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Document 62009CJ0212

    Sumário do acórdão

    Palavras-chave
    Sumário

    Palavras-chave

    Livre circulação de capitais – Restrições – Direito das sociedades – Legislação nacional que cria a favor do Estado direitos especiais na gestão de uma empresa privatizada

    (Artigos 56.°, n.° 1, CE, 58.° CE e 86.°, n.° 2, CE)

    Sumário

    Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE um Estado‑Membro que mantém direitos especiais, a seu favor e a favor de outras entidades públicas, atribuídos em conexão com acções privilegiadas («golden shares») detidas por esse Estado no capital social da referida sociedade, relativas, nomeadamente, à eleição do presidente do conselho de administração e à atribuição ao mesmo de um direito de veto na eleição de um número de administradores não superior a um terço do total, bem como relativas a deliberações de alteração do contrato de sociedade, deliberações que visem autorizar a celebração de contratos de grupo paritário ou de subordinação e quaisquer deliberações que, de algum modo, possam pôr em causa o abastecimento do país de petróleo, gás ou produtos derivados dos mesmos.

    Com efeito, o mencionado direito de veto, na medida em que confere ao referido Estado uma influência na gestão e no controlo da sociedade que não é justificada pela amplitude da participação que nela detém, é susceptível de dissuadir os operadores de outros Estados‑Membros de efectuarem investimentos directos no capital social desta última, na medida em que não podem participar na gestão e no controlo desta sociedade na proporção do valor das suas participações. De igual modo, o direito de veto em causa pode ter um efeito dissuasivo nos investimentos de carteira no capital social da sociedade, na medida em que uma eventual recusa do Estado em causa em aprovar uma decisão importante, apresentada pelos órgãos desta sociedade como sendo do interesse desta, é, com efeito, susceptível de pesar sobre o valor das acções da referida sociedade e, por conseguinte, sobre a atractividade de um investimento nessas acções.

    O direito de designar o presidente do conselho de administração constitui uma restrição à livre circulação de capitais, na medida em que tal direito específico constitui uma derrogação ao direito comum das sociedades, prevista em benefício exclusivo dos actores públicos através de uma medida legislativa nacional. Embora essa possibilidade possa ser atribuída pela lei como direito de uma minoria qualificada, neste caso, deve ser concedida a todos os accionistas, não devendo ser exclusivamente reservada ao Estado. Com efeito, ao limitar a possibilidade de outros accionistas, para além do Estado, participarem no capital social da sociedade para criarem ou manterem laços económicos duradouros e directos com esta, que permitam uma participação efectiva na sua gestão ou no seu controlo, o direito de nomear um administrador é susceptível de dissuadir os investidores directos de outros Estados Membros de investirem no capital desta sociedade.

    No que respeita às derrogações previstas no artigo 58.º CE, é certo que a necessidade de garantir a segurança do abastecimento energético desse Estado‑Membro, em caso de crise, de guerra ou de terrorismo, pode constituir uma razão de segurança pública e justificar, eventualmente, um entrave à livre circulação de capitais. Todavia, as exigências de segurança pública devem, nomeadamente enquanto derrogações ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, ser interpretadas em sentido estrito, pelo que o seu âmbito não pode ser determinado unilateralmente por cada Estado‑Membro sem fiscalização das instituições da União. Assim, a segurança pública apenas pode ser invocada em caso de ameaça real e suficientemente grave, que afecte um interesse fundamental da sociedade. Quando um Estado se limita a invocar o motivo relativo à segurança do abastecimento energético, sem precisar as razões exactas pelas quais considera que cada um dos direitos especiais controvertidos, ou o conjunto destes direitos, permitiriam evitar tal afectação de um interesse fundamental como o abastecimento energético, não pode ser acolhida uma justificação com base na segurança pública.

    Por outro lado, no que se refere à proporcionalidade da restrição em causa, a incerteza criada pelo facto de o exercício de direitos especiais que a detenção de acções privilegiadas no capital social da sociedade confere ao Estado não estar sujeito a nenhuma condição ou circunstância específica e objectiva, constitui uma violação grave da liberdade de circulação de capitais, na medida em que confere às autoridades nacionais, no que respeita ao exercício de tais direitos, uma margem de apreciação tão discricionária que não pode ser considerada proporcionada aos objectivos prosseguidos.

    Por último, o artigo 86.°, n.° 2, CE não é aplicável às disposições nacionais referidas e não pode, por conseguinte, ser invocado para justificar essas disposições, na medida em que estas constituem restrições à livre circulação de capitais consagrada pelo Tratado. Com efeito, o artigo 86.°, n.° 2, CE, lido em conjugação com o n.° 1 do mesmo artigo, permite justificar a concessão, por um Estado‑Membro, a uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral, de direitos especiais ou exclusivos contrários às disposições do Tratado, na medida em que o cumprimento da missão particular que foi confiada a essa empresa só possa ser assegurado graças à concessão desses direitos e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado em medida contrária ao interesse da União. Esse não é, contudo, o objectivo da legislação nacional que atribui a um Estado‑Membro direitos especiais numa sociedade anónima em conexão com acções privilegiadas detidas por esse Estado no capital social da referida sociedade.

    (cf. n. os  57‑60, 82‑83, 85, 88, 90‑92, 95, 97 e disp.)

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