado na sessão plenária de 29.11.2001.

A clonagem humana reprodutiva é proibida pelo artigo 3.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [6]. O Grupo Europeu de Ética para as Ciências e as Novas Tecnologias (GEE) também se pronunciou contra esse processo [7]. Em consonância com estas posições, o sexto programa-quadro da Comunidade Europeia excluiu o financiamento de qualquer investigação que envolva a clonagem humana reprodutiva.

[6] JO C 364, de 18.12.2000, p.1.

[7] «Aspectos Éticos das Técnicas de Clonagem», parecer n.º9, de 28 de Maio de 1997. Para mais informação sobre o GEE, consulte-se o seguinte endereço: http://europa.eu.int/comm/ european_group_ethics

A Comissão reitera o seu inteiro apoio à proibição mundial da clonagem humana reprodutiva.

Investigação sobre células estaminais de embriões humanos

A questão da investigação sobre células estaminais de embriões humanos foi objecto de destaque no processo de adopção do sexto programa-quadro e das respectivas medidas de execução [8]. Mais concretamente, os debates finais no Conselho e no Parlamento sobre o programa específico «Integração e reforço do Espaço Europeu da Investigação (EEI)», que executa o sexto programa-quadro, centraram-se neste aspecto em particular.

[8] Decisão 2002/834/CE do Conselho (JO L 294, de 29.10.2002, p.1), Decisão 2002/835/CE do Conselho (JO L 294, de 29.10.2002, p.44), Decisão 2002/836/CE do Conselho (JO L 294, de 29.10.2002, p.60), Decisão 2002/837/Euratom do Conselho (JO L 294, de 29.10.2002, p.74), Decisão 2002/838/Euratom do Conselho (JO L 294, de 29.10.2002, p.86).

Posição do Conselho relativa à investigação sobre células estaminais

Na sua reunião de 30 de Setembro de 2002, o Conselho e a Comissão chegaram a consenso quanto à imperiosidade de definir até 31 de Dezembro de 2003 as disposições de execução pormenorizadas relativas a actividades de investigação que envolvam a utilização de embriões humanos e de células estaminais de embriões humanos passíveis de serem financiadas no âmbito do sexto programa-quadro. Além disso, na ocasião, a Comissão declarou que, durante o período em apreço e enquanto se aguarda a definição de disposições de execução pormenorizadas, não proporá o financiamento de tais actividades, excepto se o material utilizado consistir em células estaminais de embriões humanos conservadas em bancos ou isoladas em cultura.

A Comissão acompanha sistematicamente os progressos e necessidades científicos, bem como a evolução da legislação, regulação e normas éticas - quer nacionais, quer internacionais - relacionadas com esta matéria. Ao fazê-lo, leva em consideração os pareceres do Grupo Europeu de Conselheiros para a Ética da Biotecnologia (1991-1997) e os pareceres do Grupo Europeu de Ética para as Ciências e as Novas Tecnologias (a partir de 1998) [9].

[9] Parecer n.º 15, de 14 de Novembro de 2000, sobre os aspectos éticos da investigação de células estaminais humanas e respectiva utilização; e Parecer n.º 16, de 7 de Maio de 2002, sobre os aspectos éticos da patenteabilidade de invenções que envolvam células estaminais humanas.

Prioridades para acções futuras

Em conformidade com a declaração do Conselho sobre o programa específico «Integração e reforço do Espaço Europeu da Investigação», a Comissão tomará as seguintes medidas:

* na Primavera de 2003, apresentará ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre a investigação em matéria de células estaminais de embriões humanos, que fornecerá a base de discussão para um seminário interinstitucional sobre bioética e se espera contribua para o debate à escala europeia das questões éticas suscitadas pela biotecnologia moderna, especialmente em relação às células estaminais de embriões humanos;

* e apresentará uma proposta, fundada no n.º 4 do artigo 166.º do Tratado, na qual definirá orientações adicionais sobre os princípios para decidir do eventual financiamento pela Comunidade de projectos de investigação que envolvam em particular a utilização de células estaminais de embriões humanos.

c) Competitividade, inovação e propriedade intelectual

Têm-se detectado sinais encorajadores de dinamismo, como a vaga de novas empresas do ramo da biotecnologia que entraram no mercado em vários países europeus. A indústria biotecnológica europeia começou tarde e encontra-se ainda em fase de arranque, quando se considera a dimensão das empresas, as receitas e a oferta de produtos. Actualmente, verifica-se a necessidade urgente de reforçar o desenvolvimento e a consolidação da indústria. A biotecnologia constitui uma indústria global, baseada no conhecimento e com elevada intensidade de capital, pelo que o seu desenvolvimento dependerá dos progressos realizados em três vertentes fundamentais: a fragmentação, o acesso a financiamento e a defesa da propriedade intelectual.

Fragmentação e acesso a financiamento

A fragmentação que caracteriza a investigação reflecte-se igualmente na indústria europeia. Esta situação decorre, em parte, de factores reguladores, empresariais, fiscais e financeiros de carácter geral, mas também, mais especificamente, do cunho tradicionalmente nacional da investigação, que se estende às empresas criadas a partir dela. A cooperação entre Estados-Membros é escassa e demonstrou-se que é mais provável que as empresas europeias participem numa investigação conjunta com empresas norte-americanas do que com as suas congéneres europeias. Acresce que a articulação entre o sistema público de investigação e a indústria não está suficientemente desenvolvido.

Inovação e competitividade na biotecnologia europeia

Um estudo [10] demonstra que, em matéria de patentes e de projectos conjuntos de investigação e desenvolvimento (I&D), a biotecnologia europeia se encontra atrasada em relação aos Estados Unidos e que o nosso principal concorrente é líder destacado no domínio das actividades inovadoras.

[10] Este estudo apresenta um quadro circunstanciado da competitividade da indústria biotecnológica europeia. «Inovation and competitiveness in European Biotechnology», Enterprise Papers n.º 7, 2002, Comissão Europeia.

O reforço da investigação científica de base do sector público e a criação em curso de um Espaço Europeu da Investigação são alguns dos meios mais eficazes para contrariar esta fragmentação.

É facto que, actualmente, nenhum dos pólos biotecnológicos europeus é tão dinâmico no desenvolvimento de empresas e produtos como os mais avançados pólos biotecnológicos norte-americanos - os da Nova Inglaterra e da Califórnia. Um estudo sobre biotecnologia, a apresentar em breve pelo painel da inovação, demonstra que os agentes da UE com melhores desempenhos neste ramo são competitivos em relação aos Estados Unidos, mas muitos não atingiram ainda a necessária massa crítica. Desde que a Comissão publicou a comunicação sobre a estratégia para a biotecnologia, verificou-se um aumento no número de iniciativas e reuniões em que participam regiões, pólos, empresas e instituições de investigação. As regiões europeias estão a desenvolver uma rede baseada numa estrutura de participação e colaboração abertas entre partes interessadas sobre questões específicas. O sector privado, os meios académicos e as ONG lançaram igualmente um conjunto de iniciativas promissoras no sentido de promoverem o diálogo entre os vários intervenientes e o grande público. A Comissão congratula-se com este tipo de actividade e, sobretudo, com a sua abordagem ascendente («bottom-up»), que deverá garantir que estas acções correspondam às prioridades dos participantes. Na sequência de uma avaliação de propostas recentemente concluída, em 2003, será criada, com o apoio da Comissão, uma plataforma europeia para a biotecnologia na Internet, que visa desempenhar uma função de articulação central entre as partes interessadas da comunidade biotecnológica.

«G10 Medicamentos» e revisão da legislação farmacêutica

Em Maio de 2002, o Grupo de Alto Nível para a Inovação e a Disponibilização de Medicamentos (denominado «G10 Medicamentos») apresentou o seu relatório [11] sobre formas de melhorar a competitividade da indústria farmacêutica europeia, no âmbito da realização de objectivos sociais e de saúde pública. Considerando o importante papel da biotecnologia no desenvolvimento dos produtos farmacêuticos do futuro, o relatório sublinhava a importância da estratégia da Comissão para a biotecnologia e referia especificamente a necessidade de concluir a aplicação da directiva relativa às invenções biotecnológicas. A Comissão atenderá às recomendações do relatório numa comunicação, que, possivelmente, será adoptada no Verão de 2003.

[11] Disponível em: http:// pharmacos.eudra.org

Na revisão em curso da legislação farmacêutica da Comunidade, fundada no Regulamento n.º2309/93 e na Directiva 2001/83/CE, leva-se já em linha de conta um grande número de medidas importantes destinadas a melhorar a capacidade de inovação da indústria farmacêutica europeia. Nos esforços da Comissão para debelar a actual fragmentação dos mercados e para implantar os necessários mecanismos de protecção da propriedade intelectual, são fundamentais determinadas adaptações do denominado procedimento centralizado, que incluam o reforço do aconselhamento científico às empresas e a harmonização dos períodos de protecção de dados.

A indústria biotecnológica depende do acesso específico a capitais de risco.

As empresas terão de gerir um processo de investigação e desenvolvimento muito longo e oneroso antes de conseguirem um produto comercializável ou, em alguns casos, fracassar nos seus intentos. Os investigadores públicos e privados têm de estar preparados para investir numa perspectiva de mais longo prazo em empresas de alto risco. Nos últimos cinco anos, a Europa tem registado um amplo sucesso na criação de empresas biotecnológicas, mas uma grande percentagem delas depara-se actualmente com a necessidade de renovar o seu financiamento num mercado financeiro muito difícil.

É indubitável que diversas empresas biotecnológicas irão desaparecer no processo de consolidação, tal como algumas não seriam viáveis, mesmo com condições de mercado favoráveis. Outras terão futuro através de fusões ou como divisões de sociedades maiores. Isto em nada diminui o facto de que a Europa corre o risco de perder não só um grupo de empresas potencialmente viáveis, mas também uma geração de investigadores e a propriedade intelectual resultante do seu trabalho. A Europa arrisca-se a perder um capital de conhecimentos já adquirido. Por conseguinte, já se compreendeu que o principal problema reside no financiamento de empresas com maior maturidade. O Fórum consultivo "Biotecnologia e Finança" da Comissão estimou que o défice de financiamento poderia atingir os mil milhões de dólares em 2003.

Prioridades para acções futuras

Há algumas indicações em relação ao alcance e à premência da situação financeira na indústria biotecnológica de tipo empresarial. Agora, os Estados-Membros, a Comissão e as instituições financeiras têm de considerar as formas de reagir, de modo a evitar que a Europa perca um capital de conhecimentos que já adquiriu.

Protecção da propriedade intelectual

Para que a Europa possa explorar plenamente as potencialidades médicas, ambientais e económicas da biotecnologia, no cumprimento de normas éticas elevadas e atendendo a preocupações públicas sobre a questão das patentes concedidas às inovações biotecnológicas, é essencial um regime de patentes claro, equitativo, financeiramente comportável e eficaz, aplicado de forma coerente em toda a UE.

Este objectivo envolve:

- a patente comunitária

- e a directiva relativa às invenções biotecnológicas.

Actualmente, a protecção de patentes na União é assegurada por dois sistemas, nenhum deles baseado num instrumento jurídico da Comunidade: o sistema europeu de patentes e os sistemas nacionais de patentes. Consequentemente, a patenteação na Europa é onerosa e encontra-se ferida de incertezas jurídicas. Uma patente comunitária uniforme, válida em todos os Estados-Membros, continua a ser altamente desejável, nomeadamente num domínio de aplicação global como a biotecnologia. Com este aspecto presente, a Comissão avançou uma proposta de regulamento relativo à patente comunitária [12], que, depois de ter obtido o parecer do Parlamento Europeu, foi discutida no Conselho, tendo este chegado a acordo político em 3 de Março de 2003.

[12] COM(2000) 412.

A Directiva 98/44/CE [13] relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas foi adoptada depois de um demorado e construtivo debate, que se prolongou por dez anos no Conselho e no Parlamento Europeu. Durante estas negociações, reconheceu-se plenamente que as invenções biotecnológicas representam um sector em franca expansão e requerem um sólido quadro jurídico, por forma a permitir que as empresas europeias desenvolvam e comercializem os produtos e processos delas resultantes. Implantou-se com grande celeridade uma série de novas técnicas imensamente promissoras para fins terapêuticos, industriais e alimentares, pelo que o legislador considerou essencial não coarctar o seu desenvolvimento.

[13] JO L 213, de 30.7.1998, p.13.

Esta directiva, que é vital para o progresso científico, a inovação e a competitividade, vigora desde 30 de Julho de 2000. A Organização Europeia de Patentes, um organismo não comunitário que concede patentes válidas, entre outros, no território dos Estados-Membros, alterou o seu regulamento de execução em 1999, de modo a levar em consideração as disposições da Directiva 98/44/CE.

Tal como previsto na alínea c) do artigo 16.º da Directiva 98/44/CE, a Comissão apresentou ao Parlamento Europeu e ao Conselho o seu relatório anual sobre a evolução e as implicações do direito de patentes no domínio da biotecnologia e da engenharia genética [14], no intuito de acompanhar os progressos registados e evitar qualquer disfunção neste sector. O relatório destaca em particular as disposições fundamentais da directiva, à luz do acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 9 de Outubro de 2001 [15].

[14] COM(2002) 545 final, de 7.10.2002.

[15] Processo C-377/98.

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça Europeu rejeitou a acção de anulação interposta pelos Países Baixos, reiterando de jure os princípios essenciais da directiva e lançando uma nova luz sobre diversas disposições específicas. O Tribunal confirmou em particular o âmbito de aplicação da directiva e a sua compatibilidade com os acordos internacionais vigentes no domínio da biotecnologia.

O Tribunal salientou que a directiva observa os direitos fundamentais relacionados com o respeito da dignidade da pessoa humana e da integridade da pessoa.

Por último, o Tribunal recordou também a patenteabilidade de invenções relacionadas com vegetais.

Apesar do exposto acima, até à data, apenas seis Estados-Membros [16] transpuseram a Directiva 98/44/CE para os respectivos sistemas jurídicos, enquanto os demais Estados-Membros se encontram em diferentes estádios do procedimento. A estes já foram enviados pareceres fundamentados, a segunda fase dos processos formais por infracção nos termos do artigo 226.º do Tratado CE, instando-os a transpor para as ordens jurídicas nacionais a Directiva 98/44/CE.

[16] Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Reino Unido, Grécia e Espanha.

A transposição desta directiva constitui uma obrigação jurídica decorrente do Tratado e é essencial que ela seja cumprida, de modo a evitar quaisquer discrepâncias entre as legislações dos Estados-Membros. Em comparação com os nossos concorrentes, esta situação entrava significativamente o progresso da biotecnologia na Europa.

Prioridades para acções futuras

* Na sequência do acordo político de 3 de Março de 2003, a Comissão convida o Conselho a resolver as dificuldades remanescentes e a adoptar o regulamento relativo à patente comunitária antes do fim de 2003. Além disso, o Conselho é convidado a tomar uma decisão em tempo útil com vista à criação de um tribunal centralizado, sobre o qual a Comissão poderá agora apresentar uma proposta no momento oportuno. Terá ainda de se chegar a acordo relativamente às alterações à Convenção sobre a Patente Europeia, de modo a permitir que o Instituto Europeu de Patentes conceda patentes comunitárias.

* Tendo em conta o acórdão do Tribunal de Justiça, a Comissão exorta os Estados-Membros em questão a transporem e a aplicarem integral e rapidamente a Directiva 98/44/CE.

* Por seu turno, a Comissão irá debruçar-se sobre as duas questões seguintes, identificadas no relatório:

a) o alcance a conferir a patentes sobre sequências e sequências parciais de genes isolados do corpo humano;

b) a patenteabilidade das células estaminais humanas e das linhagens obtidas a partir destas.

Estes dois temas serão estudados e analisados por um grupo de peritos independentes, especializados em economia, direito e ciências naturais. Este grupo ajudará também a Comissão a identificar temas prioritários que deverão ser focados em futuros relatórios.

d) Organismos Geneticamente Modificados (OGM)

Quadro regulador e percepção pública

O quadro regulador relativo à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (Directiva 90/220/CEE), em vigor desde 1990, e relativo a novos alimentos e ingredientes alimentares (Regulamento (CE) n.º 258/97), em vigor desde 1997, já prevê um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente.

Registaram-se progressos consideráveis na consolidação do quadro regulador para os OGM, a saber:

- a Directiva 2001/18/CE [17], que prevê um procedimento de autorização de OGM mais completo, é inteiramente aplicável desde 17 de Outubro de 2002. Esta directiva melhora a legislação relativa à libertação deliberada de OGM no ambiente, fornecendo uma base sólida para a gestão transparente e responsável da utilização de OGM. Além disso, vigoram já as medidas de execução [18] necessárias para a aplicabilidade da directiva na data referida, incluindo notas de orientação para a avaliação de riscos e monitorização;

[17] JO L 106, de 17.4.2001, p.1.

[18] Decisão 2002/813/CE do Conselho, que estabelece o modelo de resumo das notificações relativas à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados para outros fins que não a colocação no mercado (JO L 280, de 10.8.2002, p.62), Decisão 2002/812/CE do Conselho, que estabelece o modelo de resumo das notificações relativas à colocação no mercado de organismos geneticamente modificados enquanto produtos ou componentes de produtos (JO L 280, de 10.8.2002, p.37), Decisão 2002/623/CE da Comissão, que estabelece notas de orientação destinadas a completar o anexo II da Directiva 2001/18/CE (JO L 200, de 30.7.2002, p.22), Decisão 2002/811/CE do Conselho, que estabelece notas de orientação destinadas a completar o anexo VII da Directiva 2001/18/CE (JO L 280, de 10.8.2002, p.27).

- após as primeiras leituras do Parlamento Europeu, chegou-se a acordo político no Conselho sobre duas propostas da Comissão em matéria de organismos geneticamente modificados (OGM), que estabelecem um sistema comunitário abrangente para a rastreabilidade e a rotulagem de OGM e que regulam a colocação no mercado e a rotulagem de alimentos geneticamente modificados destinados ao consumo humano e animal [19] [20];

[19] Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à rastreabilidade e rotulagem de organismos geneticamente modificados, à rastreabilidade de alimentos para consumo humano e animal produzidos a partir de organismos geneticamente modificados e que altera a Directiva 2001/18/CE (COM (2001) 182 final).

[20] Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a alimentos geneticamente modificados para a alimentação humana e animal. (COM (2001) 425 final).

- avançou-se na aplicação do Protocolo de Cartagena, que garante a todos os países signatários a liberdade de procederem a uma avaliação de riscos antes de aceitarem a importação de um novo OGM. Em 17 de Outubro de 2002, o Conselho de Ministros do Ambiente chegou a acordo sobre a proposta da Comissão com vista à transposição do Protocolo de Cartagena para o direito comunitário, que passará assim a reger a exportação de OGM [21].

[21] Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à transferência transfronteiras de organismos geneticamente modificados (COM (2002) 85 final).

Além disso, foi constituída uma Rede Europeia de Laboratórios OGM (ENGL), que deverá contribuir de forma mais eficaz para uma aplicação uniforme da legislação em toda a Comunidade através da harmonização e normalização de meios e métodos de amostragem, detecção, identificação e quantificação de OGM ou produtos derivados numa grande variedade de formas, tais como sementes, cereais, alimentos para consumo humano, alimentos para consumo animal e amostras ambientais.

A Rede Europeia de Laboratórios OGM foi criada para desempenhar o papel de rede de excelência científica e técnica da União Europeia no âmbito da regulação comunitária em matéria de OGM.

A rede foi inaugurada em Bruxelas, em 4 de Dezembro de 2002, e, actualmente, é composta por 44 laboratórios de execução da UE, aos quais se juntam a Noruega e um conjunto de observadores, tais como os países candidatos. O laboratório OGM do Centro Comum de Investigação (CCI) da Comissão coordenará as actividades da rede. Funcionará como o laboratório de referência da UE para a legislação sobre os OGM no domínio dos alimentos para consumo humano e animal.

O quadro regulador em matéria de OGM e de alimentos geneticamente modificados destinados ao consumo humano e ao consumo animal é um dos mais exaustivos e transparentes do mundo nesta matéria. Visa assegurar um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente, dar segurança jurídica aos operadores, atender às preocupações públicas - nomeadamente de carácter ético -, facilitar a escolha dos consumidores e, deste modo, fomentar uma maior confiança do público quanto à utilização de OGM. A Comissão considera ter cumprido os seus compromissos no sentido de criar condições para tornar operacional o procedimento de autorização de OGM e está pronta a desempenhar o papel que lhe cabe na gestão do novo procedimento. Os Estados-Membros deverão assumir igualmente as suas responsabilidades, por forma a assegurarem uma evolução em termos de autorizações. No entanto, apesar do aperfeiçoamento do quadro regulador, persistem as preocupações públicas e políticas com os OGM. Embora as aplicações médicas que recorrem aos OGM tenham continuado a registar progressos, já o mesmo não se pode dizer da utilização dos OGM na agricultura, onde, até à data, não se detectam benefícios sensíveis para os consumidores.

Desde Outubro de 1998, os avanços na autorização de novos OGM têm sido restritos. No entanto, foram colocados no mercado comunitário, nos termos do regulamento relativo a novos alimentos [22], géneros alimentícios - «substancialmente equivalentes» a produtos convencionais - derivados de OGM.

[22] Regulamento (CE) n.º258/97 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Janeiro de 1997, relativo a novos alimentos e ingredientes alimentares (JO L 43, de 14.2.1997, p.1).

O prazo para a transposição da Directiva 2001/18/CE era até 17 de Outubro de 2002. Presentemente, apenas a Dinamarca e a Suécia comunicaram as suas medidas de aplicação relativas a esta directiva. A Comissão já endereçou notificações a 13 Estados-Membros motivadas pela não comunicação de medidas de transposição e está a equacionar o envio de uma notificação ao Reino Unido em razão da comunicação parcial dessas medidas.

O mais recente inquérito Eurobarómetro sobre a opinião dos europeus acerca da biotecnologia indica que, embora haja, em geral, uma flexibilização das atitudes em relação à biotecnologia, os alimentos geneticamente modificados continuam a ser encarados como desprovidos de vantagens e portadores de riscos.

Embora a definição de um quadro jurídico claro e estável para a aprovação de OGM e produtos deles derivados seja da competência das autoridades públicas, é à indústria biotecnológica que cabe fundamentalmente explicar e comprovar os benefícios da utilização de OGM.

A estagnação nas autorizações de novos OGM tem consequências directas para as actividades de investigação sobre os OGM e os ensaios de campo com OGM na Europa.

Impacto sobre as actividades de investigação e desenvolvimento em matéria de OGM

Para obter uma panorâmica das actividades de investigação de base e aplicada sobre os OGM na Europa, realizou-se um inquérito junto de empresas e institutos de investigação privados que trabalham neste ramo [23]. O inquérito revela que, nos últimos quatro anos, 39% dos inquiridos cancelaram projectos de I&D sobre Organismos Geneticamente Modificados (OGM), apontando como razões principais a falta de clareza do quadro regulador e as incertezas quanto à situação do mercado. A tendência para o cancelamento de projectos de I&D é baixa no sector público (23% dos inquiridos afirmaram ter cancelado projectos) e mais elevada no sector privado (com 61% de respostas nesse sentido).

[23] «Review of GMOs under Research and Development and in the pipeline in Europe», um estudo em curso do Institute of Prospective Technological Studies (IPTS-JRC) e do Observatório Europeu da Ciência e Tecnologia.

Além disso, o número de notificações para ensaios de campo com OGM na UE cresceu em ritmo acelerado entre 1991 e 1998, mas decaiu bruscamente desde então (registando um decréscimo de 76% em finais de 2002). Em 2001, a base de dados do CCI, que mantém um registo dos ensaios de campo na UE, recebeu apenas 61 notificações para ensaios de campo com plantas geneticamente modificadas, contra mais de 250 em 1998. Não se verificou uma redução tão pronunciada no número de ensaios de campo com OGM fora da Europa (por exemplo, no Estados Unidos). Segundo o estudo, trata-se de uma reacção à ausência de progressos na comercialização de novos OGM, bem como à tendência generalizada do público europeu para rejeitar os OGM.

Esta situação sublinha a importância de um quadro regulador claro e estável, não só para promover a aceitação por parte dos consumidores e para dar segurança jurídica aos operadores na cadeia de produção e distribuição, para também para inverter a situação de declínio acelerado na investigação europeia em matéria de OGM.

Prioridades para acções futuras

Neste quadro, a Comissão solicita:

* aos Estados-Membros em questão que transponham e apliquem integral e rapidamente a Directiva 2001/18/CE, e ainda que não travem novas autorizações de produtos geneticamente modificados que cumpram os requisitos legais vigentes;

* ao Parlamento Europeu e ao Conselho que adoptem o mais rapidamente possível as duas propostas da Comissão relativas à rastreabilidade e rotulagem de OGM e aos alimentos geneticamente modificados destinados à alimentação humana e animal,

de modo a fornecer um enquadramento jurídico modernizado, assente na transparência e na eficácia, que fomente a liberdade de escolha dos consumidores e dê segurança jurídica aos operadores.

e) Questões internacionais

O recurso à biotecnologia é cada vez mais frequente a nível mundial. No sector agro-alimentar, a biotecnologia desenvolveu-se muito rapidamente e continua a crescer. Em 2002, foram plantados cerca de 58 milhões de hectares de culturas geneticamente modificadas. Embora os Estados Unidos continuem a dominar a produção de géneros alimentícios geneticamente modificados, vários países em vias de desenvolvimento produziram culturas geneticamente modificadas ou começaram a utilizar OGM na agricultura.

Foros e iniciativas internacionais existentes

Actualmente, os debates sobre a biotecnologia e aspectos relacionados com ela decorrem numa grande diversidade de foros internacionais. Existe um conjunto de organizações internacionais com competências directas nas questões relacionadas com a biotecnologia - o Protocolo de Cartagena regula aspectos relativos à biossegurança e a Convenção sobre Diversidade Biológica, os aspectos relativos à biodiversidade; a agricultura está sob a alçada da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO); a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são responsáveis pelos direitos de propriedade intelectual e pela transferência de tecnologia; a OMC, pelas trocas comerciais; o Codex Alimentarius, sob a égide da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da FAO, pela análise de riscos de alimentos derivados da biotecnologia moderna; a protecção de espécies vegetais rege-se pela Convenção Fitossanitária Internacional; e a Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento (OCDE) assegura a elaboração de documentos de consenso.

Recentemente, foram lançadas novas iniciativas e outras organizações debruçaram-se também sobre a questão da biotecnologia. Em 2000 e 2001, a OCDE organizou duas conferências sobre culturas e alimentos para animais geneticamente modificados, que contou com participantes de todo o mundo; a ONUDI tenciona organizar um Fórum Global sobre Biotecnologia em finais de 2003; a OMS está a trabalhar sobre a segurança dos alimentos geneticamente modificados; e o Banco Mundial lançou um processo de consulta sobre a avaliação internacional do papel das ciências e tecnologias agrícolas na luta contra a fome, na melhoria dos modos de vida rurais e no fomento de um crescimento económico ambientalmente sustentável.

Necessidade de melhorar o diálogo

O número crescente de iniciativas internacionais constitui um reflexo das diversas preocupações e da actual controvérsia em torno da biotecnologia, levantando a questão mais fundamental relacionada com a governação internacional. Cada uma das organizações supracitadas desempenha um papel essencial no seu domínio específico e, contudo, nenhuma delas parece ser o foro adequado para a promoção de um diálogo aberto e transparente entre todas as partes interessadas. Este diálogo sobre todas as questões na esfera da biotecnologia facilitaria a compreensão mútua das preocupações e dos objectivos dos diversos países e regiões. Sem ele, existe o risco de que a abordagem da biotecnologia no plano internacional se sobreponha e se torne demasiado fragmentária e incoerente. Além disso, os países em vias de desenvolvimento têm também cada vez mais dificuldade em dispor dos recursos necessários à participação em todas as iniciativas em curso.

A melhoria do diálogo é particularmente importante sobretudo nos casos em que as exigências de regulação e as preocupações de países e regiões divergem. A actual evolução do quadro regulador da UE, em particular, tem estado a ser acompanhada de perto por um conjunto de países terceiros, e alguns deles manifestaram fortes reservas quanto à aplicação da legislação vigente e à concepção de normas futuras.

Os agentes e interesses económicos envolvidos na produção de culturas geneticamente modificadas transcendem as fronteiras nacionais. Por conseguinte, para o governo da inovação biotecnológica, é imperioso encontrar uma forma de definir à escala mundial normas e princípios comuns, respeitando sempre a prossecução de abordagens legítimas em diferentes pontos do globo. Este desafio tem-se revelado difícil. O recurso às instâncias judiciais ou o desrespeito ostensivo pelos legítimos direitos dos governos não irá resolver as preocupações públicas manifestadas em vários países e, provavelmente, apenas gerará mais controvérsia e extremará posições.

A actual divergência de opiniões entre a UE e alguns dos seus parceiros comerciais está a contribuir para a percepção de que falta «governação internacional» no domínio da biotecnologia, especialmente em relação à biotecnologia agrícola.

O exemplo mais significativo é a ameaça, formulada por alguns países terceiros, de acção judicial na Organização Mundial do Comércio contra a legislação comunitária em matéria de biotecnologia.

Ameaças de acção judicial na OMC

Na reunião de Novembro de 2002 do Comité sobre o Acordo Sanitário e Fitossanitário da Organização Mundial do Comércio (OMC), os Estados Unidos, o Canadá, a Argentina e as Filipinas voltaram a manifestar a sua preocupação relativamente à forma como a UE continua a tratar a aprovação de novos OGM e a compatibilidade com as normas da OMC da legislação europeia nova e futura - nomeadamente das propostas da Comissão relativas à rastreabilidade e rotulagem de OGM e a alimentos geneticamente modificados para consumo humano e animal.

A introdução de OGM na agricultura levanta igualmente questões com incidência na saúde humana, no ambiente, na coexistência economicamente viável de diferentes sistemas de produção agrícola, nos direitos de propriedade intelectual e no comércio.

Muitos países em vias de desenvolvimento ainda não elaboraram políticas para dar resposta a estes aspectos e vários carecem ainda de capacidade para conceberem e aplicarem legislação em matéria de biotecnologia.

Culturas geneticamente modificadas e países em vias de desenvolvimento

A recente crise alimentar na África Austral e o facto de a ajuda alimentar prestada conter OGM despertou mais uma vez a atenção do público para a questão da introdução de OGM em determinados países em vias de desenvolvimento.

A recente polémica foi desencadeada pelo envio por parte dos Estados Unidos de quantidades significativas de alimentos geneticamente modificados no pacote de ajuda alimentar, em resposta à grave carência de alimentos na África Austral. O milho fornecido pelos Estados Unidos contém grão de variedades geneticamente modificadas.

Num primeiro momento, alguns países da região [24] recusaram-se a aceitar o milho por diversas razões - entre as quais a preocupação com a saúde humana, considerações ambientais, preocupação com direitos de propriedade intelectual, o risco de propagação de transgénicos na sua própria produção de milho e as repercussões que essa propagação poderia ter sobre o comércio regional e internacional.

[24] No início de Outubro, o Lesoto e a Suazilândia aceitaram o cereal geneticamente modificado, enquanto o Malavi, o Zimbabué e Moçambique aceitaram levantar as respectivas proibições, desde que o cereal geneticamente modificado fosse moído antes da distribuição, afastando assim a possibilidade de um cruzamento entre o milho geneticamente modificado e as culturas autóctones. A Zâmbia continua a recusar o cereal geneticamente modificado.

A Comissão considera que todos os países têm o direito de tomar as medidas que entenderem pertinentes para controlar a disseminação, intencional ou acidental, de organismos geneticamente modificados no seu território. No entanto, como princípio geral, os quadros reguladores devem levar em consideração o estádio actual do conhecimento científico, devem ser transparentes e estáveis e não devem restringir as trocas comerciais mais do que o estritamente necessário para atingir os seus objectivos, atendendo ao nível de protecção que visam assegurar. Verifica-se a necessidade de melhorar a governação internacional no domínio na biotecnologia e de garantir a possibilidade de coexistência de mecanismos reguladores diferentes.

Até à data, o Fórum Consultivo EU-Estados Unidos sobre Biotecnologia, lançado pelo Presidente da Comissão, Romano Prodi, e pelo Presidente dos EUA, Bill Clinton, em Maio de 2000, continua a constituir caso único de um grupo independente de peritos que representam perspectivas diversas dos dois lados do Atlântico. O Fórum representou um exercício útil para promover a compreensão e o consenso em relação a algumas das questões difíceis e contenciosas inerentes às diferenças de pontos de vista sobre a biotecnologia na UE e nos Estados Unidos, e entre os respectivos governos. Devido ao contexto e às causas das polémicas em torno da biotecnologia e da sua rápida evolução, o Fórum formulou um conjunto de recomendações, que incluía trabalhos e análises aprofundados. A Comissão tornou pública a sua posição relativamente às recomendações do Fórum [25] e está disposta a prosseguir o diálogo com vista a uma solução conjunta para os aspectos em apreço.

[25] http://europa.eu.int/comm/ external_relations/us/biotech/ec_commentary.htm.

No passado recente, foi efectivamente equacionada a possibilidade de encetar um processo internacional para envolver um vasto leque de partes interessadas. De facto, na Cimeira de Okinawa, de Julho de 2000, o G8 concordou «em analisar, em consulta com as organizações internacionais e as entidades interessadas, incluindo instituições científicas, a forma mais eficaz de integrar o melhor conhecimento científico disponível no processo global com vista a um consenso sobre a biotecnologia e outros aspectos da segurança dos alimentos e das culturas agrícolas». Após os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, o G8 tem-se concentrado na luta contra o terrorismo, pelo que a questão da segurança dos alimentos e da biotecnologia foi adiada.

Em 30 e 31 de Janeiro de 2003, a Comissão organizou uma conferência em Bruxelas sobre a biotecnologia na agricultura dos países em vias de desenvolvimento. À conferência acorreram mais de 900 participantes de todo o mundo, entre os quais se contavam cientistas, representantes governamentais, de ONG, da indústria e dos meios de comunicação social.

Prioridades para acções futuras

É oportuno aprofundar a reflexão sobre a necessidade de um fórum consultivo multilateral para facilitar um diálogo aberto e equilibrado, no qual participem todos os agentes, e para fomentar a coerência dos acordos alcançados nas diversas instâncias.

Um organismo consultivo desta natureza deverá ser capaz de estimular um vasto espectro de interesses, incluindo cientistas e uma amostra representativa da sociedade civil, no intuito de contribuir para gerar um consenso internacional sobre questões relacionadas com a biotecnologia, sem duplicar o trabalho em curso nos foros internacionais instituídos. Esta iniciativa deveria assumir-se como uma fase essencial para se atingir uma melhor compreensão global das questões ligadas à aplicação da biotecnologia e às diferenças nos esforços de regulação entre regiões e entre países.

A Comissão aprofundará a sua reflexão sobre esta matéria, verificando a viabilidade do fórum e a disponibilidade dos nossos parceiros comerciais para participarem neste diálogo. Apoiará igualmente uma análise independente dos conhecimentos científicos disponíveis sobre a agricultura biotecnológica nos países em vias de desenvolvimento.

4. Conclusões gerais

- A estratégia da Comissão relativa às ciências da vida e à biotecnologia tem sido amplamente considerada como uma iniciativa de envergadura e uma realização significativa.

- Com a estratégia, a Comissão comprometeu-se a melhorar a coerência de políticas e acções, de modo a fomentar uma abordagem integrada relativamente a todas as aplicações das ciências da vida e da biotecnologia. A Comissão está pronta para continuar a cumprir estes compromissos.

- Realizaram-se progressos em algumas áreas, mas, em outras, registam-se sérios atrasos. É necessário que todos os agentes públicos e privados envolvidos na estratégia assumam compromissos e promovam acções. A Comissão é apenas um dos intervenientes neste domínio. Muitas das acções propostas são em larga medida ou inteiramente da competência dos Estados-Membros ou de agentes privados. A estratégia só poderá ser bem sucedida se for acompanhada por acções complementares em cada Estado-Membro - por exemplo, pela elaboração e execução de estratégias nacionais de biotecnologia. Pela sua parte, a Comissão está disponível para continuar a desempenhar o seu papel de dinamizadora, contribuindo para os esforços envidados por terceiros, e com a missão específica de garantir um quadro europeu coerente. As conclusões do Conselho de Novembro de 2002 constituem um contributo muito significativo para este quadro, pelo que agora se impõe um esforço concertado para prosseguir o processo de execução.

- É essencial uma política coerente e clara dos Estados-Membros em matéria de biotecnologia. A experiência demonstra que acções divergentes e descoordenadas são passíveis de reduzir seriamente o impacto, a eficácia e a coerência da estratégia da UE neste domínio. Importa chamar a atenção para a aparente incoerência entre, por um lado, as conclusões dos Conselhos de Lisboa, Estocolmo, Barcelona e Sevilha, que fixam o objectivo de tornar a UE numa das mais importantes economias baseadas no conhecimento, promovem todas as potencialidades da biotecnologia e reclamam uma maior competitividade do sector biotecnológico europeu. Ora, por outro lado, quando estas declarações se concretizaram em compromissos e normas vinculativos, nem sempre foi dado o mesmo sinal inequívoco. Mais especificamente, a manutenção de uma situação de incerteza jurídica, nomeadamente a falta de progressos em matéria de OGM, e a não transposição da legislação europeia sobre patentes, aliada ao atraso na criação de uma patente europeia uniforme, têm consequências para a competitividade, as capacidades de investigação e o comércio. Impõe-se uma acção decisiva num conjunto de sectores identificados pelo presente relatório.

- O quadro regulador em matéria de OGM, designadamente as propostas da Comissão relativas à rastreabilidade e rotulagem de OGM e aos alimentos geneticamente modificados destinados ao consumo humano e animal, prevê um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente, dá segurança jurídica aos operadores, atende às preocupações públicas e facilita a escolha dos consumidores, fomentando assim uma maior confiança do público quanto à utilização de OGM. Para se inverter a actual situação de rápido declínio na investigação europeia sobre OGM, é igualmente importante que o quadro regulador seja claro e estável.

- À semelhança de outros progressos científicos, os rápidos avanços registados nas ciências da vida geram grandes expectativas em relação à cura de doenças e à melhoria da qualidade de vida, mas, ao mesmo tempo, suscitam apreensão quanto às suas consequências éticas e sociais. As autoridades públicas no seu conjunto têm de atender às preocupações sobre as condições em que se efectuam as opções fundamentais neste domínio. Pela sua parte, a Comissão Europeia está empenhada em que os aspectos éticos, jurídicos, sociais ou os aspectos culturais mais gerais, bem como as diferentes formas de pensar subjacentes, sejam levados em consideração o mais cedo possível na investigação financiada pela Comunidade. O debate ético e social tem de continuar a ser uma componente natural do processo de investigação e desenvolvimento, solicitando tanto quanto possível o envolvimento da sociedade.

- Por último, verifica-se a necessidade de um esforço conjunto para alargar a compreensão da biotecnologia a nível internacional. Para este efeito, será equacionada a criação de um fórum consultivo multilateral, capaz de entabular um diálogo de largo espectro sobre a biotecnologia.

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