This document is an excerpt from the EUR-Lex website
Document 62019CJ0052
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de outubro de 2021.
Banco Santander SA contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.°, n.° 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito relativo à seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento.
Processo C-52/19 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de outubro de 2021.
Banco Santander SA contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.°, n.° 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito relativo à seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento.
Processo C-52/19 P.
Court reports – general
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:794
Processo C‑52/19 P
Banco Santander, SA
contra
Comissão Europeia
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de outubro de 2021
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Regime fiscal — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Conceito de “auxílio de Estado” — Requisito relativo à seletividade — Sistema de referência — Derrogação — Diferença de tratamento — Justificação da diferença de tratamento»
Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida que confere um benefício fiscal — Critério pertinente para demonstrar a seletividade da medida — Introdução de uma diferenciação não justificada pela natureza e pela sistemática do regime fiscal geral entre operadores que se encontram numa situação factual e jurídica comparável
(Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)
(cf. n.os 23‑28, 81, 106)
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Fundamento apresentado pela primeira vez em sede de recurso — Inadmissibilidade — Fundamento que visa exclusivamente contestar a justeza do acórdão recorrido — Fundamento que tem origem no próprio acórdão recorrido — Admissibilidade
(Artigo 256.o, n.o 1, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.o; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 170.o, n.o 1)
(cf. n.os 37‑41, 92, 113)
Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida que confere um benefício fiscal — Quadro de referência para determinar a existência de um benefício — Delimitação material — Medida que constitui o seu próprio quadro de referência — Requisitos — Regime fiscal claramente delimitado, que prossegue objetivos específicos — Inexistência
(Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)
(cf. n.os 42‑48, 57‑59)
Recurso de anulação — Competência do juiz da União — Interpretação da fundamentação de um ato administrativo — Limites
(Artigo 263.o e 264.° TFUE)
(cf. n.os 52, 53, 60‑62, 65)
Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida que confere um benefício fiscal — Quadro de referência para determinar a existência de um benefício — Critérios — Introdução de uma exceção a uma regra fiscal geral — Alcance
(Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)
(cf. n.os 76, 77)
Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida que confere um benefício fiscal — Medida de caráter geral aplicável indistintamente a todos os operadores económicos — Medida não aplicável a operações comparáveis às que condicionam a sua concessão — Introdução de uma diferenciação não justificada pela natureza e pela sistemática de um regime fiscal geral — Respeito do princípio da proporcionalidade — Medida que pode ser qualificada de seletiva
(Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)
(cf. n.os 81, 121)
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Apreciação errada dos factos e dos elementos de prova — Inadmissibilidade — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos factos e dos elementos de prova — Exclusão, salvo em caso de desvirtuação — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da qualificação jurídica dada aos factos do litígio — Inclusão
(Artigo 256.o TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.o, primeiro parágrafo)
(cf. n.o 94)
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Fundamentos de um acórdão que enfermam de violação do direito da União — Parte decisória baseada noutros fundamentos de direito — Rejeição
(Artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.o, primeiro parágrafo)
(cf. n.os 105, 109, 110)
Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Auxílios fiscais à exportação — Inclusão — Requisitos
(Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)
(cf. n.o 108)
Resumo
O Tribunal de Justiça nega provimento aos recursos interpostos dos acórdãos do Tribunal Geral que confirmaram a qualificação do regime fiscal espanhol de amortização do goodwill financeiro de auxílio de Estado incompatível com o mercado interno
Em 2007, no seguimento de várias perguntas escritas colocadas por membros do Parlamento Europeu, e de uma denúncia de um operador privado, a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação da compatibilidade da legislação fiscal espanhola relativa à amortização do goodwill financeiro em caso de aquisições de participações noutras empresas por parte de sociedades residentes com as disposições do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado.
Ao abrigo de uma medida fiscal introduzida em 2001 na lei espanhola relativa ao imposto sobre as sociedades (a seguir «medida fiscal em causa»), o goodwill financeiro resultante de uma aquisição, por parte de uma empresa residente, de participações de pelo menos 5% numa sociedade estrangeira, pode ser deduzido pela referida empresa residente, sob a forma de amortização da matéria coletável do imposto sobre as sociedades, desde que essa empresa detenha as participações de forma ininterrupta durante pelo menos um ano. Em contrapartida, as aquisições de participações por parte de empresas tributadas em Espanha noutras empresas residentes não dão lugar a uma amortização do goodwill financeiro, salvo em caso de concentração de empresas.
Por decisões de 28 de outubro de 2009 ( 1 ) e de 12 de janeiro de 2011 ( 2 ) (a seguir «decisões controvertidas»), a Comissão declarou que a medida fiscal em causa constituía um regime de auxílios incompatível com o mercado interno e impôs a Espanha a obrigação de recuperar os auxílios concedidos.
Chamado a conhecer de vários recursos de anulação interpostos por empresas estabelecidas em Espanha ( 3 ), o Tribunal Geral anulou as referidas decisões por acórdãos de 7 de novembro de 2014 ( 4 ), considerando que a Comissão não tinha demonstrado o caráter seletivo da medida fiscal em causa — sendo a seletividade um dos critérios necessários e cumulativos que permitem qualificar uma medida nacional de auxílio de Estado.
Na sequência dos recursos interpostos pela Comissão, o Tribunal de Justiça anulou os referidos acórdãos pelo facto de, em substância, os mesmos assentarem numa conceção errónea do requisito de seletividade de uma vantagem, e remeteu os processos para o Tribunal Geral ( 5 ). Na sequência dessa remessa, o Tribunal Geral confirmou o caráter seletivo da medida fiscal em causa e negou provimento aos recursos de anulação apresentados contra as decisões controvertidas ( 6 ).
Chamado a conhecer dos recursos que, por sua vez, foram interpostos pelas empresas recorrentes e pelo Reino de Espanha (a seguir «recorrentes»), o Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, nega provimento aos mesmos, precisando a sua jurisprudência em matéria de seletividade de medidas fiscais.
Apreciação do Tribunal de Justiça
O Tribunal de Justiça começa por rejeitar os fundamentos de inadmissibilidade suscitados pela Comissão, segundo a qual certos argumentos apresentados pelas recorrentes nos seus recursos não tinham sido invocados perante o Tribunal Geral.
A este respeito, o Tribunal de Justiça recorda que não se pode considerar que os fundamentos e argumentos que têm origem no próprio acórdão recorrido, e que se destinam a contestá‑lo juridicamente, alteram o objeto do litígio no Tribunal Geral. Assim, são admissíveis os argumentos através dos quais as recorrentes contestam as consequências extraídas da solução jurídica encontrada pelo Tribunal Geral para os fundamentos debatidos perante ele.
No que respeita à seletividade da medida fiscal em causa, o Tribunal de Justiça precisa, em seguida, que a mera circunstância de a referida medida apresentar caráter geral, pelo facto de a priori poder beneficiar todas as empresas sujeitas a imposto sobre as sociedades, consoante realizem ou não certas operações, não exclui que a mesma possa ter natureza seletiva. Com efeito, o requisito da seletividade está preenchido quando a Comissão consegue demonstrar que tal medida derroga o regime fiscal normal aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo assim, pelos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores que, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal normal, se encontram numa situação factual e jurídica comparável.
Para poder qualificar uma medida fiscal nacional de seletiva, a Comissão deve seguir um método em três etapas. Em primeiro lugar, deve identificar o regime fiscal comum ou normal aplicável no Estado‑Membro. Em seguida, deve demonstrar que a medida fiscal em causa derroga este sistema de referência ao introduzir diferenciações entre empresas que, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum ou normal, se encontram numa situação factual e jurídica comparável. Por último, deve verificar se a diferenciação introduzida se justifica por resultar da natureza ou da sistemática em que se inscreve.
À luz destas considerações, no âmbito dos processos C‑51/19 P e C‑64/19 P, C‑52/19 P, C‑53/19 P e C‑65/19 P, C‑54/19 P e C‑55/19 P, o Tribunal de Justiça debruça‑se sobre a alegação das recorrentes relativa a um alegado erro do Tribunal Geral na determinação do sistema de referência.
Neste contexto, o Tribunal de Justiça salienta que a determinação do sistema de referência deve resultar de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas aplicáveis por força do direito nacional. Se a medida em exame for indissociável do sistema fiscal geral do Estado‑Membro em causa é a esse sistema que cumpre fazer referência. Em contrapartida, quando se verifica que a medida em causa pode claramente ser destacada do referido sistema geral, não é de excluir que o quadro de referência a ter em conta seja mais restrito que o referido sistema geral, ou mesmo que se identifique com essa medida, nos casos em que esta se apresente como uma regra dotada de lógica jurídica autónoma. Por outro lado, na determinação do sistema de referência, a Comissão deve ter em conta as características constitutivas do imposto, tal como são definidas pelo Estado‑Membro em causa. Em contrapartida, nessa primeira fase do exame da seletividade, não há que ter em conta os objetivos prosseguidos pelo legislador na adoção da medida sujeita a exame.
No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, antes de mais, que resulta claramente das decisões controvertidas que o sistema de referência adotado pela Comissão é constituído pelas disposições gerais do regime do imposto sobre as sociedades que regulam o goodwill em geral.
Em seguida, rejeita o argumento das recorrentes segundo o qual o Tribunal Geral, para determinar o sistema de referência, baseou‑se na técnica regulamentar escolhida pelo legislador nacional para adotar a medida fiscal em causa, a saber, a introdução de uma derrogação à regra geral.
A este respeito, o Tribunal de Justiça salienta que o recurso, pelo legislador nacional, a uma determinada técnica regulamentar, como a da introdução de uma derrogação a uma regra geral, não basta para definir o sistema de referência pertinente para efeitos da análise da seletividade. Tal caráter derrogatório pode, no entanto, revelar‑se pertinente quando daí resulte, como no caso em apreço, que duas categorias de operadores são distinguidas sendo, a priori, objeto de tratamento diferenciado, concretamente, os operadores abrangidos pela medida derrogatória e os que continuam a ser abrangidos pelo regime fiscal comum. Assim, foi com razão que o Tribunal Geral teve em conta, entre outras considerações, o caráter derrogatório da medida fiscal em causa para efeitos do exame do seu caráter seletivo.
No âmbito do processo C‑50/19 P, o Tribunal de Justiça confirma, além disso, que uma medida nacional pode ser seletiva mesmo se o benefício da vantagem nela prevista não depender das características da empresa beneficiária, mas da operação que esta decide ou não realizar. Assim, uma medida nacional pode ser considerada seletiva mesmo quando não identifique ex ante uma categoria particular de beneficiários e quando todas as empresas estabelecidas no território do Estado‑Membro em causa, independentemente da sua dimensão, da sua forma jurídica, do seu setor de atividade ou de outras suas características próprias, tiverem potencialmente acesso à vantagem prevista por essa medida, desde que procedam a um determinado tipo de investimento. Com efeito, a constatação de existência de seletividade não resulta necessariamente da impossibilidade de certas empresas beneficiarem da vantagem prevista pela medida em causa devido às suas características próprias, mas pode resultar da simples constatação de que existe uma operação que, apesar de comparável àquela que condiciona a concessão da vantagem em causa, não dá direito a esta, favorecendo, por conseguinte, apenas as empresas que optam por realizar esta última operação.
Por último, o Tribunal de Justiça constata que, em todos os processos em causa, ao identificar, no âmbito da segunda fase da análise da seletividade, a manutenção de uma certa coerência entre o tratamento fiscal e o tratamento contabilístico do goodwill enquanto objetivo do sistema de referência, o Tribunal Geral substituiu a fundamentação das decisões controvertidas pela sua própria fundamentação e cometeu, por isso, um erro de direito.
Este erro não é, todavia, suscetível de implicar a anulação dos acórdãos recorridos, na medida em que os seus dispositivos se baseiam noutros fundamentos jurídicos. A este respeito, o Tribunal Geral referiu‑se corretamente à sua jurisprudência segundo a qual o exame da comparabilidade a efetuar no âmbito da segunda etapa da análise da seletividade deve ser realizado à luz do objetivo do sistema de referência, e não à luz do objetivo da medida controvertida. Foi portanto com razão que o Tribunal Geral constatou que as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes estão, face ao objetivo prosseguido pelo tratamento fiscal do goodwill, numa situação jurídica e factual comparável à das empresas que adquirem participações em sociedades residentes. A este respeito, as recorrentes não conseguiram especificamente demonstrar que as empresas que adquirem participações em sociedades não residentes se encontram numa situação jurídica e factual diferente e, portanto, não comparável à das empresas que adquirem participações em Espanha.
( 1 ) Decisão 2011/5/CE da Comissão, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48).
( 2 ) Decisão 2011/282/UE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1). Esta decisão foi objeto de duas correções publicadas no Jornal Oficial da União Europeia em 3 de março de 2011 e 26 de novembro de 2011.
( 3 ) Nomeadamente Autogrill España SA (atualmente World Duty Free Group, SA), Banco Santander SA, e Santusa Holding SL.
( 4 ) Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), e Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938).
( 5 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, CP 139/16).
( 6 ) Acórdãos de 15 de novembro de 2018, Banco Santander/Comissão (T‑227/10, não publicado, EU:T:2018:785), Sigma Alimentos Exterior/Comissão (T‑239/11, não publicado, EU:T:2018:781), Axa Mediterranean/Comissão (T‑405/11, não publicado, EU:T:2018:780), Prosegur Compañía de Seguridad/Comissão (T‑406/11, não publicado, EU:T:2018:793), World Duty Free Group/Comissão (T‑219/10 RENV, EU:T:2018:784), e Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11 RENV, EU:T:2018:787, CP 175/18).