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Document 62000CJ0015
Sumário do acórdão
Sumário do acórdão
1. Banco Europeu de Investimento - Poder de organização interna - Decisão que prevê as modalidades da cooperação com o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) - Competência do Conselho de Governadores
[Estatutos do Banco Europeu de Investimento, artigos 9.° , n.° 3, alínea h), e 13.° , n.° 3]
2. Recurso de anulação - Actos recorríveis - Actos do Banco Europeu de Investimento - Actos da competência do Conselho de Governadores - Inclusão - Adopção por outro órgão do Banco - Não incidência
[Artigo 237.° , alínea b), CE]
3. Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) - Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo OLAF - Âmbito de aplicação - Banco Europeu de Investimento - Inclusão
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 1073/1999, artigo 1.° , n.° 3, e n.° 1074/1999, artigo 1.° , n.° 3)
4. Banco Europeu de Investimento - Autonomia - Alcance
(Artigo 267.° CE)
5. Banco Europeu de Investimento - Controlos susceptíveis de serem exercidos sobre o Banco - Diferenciação em função do objecto dos controlos - Controlo das contas da gestão financeira não exclusivo da aplicação dos Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF)
(Artigos 248.° , n.os 1 e 3, CE e 280.° CE; Estatutos do Banco Europeu de Investimento, artigo 14.° ; artigo 203.° EA; Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.os 1073/1999 e 1074/1999)
6. Banco Europeu de Investimento - Autonomia - Aplicação dos Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) - Compatibilidade
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.os 1073/1999 e 1074/1999)
7. Disposições financeiras - Interesses financeiros da Comunidade - Conceito - Recursos e despesas do Banco Europeu de Investimento - Inclusão
(Artigo 280.° CE)
8. Disposições financeiras - Protecção dos interesses financeiros da Comunidade - Artigo 280.° CE - Objecto - Alcance - Adopção de medidas normativas para aplicação nas instituições, órgãos e organismos comunitários - Inclusão
(Artigo 280.° CE)
9. Actos das instituições - Escolha da base jurídica - Regulamento n.° 1074/1999, relativo aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) - Artigo 203.° EA
(Artigos 183.° -A EA e 203.° EA; Regulamento n.° 1074/1999 do Conselho)
10. Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) - Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo OLAF - Violação do princípio da proporcionalidade no que se refere à inclusão do Banco Europeu de Investimento no seu âmbito de aplicação - Inexistência
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.os 1073/1999 e 1074/1999)
11. Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) - Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo OLAF - Violação pela decisão do comité executivo do Banco Europeu de Investimento, de 10 de Novembro de 1999, relativa à cooperação com o OLAF
(Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.os 1073/1999 e 1074/1999; decisão do comité executivo do Banco Europeu de Investimento, de 10 de Novembro de 1999)
1. Uma decisão que tem por objecto prever as modalidades da cooperação do Banco Europeu de Investimento com o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), no que diz respeito à comunicação de informações relativas a eventuais actividades fraudulentas e à realização de inquéritos relativos a essas actividades no seio do Banco, é do âmbito da competência do conselho de governadores e não do comité executivo.
Com efeito, essa decisão não pode ser abrangida pela «gestão dos assuntos correntes do Banco Europeu de Investimento», na acepção do artigo 13.° , n.° 3, dos seus Estatutos, nem, em termos mais gerais, pela esfera de competência própria do comité executivo. Além disso, resulta do artigo 9.° , n.° 3, alínea h), dos referidos Estatutos que, no Banco, é em princípio o conselho de governadores que tem o poder de organização interna e que é, portanto, competente para adoptar as medidas apropriadas para assegurar o funcionamento interno do Banco no interesse de uma boa administração deste último. É esse o caso da elaboração, por uma instituição ou um organismo comunitário, de procedimentos relativos ao controlo da regularidade das operações efectuadas no seu seio, destinada nomeadamente a assegurar o seu bom funcionamento, e que é susceptível de ser abrangida pelo domínio da organização interna dessa instituição ou desse organismo, sem prejuízo dos limites impostos pelo direito comunitário.
( cf. n.os 66-68, 70 )
2. Ao submeter as deliberações do conselho de governadores do Banco Europeu de Investimento à fiscalização do Tribunal de Justiça, o artigo 237.° , alínea b), CE tem por objectivo, nomeadamente, assegurar que todos os actos adoptados pelo Banco que estão abrangidos pela esfera de competências do referido conselho possam ser submetidos ao Tribunal de Justiça.
Uma interpretação dessa disposição que exclua um acto daquela natureza dos que podem ser impugnados com base nesta disposição pela simples razão de o referido acto ter sido adoptado por outro órgão do Banco, como o comité executivo, conduz a um resultado contrário ao espírito dessa disposição, e isto independentemente da adopção do acto em causa ser ou não a consequência de uma alteração deliberada do seu processo decisório por parte do Banco.
Tal interpretação ignora, além disso, a circunstância de que a Comunidade Europeia é uma comunidade de direito na medida em que nem os seus Estados-Membros nem as suas instituições estão isentos da fiscalização da conformidade dos seus actos com a carta constitucional que é o Tratado e que este último estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos actos das instituições. Com efeito, embora não sendo uma instituição da Comunidade Europeia, o Banco Europeu de Investimento não deixa de ser um organismo comunitário instituído pelo Tratado CE, com personalidade jurídica, e é a esse título que está sujeito à fiscalização do Tribunal de Justiça, nomeadamente nos termos previstos no artigo 237.° , alínea b), CE.
( cf. n.os 73-75 )
3. O âmbito de aplicação dos Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), estende-se ao Banco Europeu de Investimento. Com efeito, a expressão «instituições, órgãos e organismos criados pelos Tratados ou com base nos mesmos», que figura no artigo 1.° , n.° 3, desses regulamentos, deve ser interpretada no sentido de que engloba o Banco Europeu de Investimento, que constitui um organismo comunitário instituído pelo Tratado CE e que goza de personalidade jurídica. Ora, não resulta do preâmbulo nem das disposições dos referidos regulamentos que o legislador comunitário pretendeu fazer qualquer distinção entre as diversas instituições, órgãos ou organismos instituídos pelos Tratados ou com base nos mesmos. O sétimo considerando dos regulamentos já referidos sublinha expressamente, pelo contrário, a necessidade de alargar o âmbito dos inquéritos internos do OLAF a «todas» as referidas instituições, órgãos e organismos.
( cf. n.os 97-99 )
4. O reconhecimento ao Banco Europeu de Investimento de uma autonomia funcional e institucional não tem como consequência destacá-lo completamente das Comunidades e subtraí-lo à aplicação das normas de direito comunitário. Com efeito, resulta nomeadamente do artigo 267.° CE que o Banco se destina a contribuir para a realização dos objectivos da Comunidade Europeia e que, portanto, se insere, por força do Tratado, no âmbito comunitário. Daqui resulta que a posição do Banco Europeu de Investimento é ambivalente no sentido de que é caracterizada pela independência quanto à gestão dos seus assuntos, nomeadamente no domínio das operações financeiras, por um lado, e por um estreito vínculo com a Comunidade no que respeita aos seus objectivos, por outro.
( cf. n.° 102 )
5. As disposições dos artigos 248.° , n.os 1 e 3, CE, bem como 14.° dos Estatutos do Banco Europeu de Investimento, cujo objecto diz essencialmente respeito ao controlo das contas e da gestão financeira, não podem constituir um juízo antecipado acerca da eventual aplicabilidade ao Banco Europeu de Investimento de um regime de inquérito que, tal como o instituído com fundamento nos artigos 280.° CE e 203.° EA pelos Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), respectivamente, visa especificamente permitir a verificação de suspeitas relativas a casos de fraude, de corrupção ou a outras irregularidades lesivas dos interesses financeiros das Comunidades. Esse regime de inquérito não se assemelha, de modo algum, ao controlo das contas ou da gestão financeira da entidade em causa.
( cf. n.° 105 )
6. Nem a circunstância de o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) ter sido instituído pela Comissão e estar integrado nas estruturas administrativas e orçamentais desta última, nas condições previstas pela Decisão 1999/352, nem o facto de esse órgão externo ao Banco Europeu de Investimento ter sido investido pelo legislador comunitário dos poderes de inquérito, nas condições previstas pelos Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo OLAF, são, enquanto tais, susceptíveis de prejudicar a autonomia funcional e a reputação do Banco Europeu de Investimento nos mercados financeiros.
Efectivamente, o regime instaurado pelos referidos regulamentos traduz a vontade firme do legislador comunitário de subordinar a concessão dos poderes de que está investido o OLAF, por um lado, à existência de garantias destinadas a assegurar a estrita independência deste último, nomeadamente em relação à Comissão, e, por outro, ao pleno respeito das regras do direito comunitário, entre as quais, nomeadamente, o protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias, os direitos do homem e as liberdades fundamentais, bem como o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime Aplicável aos Outros Agentes das mesmas. O exercício dos referidos poderes está sujeito a diversas regras e garantias específicas, enquanto o seu objecto é claramente delimitado. Os inquéritos internos que o OLAF pode ser levado a efectuar devem também ser efectuados nas condições e segundo as regras previstas nas decisões adoptadas por cada instituição, órgão e organismo, pelo que não é de excluir que eventuais especificidades ligadas à actividade bancária do Banco Europeu de Investimento sejam, eventualmente, tomadas em consideração por este último no momento da adopção de tal decisão, tendo o Banco o ónus de provar a necessidade das restrições que adoptar a esse título.
( cf. n.os 106-109 )
7. A expressão «interesses financeiros da Comunidade», que figura no artigo 280.° CE, deve ser interpretada no sentido de que engloba não apenas as receitas e despesas do orçamento comunitário mas, em princípio, também as que são abrangidas pelo orçamento de outros órgãos ou organismos instituídos pelo Tratado. Com efeito, a referida expressão é própria do artigo 280.° CE e distingue-se da terminologia utilizada nas outras disposições do título II da parte V do Tratado, que se referem, invariavelmente, ao «orçamento» da Comunidade Europeia. Esta expressão parece, além disso, mais lata do que a de «receitas e [...] despesas da Comunidade», que figura, designadamente, no artigo 268.° CE. O próprio facto de um órgão ou organismo ter sido instituído pelo Tratado sugere, por fim, que o mesmo foi concebido para contribuir para a realização dos objectivos da Comunidade Europeia e inscreve-o na ordem jurídica comunitária, pelo que os meios de que dispõe nos termos do referido Tratado tem por natureza um interesse financeiro próprio e directo para a Comunidade.
Daqui se conclui que o Banco Europeu de Investimento está inserido, por força do Tratado, no quadro comunitário, e os seus recursos e a sua utilização têm um interesse financeiro manifesto para a Comunidade Europeia e os seus objectivos. Assim, a expressão «interesses financeiros da Comunidade», que figura no artigo 280.° CE, abrange também os recursos e despesas do referido Banco.
( cf. n.os 120-125 )
8. Ao inserir no artigo 280.° CE as precisões que figuram nos seus n.os 1 e 4, os autores do Tratado de Amesterdão pretenderam claramente reforçar a luta contra a fraude e as irregularidades lesivas dos interesses financeiros da Comunidade Europeia, nomeadamente conferindo expressamente a esta última uma missão própria que consiste em «combater», à semelhança dos Estados-Membros, essas fraudes e irregularidades através da adopção de «medidas» que tenham um «efeito dissuasor» e proporcionem uma «protecção efectiva nos Estados-Membros». A circunstância de o artigo 280.° , n.° 1, CE especificar que as referidas medidas serão adoptadas em conformidade com este artigo não significa de modo algum que se remete apenas para os números seguintes do mesmo artigo, e nomeadamente para o seu n.° 4, a fim de determinar o âmbito da competência comunitária na matéria. Com efeito, o artigo 280.° , n.° 4, CE deve ser interpretado no sentido de que completa a definição da competência comunitária e especifica determinadas condições do seu exercício.
Neste contexto, o facto de o artigo 280.° , n.° 4, CE se referir, nomeadamente, à necessidade de contribuir para uma protecção que seja efectiva e equivalente nos Estados-Membros não pode ser interpretado como sinal de uma vontade tácita dos autores do Tratado de Amesterdão, de impor à acção da Comunidade Europeia um limite suplementar tão fundamental quanto uma proibição de combater a fraude e as outras irregularidades lesivas dos seus interesses financeiros através da adopção de medidas normativas que visem as instituições, os órgãos e os organismos instituídos pelos Tratados ou com base nos mesmos. Além de não resultar do texto do artigo 280.° CE, essa limitação da competência comunitária não é, de modo algum, compatível com os objectivos prosseguidos por esta disposição. Com efeito, para tornar efectiva a protecção dos interesses financeiros da Comunidade Europeia, é imperativo que a dissuasão e a luta contra a fraude e as outras irregularidades intervenham a todos os níveis em que os referidos interesses possam ser afectados por tais fenómenos, e pode frequentemente acontecer que os fenómenos assim combatidos impliquem simultaneamente actores posicionados em diferentes níveis.
( cf. n.os 131-135 )
9. Dado que o artigo 183.° -A EA traduz efectivamente a existência de um objectivo autónomo de protecção dos interesses financeiros da Comunidade Europeia da Energia Atómica, não se pode admitir que o Regulamento n.° 1074/1999, relativo aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), que tem por objectivo a luta contra a fraude a tais interesses financeiros, não foi adoptado para realizar um dos objectivos da referida Comunidade, e, assim, que não podia ser adoptado com fundamento no artigo 203.° EA.
( cf. n.os 140, 143, 144 )
10. Os Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), não podem ser declarados inaplicáveis em relação ao Banco Europeu de Investimento devido à violação do princípio da proporcionalidade.
Com efeito, o legislador comunitário não comete um erro manifesto de apreciação ao considerar que é necessário, para reforçar a prevenção e a luta contra a fraude, a corrupção e as outras irregularidades lesivas dos interesses financeiros das Comunidades, criar um mecanismo de controlo centralizado num mesmo órgão especializado e exercido de modo independente e uniforme em relação às diferentes instituições, órgãos ou organismos instituídos pelos Tratados ou com base nestes, e isto não obstante a existência de mecanismos de controlo próprios dessas instituições, órgãos ou organismos. A este respeito, a função de inquérito confiada ao OLAF difere pela sua natureza e pelo seu objectivo específicos das missões de fiscalização geral das contas, como as de que estão nomeadamente investidos o Tribunal de Contas e o comité de fiscalização do Banco Europeu de Investimento.
Além disso, o legislador comunitário pode considerar que os mecanismos de controlo díspares, adoptados ao nível das instituições, órgãos ou organismos instituídos pelos Tratados ou com base nos mesmos, e dos quais tanto a existência como as regras são deixadas à apreciação de cada um deles, não constituem uma solução com um grau de eficácia equivalente ou que pode proporcionar um regime que tem por objecto centralizar a função de inquérito num mesmo órgão especializado e independente.
( cf. n.os 150, 166-168, 171 )
11. A decisão do comité executivo do Banco Europeu de Investimento, de 10 de Novembro de 1999, relativa à cooperação com o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), viola os Regulamentos n.os 1073/1999 e 1074/1999, relativos aos inquéritos efectuados pelo OLAF, nomeadamente o seu artigo 4.° , e excedeu a margem de autonomia de organização própria que o Banco conserva no domínio da luta contra a fraude, porque, à luz do seu preâmbulo e das suas disposições, essa decisão assenta na premissa errada de que os referidos regulamentos não são aplicáveis ao Banco e traduz, por conseguinte, a vontade deste último de organizar de forma exclusiva a luta contra a fraude no seu seio, desenvolvendo ao mesmo tempo determinadas formas de reduzida cooperação operacional com o OLAF, afastando a aplicação do regime instaurado pelos referidos regulamentos e substituindo a adopção da decisão referida no artigo 4.° , n.os 1, segundo parágrafo, e 6, destes últimos pela instauração de um regime diferente e próprio do Banco.
( cf. n.os 184-186 )