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Document 61994TJ0273

Sumário do acórdão

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

15 de Maio de 1997

Processo T-273/94

N

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Funcionários — Dever de lealdade — Suspeita de actos contrários à dignidade da função — Cooperação leal do funcionário no inquérito — Ausência — Processo disciplinar — Demissão»

Texto integral em língua francesa   II-289

Objecto:

Recurso que tem por objecto, por um lado, um pedido de anulação da decisão da Comissão de 4 de Outubro de 1993 que demite o recorrente e, por outro, um pedido de indemnização.

Decisão:

Negado provimento ao recurso.

Resumo

O recorrente entra ao serviço da Comissão, em 31 de Janeiro de 1983, como funcionário do grau A 4 da Direcção-Geral dos Transportes (DG VII). Em Junho de 1991, é nomeado chefe adjunto encarregado dos processos da segurança aérea na Unidade 3 («Segurança aérea - Controlo de tráfego aéreo - Política industrial - Aspectos sociais») da Direcção C («Transportes aéreos») da DG VII.

Antes da sua entrada ao serviço da Comissão, trabalha no mesmo domínio, na qualidade de consultor, ao serviço da sociedade de direito grego Doxiadis Associates (Doxiadis), nomeadamente na Nigéria.

De 26 de Junho a 3 de Julho de 1992, goza de licença sem vencimento, indicando na sua ficha de licença que se encontra na Grécia. No entanto, durante esse mesmo período, vai também à Nigéria.

Numa nota de 6 de Julho de 1992, o Serviço de Segurança da Comissão (Serviço de Segurança) declara que, segundo uma fonte de informação digna de fé, mas que deseja guardar o anonimato, vai ser creditada uma enorme soma de dinheiro — 45 milhões de USD — na conta pessoal do recorrente, que se encontra na Nigéria. Supõe-se que esta transferência representa a remuneração de um contrato celebrado entre o Governo nigeriano e o recorrente e que diz respeito a trabalhos realizados em 1982. Segundo a mesma fonte, pode tratar-se de uma operação de branqueamento de dinheiro.

Tendo em conta os documentos que lhe são apresentados, a Société générale de banque, com sede em Bruxelas, onde se encontra aberta a conta pessoal do recorrente, recusa-se a executar a transferência solicitada.

Na sequência de informações recolhidas, o Serviço de Segurança da Comissão empreende investigações e decide ouvir o recorrente.

Por carta de 8 de Outubro de 1992, a Comissão informa o recorrente da sua decisão de lhe instaurar um processo disciplinar e de o ouvir em conformidade com as disposições do artigo 87.o do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (Estatuto). A audição do recorrente em conformidade com o disposto no artigo 87.o do Estatuto tem lugar em 16 de Outubro de 1992.

No quadro deste processo, a Direcção B da DG IX dirige um pedido de informações à Doxiadis no que toca às suas relações com o recorrente. A Doxiadis responde por carta de 5 de Janeiro de 1993.

Por relatório de 24 de Março de 1993, o director-geral do pessoal e da administração, agindo na qualidade de autoridade investida do poder de nomeação (AIPN), solicita a intervenção do Conselho de Disciplina no caso do recorrente. As acusações retidas contra o recorrente consistem em infracções aos deveres de lealdade e de confiança de qualquer funcionário para com a instituição.

Em 6 de Julho de 1993, o recorrente é ouvido pelo Conselho de Disciplina. No mesmo dia, o Conselho de Disciplina emite um parecer fundamentado. Após ter examinado as informações recolhidas, conclui que «é de opinião de que o Sr. [N] faltou gravemente aos deveres de lealdade e de confiança de qualquer funcionário para com a instituição, de uma maneira susceptível de prejudicar gravemente a sua reputação», e recomenda à AIPN a retrogradação do recorrente. Em 10 de Setembro e 4 de Outubro de 1993, o recorrente é ouvido pela AIPN. Por decisão de 4 de Outubro de 1993, a AIPN desvia-se da recomendação do Conselho de Disciplina e inflige ao recorrente a sanção de demissão (decisão impugnada).

A decisão de demissão produz efeitos a partir de 1 de Dezembro de 1993.

Quanto ao pedido de anulação

Quanto ao fundamento extraído de irregularidade do processo disciplinar

Quanto às condições de obtenção das informações que estão na origem do processo disciplinar

Ao tomar conhecimento da existência de elementos susceptíveis de atentar contra os seus interesses, a Comissão devia, por força das disposições do título VI do Estatuto, relativo ao regime disciplinar, abrir um inquérito, a fim de poder, eventualmente, tomar as medidas necessárias para a salvaguarda ou para a protecção desses interesses (n.o 69).

A simples circunstância de as informações poderem ter sido comunicadas por um banco, em violação de disposições nacionais relativas à protecção do segredo bancário, não era de natureza a impedi-la de instaurar um processo disciplinar (n.o70).

A instauração do processo disciplinar não constituiu, por outro lado, uma violação do direito ao respeito da vida privada (n.o 71).

Este direito fundamental, consagrado igualmente pelo artigo 8.o da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), faz parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito o tribunal comunitário assegura, em conformidade com as tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, bem como com os instrumentos internacionais em que os Estados-Membros foram partes ou aos quais aderiram (n.o 72).

Ver: Tribunal de Justiça, 26 de Junho de 1980, National Panasonic/Comissão(136/79, Recueil, p. 2033, n.o 5 17 e 18); Tribunal de Justiça, 8 de Abril de 1992, Comissão/Alemanha(C-62/90, Colect..p. I-2575, n.o 23)

Estes princípios não são todavia prerrogativas absolutas, antes podem comportar restrições, na condição de estas satisfazerem efectivamente objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e de não constituírem, em relação ao objectivo prosseguido, uma intervenção desmedida e intolerável que atentaria contra a própria essência dos direitos assim garantidos (n.o 73).

Ver: Tribunal de Justiça, 11 de Julho de 1989, Schröder (265/87, Colect., p. 2237, n.o 15); Comissão/Alemanha (já referido, n.o23); Tribunal de Justiça, 5 de Outubro de 1994, X/Comissão (C-404/92P, Colect., p. I-4737, n.o 18); Tribunal de Primeira Instância, 13 de Julho de 1995, K/Comissão (T-176/94, ColectFP, p. II-621, n.o 33)

Ora, ao abrir um inquérito e, a seguir, um processo disciplinar, na sequência de informações susceptíveis de se relacionarem com actos ilegais do recorrente e, portanto, com infracções graves aos deveres decorrentes do Estatuto, a Comissão não levou a cabo, de forma alguma, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria essência do direito ao respeito da vida privada (n.o 74).

Quanto à tramitação do processo disciplinar

Embora o artigo 1.o do anexo IX do Estatuto, relativo ao processo disciplinar, preveja que o relatório pelo qual o Conselho de Disciplina é solicitado a intervir deve indicar claramente os factos imputados, nenhuma outra disposição do Estatuto consagra tal obrigação na fase das entrevistas prévias destinadas a verificar a exactidão de dados recolhidos pela instituição. Com efeito, nesta fase, a instituição não está em condições de formular acusações contra o funcionário, enquanto não houver verificações que lhe permitam apreciar se há que instaurar um processo disciplinar (n.o 79).

A Comissão tem obrigação de proteger o anonimato do informador em certos casos. O artigo 214.o do Tratado - que obriga os membros e os agentes das instituições da Comunidade a não divulgarem informações que, por sua própria natureza, são cobertas pelo segredo profissional - constitui um princípio geral que se aplica mesmo a informações fornecidas por pessoas singulares, se tais informações forem por natureza confidenciais. No caso de informações fornecidas a título puramente voluntário, mas acompanhadas de um pedido de confidencialidade com vista a proteger o anonimato do informador, a instituição que aceita receber essas informações é obrigada a respeitar tal condição. Um processo instaurado em seguida com base em informações cuja origem não é revelada é regular, desde que não seja afectada a possibilidade de a pessoa em causa dar a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade ou o alcance dos factos ou documentos comunicados, ou ainda sobre as conclusões que deles tira a Comissão (n.o 81).

Ver: Tribunal de Justiça, 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão (85/76, Recueil, p. 461, n.o 14); Tribunal de Justiça, 7 de Novembro de 1985, Adams/Comissão (145/83, Recueil, p. 3539, n.o 34)

O carácter contraditório de um processo como o que corre os seus termos perante o Conselho de Disciplina e os direitos de defesa em tal processo exigem que o recorrente e, eventualmente, o seu advogado possam tomar conhecimento de todos os elementos de facto nos quais a decisão foi baseada, e isto em tempo útil, para apresentarem as suas observações. No entanto, na ausência de pedido do interessado, nenhuma obrigação de a AIPN comunicar a integralidade do processo do funcionário que é objecto de um processo disciplinar pode ser deduzida do Estatuto (n.o 88).

Ver: Tribunal de Justiça, 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão(228/83, Recueil, p. 275, n.o 23); Tribunal de Justiça, 11 de Julho de 1985, R./Comissão (255/83 e 256/83, Recueil, p. 2473, n.o 17); Tribunal de Primeira Instância, 17 de Outubro de 1991, De Compte/Parlamento (T-26/89, Colect., p. II-781, n.o 122)

Dai resulta que a Comissão é obrigada a comunicar à pessoa que é objecto de um inquérito os documentos que revelam factos importantes para o exercício dos seus direitos de defesa, mas não forçosamente outros documentos, na ausência de pedido com esse fim (n.o 89).

Ver: F./Comissão (já referido, n.o 24); Tribunal de Primeira Instância, 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão(T-7/89, Colect., p. II-1711, n.œ 51 e 52)

Finalmente, no que toca à alegação do recorrente, segundo a qual a Comissão não respeitou o seu direito a um processo equitativo previsto pelo artigo 6.o da CEDH, basta salientar que o processo perante a Comissão não é judicial, mas administrativo, e que a Comissão não pode ser qualificada como «tribunal» na acepção do artigo 6.o da CEDH. O direito a um processo equitativo, tal como o visado por esta última disposição, não pode, por consequência, ser invocado no quadro de um processo disciplinar (n.c 95).

Ver: Tribunal de Justiça, 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão (100/80, 101/80, 102/80 e 103/80, Recueil, p. 1825, n.o7); De Compte/Parlamento (já referido, n.o 94)

Quanto aos fundamentos extraídos de erros manifestos de apreciação dos factos e de violação do princípio da proporcionalidade

Uma decisão que inflige uma sanção de demissão implica necessariamente considerações delicadas por parte da instituição, tendo em conta as consequências sérias e irreversíveis que dela decorrem. A instituição dispõe a este respeito de um amplo poder de apreciação e o controlo jurisdicional limita-se a uma verificação da exactidão material dos factos retidos, da ausência de erro manifesto na apreciação dos factos e da ausência de desvio de poder (n.o 125).

A obrigação do recorrente particularmente posta em causa no caso em apreço é a prevista nestes termos pelo artigo 12.o, primeiro parágrafo, do Estatuto: «O funcionário deve abster-se de quaisquer actos e, em particular, de exprimir publicamente opiniões que possam lesar a dignidade do seu cargo» (n.o 126).

Essa disposição visa garantir que os funcionários comunitários, no seu comportamento, apresentem uma imagem de dignidade conforme com a conduta particularmente correda e respeitável que se tem o direito de esperar dos membros de uma função pública internacional (n.o 127).

Ver: Tribunal de Primeira Instância, 7 de Março de 1996, Williams/Tribunal de Contas (T-146/94, ColectFP, p. II-329, n.o 65)

Tal disposição pode ser relacionada com o disposto no artigo 11.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, por força do qual o funcionário deve pautar a sua conduta tendo unicamente em vista os interesses das Comunidades, e com o artigo 21.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, nos termos do qual o funcionário é obrigado a assistir e a aconselhar os seus superiores (n.o 128).

Extrai-se do conjunto dessas disposições um dever de lealdade do funcionário em relação à sua instituição, que deve levá-lo, tanto mais se tem um grau elevado, a dar prova de um comportamento acima de qualquer suspeita, a fim de que os laços de confiança existentes entre essa instituição e ele próprio sejam sempre preservados (n.o 129).

Resulta dos autos que o recorrente não fez um esforço sério para permitir à Comissão esclarecer a situação de facto que esteve na origem do inquérito, mas, pelo contrário, agravou as interrogações legítimas da instituição à qual pertencia, dando-lhe explicações insuficientes, variáveis no tempo e contraditórias (n.o 141).

Tendo em conta o exame dos factos, não pode sustentar-se que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que o recorrente faltou gravemente aos seus deveres estatutários (n.o 145).

Estando demonstrada a realidade dos factos em que se baseia a acusação contra o funcionário, a escolha da sanção adequada pertencia à AIPN, e o tribunal comunitário não poderá censurar a escolha dessa sanção, salvo em caso de erro manifesto ou de desvio de poder (n.o 147).

Ver: Tribunal de Justiça, 30 de Maio de 1973, De Greef/Comissão (46/72, Recueil, p. 543, n.o 45, Colect., p. 231); F./Comissão(já referido, n.o 34); De Compte/Parlamento(já referido, n.os 220 e 222); Tribunal de Primeira Instância, 26 de Janeiro de 1995, D/Comissão (T-549/93, ColectFP, p. II-43, n.o 96)

No caso em apreço, nenhum elemento dos autos permite concluir que a sanção infligida seja manifestamente desproporcionada em relação às infracções retidas ou que a Comissão tenha usado dos seus poderes com uma finalidade diferente daquela para a qual tais poderes lhe foram conferidos.

Quanto ao pedido de indemnização

Quando existe uma relação directa entre um recurso de anulação e uma acção de indemnização, esta última é admissível quando acessória do recurso de anulação, sem dever ser precedida de um pedido que emane do interessado e convide a AIPN a reparar os prejuízos pretensamente sofridos, bem como de uma reclamação em que o reclamante conteste o bem-fundado do indeferimento tácito ou expresso do seu pedido. No entanto, o pedido de reparação do prejuízo material ou moral deve ser rejeitado quando apresente uma ligação estreita com um pedido de anulação que tenha sido rejeitado por inadmissível ou por falta de fundamento (n.o 159).

Ver: Tribunal de Primeira Instância, 6 de Fevereiro de 1992, Castelleti e o./Comissão (T-29/91, Colect., p. II-77, n.o 29); Tribunal de Primeira Instância, 5 de Fevereiro de 1997, Ibarra Gil/Comissão (T-207/95, ColectFP, p. II-31, n.o 88); Tribunal de Primeira Instância, 5 de Fevereiro de 1997, Petit-Laurent/Comissão(T-211/95, ColectFP, p. II-57, n.o 88)

No caso em apreço, existe uma ligação estreita entre o pedido de indemnização e o recurso de anulação. Nestas circunstâncias, o pedido de indemnização é admissível, não obstante a ausência de pedido e de reclamação prévios, mas deve ser rejeitado quanto ao fundo, na medida em que o exame dos fundamentos apresentados em apoio do pedido de anulação não revelou qualquer ilegalidade cometida pela Comissão nem, portanto, qualquer falta de natureza a determinar a sua responsabilidade (n.o 160).

Por outro lado, mesmo que se considerasse que não existe uma ligação estreita entre cada parte do pedido de indemnização e o recurso de anulação, esta parte do pedido deveria ser rejeitada por inadmissível, pois, tendo sido apresentada pela primeira vez na petição, não foi precedida de um processo pré-contencioso regular (n.o 161).

Ver: Tribunal de Primeira Instância, 28 de Janeiro de 1993, Piette de Stachelski/Comissão (T-53/92, Colect, p. II-35, n.o 18)

Dispositivo:

E negado provimento ao recurso.

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